Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2511/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: DOMÍNIO PÚBLICO
REQUISITOS
DESAFECTAÇÃO
Data do Acordão: 11/11/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. S N.º 7 E 8 DO C. R. P.
Sumário: I-A aquisição da dominialidade pública depende da verificação de um ou vários requisitos, a saber: a existência de preceito legal que inclua toda uma classe de coisas afectas na categoria do domínio público, a declaração de pertença de certa e determinada coisa a essa classe, ou a existência de um acto de direito público que a outorgue, e a afectação dessa coisa à utilidade pública, ou seja, à satisfação de relevantes interesses colectivos.
II-As coisas do domínio público podem ingressar no comércio jurídicoprivado, mediante a sua desafectação (tácita), resultante do desaparecimento da satisfação das necessidades públicas que anteriormente visavam alcançar .
III-Não se pode considerar que visasse a satisfação de relevantes interesses colectivos o uso de um terreno no qual existia um barreiro ou charco, onde os almocreves e habitantes da região iam dar de beber aos animais e os moradores vizinhos, e demais pessoas, retiravam água para as suas tarefas domésticas, excepto no verão, por se encontrar seco.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
Ivo ... e mulher, Isabel ..., propuseram, em 15/09/1999, no Tribunal Judicial de Alcobaça, acção com processo sumário contra Junta de Freguesia da B...e Município de A..., com os seguintes fundamentos, em síntese:
A autora mulher é dona e legítima possuidora de um prédio rústico sito em Arco Íris, freguesia de Benedita, concelho de Alcobaça, composto de terra de semeadura com oliveiras, com a área de 4.600 m2, que confronta do norte com Rui Luís Martinho Marques, do nascente com Augusto..., do sul com António ... e do poente com Estrada Nacional, inscrito na matriz sob o artº 4.701.
Em princípios de Outubro de 1993, alguém a mando dos réus, sem autorização e conhecimento dos autores, vedou uma parcela de cerca de 400 m2, do lado sul do prédio dos autores, com uma corda em toda a sua volta, atada com 4 estacas de madeira espetadas no chão, formando um quadrado quase perfeito.
Em meados de Novembro, ou no início de Dezembro de 1993, alguém a mando dos réus retirou a corda e parte das estacas e passados poucos dias, mandaram os réus proceder, sem conhecimento ou autorização dos autores, à construção de um fontanário, do lado nascente do prédio dos autores e, alguns dias depois, mandaram os réus também proceder à plantação de 10 árvores na referida parcela, ocupando com tal plantação uma área de cerca de 400 m2.
O terreno onde os réus mandaram construir o fontanário e plantar as árvores constituirá logradouro da casa de habitação a cuja construção os autores se encontram a proceder.
Terminam, pedindo que, na procedência da acção, sejam os réus condenados a repor na sua forma primitiva a parcela do prédio que ocuparam com o referido fontanário, demolindo para o efeito a construção que efectuaram, e procedendo também ao arranque das árvores que aí plantaram.
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A Câmara Municipal de Alcobaça contestou, invocando a sua ilegitimidade, uma vez que nunca ela, nem ninguém a seu mando, praticou qualquer acto no prédio que os autores referem na p.i.
A junta de Freguesia da Benedita também contestou, pugnando pela improcedência da acção, uma vez que o terreno referido na p.i. é do domínio público e não propriedade dos autores, sendo estes possuidores de um prédio vizinho que confina de sul com o terreno do domínio público.
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Os autores apresentaram um articulado que denominam de resposta às excepções, defendendo a improcedência destas e concluindo como na p.i.
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No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pela Câmara Municipal de Alcobaça, sem recurso, e organizada a selecção dos factos considerados assentes e dos que constituem a base instrutória, sem reclamações.

Efectuado o julgamento e decidida a matéria de facto controvertida, sem reclamações, foi proferida a sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido.
