Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1075/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO F. MARTINS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
NOVO REGIME
APLICABILIDADE
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE
Data do Acordão: 06/29/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 23/2004, DE 22/06 . DL Nº 237/99, DE 25/06 . ARTº 13º, NºS 1, AL. B), E 3, DO D.L. Nº 64-A/89, DE 27/02
Sumário: I – A remissão para as descrições legais constante de um contrato de trabalho a termo, como justificativo do motivo de contratação a termo, é manifestamente insuficiente para dar cumprimento à razão de ser da exigência legal, pois não permite estabelecer e sindicar a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado .
II – Nos termos dos artºs 1º, nº 1, e 13º, nº 1, dos Estatutos do ICERR (Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária), anexos ao D.L. nº 237/99, de 25/06, o ICERR é uma pessoa colectiva de direito público e o seu pessoal ficou sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas nesses estatutos e no diploma que os aprova .

III – Tendo a contratação do autor ocorrido em 2002, portanto já vigência do ICERR, há que convir que a celebração do contrato de trabalho com o autor, a termo, decorreu à luz do regime jurídico do contrato individual de trabalho, não ao abrigo do regime geral da relação jurídica de emprego na Administração Pública – Lei nº 23/2004, de 22/06 .

IV – Decorrendo do artº 13º, nºs 1, al. b), e 3, do D.L. nº 64-A/89, de 27/02, que no caso de despedimento ilícito o trabalhador e optando pela indemnização em substituição da reintegração, aquela corresponde a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo ser inferior a três meses, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido até à data da sentença, é pacífica a interpretação segundo a qual quer o ano completo quer apenas uma fracção desse ano são equivalentes para efeitos de corresponderem a um mês de remuneração .

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juizes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:
I- RELATÓRIO
1. A... instaurou contra Instituto das Estradas de Portugal (ex-ICERR), a presente acção declarativa sob a forma de processo comum[ Proc. nº 1465/03.4TTCBR do 1º Juízo do Tribunal de Trabalho de Coimbra ] pedindo que seja declarado ilícito e nulo o seu despedimento, assim como que é trabalhador do R. desde 01.12.2001 ao abrigo de contrato de trabalho sem termo e, ainda, que o R. seja condenado a reintegrar o A no seu posto de trabalho, com a sua categoria, antiguidade e demais consequências legais, isto sem prejuízo de poder vir a optar pela indemnização a que legalmente tem direito.
Alega, em resumo: o R. assumiu todos os direitos e obrigações do ex-ICERR, ao serviço do qual foi admitido em 01.12.2001, sem qualquer contrato escrito, para desempenhar determinadas funções, as quais descreve, mediante uma determinada remuneração mensal; em 21.02.2002 o R. apresentou ao A um contrato de trabalho, a termo certo, pelo período de seis meses, cuja assinatura lhe impôs, celebrado com o motivo justificativo constante na al. a) do nº 1 do art. 41º do DL 64-A/89 de 27.02, motivo esse que não é verdadeiro, tendo-lhe comunicado em 07.11-2002 a não renovação desse contrato e fazendo-o cessar em 30.11.2002; em 02.12.2002 o A passou a exercer as mesmas funções para o R., mediante um contrato de prestação de serviços, cuja assinatura uma vez mais o R. lhe impôs, continuando a exercer as mesmas funções que exercia anteriormente, nos mesmo termos e condições, continuando sujeito às ordens, direcções e remuneração do R. e cumprindo o mesmo horário de trabalho; findo este contrato em 02.06.2003, celebrou, de novo por imposição do R., em 04.09.2003 um contrato de trabalho temporário com a sociedade B... e ao abrigo deste contrato continuou a exercer a sua actividade no R., nos mesmo termos em que a vinha exercendo.
Conclui, assim, que logo em 01.12.2001 foi admitido ao serviço do R. por contrato sem qualquer termo, pelo que o contrato com termo cuja celebração o R. lhe impôs em 21.02.2002 é nulo e, nessa medida, o R. só o podia despedir mediante processo disciplinar, com justa causa, o que não sucedeu, equivalendo a comunicação de 07.11.2002, de “não renovação do contrato”, a um despedimento sem justa causa, ilícito, nulo e de nenhum efeito, tendo em consequência direito à reintegração ou em sua substituição à indemnização legalmente prevista.
Sem prescindir, conclui ainda que o contrato de trabalho de 21.02.2002 omite a indicação dos motivos concretos da contratação, fazendo simples remissão para o preceito legal, pelo que tal contrato tem de considerar-se como contrato sem termo. À mesma conclusão se chegaria pelo facto de o A ter ido exercer uma actividade que já existia, não tendo havido qualquer acréscimo temporário ou excepcional da actividade do R. Finalmente, conclui que o A. desde 01.12.2001 vem prestando para o R. as mesmas funções, por sua conta, ordem e direcção e, com os contratos que foi sucessivamente celebrando, o R. pretendeu iludir as disposições que regulam os contratos sem termo, pelo que estamos perante a celebração sucessiva de contratos, para satisfação das mesmas necessidades, o que determina a conversão automática da relação jurídica em contrato de trabalho sem termo.
