Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | JAIME FERREIRA | ||
| Descritores: | FALÊNCIA RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS ADMINISTRADOR CONTRATADO PARA A EMPRESA PRIVILÉGIO CREDITÓRIO | ||
| Data do Acordão: | 02/13/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA - 4º JUÍZO CÍVEL | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Legislação Nacional: | ARTºS 104º E 110º E 196º, NºS 3, 4 E 6, DO CPEREF; E 733º DO C. CIV. | ||
| Sumário: | I - Nos termos do artº 196º, nº 4, do CPEREF, “consideram-se reconhecidos os créditos não impugnados… e os demais créditos que possam sê-lo face aos elementos de prova contidos nos autos”, sendo certo que se a verificação de algum dos créditos necessitar de prova, a graduação de todos os créditos terá lugar na sentença final – nº 6 do citado artº 196º. II - Quando um crédito reclamado não tenha sido impugnado quer pelos demais credores, pela sociedade falida nem pelo liquidatário judicial, como o podem ser – artº 192º do CPEREF, na redacção do DL nº 38/2003, de 8/3 -, o mesmo tem de se considerar como reconhecido, não podendo sequer haver lugar a eventual produção de prova quanto ao mesmo, por não ser caso de elaboração de base instrutória sobre esse crédito, nos termos dos artºs 196º, nº 3, do CPEREF, e 511º, nº 1 do CPC. III – Havendo créditos que resultaram da actividade desempenhada por um credor enquanto “administrador único” da sociedade falida, cargo para o qual foi nomeado em Assembleia de Credores (no decurso do processo de recuperação de empresa que antecedeu o processo de insolvência), sob proposta do gestor judicial então designado e no âmbito da medida de recuperação então aprovada, tal actividade integra-se na previsão do artº 104º do CPEREF, isto é, a sua nomeação teve em vista a administração da empresa em recuperação, cessando na data da sua posse a actividade específica do gestor judicial – nº 2 desse preceito. IV - Não pode este “Administrador único” ser considerado como “gestor judicial”, apesar de com a sua posse ter findado essa figura ou as funções desempenhadas pelo gestor judicial antes designado, na medida em que nas novas funções daquele não estão abrangidas as funções próprias de um “gestor judicial”, como bem resulta do disposto nos artºs 35º, nºs 1 e 3, e 38º do CPEREF. V - E também não pode ser considerado como um “liquidatário judicial”, pois esta figura processual apenas existe já no processo de falência, conforme artº 128º do CPEREF, tendo até essa designação de ser feita pelo juiz do processo – artº 132º. VI - A remuneração deste administrador único não pode resultar das normas próprias do gestor judicial nem do estatuto do liquidatário judicial, como bem resulta do artº 133º do CPEREF e do Dec. Lei nº 254/93, de 15/07, à contrário. VII - Assim sendo, a dita ligação existente entre o Recorrente e a empresa apenas pode configurar um contrato de prestação de serviços oneroso, cuja remuneração está na base da reclamação de créditos por ele apresentada, nos termos dos artºs 1154º e 1156º e segs. do C. Civ., mas estes créditos não gozam de qualquer protecção especial em relação aos demais credores da empresa, por falta de lei nesse sentido – artº 733ºdo C. Civ.. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I No 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Coimbra, correm termos uns autos de processo de falência contra a sociedade comercial “Textilândia – Empresa de Malhas e Confecções, L.dª ”, com sede em Monte da Romeira, Estrada de Eiras, Coimbra, dos quais constituem apenso os presentes autos de reclamação de créditos.A falência da dita sociedade foi declarada por sentença de 24/03/2005, devidamente transitada em julgado. Por sentença de fls. 978 a 1045 dos presentes autos foram aí indicados os credores reclamantes (uma vez que a liquidatária judicial não juntou a relação a que alude o artº 191º do CPEREF) e foram verificados e graduados os créditos reclamados. II Dessa sentença interpuseram recurso António José Matos Loureiro (fls. 1103) e Licínio Lopes de Brito (fls. 1111), recursos estes que foram admitidos como apelações e com efeito devolutivo.Nas alegações apresentadas, e segundo a respectiva ordem de apresentação, por ambos os Apelantes foram expostas as seguintes conclusões: A – pelo Recorrente Licínio Lopes de Brito (fls. 1168 e segs.): 1ª - A reclamação de créditos do Recorrente não foi contestada nem impugnada por ninguém. 