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Inconformados, apelaram os autores, rematando a sua alegação com as conclusões (extensas) seguintes:
1º- Na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça, encontra-se descrito sob o nº 01086/910325, o prédio rústico, sito em Arco Íris, composto de terra de semeadura com oliveiras, com a área de 4.600 m2, a confrontar do norte com Rui Luís Martinho Marques, nascente com Augusto da Silva Marques, do sul com António da Silva Marques e do poente com Estrada Nacional, inscrito na matriz sob o artº 47001.
2º- Sobre o identificado prédio encontra-se registada a inscrição de aquisição G1 a favor da autora.
3º- O prédio supra-identificado pelo menos na área de 4.200 m2, é ocupado pela autora, e antes pelos seus pais, avós e demais antepossuidores, sem oposição de quem quer que fosse, sendo que há mais de 30 anos, nele vêm cultivando cereais e outros produtos agrícolas, recolhendo os mesmos e, nomeadamente, cuidando das oliveiras aí existentes, recolhendo os respectivos frutos, à vista de toda a gente.
4º- Numa parcela de cerca de 400 m2 do referido prédio existia um Barreiro ou charco, onde os almocreves e habitantes da região iam dar de beber aos animais.
5º- Desse Barreiro retiravam os moradores vizinhos, e demais pessoas, água para as suas tarefas domésticas.
6º- Posteriormente, o mesmo Barreiro foi assoreado, tendo secado.
7º- Pelo menos desde 1978 e até aproximadamente 1991, os autores deitavam desperdícios de madeira de uma indústria que possuíam na referida parcela de cerca de 400 m2.
8º- Em princípios de Outubro de 1993, a Junta de Freguesia da Benedita, sem autorização e conhecimento dos autores, vedou a parcela de cerca de 400 m2, do lado sul do prédio dos autores, com uma corda em toda a sua volta, atada em quatro estacas de madeira, espetadas no chão, formando um quadrado quase perfeito.
9º- Passados poucos dias, em meados de Novembro ou no início de Dezembro de 1993, a mesma Junta de Freguesia, sem autorização dos autores, retirou a corda e parte das estacas.
10º- Passados poucos dias, no início de Dezembro de 1993, sem conhecimento e autorização dos autores procedeu à construção de um fontenário a nascente da referida parcela e posteriormente à plantação de 10 árvores na referida parcela.
11º- As coisas adquirem o carácter de domínio público quando são produzidas, apropriadas, administradas ou estiverem sob a jurisdição de pessoa colectiva do direito público.
12º- As coisas que estejam desde tempos imemoriais no uso directo e imediato do público e não tenham sido produzidas, apropriadas ou administradas, ou não estiverem sob jurisdição de pessoa colectiva de direito público não adquirem por esse facto a dominialidade pública.
13º- O carácter dominial público adquire-se pela existência de lei que enumere a classe de coisas afectas ao domínio público, pela declaração de que certa coisa e determinada coisa pertence a essa classe, e pela afectação dessa coisa à utilidade pública.
14º- As coisas do domínio público podem ingressar no comércio jurídico-privado, tornando-se alienáveis e prescritíveis, mediante desafectação.
15º- O abandono é uma forma de desafectação (tácita).
16º- Com o assoreamento do charco ou Barreiro e depois de o mesmo ter secado, o mesmo deixou de ter qualquer utilidade e foi abandonado.
17º- O abandono do charco ou barreiro o sítio onde o mesmo se localizava passou a ser utilizado desde 1978 e até pelo menos 1993 pelos autores até a Junta de Freguesia aí efectuar o fontenário e a plantação das árvores pelo menos durante 15 anos.
18º- Foi assim violado o disposto no artº 1º do Decreto 23.265 de 15 de Fevereiro de 1934, o qual se tem entendido manter-se em vigor em face da omissão da legislação, quanto à definição de bens do domínio público, porquanto o charco ou barreiro, tendo assoreado e secado deixou de estar, por desafectação tácita, por abandono, no uso público directo e imediato, por desaparecimento da utilidade pública que prestava.
19º- Foi violado o disposto no artº 380º do Código Civil de 1867, por o mesmo ter sido revogado pelo Decreto-Lei nº 47.344, de 25/11/66, e por se entender que é o Decreto 23.265 que continua, ainda, a reger a matéria de definição de bens do domínio público.