Contestou o R. invocando a excepção de incompetência absoluta do tribunal[ Esta excepção foi conhecida no despacho saneador de fls. 79/80, notificado e transitado, tendo sido julgada improcedente. ], a excepção de renúncia a qualquer crédito emergente da anterior relação laboral e também por impugnação, peticionando assim a sua absolvição do pedido e a condenação do A, como litigante de má fé, em multa e indemnização.
Estriba a excepção peremptória no facto de o A ter aceite o contrato de prestação de serviços sem qualquer reserva, tendo assim renunciado a eventuais créditos emergentes da anterior relação, incluindo a eventual nulidade da estipulação do termo ou a possibilidade legal de conversão desse contrato em contrato sem termo.
Impugnando alega em resumo: o A foi contratado em 01.12.2001 por seis meses embora por razões organizativas do R. apenas tenha sido possível a assinatura do contrato em 21.02.2002, assim como foi apenas por lapso ou erro que na redacção desse contrato não se mencionaram os factos e circunstâncias que integram o motivo da contratação, os quais foram no entanto dados a conhecer ao A, tendo ele ficado ciente dos mesmos, mostrando-se assim satisfeita a exigência legal da indicação dos motivos da contratação; que realmente o A foi contratado tendo em conta o acréscimo temporário e excepcional da actividade da R.; com a prestação de serviços contratada o A passou não a fornecer trabalho mas o resultado do mesmo sem o R exercer a autoridade e direcção sobre o A e apenas por razões de logística o A. prestou o serviço nas instalações do R. e no horário de funcionamento dos serviços; quanto ao contrato de trabalho temporário, a relação contratual do R. não é com o A mas com a empresa de trabalho temporário.
Conclui assim que o contrato inicial é válido e caducou, com a comunicação feita ao A de não renovação do contrato, seguindo-se-lhe também validamente, duas outras relações de natureza distinta.
Na resposta à contestação[ Na parte em que este articulado foi admitido – artºs 30º a 48º do mesmo -, pois na parte restante foi considerado como não escrito pelo despacho de fls. 79. ] o A pugna pela improcedência das excepções, alegando que quer nos termos do estatuto do R. quer dos que vigoravam ao tempo da celebração do contrato, as relações laborais estabelecidas entre o A e o R. estão sujeitas ao contrato individual de trabalho e que quando assinou o contrato de prestação de serviços, nas condições que já alegara, não renunciou a quaisquer créditos nem à nulidade da estipulação do termo ou à conversão do contrato a termo em contrato sem termo e mesmo que tivesse existido tal renúncia ela seria nula, por se referir a direitos indisponíveis. Mais alega que não se verificam os requisitos para a celebração do contrato de trabalho temporário e que a remuneração que aufere ainda hoje na empresa B... é paga pelo R. através desta.
Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e declarou o despedimento do A ilícito, não produzindo quaisquer efeitos e condenou o R. a reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo entre as partes, com efeitos reportados a 01.12.2001, bem como a pagar ao A a titulo de indemnização, a quantia de € 4 872,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação (20.11.2003), até integral e efectivo pagamento.
3. É desta decisão que, inconformado, o R. vem apelar, pretendendo a revogação da sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue que o contrato a termo caducou validamente com a comunicação do R. de não o renovar ou julgue a acção improcedente e absolva o R. do pedido.
Alegando, conclui:
1. A ressalva da parte final do citado n° 1 do art. 26° da Lei 23/2004 não se aplica ao caso dos autos, porque:
- não tem natureza constitucional (salvo casos da lei penal) o princípio da não retroactividade das leis (parte final do nº 2 do art. 12° do CC);
- apenas é ressalvado da sua aplicação as condições de validade de contratos de trabalho e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados que tenham motivado a celebração ou aprovação de contratos de trabalho;
2. Não estando em causa qualquer condição de validade do contrato de trabalho e nem sendo totalmente passados os efeitos de factos ou situações que tenham motivado a celebração do contrato de trabalho, aplica-se ao caso dos autos o novo regime jurídico do contrato individual de trabalho da administração pública, aprovado pelo DL 23/2004, de 22 de Junho, que proíbe a conversão dos contratos a termo cm contratos por tempo indeterminado;