2ª - Foi apresentada juntamente com um extracto de conta corrente contabilístico emitido pela própria falida e rubricado pelo seu revisor oficial de contas, que reconhece o crédito do reclamante. 3ª - Esse documento, sendo da autoria da falida, tem um valor probatório superior a quaisquer facturas ou recibos emitidos pelo próprio reclamante. 4ª - Mas mesmo que assim não se entenda, devia ser concedida a possibilidade ao reclamante de produzir prova “mais idónea” da existência e verificação do seu crédito – artº 196º, nº 6, 197º e 199º do CPEREF. 5ª - A sentença recorrida violou o disposto nos artºs 196º, 197º e 199º desse diploma, e os artºs 355º, nº 4, 373º e 376º do C. Civ. 6ª - Termos em que deve ser revogada a sentença recorrida na parte em que não reconheceu o crédito do Apelante. B – pelo Recorrente António José Matos Loureiro (fls. 1244 e segs.): 1ª - Não é aplicável ao caso sub judice a disposição do artº 65º do CPEREF, como parece entender a sentença recorrida. As normas jurídicas aplicáveis ao caso são antes as normas dos artºs 738º, 743º e 746º do C. Civ. e 377º do Código do Trabalho. 2ª - O crédito do Apelante resulta de salários, de acréscimos (férias e subsídios de férias e de natal), e de despesas, resultantes da actividade profissional exercida para liquidação do património da falida, através da venda do estabelecimento fabril (equipamentos e edifício), que constituía todo o património corpóreo da falida. O crédito tem a sua fonte numa actividade de liquidação dos bens. 3ª - Na medida em que a sua actividade foi desenvolvida no âmbito do processo de recuperação de empresas, transformado em processo falimentar, é um crédito por despesas de justiça. E foi no estrito quadro do processo judicial de recuperação que desenvolveu esta sua actividade. 4ª - A actividade do liquidatário, ora Apelante, foi desenvolvida directamente no interesse comum dos credores. Todos estes com ela beneficiaram, pois conservava intacto o estabelecimento fabril, o maior valor da empresa, com vista à sua liquidação, a sua transformação em disponibilidades líquidas, que depois por todos seriam distribuídas, da forma que resultasse da verificação e graduação de créditos. 5ª - Como créditos por despesas de justiça, feitas directamente no interesse comum dos credores, para conservação e liquidação dos bens móveis e imóveis, gozam os créditos do Apelante de privilégios imobiliário e mobiliário, nos termos dos artºs 738º e 743º do C. Civ., privilégios esses por força dos quais tais créditos deverão ser graduados antes de todos os outros créditos com privilégio. 6ª - Ao decidir em contrário a sentença recorrida violou as normas dos artºs 738º, 743º e 746 do C. Civ.. E sem prescindir do exposto, 7ª - a actividade desenvolvida pelo Apelante foi-o sob a autoridade e direcção da empresa, através dos seus órgãos, em sede de processo de recuperação, de assembleia de credores e de comissão de fiscalização. 8ª - E na sua maior parte teve lugar a prestação de trabalho no edifício propriedade da falida. 9ª - Ou seja, ao abrigo de um contrato de trabalho, em que a remuneração consistia em salários, que ficaram em dívida. 10ª - E que nessa qualidade beneficiam dos privilégios creditórios estatuídos pelo artº 377º do Código do Trabalho. 11ª - Pelo que deverão ser graduados a par e passo com os demais créditos dos restantes trabalhadores. 12ª - Ao decidir em contrário a sentença recorrida violou a disposição do artº 377º do Código do Trabalho. 