20º- Foi violado o disposto no artº 7º do Código do Registo Predial, pois não foi ilidida a presunção derivada do registo predial do prédio a favor dos autores de que o mesmo não lhes pertencia na sua composição e extensão, conforme lhe confere a inscrição do direito em definitivo a seu favor.
21º- Foi ainda violado o disposto no artº 8º do Cód. Reg. Predial, pois que a impugnação dos factos comprovados pelo registo predial não podem ser impugnados sem que seja pedido o cancelamento do registo.
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Conmtra-alegou a Junta de Freguesia da Benedita, defendendo a confirmação da sentença recorrida.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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Na 1ª instância foi dado como provado o seguinte:
Factos Assentes:
A) – Na Conservatória do registo Predial de Alcobaça, freguesia da Benedita, encontra-se descrito sob o nº 01086/910325, o prédio rústico sito em Arco Íris, composto de terra de semeadura com oliveiras, com a área de 4.600 m2, a confrontar do norte com Rui Luís Martinho Marques, nascente com Augusto da Silva Marques, do sul com António da Silva Marques e do poente com Estrada Nacional, inscrito na matriz sob o artº 4701.
B) - Sobre o prédio identificado em A) encontra-se registada a inscrição de aquisição G1 a favor da autora.
C) - O prédio identificado em A) pertence, pelo menos na área de 4.200 m2, à autora.
D) - O mesmo prédio, pelo menos na área referenciada em C), é ocupado pela autora, e antes pelos seus pais, avós e demais antepossuidores, sem oposição de quem quer que fosse, sendo que, há mais de 30 anos, nele vêm cultivando cereais, e outros produtos agrícolas, recolhendo os mesmos e, nomeadamente, cuidando das oliveiras aí existentes, recolhendo os respectivos frutos, à vista de toda a gente.
E) - Em princípios de Outubro de 1993, a ré Junta de Freguesia da Benedita, sem autorização e conhecimento dos autores, vedou uma parcela com 400 m2, do lado sul do prédio mencionado em A), com uma corda em toda a sua volta, atada em 4 estacas de madeira, espetadas no chão, formando um quadrado quase perfeito.
F) - Posteriormente, em meados de Novembro de 1993, ou no início de Dezembro de 1993, a mesma ré, sem autorização dos autores, retirou a corda e parte das estacas.
G) - Passados poucos dias, no início de Dezembro de 1993, a mesma ré, sem conhecimento ou autorização dos autores, procedeu à construção de um fontanário, do lado nascente do mesmo prédio.
H) - Alguns dias depois, em meados de Dezembro de 1993, ainda a mesma ré mandou proceder, sem autorização e conhecimento dos autores, à plantação de 10 árvores na mesma parcela de terreno.
I) - Presentemente, os autores procedem à construção de uma casa de habitação em parte do prédio identificado em A).
J) - Na parcela de terreno mencionada em E) existia um barreiro ou charco, onde os almocreves e habitantes da região iam dar de beber aos animais.
L) - Igualmente de tal barreiro retiravam os moradores vizinhos, e demais pessoas, água para as suas tarefas domésticas.
M) - Posteriormente, o mesmo barreiro foi assoreado, tendo secado.
Base Instrutória:
1º - O prédio identificado em A) foi transmitido à autora, de forma gratuita, por escritura pública celebrada no dia 29/11/90, no Cartório Notarial de Alcanena.
2º - O mesmo pertencia aos pais da autora por partilha efectuada por morte dos seus pais António Joaquim Marques e Francelina de Jesus.
3º - Desde data não apurada, mas não anterior a 1978, e até aproximadamente 1991, os autores deitavam desperdícios de madeira de uma indústria que possuíam na parcela identificada em E).
6º - Os factos descritos em J) e L) acontecem desde tempos imemoriais.
7º - Após o mencionado em M) a parcela de terreno descrita em E) era ocasionalmente utilizada pelas pessoas em geral.