3. Nos termos do Dec.-Lei n° 427/89, de 7/12 - aplicável ao R.- a relação jurídica de emprego constitui-se pela nomeação e contrato pessoal, revestindo este as modalidades de contrato de provimento e contrato de trabalho a termo certo, daí que o contrato de trabalho a termo certo celebrado com a A. caducou quando o R., no termo do prazo estipulado - 31/05/02- comunicou à A. a vontade de não o renovar, atendendo a que o art. 43°, n° 1 do citado diploma proíbe expressamente a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diferente das previstas no art. 14° do mesmo diploma (contrato de provimento e contratos de trabalho a termo certo);
4. Isto, independentemente do motivo justificativo da contratação a termo satisfazer ou não as exigências de concretização factual exigidas por lei;
5. Como recentemente decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra no seu Acórdão de 21/04/2005, Rec. Nº 3765/04;
6. Até porque as normas, nesta parte, do Dec. Lei n°. 427/89, são normas imperativas, normas de interesse e ordem pública, perante as quais falecem normas de ordem e interesse particular;
7. E o nº 2 do art. 47 da Constituição da República Portuguesa proíbe a conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado, daí que a decisão que convertesse o contrato a termo em contrato sem termo seria sempre inconstitucional, por violação do art.. 47° nº 2;
8. Além de que o A. com a celebração do contrato a termo, tinha apenas como expectativa no sentido de esperança de um direito ou de uma situação jurídica -- a manutenção de uma relação contratual com o R. pelo período de 6 meses;
9. Previamente à contratação do A. este teve conhecimento que ia celebrar um contrato a termo certo e o respectivo conteúdo, concluindo-se daqui, necessariamente, que o A. estava bem ciente e esclarecido sobre o motivo justificativo da sua contratação a termo;
10. No contrato a termo, e no motivo da contratação da A., ficou inscrito” ...ao abrigo da alínea b) do n°. 1 do art.. 41° do DL 64-A/89 e do art. 3° da Lei 38/96, nos termos descritos”; a expressão “nos termos descritos”, no seguimento da indicação das normas legais que mandam mencionar os factos e circunstâncias em concreto, inculca necessariamente a ideia de remissão para a concretização dos factos ou circunstâncias motivadores da contratação, como mandam as referidas normas legais;
11. O erro ou lapso ou erro na redacção do contrato da A., apenas impõe a sua rectificação, e não a cominação estabelecida no n° 3 do art. 42° do DL 64-A/89, independentemente de se tratar de um contrato formal;
12. O A. ao celebrar, posteriormente, um contrato de prestação de serviços com o R., sem apor quaisquer reservas, renunciou a quaisquer créditos emergentes da anterior relação, porque:
- o contrato de trabalho com termo certo caducou com a comunicação do R. da vontade de não o renovar, daí que a relação então constituída tem início nessa data, e não em data anterior;
- a identificação da relação laboral faz-se por indícios externos, e os índices identificados nos autos são manifestamente insuficientes para manifestarem ou deixarem de manifestar a existência de “subordinação jurídica”, sendo o ónus do A;
. deve ter-se em conta, para a caracterização da relação contratual como de prestação de serviços, a vontade das partes, que de uma forma negociada, detalhada, ponderada e reflectida, quiseram celebrar um contrato de prestação de serviços;
- a apresentação, livremente, de uma proposta para uma prestação de serviços, sem aposição de qualquer reserva tem o valor da sua aceitação - declaração de vontade de concordância.
13. Na douta sentença, e apesar da antiguidade da A. ser de 3 anos e 11 meses, foi esta contabilizada em quatro anos, apurando-se a indemnização correspondente em € 4 872. A indemnização correspondente não seria € 4872 (1218x4), como é contabilizada na sentença, mas sim € 4 760,50 (1218x3+1118:12x1);
14. Contudo, a antiguidade releva em número de anos completos, acrescido da fracção excedente, teria apenas a A. três anos completos de antiguidade, mais uma fracção de 11 meses, correspondentes, em termos de indemnização a € 4 760,50 (1218x3 + 11 18:12x1);
15. Foi, também o R. condenada no pagamento de juros de mora à taxa legal, desde a citação, contudo e relativamente à indemnização a mora só se verifica a partir do momento em que o crédito se tornar líquido, isto é, da sentença.
4. Nas contra-alegações o A bateu-se pela confirmação da sentença recorrida, negando-se provimento ao recurso.
5. Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador Geral Adjunto no sentido de considerar que a relação jurídica de emprego em causa se extinguiu, por caducidade e, a entender-se que o termo aposto no contrato desrespeita o disposto no art. 18º nºs 1 e 2 do DL 427/89, tal apenas gera a invalidade do próprio contrato e não a conversão do mesmo em contrato de trabalho sem termo.
