Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3706/05.4YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: DESPACHO DO RELATOR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
JUSTO IMPEDIMENTO
Data do Acordão: 10/31/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA - VARAS MISTAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 145º, NºS 3, 5 E 6, 146º, E 700º, Nº 3, DO CPC
Sumário: I – De uma decisão do relator de um processo em recurso pendente no Tribunal da Relação não é admissível recorrer para o STJ, devendo o requerimento da parte que assim proceda ser entendido como uma reclamação para a conferência e assim ser tramitado, por ser este o meio adequado para reagir a uma decisão do relator do processo.

II – O decurso do prazo processual peremptório faz extinguir o direito à prática do acto, regra esta que pode, todavia, pode comportar a excepção do chamado “justo impedimento”.

III – No actual conceito de “justo impedimento” deve exigir-se às partes que procedam com a diligência normal, mas já não é de se lhes exigir que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excepcionais (inexistência de um nexo de imputação subjectiva à parte ou ao seu representante pelo facto que causou a ultrapassagem do prazo peremptório).

IV – Se numa 2ª feira uma funcionária de escritório de advocacia não comparece no escritório e nem sequer contacta o escritório para dar conta das razões da sua falta, sendo esse dia o último para dar cumprimento a uma diligência processual para a qual tina sido incumbida, impõe-se ao respectivo advogado que entre em contacto com a referida funcionária ou seus familiares e diligencie no cumprimento da diligência de que incumbira essa funcionária, pelo que, se assim não proceder, não há justo impedimento processual.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, neste Tribunal da Relação de Coimbra

1. Após ter sido admitido, como revista, o recurso que haviam interposto para o STJ do acordão proferido nesta Relação, os RR apresentaram as correspondentes alegações do mesmo que se encontram juntas a fls. 134/137.
Alegações essas que foram apresentadas no 1º dia útil após o prazo legal de 30 dias fixado para o efeito, sem que, todavia, tenham feito prova do pagamento da correspondente multa a que alude o nº 5 do artº 145 do CPC, pelo que a secção notificou os recorrentes para procederam então ao pagamento da multa a que alude o n º 6 daquele mesmo normativo legal.
Porém, decorreu esse prazo legal (que tinha como limite o dia 22/05/2006), sem que, mais uma vez, os RR tivessem feito prova de terem procedido ao pagamento dessa última multa.
E desse modo, e por tais motivos, foi, pelo relator do processo, proferido o despacho de fls. 142 a julgar, ao abrigo dos normativos legais ali citados, deserto o aludido recurso que os RR haviam interposto.
Despacho esse que foi proferido em 07/06/2006 e notificado aos RR por carta registada, datada de 09/06/2006.

2. Entretanto, o R (que também exerce a profissão de advogado e patrocinou a defesa comum na presente acção) fez juntar, agindo em nome próprio, aos autos o requerimento de fls. 145/146, entrado na secretaria deste tribunal em 14/06/2006, alegando, em síntese, o seguinte:
Ser correcto o acima exarado, e nomeadamente terem sido notificados pela secção deste tribunal para procederem ao pagamento da sobredita multa a que alude o nº 6 do artº 145 do CPC, cujo último dia, para ser efectuado, terminava efectivamente no dia 22/05/2006 (que correspondia a uma 2ª feira).
Na sexta feira anterior a tal data, como é usual no seu escritório, entregou à sua funcionária (de nome A...), encarregue de tais actos processuais, a guia judicial e bem assim o valor correspondente para que procedesse, na CGD, ao pagamento da aludida multa na 2ª feira seguinte, logo pela manhã.
Acontece que, de modo que não estava previsto e inesperado, a referida funcionária entrou em trabalho de parto precisamente nesse fim-de-semana, na sequência do qual veio a dar à luz, uma criança do sexo feminino, no dia 21/05/2006 (portanto no domingo). Muita embora a referida funcionária resida em Miranda do Corvo, todavia, o aludido nascimento veio a ocorrer em Coimbra.
Sucede que, devido a tal acontecimento, a referida funcionária nunca mais se lembrou da aludida guia judicial que tinha para pagar, que efectivamente nunca chegou, por isso, a pagar, sendo certo que logo após o dito nascimento regressou àquele local da sua residência, entrando em baixa de parto, situação em que actualmente ainda se encontra.
Por esse motivo, o tempo foi passando e o requerente nunca mais falou com a dita funcionária, quer porque a mesma nunca mais regressou ao trabalho, quer porque sendo a mesma uma funcionária diligentíssima nunca mais se lembrou de a instar a tal propósito, quer ainda porque terão surgido algumas complicações pós parto.
De tal modo, que só agora, após a notificação do sobredito despacho que julgou deserto o recurso, é que surgiu na sua lembrança a “retrospectiva de todos os factos passados” e se pôde confirmar o sucedido.
Tal situação configura um caso de justo impedimento, previsto no artº 146 do CPC, o qual só agora invoca porque só agora tomou conhecimento da situação supra descrita.
Por outro lado, e dado que à luz do artº 147, nº 2, do CPC, o prazo para o pagamento da multa em causa pode ser prorrogado mediante acordo das partes, solicita ainda ao tribunal que notifique a parte contrária, na pessoa do seu mandatário, para, com vista a tal, se manifestar a favor ou contra a prorrogação do prazo para pagamento dessa multa.
Pelo que terminou pedindo que, por justo impedimento, se considere justificado o não pagamento da multa em falta, e lhe seja, assim, concedido novo prazo para o seu pagamento, requerendo ainda que se mande ouvir a sobredita funcionária, residente em Miranda do Corvo, sobre toda a matéria factual supra alegada.