13ª - Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra em que os créditos do Apelante sejam graduados em 1º lugar, antes de todos os outros créditos reconhecidos e, quando assim se não entenda devem os créditos do Apelante ser graduados como créditos laborais, a par com os restantes créditos dos trabalhadores. III Não foram apresentadas contra-alegações.Nesta Relação foram aceites ambos os recursos interpostos e tal como foram admitidos em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, sem qualquer observação, pelo que nada obsta a que se conheça dos respectivos objectos. Começando a nossa tarefa pelo recurso interposto pelo Apelante Licínio, o objecto do seu recurso traduz-se na reapreciação da sentença recorrida na parte em que não reconheceu nem graduou o crédito do Recorrente. Apreciando, resulta da sentença recorrida que “uma vez decorrido o prazo para as reclamações, não juntou a liquidatária judicial a relação dos créditos reclamados e dos credores reclamantes e não reclamantes, a que alude o disposto no artº 191º do CPEREF, nem os pareceres referidos no artº 195º do CPEREF ”. E face a tal constatação foram indicados, nessa sentença, os credores reclamantes, entre os quais foi mencionado este Apelante – Licínio Lopes de Brito -, conforme fls. 992, com um crédito de € 89.987,79 correspondente ao saldo de uma conta corrente emergente do fornecimento de serviços à falida e não pagos. E resulta de fls. 190 deste apenso essa reclamação, com a qual foi apresentado um extracto de conta corrente existente entre a Reclamante e a sociedade falida, na qual se indica um saldo a favor da Reclamante de € 89.987,70, reportado a 31/07/2004, reclamação que foi apresentada em 10/05/2005. Também se constata quer da referida sentença quer dos autos que tal crédito não foi objecto de qualquer impugnação ou contestação. No entanto, na dita sentença não foi reconhecido o referido crédito, com o fundamento de “se encontrar totalmente desprovido de titulação (aí se diz que a Reclamante juntou apenas documento de contabilidade interna) …” – fls. 1023. Porém, uma vez que a sentença que decretou a falência é de 24/03/2005, nada obsta a que se considere oportunamente deduzida tal reclamação, dado o disposto nos artºs 151º, nºs 1 e 2 - disposição segundo a qual com a declaração de falência se tornam imediatamente exigíveis todas as obrigações do falido e se encerram todas as contas correntes, cessando nessa data a contagem de juros ou de outros encargos sobre as obrigações do falido… -, e 188º, nº 1, do CPEREF (aprovado pelo D.L. nº 132/93, de 23/04, na redacção do D.L. nº 315/98, de 20/10). Já vimos que pelo liquidatário judicial não foi junto aos autos o seu parecer final sobre os créditos reclamados, nem foi junto o parecer da comissão de credores. Ora, nos termos do artº 196º, nº 4, do citado diploma, “consideram-se reconhecidos os créditos não impugnados… e os demais créditos que possam sê-lo face aos elementos de prova contidos nos autos”, sendo certo que se a verificação de algum dos créditos necessitar de prova, a graduação de todos os créditos terá lugar na sentença final – nº 6 do citado artº 196º. Assim, uma vez que o crédito deste Apelante não foi impugnado quer pelos demais credores, pela sociedade falida nem pelo liquidatário judicial, como o podiam ser – artº 192º do CPEREF, na redacção do DL nº 38/2003, de 8/3 -, afigura-se-nos que o mesmo tem de se considerar como reconhecido, nos termos supra expostos, não podendo sequer haver lugar a eventual produção de prova quanto ao mesmo, por não ser caso de elaboração de base instrutória sobre esse crédito, nos termos dos artºs 196º, nº 3, do CPEREF, e 511º, nº 1 do CPC. Aliás, o dito reconhecimento também resultaria, sempre, do disposto nos artºs 463º, nº 1, 1ª parte, e 490º, nº 2, do CPC. Assim sendo, não tem suporte legal, com o devido respeito, a parte de sentença recorrida que não reconheceu o crédito reclamado por este Apelante (e apenas deste crédito temos de cuidar, pois a ele se cinge o objecto do recurso), com base em tal crédito estar desprovido de titulação (diz-se na sentença que o credor juntou somente um documento de contabilidade interna), pois que tal crédito não foi impugnado e, além disso, na conta corrente apresentada pelo credor (fls. 192 a 194) é feita remissão para os documentos que servem de suporte a essa mesma conta corrente, pelo que, quando muito, deveria ter lugar o cumprimento do disposto no artº 197º do CPEREF. Face ao que importa julgar procedente este recurso e reconhecer o referido crédito, declarando-o verificado e incluindo-o no ponto “V” da sentença recorrida, onde passa a ter o nº XLV (a fls. 1023), com a seguinte redacção: XLV – Licínio Lopes de Brito, um crédito de € 89.987,70 (oitenta e nove mil, novecentos e oitenta e sete euros e setenta cêntimos), correspondente ao saldo da conta corrente junta de fls. 192 a 194. Em consequência do que é suprimido tal crédito do ponto “VI” da referida sentença (a fls. 1023). E importando, ainda, graduar este crédito, procede-se à sua inclusão no conjunto dos créditos ditos comuns, para ser pago por último e rateadamente (ponto 11 de fls. 1040, e ponto 5 de fls. 1045). *** Passando para a apreciação da apelação interposta por António José Matos Loureiro, o seu objecto resume-se à reapreciação da graduação do crédito deste reclamante, uma vez que o dito foi considerado como reconhecido e declarado verificado – fls. 1012 e 1015 -, no montante de € 29.467,24. Pretende este Recorrente que tal crédito seja graduado como crédito privilegiado e antes de todos os outros créditos também com privilégio. Vejamos tal questão: Conforme resulta da reclamação apresentada por este Recorrente – de fls. 934 a 944 -, os créditos em causa resultam da actividade desempenhada por este credor como “administrador único” da sociedade falida, cargo para o qual foi nomeado em Assembleia de Credores (no decurso do processo de recuperação de empresa que antecedeu o presente processo de insolvência), sob proposta do gestor judicial então designado e no âmbito da medida de recuperação então aprovada – aprovação datada de 18/05/2003. Essa dita nomeação teve como único objectivo que o nomeado procedesse à venda dos activos que integram o estabelecimento industrial da empresa, mantendo a empresa em actividade. E, segundo também alega o Recorrente, em reunião então efectuada com os membros da Comissão de Credores ficou acordado que a contrapartida devida ao nomeado seria de € 2.000,00/mês, acrescida das despesas de deslocação e/ou representação (e a suportar pela empresa, como também resulta da própria reclamação deste credor). Mais alega o Recorrente que tendo exercido funções desde Agosto de 2003 até Março de 2005, e porque a empresa deixou de lhe pagar desde Julho de 2004, os seus créditos em débito ascendem a € 29.467,24, quantia que reclama. Na sentença recorrida foi indicado tal crédito, conforme fls. 997, o qual foi considerado como reconhecido e verificado – fls. 1012 e 1015. A única questão que se coloca em relação a este crédito, por efeito do recurso interposto, é, pois, a sua graduação, uma vez que na sentença recorrida este crédito foi considerado como crédito comum e assim foi graduado – fls. 1024/1025 e 1037 a 1045-, aspecto este com o qual se não conforma este Recorrente. Apreciemos, pois: Do supra exposto resulta que a dita nomeação do Recorrente, em Assembleia de Credores que teve lugar no decurso do processo de recuperação de empresa que antecedeu o presente processo de falência, ocorreu sob proposta do então gestor judicial, isto é, tal nomeação decorreu por força de um anterior despacho judicial de prosseguimento desse dito processo e em consequência de uma deliberação de credores sobre o meio de recuperação da empresa então aprovado e muito concretamente para o desempenho de funções de liquidação do activo da empresa, já que tal nomeação teve como único objectivo que o nomeado procedesse à venda dos activos que integram o estabelecimento industrial da empresa, mantendo a empresa em actividade. Isto é, afigura-se que além de ter então sido nomeado um gestor judicial para a empresa, por indicação deste e por deliberação da Assembleia de Credores também foi nomeado uma espécie de liquidatário ou agente incumbido da alienação definitiva do activo empresarial, embora com funções de manter em funcionamento a empresa enquanto também procedia à venda dos seus activos, designadamente as suas próprias instalações, isto é, o seu activo imobilizado (o que está previsto e é admitido pelo artº 110º, nº 1, do CPEREF). O Reclamante/Recorrente designa tal função de “Administrador único”, parecendo que a integra na previsão do artº 104º do CPEREF, isto é, a sua nomeação teve em vista a administração da empresa em recuperação, cessando na data da sua posse a actividade específica do