O A respondeu a este parecer, considerando que não é aplicável o regime estabelecido no DL 427/89 e reafirmando que deve ser negado provimento ao recurso.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto
Do despacho de fls. 139/141, que decidiu a matéria de facto, e do qual não houve reclamações, é a seguinte a matéria de facto provada:
1. O A. é licenciado em engenharia civil;
2. O R. é um instituto público que integrou o ICERR;
3. Em 21 de Fevereiro de 2002, o A. e o R. celebraram um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de seis meses, nos termos constantes de fls. 8 e 9, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
4. O A. assinou esse contrato em 21 de Fevereiro de 2002;
5. O A. foi admitido ao serviço pelo extinto ICERR no dia 1 de Dezembro de 2001 para exercer funções de apoio na área de engenharia civil no Departamento de Planeamento e Controlo, nas instalações da sede do R., sem prejuízo de eventuais deslocações necessárias em consequência do desempenho normal da actividade;
6. O A. a partir do referido dia 1 de Dezembro de 2001 passou a desempenhar funções de apoio na área de engenharia civil no citado Departamento de Planeamento e Controlo, designadamente serviço técnico na área do planeamento, licenciamento e ordenamento do território, por conta, ordem e direcção do R.;
7. (…) mediante a remuneração mensal ilíquida de 1218, abonada em 6 mensalidades, subsídio de Natal e de Férias, a qual acrescia o subsídio de refeição, no valor de € 5,08 por cada dia de trabalho efectivamente prestado, que o R. lhe pagou;
8. Na altura ( 1 de Dez. de 2001 ) foi dado conhecimento ao A. de que ia celebrar um contrato a termo e do respectivo conteúdo;
9. O A. foi contratado no mesmo processo em que outros técnicos, engenheiros, o foram, na sequência de um processo de consulta no qual foram avaliados os currículos dos interessados, tendo todos eles sido sujeitos a entrevista de selecção;
10. O A. foi exercer uma actividade que já existia e com a qual o R. já laborava;
11. Os serviços que o A. foi executar para o R. e para os quais foi contratado, já eram executados há mais de cinco anos por outros trabalhadores do R. e continuaram a sê-lo pelo próprio A.;
12. O R., em Maio de 2002, comunicou ao A. a não renovação do contrato, nos termos que constam a fls. 49 e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
13. O A. enviou ao R. a carta junta a fls. 50 e 51, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
14. O contrato de trabalho do A. renovou-se por igual período de 6 meses;
15. O Inverno de 2000/2001 foi bastante chuvoso, com frequentes temporais que danificaram várias estradas do país, o que originou a necessidade de beneficiação de estradas e a efectivação do respectivo estudo relativo a procedimentos na área do planeamento;
16. Em 7 de Novembro de 2002 o A. recebeu do R. uma carta registada com ar, em que este lhe comunicou a não renovação do contrato de trabalho a termo, fazendo cessar o mesmo em 30 de Novembro de 2002, nos termos constantes de fls. 10, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
17. A partir do dia 2 de Dezembro de 2002 o A. passou a exercer as mesmas funções para o R. mediante contrato de prestação de serviços – de assistência técnica ao nível dos processos de licenciamento e áreas de serviço para assegurar medidas de protecção da estrada, promovendo o seu ordenamento e a criação de receitas necessárias provenientes do uso da zona da estrada, pelo período de seis meses, conforme consta dos documentos de fls. 11 a 16, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
18. (…) mediante o pagamento da quantia de € 11880, acrescido de IVA no montante de 2257,20, no total de € 14137,20, sendo pago 10% desse valor no acto de adjudicação e o restante em seis prestações mensais;
19. O A. continuou a exercer as mesmas funções que exercia anteriormente nos mesmos termos e condições, continuando sujeito às ordens, direcção e remuneração do R., cumprindo o mesmo horário de trabalho, apresentando-se diariamente no mesmo local de trabalho;
20. O A. livremente apresentou a sua proposta no que respeita ao contrato referido em 17 e 18;
21. O A. em 4 de Setembro de 2003 celebrou um contrato de trabalho temporário com a empresa B..., que teve por finalidade a execução de um contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a referida B... e o IEP, nos termos do documento de fls. 19, cujo teor aqui se dá por reproduzido,
22. Ao abrigo desse contrato de trabalho temporário, o A. continuou a exercer a sua actividade no IEP, em Coimbra, sendo-lhe atribuída a categoria de Técnico Superior Engenheiro Civil, contrato esse que teve início em 8 de Setembro de 2003;
23. (…) mediante o pagamento da remuneração mensal de € 1348, acrescida dos proporcionais de férias, subsídio de férias, subsídio de natal e subsídio de refeição no valor de € 5,37;
24. O A. continuou a exercer as mesmas funções (trabalhos de engenharia na área da conservação e exploração da rede rodoviária) por conta do R., no mesmo local de trabalho onde diariamente se continuou a apresentar, mediante remuneração, cumprindo o mesmo horário (de Segunda a Sexta feira das 9h às 12h30 e das 14h às 18 h) e continuando e estando sujeito às ordens e direcção do R.;
25. O R. não instaurou qualquer processo disciplinar ao A.;
26. Em 21 de Fevereiro de 2002 entre o R. e C... foi celebrado o contrato de trabalho cuja cópia figura a fls. 47 e 48, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
27. O A. apresentou a declaração de rendimentos junta a fls. 123 a 127, relativa ao ano de 2003, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
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2. De direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil[ Adiante designado abreviadamente de CPC.].
Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:
a) Aplica-se ao caso dos autos o novo regime jurídico do contrato individual de trabalho da administração pública, aprovado pela L 23/2004 de 22.06 ?
b) Houve erro ou lapso na redacção do contrato do A, ao não se mencionar neste a concretização dos factos ou circunstâncias motivadores da contratação, o que apenas impõe a sua rectificação e não a cominação estabelecida no nº 3 do art. 42º do DL 64-A/89 de 27.02[ Diploma legal que é o aplicável ao caso dos autos, considerando que o Código de Trabalho actualmente vigente apenas entrou em vigor em 01.12.2003, por força do estatuído no art. 3º nº 1 e 21º nº 1 al. m), ambos da Lei 99/2003 de 27.08. ]?
c) O contrato de trabalho a termo certo caducou com a comunicação ao A da vontade do R. de não o renovar, isto independentemente do motivo justificativo da contratação a termo satisfazer ou não as exigências de concretização factual exigidas por lei, dada a imperatividade do DL 427/89 de 07.12, que proíbe a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diferente das previstas no seu art. 14º ?
d) O A ao celebrar, posteriormente, um contrato de prestação de serviços com o R., sem quaisquer reservas, renunciou a quaisquer créditos emergentes da anterior relação ?
e) A indemnização contabilizada na sentença deve atender apenas a 3 anos e 11 meses de antiguidade do A e não a 4 anos ?
f) Não é de condenar a R. em juros de mora pois esta só se verifica, quanto à indemnização, a partir do momento em que o crédito se torna liquido, isto é, da sentença ?