3. Após ter sido notificado, oficiosamente pela secção, do teor de tal requerimento, veio o ilustre mandatário da autora, através do requerimento de fls. 148, opor-se ao pagamento da multa em causa por parte dos RR, quer por via da prorrogação do prazo para o efeito – alegando, desde logo, que o requerimento em causa não passava de mais um expediente dilatório para que os RR protelem o trânsito do julgado da decisão que ordenou o seu despejo -, quer por via do justo impedimento, cujos pressupostos entende não estarem preenchidos.

4. Através do seu despacho de fls. 152/156, o juiz relator do processo, indeferiu a pretensão inserta do sobredito requerimento de fls. 145/146.

5. Através do seu requerimento de fls. 159, vieram os RR interpor, para o STJ, recurso de agravo daquele último despacho, por com ele não se conformarem.

6. Insurgindo-se contra tal requerimento de recurso, a A., através do seu requerimento de fls. 162/163, pediu ainda a condenação dos RR como litigantes de má fé.

7. Porém, o relator do processo (que é mesmo deste acordão), na sequência da conclusão que então lhe foi feita dos autos, através do seu despacho de fls. 165, entendendo, pelas razões aí aduzidos, que deveria mandar seguir aquele requerimento de interposição de recurso dos RR sob a tramitação própria de reclamação para conferência, por ser o meio adequado para reagir contra aquele despacho de fls. 152/156 (e não por via do recurso para o STJ, que então não era admissível), convidou, antes de mais, as partes a pronunciarem-se a tal propósito, aproveitando ainda para notificar os RR para, querendo, se pronunciarem, igualmente, sobre aquele pedido da A. sobre a sua condenação como litigantes de má fé.

8. Porém, somente os RR se vieram pronunciar, fazendo-o através do seu requerimento de fls. 168 (mais uma vez sujeitando-se ao pagamento da multa prevista no artº 145, nº 6, do CPC, por terem apresentado o dito requerimento depois de decorrido o prazo legal estipulado inicialmente para o efeito), e apenas para refutarem a sua condenação como litigantes de má fé.

9. Pelas razões já então aduzidas naquele seu despacho de fls. 165, o relator do processo (que continua a ser o mesmo), mandou os autos à presente conferência (por ser, repete-se, o meio legal próprio e adequado para apreciar a reacção dos RR contra aquele despacho sobre o qual os mesmos se insurgem).
10. Apreciando e decidindo.
O que está aqui em causa é, primeiramente, a reapreciação daquele despacho do relator contra o qual os RR se insurgem e, em 2º lugar, saber se os autos nos fornecem elementos seguros para que se possa considerar estarem preenchidos os pressupostos legais que permitam a condenação daqueles como litigantes de má fé.
10.1 No que diz respeito à 1ª questão não se vislumbram razões para nos afastarmos dos fundamentos aduzidos no despacho reclamado, os quais aqui se voltam a expandir.
Assim.
Face à declaração de oposição da parte contrária, e independentemente sequer de cuidarmos de saber se estavam ou não verificados os demais requisitos exigidos para o efeito, verifica-se, desde logo, a ausência do 1º grande pressuposto legal exigido (haver acordo das partes nesse sentido) para que os Réus pudessem beneficiar da prorrogação da prazo para o pagamento da multa em causa (cfr. nº 2 artº 147 do CPC).
Pelo que, com base em tal fundamento, se indefere a pretensão dos RR.