gestor judicial – nº 2 desse preceito. E tenha-se presente que o conjunto de actos necessários a esse desempenho é promovido e apenas incumbe à nova administração designada para a gestão da medida de recuperação aprovada, nos termos definidos pelo plano de recuperação, conforme resulta dos artºs 104º e 110º, nº 1, do citado CPEREF, estando aí até expressamente previsto que “pode no plano aprovado admitir-se que a administração da empresa devedora seja entregue a uma entidade especializada, mediante contrato que venha a celebrar-se com a sociedade gestora pelo prazo adequado…, transferindo-se para a entidade gestora os plenos poderes da nova administração “. E não se estranha que tal tenha sucedido e que assim seja, até porque também foi então nomeada uma Comissão de Fiscalização para fiscalizar a medida de recuperação então aprovada, da qual fazia parte o também reclamante Aníbal dos Santos Almeida, conforme sua reclamação de fls. 945 a 950 – verifica-se por esta reclamação que foi então celebrado um contrato de prestação de serviços de revisão legal de contas entre a empresa e o Dr. Aníbal dos Santos Almeida, sendo a primeira representada nesse contrato pelo seu “administrador único”, o Dr. António José Matos Loureiro (aqui Recorrente). Este órgão de fiscalização do plano contido na medida de recuperação então aprovada é admitido pelo artº 106º do CPEREF. Donde resulta, afigura-se-nos, que o Recorrente deve ser considerado como administrador único ou “nova administração” da sociedade agora falida, no período de gestão controlada que resultou de deliberação dos credores havida em Assembleia Geral e no decurso do processo de recuperação que antecedeu o presente processo de falência. Assim sendo, como enquadrar a remuneração contratada entre ele e a Comissão de Credores para o desempenho das ditas funções, cujo não pagamento pela empresa desde Julho de 2004 e até à data de declaração de falência fundamenta a sua reclamação de créditos? Afigura-se que não pode este “Administrador único” ser considerado como “gestor judicial”, apesar de com a sua posse ter findado essa figura ou as funções desempenhadas pelo gestor judicial antes designado, na medida em que nas novas funções daquele não estão abrangidas as funções próprias de um “gestor judicial”, como bem resulta do disposto nos artºs 35º, nºs 1 e 3, e 38º do CPEREF (funções do gestor judicial), tanto mais que no artº 40º deste código está previsto que o gestor judicial cessa funções logo após o trânsito em julgado da decisão que homologue ou rejeite a providência de recuperação aprovada ou que declare a caducidade dos efeitos do despacho de prosseguimento da acção, …, e, bem assim, quando, …, na gestão controlada, se verifique a investidura da nova administração incumbida de executar o respectivo plano. E também não pode ser considerado como um “liquidatário judicial”, pois esta figura processual apenas existe já no processo de falência, conforme artº 128º do CPEREF, tendo até essa designação de ser feita pelo juiz do processo – artº 132º-, sendo as suas funções também distintas daquelas para as quais foi contratado o Recorrente – artºs 134º, 145º e 146º do CPEREF. Logo, a remuneração do aqui Recorrente não pode resultar das normas próprias do gestor judicial nem do estatuto do liquidatário judicial, como bem resulta do artº 133º do CPEREF e do Dec. Lei nº 254/93, de 15/07, à contrário. Assim sendo, a dita ligação existente entre o Recorrente e a empresa apenas pode configurar um contrato de prestação de serviços oneroso, cuja remuneração está na base da reclamação de créditos por ele apresentada, nos termos dos artºs 1154º e 1156º e segs. do C. Civ., à semelhança, aliás, com o que sucedeu com o reclamante Aníbal dos Santos Almeida, que juntou um contrato de prestação de serviços acordado com a sociedade falida – fls. 948. Aliás, no nº 4 do artº 104º do CPEREF é tipificado esse contrato como “contrato de gestão”, aí se designando o contratado como “entidade gestora”. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in “CPEREF anotado”, em notas ao citado artº 104º, fala expressamente em “contrato de gestão” para designar esta forma contratual, mediante o qual “se confia a gestão da empresa a uma entidade especializada na matéria, por os credores entenderem ser essa a solução mais adequada à garantia do cumprimento dos objectivos traçados no plano de actuação global… “. Mediante o referido contrato o agora Recorrente obrigou-se a proporcionar à empresa um determinado resultado do seu trabalho intelectual, mediante retribuição, resultado esse que dimanou do plano (inerente à medida de gestão controlada a que foi então submetida a empresa) que lhe foi traçado pela Assembleia de Credores, isto é, foi apenas e tão só incumbido da alienação definitiva do activo empresarial, embora com funções de manter em funcionamento a empresa enquanto também procedia à venda dos seus activos, designadamente as suas próprias instalações. Assim sendo, como é, não se pode qualificar tal “tarefa” como um contrato de trabalho, pois que o Recorrente não se obrigou a prestar à empresa uma actividade dita laboral, sujeita a um horário de trabalho e às ordens, direcção e subordinação jurídica da empresa ou da sua gerência, até porque não havia gerência ou administração da dita, tendo antes ele assumido a qualidade de “administrador ou gerente único” da empresa e para atingir os fins que foram determinados no plano de gestão controlada aprovado e com ele contratados – assim se afastando a tese defendida pelo Recorrente de que o ligou à empresa um contrato de trabalho. Este contrato de gestão assemelha-se à figura do “gerente judicialmente nomeado” prevista no artº 253º, nº 4, do Código das Sociedades Comerciais, onde se prevê que estes gerentes têm direito à indemnização das despesas razoáveis que fizerem e à remuneração da sua actividade (esta fixada por acordo com a sociedade, e na falta desse acordo através de fixação pelo tribunal). Daqui resulta que o Reclamante tem direito a receber a retribuição e o montante de despesas acordadas – artº 1167º, als. b) e c), do C. Civ. -, mas não que estes créditos gozem de alguma protecção especial em relação aos demais credores da empresa, por falta de lei nesse sentido – artº 733ºdo C. Civ.. Assim, falece o argumento do Recorrente no sentido de que os ditos créditos devam ser considerados como “despesas de justiça”, nos termos dos artºs 738º e 743º do C. Civ., pois assim não é, como antes se expôs – tais créditos promanam ou resultam de um contrato de prestação de serviços muito específico (contrato dito de gestão) celebrado com a empresa, no cumprimento de um plano de gestão controlada da empresa, aprovado pelos credores da dita. E nada têm a ver, pois, com créditos emergentes de um contrato de trabalho. Logo, bem andou a sentença recorrida ao considerar tais créditos como créditos comuns e ao graduá-los como tal, como, aliás, sucedeu quanto ao crédito do reclamante Aníbal dos Santos Almeida, já antes referido, e do que não foi interposto recurso – fls. 1024/1025. Improcede, pois, esta apelação, em consequência do que nada há a alterar na sentença recorrida em relação à graduação do crédito deste credor. IV Decisão: Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação interposta pelo credor Licínio Lopes de Brito, em consequência do que se decide reconhecer o crédito por ele reclamado, declarando-o verificado e incluindo-o no ponto “V” da sentença recorrida, onde passa a ter o nº XLV (a fls. 1023), com a seguinte redacção: XLV – Licínio Lopes de Brito, um crédito de € 89.987,70 (oitenta e nove mil, novecentos e oitenta e sete euros e setenta cêntimos), correspondente ao saldo da conta corrente junta de fls. 192 a 194. E importando graduar este crédito, procede-se à sua inclusão no conjunto dos créditos ditos comuns, para ser pago por último e rateadamente (ponto 11 de fls. 1040, e ponto 5 de fls. 1045). Mais se ordena a supressão de tal crédito do ponto “VI” da referida sentença (a fls. 1023). Quanto ao recurso interposto pelo credor António José Matos Loureiro, improcede o dito, em consequência do que nada há a alterar na sentença recorrida em relação à graduação do crédito deste credor. Custas do recurso interposto pelo credor Licínio Lopes de Brito pela massa falida, e custas do recurso interposto pelo credor António José Matos Loureiro pelo próprio. |