Vejamos pois.
a) Aplicabilidade do novo regime jurídico do contrato individual de trabalho da administração pública, aprovado pela L 23/2004 de 22.06
Como é sabido e decorre do objecto e âmbito definidos no art. 1º, esta Lei veio definir o regime jurídico do contrato de trabalho nas pessoas colectivas públicas.
Preceitua o nº 1 do art. 26º da L 23/2004 que “ficam sujeitos ao regime da presente lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor que abranjam pessoas colectivas públicas, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.”
O R. pretexta que não é aplicável a ressalva final deste preceito, acima sublinhada e, consequentemente, as normas de tal diploma são de aplicar ao caso dos autos, nomeadamente o seu art. 10º nº 2, que determina que o contrato de trabalho a termo resolutivo celebrado por pessoas colectivas públicas não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado.
A argumentação do R. não nos convence que a razão lhe assista.
Desde logo é de notar que tendo entrado em vigor tal lei em 22.07.2004 – v. art. 31º daquele diploma – os factos com base nos quais o A baseia a nulidade do contrato de 21.02.2002, bem como o despedimento ilícito operado pela comunicação de 07.11.2002, são factos que ocorreram, totalmente, antes da entrada em vigor da referida lei. Acresce que é de considerar, ainda, que o A funda a acção na nulidade do contrato de 21.02.2002 e, também por esta via, por estarmos perante condições de validade do contrato, não seria aplicável a Lei 23/2004.
Por outro lado, se é verdade que o principio da não retroactividade das leis tem apenas natureza constitucional quanto a matéria de lei penal e que a nova lei pode aplicar-se às próprias relações já constituídas, como se estatui na 2ª parte do nº 2 do art. 12º do Código Civil, daqui não se pode extrair pela aplicação retroactiva da disciplina instituída pela Lei 23/2004 ao caso sub judice. É que este, por se encaixar na ressalva da parte final do nº 1 do art. 26º citado, está fora da possibilidade de aplicação retroactiva do diploma em causa.
Conclui-se, desta forma, que improcedem as conclusões 1ª e 2ª das alegações do R. recorrente.
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b) Erro ou lapso na redacção do contrato
O R. argumenta que a expressão “nos termos descritos”, que ficou aposta no contrato de 21.02.2002, logo a seguir às disposições legais que mandam mencionar os factos e circunstâncias em concreto justificadoras do motivo de contratação a termo, inculcam necessariamente a ideia de remissão para a concretização desses factos ou circunstâncias.
No contrato em causa, junto a fls. 8/9, na cláusula primeira, depois de no nº 1 se indicarem as funções para as quais o A era contratado estabeleceu-se no nº 2 da mesma cláusula:
“As funções e tarefas previstas no número anterior, são desempenhadas ao abrigo da alínea b) do numero 1 do artigo 41º do Decreto-lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro e do número 1 do artigo 3º da Lei nº 38/96, de 31 de Agosto, nos termos descritos”.
Ora, se é possível retirar alguma conclusão, da forma como está redigida tal cláusula é que com a expressão “nos termos descritos” estará apenas a remeter-se para as descrições legais, ou seja, “acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa” e “mencionar concretamente os factos e circunstâncias que integram esse motivo”.
Porém, tal remissão para as descrições legais é manifestamente insuficiente para dar cumprimento à razão de ser da exigência legal, pois não permite estabelecer e sindicar a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, como o próprio R. reconhece nas suas alegações.
Analisado pois o referido contrato, cremos que não é possível afirmar que do contexto da declaração ou das circunstâncias em que a mesma foi feita, se revela um erro de escrita, susceptível de dar lugar à sua rectificação, nos termos do art. 249º do Código Civil.
Também percorrida a factualidade provada, dela não resulta que na redacção do contrato em causa tenha existido qualquer erro ou lapso, susceptível de ser rectificado. A prova desse facto incumbia ao R., nos termos do art. 342º nº 2 do Código Civil, pois estamos perante facto impeditivo do direito que o A se arroga. Ora, o R. não deu cumprimento ao ónus de alegação e prova dos factos donde se pudesse retirar ter existido um lapso ou erro.
Aliás sempre se dirá que até se nos afigura que se fez prova de factos que tornam muito pouco provável ter havido qualquer erro ou lapso.
Com efeito, tendo-se provado que o A foi exercer uma actividade que já existia e com a qual o R. já laborava e que os serviços que o A. foi executar para o R. e para os quais foi contratado, já eram executados há mais de cinco anos por outros trabalhadores do R. e continuaram a sê-lo pelo próprio A.- v. nºs 10 e 11 da fundamentação de facto – é difícil de aceitar, no mínimo, que o contrato de trabalho a termo, do A, se pudesse justificar com qualquer acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa, como exige o art. 41º nº 1 al. b) do DL 64-A/89.