8º - Toda a população da zona sempre utilizou – sendo que, após o que se refere em M), apenas ocasionalmente – e considerou como pública aquela parcela.
12º - A água era, à altura, um bem escasso naquela zona.
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Como é sabido, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal da Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo razões de direito ou a não ser que aquelas sejam de conhecimento oficioso (artºs 664º, 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Proc. Civil).
Na sentença recorrida decidiu-se que, não obstante a presunção derivada do registo, esta encontra-se elidida, uma vez que a realidade demonstra que a parcela de terreno em questão reveste as características da dominialidade pública, por se tratar de terreno utilizado pela população em geral e afectada à utilidade pública, segundo uma prática consentida pela administração, sendo certo que tais características não se perderam por completo à medida que o terreno foi perdendo a sua utilidade inicial, pelo que não se pode considerar extinta, por alguma forma, a dominialidade pública.
Dado que os autores gozam, efectivamente, da presunção derivada do registo, e que a ré, deduzindo excepção peremptória, contrapôs a dominialidade pública do terreno em causa, tentando impedir o direito invocado, há que ver se o referido terreno é do domínio público.
A aquisição da dominialidade pública depende da verificação de um ou vários requisitos, a saber: a existência de preceito legal que inclua toda uma classe de coisas afectas na categoria do domínio público, a declaração de pertença de certa e determinada coisa a essa classe, ou a existência de um acto de direito público que a outorgue, e a afectação dessa coisa à utilidade pública, ou seja, à satisfação de relevantes interesses colectivos, podendo esta afectação resultar de um acto administrativo (decreto ou ordem que determine a abertura, utilização ou inauguração), traduzir-se num mero facto (inauguração) ou numa prática consentida pela Administração, em termos de manifestar a intenção de a consagrar ao uso público (cfr. Prof. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. II, 9ª ed., pág. 899, e Acs. do S.T.J. de 11/01/1996, BMJ 453-211, e da R.C. de 18/02/2003, CJ, T2-5).
Assim, para que um terreno ou um caminho possa ser qualificado como público, com a consequente declaração dessa dominialidade, é necessária, em regra, a existência de dois requisitos: uso directo e imediato pelo público, desde tempos imemoriais, e afectação à utilidade pública, no sentido de o seu uso visar a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância, resultante de acto administrativo ou de prática consentida pela Administração.
No caso sub iudce, verifica-se a existência do primeiro requisito – uso directo e imediato pelo público desde tempos imemoriais -, uma vez que, como se recorda, se deu como provado que na parcela de terreno em questão existia um barreiro ou charco, onde os almocreves e habitantes da região iam dar de beber aos animais e os moradores vizinhos, e demais pessoas, retiravam água para as suas tarefas domésticas, acontecendo tais factos desde tempos imemoriais (cfr. als. J) e L) e resp.ao ponto 6º).
Já o mesmo se não pode dizer do segundo pressuposto – afectação à utilidade pública, por não se poder considerar que o uso do terreno visasse a satisfação de relevantes interesses colectivos.
Com efeito, parece-nos que não se pode concluir que o uso de um charco por almocreves e habitantes da região, que aí davam de beber aos animais, e por outras pessoas que aí iam buscar água para as suas tarefas domésticas, satisfazia interesses colectivos de certo grau ou relevância, mesmo considerando que a água era, na altura, um bem escasso naquela zona.
É que convém também ter em conta que, conforme refere o Sr. Juiz a quo na fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, as testemunhas Maria Rosalina Lopes, Alda Crisóstomo Belo e Manuel Mateus (fls. 103 e 104) afirmaram que o referido charco ou barreiro era limpo pela comunidade no verão, esclarecendo o último que era limpo quando secava.
Ora, não se compreende muito bem como é possível concluir que o uso de tal terreno satisfazia relevantes interesses colectivos se a água não podia ser utilizada pelas pessoas, para as finalidades atrás referidas, por se encontrar seco o charco ou barreiro, precisamente quando mais falta fazia, que era no verão, quando a água é mais escassa em, praticamente, todo o Pais e mais necessária é, por causa do calor.