10.2 Vejamos, agora, se tal pretensão é possível à luz do justo impedimento, também invocado.
Os factos, por ora, a considerar são aqueles são aqueles que atrás se deixaram exarados (vg. nºs 1 e 2)
10.2.1 Como é sabido, no nosso ordenamento jurídico vigora a regra de que o decurso do prazo peremptório faz extinguir o direito à prática do acto (cfr. artº 145, nº 3, do CPC - diploma esse ao qual os referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o normativo sem a indicação da sua origem).
Regra essa que, todavia - e para além da situação especial já prevista no nº 5 do artº 145 -, sofre uma excepção: nos casos em que ocorre justo impedimento. Na verdade, no caso de ocorrência de justo impedimento a parte é ainda admitida a praticar o acto, muito embora tenha findo ou decorrido o prazo legal fixado para o efeito (cfr. nº 4 do artº 145).
Figura essa (de justo impedimento) que se encontra consagrada na nossa lei, a título excepcional, por uma questão de justiça material, para dar realização a situações excepcionais e que funciona como uma válvula de escape à rigidez estabelecida na lei para prática de certos actos (cfr. Ac. nº 132/95 do Trib. Constitucional de 15/3/1995, in “DR II S, de 19/6/95”).
A noção do conceito de justo impedimento é-nos dada pelo artº 146 ao preceituar no seu nº 1 que “considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à pratica atempada do acto”, e no seu nº 2 que “a parte que alegar justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária admitirá o requerente a praticar o acto fora do prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou”. (sublinhado nosso)
Tal redacção dada ao citado nº 1 o artº 146 resulta da reforma efectuada em 95 ao CPC, sendo que na sua anterior reforma o nº 1 desse mesmo preceito legal definia o justo impedimento como “o evento normalmente imprevisível, estranho à vontade da parte, que a impossibilite de praticar o acto, por si ou por mandatário”. Definição essa que, como era geralmente reconhecido, levava então a doutrina e a própria jurisprudência, a restringir a respectiva previsão legal àquelas hipóteses em que a “pessoa que devia praticar o acto foi colocada na impossibilidade absoluta de o fazer, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto, independente da sua vontade, e que um cuidado e diligências normais não fariam prever (cfr. J. Rodrigues Bastos, in “Notas ao CPC, 1ª - 321”, citado por Abílio Neto, in “Código de Processo Civil Anotado, 17ª, nota 1, pág. 236”).
Porém, a essa quase responsabilidade pelo risco, a Reforma de 1995 contrapôs uma definição conceitual de justo impedimento muito mais flexível do que a anterior, “em termos de permitir - como se refere no Relatório – a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia da culpa, que se afastou da excessiva rigidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam”.
O novo conceito de justo impedimento – conforme discorre o último autor citado -, faz apelo, em derradeira análise, “ao meio termo” de que falava Vaz Serra (RLJ, 109 – 267): deve exigir-se às partes que procedam com a diligência normal, mas já não é de lhes exigir que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excepcionais.
Em sentido idêntico vai Lopes do Rego, um dos elementos que integrou a comissão revisora (in “Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, pág. 125”) quando, referindo-se ao citado artº 146, opina que “o nº 1 pretende operar alguma flexibilização no conceito de “justo impedimento” colocando no cerne da figura a inexistência de um nexo de imputação subjectiva à parte ou ao seu representante do facto que causa a ultrapassagem do prazo peremptório. O que deverá relevar decisivamente para a verificação do “justo impedimento” – mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do acto – é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário no excedimento, ou ultrapassagem do prazo peremptório, a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no nº 2 do artº 487 do C. Civil. E sem prejuízo do especial dever de diligência e organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das causas.” (sublinhado nosso)
Em sentido idêntico, vidé ainda, prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado, vol. 1ª, págs. 257/258”; Pereira Baptista, in “Reforma do Processo Civil, 1997, pág. 54”; Ac. RL de 17/11/2002, in “JTRL00046748/ITIJ/Net”; Ac do STJ de 28/2000, in “BMJ 499 – 283” e Ac do STJ de 13/7/2000, in “BMJ 499 – 260”.
10.2.2 Posto isto, debrucemo-nos o sobre caso sub júdice.
No caso em apreço, e como resulta do já acima exarado, verifica-se, desde logo, que os RR não apresentaram as suas alegações de recurso no prazo de 30 dias que se encontra legalmente previsto para o efeito (cfr. artº 698, nº 2), apenas o tendo feito no 1º dia útil seguinte. Prática de acto esse que ainda, assim, é legalmente possível, à luz do nº 5 citado artº 145, desde que os mesmos pagassem a multa ali estipulada. Facto esse que, diga-se, pode, desde logo, revelar alguma falta de diligência profissional, tanto mais que não foi invocado para o efeito qualquer justo impedimento (a não ser que, tal como o que quanto ao que demais aconteceu, tenha sido objecto de uma estratégia processual deliberada).