Também ao R. incumbia, por força do estatuído no art. 41º nº 4 do DL 64-A/89, na redacção introduzida pelo art. 2º da Lei 18/2001 de 03.07, “o ónus da prova dos factos e circunstâncias que fundamentam a celebração de um contrato a termo”, ónus esse a que igualmente não deu cumprimento.
Com efeito, se é verdade que se provou que o Inverno de 2000/2001 foi bastante chuvoso e que tal originou a necessidade de beneficiação de estradas e a efectivação do respectivo estudo – v. nº 15 da fundamentação de facto – não se fez qualquer prova que a contratação do A tivesse qualquer ligação com esses factos.
Cremos, assim, que falece qualquer razão ao R. nas conclusões 10ª e 11ª das suas alegações de recurso, pelo que não pode proceder a sua pretensão à rectificação do contrato que celebrou com o A em 21.02.2002.
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c) Caducidade do contrato de trabalho a termo certo
O R. baseia a sua argumentação, no que a esta problemática diz respeito, partindo da aplicabilidade imperativa do DL 427/89 de 07.12 à relação jurídica estabelecida entre ele e o A.
Este DL 427/89, entretanto alterado pelo DL 407/91 de 17.10, pelo DL 175/95 de 21.07, pelo DL 218/98 de 17.07 e pela L 23/2004 de 22.06, regulamenta os princípios a que deve estar sujeita a relação jurídica de emprego na Administração Pública, nomeadamente a forma como a mesma se deve constituir.
Consequentemente retira daí o R. que o contrato de trabalho a termo que celebrou com o A. não pode ser convertido em contrato sem termo, isto independentemente de estarem ou não preenchidos os requisitos de forma exigidos pelos artºs 41º do DL 64-A/89 e 3º nº 1 da Lei 38/96, porquanto da conjugação do preceituado nos artºs 43º nº 1 e 14º do citado DL 427/89 resulta a proibição de constituição de relações de emprego de forma diferente das aí previstas, ou seja, contrato de provimento e contrato de trabalho a termo certo.
Invoca até um aresto deste Tribunal que decidiu nesse sentido.
Aliás, também o Exmº Procurador Geral Adjunto, no seu parecer, baseando-se na aplicabilidade dos normativos contidos no DL 427/89, conclui que a relação jurídica de emprego em causa nos autos se extinguiu por caducidade e que, a entender-se que o termo aposto no contrato desrespeita o art. 18º nºs 1 e 2 deste diploma, a consequência é apenas a invalidade do próprio contrato e não a sua conversão em contrato de trabalho sem termo.
Há que reconhecer, desde já, que neste Tribunal se tem vindo a ter orientação no sentido que propugnam o recorrente e o Mº Pº e nós próprios subscrevemos, como adjuntos, acórdãos decidindo dessa forma.
Porém afigura-se-nos que, ponderando toda a linha de argumentação contrária e correspondendo ela a uma interpretação dos textos legais mais harmoniosa, é adequado rever a posição deste Tribunal.
É o que se fará de seguida, justificando tal mudança de orientação, para o que se chama aqui à colação o regime jurídico do R., à data da constituição da relação jurídica em causa, e sua posterior evolução.
A Junta Autónoma de Estradas, que tinha sido criada pelo Dec. nº 13 969 de 20.07.27, foi reestruturada e sucederam-lhe três institutos, criados pelo DL 237/99 de 25.06, entre os quais o Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), que foi com quem o A celebrou o contrato de fls. 8/9.
Este instituto, tal como os outros dois, foram definidos no art. 1º nºs 1 e 2 do DL 237/99 como “institutos públicos dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio” regendo-se “pelo presente decreto-lei, pelos respectivos estatutos anexos ao presente diploma e, subsidiariamente, pelo regime jurídico das empresas públicas”.
Ora, nos termos dos artºs 1º nº 1 e 13º nº 1, dos estatutos do ICERR, anexos àquele DL, o ICERR é “uma pessoa colectiva de direito público” e o seu pessoal ficou “sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas nos presentes estatutos e no diploma que o aprova”.
Assim, tendo a contratação do A ocorrido em 21.02.2002, data da formalização do contrato, com produção de efeitos reportados a 01.12.2001, como decorre do doc. de fls. 8/9, há que convir que a celebração desse contrato de trabalho a termo decorreu à luz do regime jurídico do contrato individual de trabalho, como o citado art. 13º nº 1 permitia ao ICERR, e nada parecendo obstar a isso.
Nem o conjunto dos normativos do DL 427/89, acima citados.
Com efeito, neste diploma ressalvava-se já, através do art. 44º nº 1, sob a epígrafe “Salvaguarda de regimes especiais”, que ao “pessoal dos institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados ou de fundos públicos abrangidos pelo regime aplicável às empresas públicas ou pelo contrato individual de trabalho … aplicam-se as respectivas disposições estatutárias”.
Desta forma, tendo o contrato em causa sido celebrado com um instituto público, na modalidade de serviço personalizado, que através do seu estatuto sujeitava o seu pessoal “ao regime jurídico do contrato individual de trabalho”, sem prejuízo de algumas especificidades, cremos que a disciplina daquela relação contratual estabelecida entre o A e o R. deve observar as disposições do regime jurídico do contrato individual de trabalho e não o regime geral da relação jurídica de emprego na Administração Pública.