Por outro lado, não é o facto de se ter dado como provado que toda a população da zona sempre utilizou – sendo que após o barreiro ter secado, apenas ocasionalmente - e considerou como pública aquela parcela (cfr. resp. ponto 8º), que atribui a essa parcela a dominialidade pública, uma vez que a sua qualificação como público consiste na sua afectação ao fim público, ou seja, a satisfação de relevantes interesses colectivos, sendo incompetentes para o decretar os particulares que o utilizaram, pois que uma coisa é o uso público que aquele realizou e outra é o domínio público, tratando-se de conceitos jurídicos diversos, pois só o último confere o sinal distintivo da dominialidade (cfr. Ac. desta Relação de 18/02/2003, atrás citado).
É de concluir, assim, que, ao contrário do que se decidiu na sentença recorrida, não se pode considerar a parcela de terreno em questão como revestindo as características da dominialidade pública, por não se encontrar afectada à utilidade pública, entendida esta no sentido atrás exposto.
Convém, ainda, realçar que o referido charco ou barreiro foi assoreado, tendo secado.
Embora não conste dos autos, certamente que, a partir dessa altura, deixou de ser utilizado pelas pessoas com os fins atrás descritos -.retirarem água e darem de beber aos animais.
Não se apurou quando secou o dito barreiro, mas, a partir dessa altura, a parcela em questão passou a ser utilizada apenas ocasionalmente pelas pessoas em geral.
Não se diz em que consistiu tal utilização, já que a única que lhe foi dada até ali estava relacionada com a água do charco ou barreiro, de que as pessoas se aproveitavam para as suas tarefas domésticas e para dar de beber aos animais.
Dado que os autores desde cerca de 1978 até aproximadamente 1991 deitavam, na aludida parcela, desperdícios de madeira de uma indústria que possuíam, não custa a crer que naquela data (1978) já o barreiro tinha secado.
Ora, tendo em consideração que este deixou de ser utilizado há vários anos, isso implicaria, mesmo admitindo ter estado adstrito à utilidade pública, a sua desafectação tácita, resultante do desaparecimento da satisfação das necessidades públicas que, anteriormente, visava alcançar, não se tratando de hipótese de eventual reversão ao domínio privado da respectiva pessoa colectiva de direito público, por se não haver provado a dominialidade pública do mesmo (cfr. Prof. Marcelo Caetano, obra citada, II, 8ª ed., 884 e 885, Prof. Freitas do Amaral e João Caupers, CJ, Ano XIV-1989, T1-12 e 13, e Ac. R.L. de 04/06/1987, CJ, T3-113).
Não tendo, assim, a ré Junta de Freguesia da Benedita elidido a presunção do registo a favor dos autores, tem o recurso de proceder, com a consequente revogação da sentença recorrida.
Embora se verifique a procedência do recurso, importa apenas acrescentar que, ao contrário do que alegam os recorrentes, não foi violado o disposto no artº 8º do Código de Registo Predial - que determina que os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo -, já que o mesmo só se aplica a quem intentou uma acção ou deduziu reconvenção (cfr. Acs. R.P. de 05/12/1994, CJ, T5-222, e de 15/07/1991, CJ, T4-242).
De qualquer forma, tendo-se omitido tal pedido expresso de cancelamento e tendo a acção prosseguido após os articulados, é de considerar que o mesmo se encontra implicitamente efectuado (cfr. Ac. do S.T.J. de 22/01/1998, CJ, T1-26).
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Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e condenar a ré Junta de Freguesia da Benedita no pedido, isto é, a repor, na sua forma primitiva, a parcela do prédio que ocupou com o fontanário referido na al. G) dos Factos Assentes, demolindo para o efeito a construção que efectuou, e procedendo também ao arranque das 10 árvores que aí plantou.
Sem custas, por a ré, que as deveria pagar, estar delas isenta, nos termos do artº 2º, nº 1, al. e), do Código das Custas Judiciais.