Porém, como tal multa não tivesse sido paga, a secção notificou aqueles recorrentes (na pessoa do réu, ilustre advogado que patrocina a defesa da causa em seu nome e da ré, sua mulher) para procederem ao pagamento da multa agravada, nos termos previstos no nº 6 daquele mesmo normativo, dentro do prazo de 10 dias (cfr. fls. 139/140).
Todavia, o R deixou - como se pode observar por aquilo que expressamente ele próprio alegou naquele seu requerimento – para o último dia daquele prazo o pagamento da referida multa (o que é algo arriscado e igualmente revelador de pouca diligência profissional, a não ser que, mais uma vez, tal tenha sido objecto de uma deliberada estratégia processual).
E é precisamente no último dia desse prazo especial que a lei facultava aos recorrentes para pagarem a aludida multa agravada, a fim de poderem aproveitar-se das alegações de recurso tardiamente apresentadas (num acrescento ao prazo normal fixado para o efeito), que ocorre precisamente o evento acima descrito - susceptível de integrar, na opinião, do requerente o conceito de justo impedimento -, o qual terá impedido que a dita multa tenha sido paga no último dia do prazo fixado para esse efeito. O risco de que acima falámos veio a concretizar-se (a não ser que, mais uma vez, tenha sido objecto da tal equacionada estratégia processual deliberada).
Portanto, o justo impedimento é invocado não em relação ao prazo normal (já decorrido) legal estipulado para a prática do acto, mas antes em relação ao prazo especial (em acrescento àquele) estipulado para o efeito. O que, desde logo, nos deixa algumas dúvidas sobre a legalidade da invocação do justo impedimento em relação a tal prazo.
Porém, (à parte dessas reservas), e mesmo que se considerassem, desde já, como provados os factos acima descritos pelo réu/requerente, relacionados com o parto da sua subordinada (sendo certo que nenhuma prova documental foi junta para prova dessa ocorrência, para além do pedido da audição da referida funcionária – o que sempre teria de ocorrer, não fosse a solução final que se vai adiantar) e se considerasse, sem mais, que o evento em causa integra o conceito de justo impedimento, será que os recorrentes deveriam ser admitidos ainda a pagar a multa em causa (com todas as consequências processuais a daí extrair)?
Vejamos.
O réu/requerente na 6ª feira encarregou a dita funcionária de na manhã da 2ª feira seguinte (dia 22/5/2006 e o último dia do prazo) proceder ao pagamento da sobredita multa, entregando-lhe para o efeito as respectiva guias e o dinheiro correspondente.
Se nessa 2ª feira a referida funcionária não comparece no escritório (e para já não falar dos dias imediatamente seguintes) – e nem sequer contacta o escritório, directamente ou por interposta pessoas, para dar conta do sucedido, sendo esse o mínimo que seria de esperar e se impunha -, então o mínimo que igualmente se impunha ao réu/requerente – sabendo nomeadamente daquela tarefa específica de que a mesma havia ficado incumbida, tanto mais que dizia respeito a um acto que só já poderia ser praticado nesse dia e bem assim das consequências jurídico-processuais em que importava a sua omissão -, como advogado diligente e preocupado com a situação (para além da qualidade de entidade patronal), era ter tentado entrar em contacto com a referida funcionária (tanto mais que nem sequer alegou que tal foi feito ou que não foi conseguido) ou alguém das suas relações para indagar sobre o motivo da sua não comparência no escritório, ou seja, da sua falta ao serviço (tanto mais que, como o próprio afirma, a mesma é “diligentíssima”). Porém, mesmo que tal contacto porventura não fosse possível (não esqueçamos que ela havia sido por ele encarregue de proceder ao pagamento da tal multa na manhã de 2ª feira) então por uma questão de cautela impunha-se ao réu/requerente (não esqueçamos também as consequências gravosas, e que o mesmo agora invoca no seu requerimento, da omissão de tal pagamento) que entrasse em contacto com o tribunal (ou mesmo consultando os movimentos bancários desse dia) no sentido de indagar se o referido pagamento teria ou não sido efectuado. E se tal se impunha ainda durante o dia de 2ª feira, mais então se impunha ainda nos dias seguintes (e não esqueçamos que estamos a falar num período de tempo que se estendeu por mais de 3 semanas)!!!
E logo que constatada, em tais circunstâncias, a referida falta de pagamento (e partindo mesmo do pressuposto de que já não teria sido possível efectuá-lo naquele dia legalmente fixado) e os motivos subjacentes à mesma, deveria o réu/requerente (e ora reclamante), tal como lhe impõe a lei (artº 146, nº 2), ter vindo imediatamente (neste caso) a este tribunal alegar o justo impedimento (que agora invoca) para o não pagamento da multa em causa, o que, não fez, e estava ao seu alcance.
Tudo isto para concluir que, por tudo o exposto, resulta, desde logo e de forma notória, que mesmo que tivesse ocorrido justo impedimento, o réu/ requerente não se apresentou a praticar o acto em causa (pagamento da aludida multa) logo que tal impedimento cessou.
E nesses termos terá, manifestamente, de se indeferir a pretensão do requerente/reclamante, sendo, pois, de confirmar o despacho reclamado.