Aliás, não deixa de se fazer notar que as próprias partes, no contrato de fls. 8/9 expressamente invocaram os diplomas pertinentes – DL 64-A/89, DL 409/71 de 27.09 e DL 49408 de 24.11.69 – do regime jurídico do contrato individual de trabalho e não o regime jurídico de constituição de emprego na Administração Pública.
Nesta medida não faz sentido o apelo que o recorrente faz ao nº 2 do art. 47º da Constituição da República Portuguesa. Não estando, como não estamos, perante a constituição de uma relação jurídica de emprego na Administração Pública, não se colocam problemas de averiguar da violação do direito de acesso à função pública em condições de igualdade e liberdade e em regra por via de concurso.
Acrescentar-se-á que a evolução legislativa posterior também não é obstáculo à conclusão de estarmos perante uma relação contratual regida pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho.
Atente-se que tendo procedido à fusão do ICERR no Instituto de Estradas de Portugal (IEP) pelo DL 227/2002 de 30.10, o legislador determinou que o IEP assumia automaticamente todos os direitos e obrigações legal ou contratualmente estabelecidos pelo extinto ICERR, mantendo-se em vigor os contratos individuais de trabalho do ICERR e transferindo-se para o IEP a posição jurídica correspondente ao instituto extinto. E também no art. 13º nº 1 dos estatutos do IEP, anexos ao DL 227/2002, se estabeleceu que o pessoal do Instituto ficava “sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas nos presentes estatutos e no diploma que o aprova”.
Mais recentemente, com a transformação do IEP em entidade pública empresarial, através do DL 239/2004 de 21.12. passando a denominar-se EP - Estradas de Portugal, Entidade Pública Empresarial, nada mudou na sua configuração como pessoa colectiva de direito público e ficando também o seu pessoal sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho – v. artºs 3º nº 1 e 11º daquele decreto-lei.
Desta forma, concluindo que é aplicável ao caso dos autos o regime jurídico do contrato individual de trabalho, não tem razão o R. quando invoca a caducidade do contrato que celebrara com o A ao comunicar-lhe, em 31.05.2002, a sua não renovação – v. nº 12 da fundamentação de facto.
Não merece por isso qualquer censura a decisão recorrida quanto, tomando em consideração a factualidade provada, máxime o facto de no contrato não se concretizar a razão da sua celebração a termo, bem como atenta a comunicação do R. ao A de 07.11.2002 de não renovar o contrato e fazê-lo cessar em 30.11.2002, sem a precedência de qualquer processo disciplinar – v. nºs 3, 16 e 25 da fundamentação de facto – e o disposto nos artºs 41º nº 2 e 12º nº 1 al. a), ambos do DL 64-A/89, concluiu que a estipulação do termo enfermava de nulidade, com a consequência de o A ter adquirido a qualidade de trabalhador permanente da empresa e a cessação do contrato consubstanciava um despedimento ilícito, já que estávamos perante um contrato sem termo, não foi invocada justa causa e não houve processo disciplinar.
Cremos, pois, que não assiste razão ao R., neste aspecto, pese embora as doutas conclusões 3ª a 9ª das suas alegações.
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d) Celebração de contrato de prestação de serviços com o R. e seus efeitos, nomeadamente renuncia ou não a quaisquer créditos emergentes da anterior relação
Nas suas alegações, que remata com a conclusão 12ª, pretexta o R., em resumo, que o A ao celebrar com ele sem qualquer reserva e após a caducidade do contrato de trabalho a termo, um contrato de prestação de serviços, renunciou a quaisquer créditos da anterior relação de trabalho.
Cremos, ressalvada melhor opinião em contrário, que não assiste qualquer razão ao R., até porque a factualidade apurada não suporta as consequências jurídicas que são avançadas.
Cumpre justificar e para o efeito há que proceder à qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes pois o tribunal não está sujeito à qualificação jurídica dos factos efectivada pelas partes, tal como não está sujeito às alegações destas no que toca à indagação, interpretação e aplicação do direito – v. art. 664º do Código de Processo Civil.
Procedendo a tal tarefa impõe-se afirmar, desde logo, que o contrato celebrado pelo A. e pelo R., nos termos dos docs de fls. 11 a 17, que constituem convite para apresentação de proposta e a apresentação dessa proposta, com base nos quais a partir de 02.12.2002 o A passou a exercer para o R. as mesmas funções que vinha exercendo, não é de qualificar como um contrato de prestação de serviços.
Este, nos termos da definição constante do art. 1154º do Código Civil, é o contrato “em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.
É comummente distinguido do contrato de trabalho, definido no art. 1152º do mesmo diploma legal e cuja definição é reproduzida no art. 1º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao DL 49 408 de 24.11.69[ “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”. ], pela inexistência de subordinação jurídica, a qual é característica do contrato de trabalho.
Ora, considerando que vem dado como provado que o A a partir de 02.12.2002 continuou a exercer as mesmas funções que exercia anteriormente, nos mesmos termos e condições, continuando sujeito às ordens, direcção e remuneração do R. cumprindo o mesmo horário de trabalho e apresentando-se diariamente no mesmo local de trabalho – v. nºs 17 a 19 da fundamentação de facto – dúvidas não temos em qualificar esta relação como de contrato de trabalho e não de prestação de serviços.
A subordinação jurídica, típica do contrato de trabalho, é bem evidenciada pela sujeição às ordens e direcção do R., pelo cumprimento de um horário de trabalho, pela apresentação diária num local de trabalho, ou seja, em resumo, pelo exercício das mesmas funções anteriores, nos mesmos termos e condições quando estava vinculado com o R. por um contrato que tinham denominado de contrato de trabalho a termo.
Quando o A e o R. ajustaram o denominado contrato de prestação de serviços, que passou a ter efeitos a partir de 02.12.2002, e afinal não é um contrato de prestação de serviços, mas antes um contrato de trabalho, como vimos, o A já estava vinculado ao R. por um contrato sem termo.
Consequentemente, aquele contrato, denominado de prestação de serviços, mas na realidade um contrato de trabalho, é nulo e de nenhum efeito, como se estatui no nº 5 do art. 41-A do DL 64-A/89, preceito este introduzido pelo art. 2º da Lei 18/2001.
Assim, não é possível retirar de tal contrato, face à sua nulidade, quaisquer efeitos, nomeadamente os pretendidos pelo R., de renúncia a quaisquer créditos.
Desta forma temos como certa a improcedência da conclusão 12ª das alegações da recorrente.
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e) Cálculo da indemnização
O R. insurge-se contra a decisão recorrida, considerando que a indemnização por antiguidade, que foi arbitrada na 1ª instância, no montante de € 4 872,00, se mostra incorrectamente calculada.
Porém cremos que não é difícil demonstrar que não lhe assiste qualquer razão.
Na verdade, decorrendo do preceituado no art. 13º nºs 1 al. b) e 3, do DL 64-A/89, que no caso de despedimento ilícito o trabalhador, optando pela indemnização em substituição da reintegração, aquela “corresponde a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo ser inferior a três meses, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido até à data da sentença”, cremos pacífica a interpretação segundo a qual quer o ano completo quer apenas uma fracção desse ano são equivalentes para efeitos de corresponderem a um mês de remuneração.
Cremos, aliás, que é pacífica neste sentido a jurisprudência. Assim decidiu por exemplo o Ac. da Relação de Lisboa de 13.02.95[ Publicado na Col. de Jurisprudência, Ano XX, Tomo II, pág. 242. ].
Assim, considerando que o A foi admitido ao serviço do R. em 01.12.2001 e que a sentença tem a data de 31.10.2005, sendo a antiguidade do A de 3 anos e 11 meses, o cálculo da indemnização por antiguidade há-de corresponder a 4 meses e, por isso, não merece qualquer censura, nesta parte, a sentença recorrida.
Desta forma, por falta de fundamento legal, improcedem as conclusões 13ª e 14ª das alegações do recorrente.
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e) Juros moratórios
O R. considera que foi indevidamente condenado no pagamento de juros moratórios desde a citação porquanto a indemnização só se tornou liquida com a sentença e, assim, só a partir desse momento pode haver mora e só a partir desta serão devidos juros moratórios.
Vistos os preceitos legais pertinentes afigura-se-nos assistir razão ao R. quanto a este aspecto do recurso.
Na verdade, como decorre do preceituado no art. 13º nº 3, supra transcrito, apenas no momento em que é proferida sentença existem os elementos necessários para calcular a indemnização devida ao trabalhador, face à ilicitude do despedimento.
Aliás, na petição inicial o A nem optou logo pela indemnização, pois até pediu a condenação do R. a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da indemnização a que tenha direito, tendo optado por esta posteriormente, como lhe permitia a al. b) do nº 1 do art. 13º do DL 64-A/89.
Nesta medida, considerando que a obrigação do R. era uma obrigação alternativa, em que a escolha pertencia ao A – v. art. 543º e segs do Código Civil – e que, após efectuada esta escolha por este o seu crédito era de montante ilíquido, não sendo imputável ao R., devedor, a falta de liquidez, a mora só surge quando o crédito se tornou liquido, atento o estatuído no art. 805º nº 3, primeira parte, do último diploma legal citado.
Desta forma há que concluir no sentido da procedência da conclusão 15ª das alegações da recorrente e, consequentemente, revogar a decisão de 1ª instância, na parte em que fixa serem devidos juros moratórios desde a citação do R., já que tais juros só são de fixar a partir daquela sentença, em 31.10.2005.
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III- DECISÃO
Termos em que se delibera confirmar a decisão impugnada, excepto quanto aos juros moratórios, que apenas são devidos desde a data da sentença (31.10.2005), negando quanto ao mais provimento ao recurso.
Sem custas, por delas estar isento o R., nos termos da al. a) do nº 1 do art. 2º do Código das Custas Judiciais, na redacção anterior ao DL 324/2003, de 27.12, cujas alterações só se aplicam aos processos instaurados após 01.01.2004 (artºs 14º nº 1 e 16º nº 1 do DL 324/2003) e porque o A. não formulando o pedido de condenação em juros a contar da citação, não ficou vencido.
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Coimbra,

(António F. Martins)

(Bordalo Lema)

(Fernandes da Silva)