10.3 Da má fé dos Réus/Reclamantes
Preceitua o artº 456 que:
1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenado em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, como dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 . (...)
Enquanto as als. a) e b) do citado normativo legal se reportam à chamada má fé material/substancial (directa ou indirecta), já as restantes alíneas têm a ver com a má fé processual/instrumental.
Resulta assim, desde logo, de tal normativo legal, que a litigância de má fé pressupõe, uma actuação dolosa ou com negligência grave - em termos da intervenção na lide -, consubstanciada, objectivamente, na ocorrência de alguma das situações, atrás transcritas, previstas nas diversas alíneas do seu nº 2.
No fundo, pode dizer-se que a má fé traduz-se na violação do dever de proibidade que o artº 264 do CPC impõe às partes: dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias.
Por outro lado, e a tal propósito, afigura-se-nos ainda oportuno lembrar aqui o acordão do STJ de 16/1/2002 (in “Rec. Agr. nº 3520/01- 4ª sec., Sumários, pág. 57”) ao defender que “a sustentação de teses controvertidas, bem como a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, pode consubstanciar uma lide temerária ou ousada, mas não integra a litigância de má fé, pois que tal não basta para que se presuma uma actuação dolosa ou com culpa grave”. (Vidé ainda, em sentido idêntico, entre outros, Ac. do STJ de 10/01/2002, in “Rec. Rev. nº 3805/01, 7ª sec. , Sumários, 1/2002” e “Ac. RP de 1/10/92, in “CJ Ano XVII, T4-242” ).
Como é pacificamente defendido o conhecimento da litigância de má fé pode ter lugar em qualquer fase do processo e ser, inclusivé, objecto de conhecimento oficioso.
Posto isto, e reportando-nos ao caso em apreço, teremos que dizer que, face aos elementos de facto disponíveis e que foram carreados para os autos, se nos afigura bastante temerária qualquer condenação dos RR como litigantes de má fé, quer na modalidade de má fé material/substancial, quer na variante de má fé processual/instrumental (já que era esta que, sobretudo, estava aqui em causa).
Na verdade, os RR limitaram-se até ao momento a usar de todos os expedientes legais (porventura excessivos) que a lei coloca ao seu dispor para reagir contra decisões que lhe têm sido desfavoráveis (ainda que isso possa, como entende a autora, retardar o trânsito da decisão sobre o mérito da causa e que lhe foi favorável).
E, nessa medida, e sem necessidade de outras considerações, não se pode, até ao momento, seguir pelo caminho da condenação dos RR como litigantes de má fé.
***
11. Decisão
Pelo exposto, acorda-se:
a) Em confirmar o sobredito despacho reclamado, indeferindo-se a reclamação contra ele apresentado.
b) Em não condenar, por ora, os RR/reclamantes como litigantes de má fé.
Custas pelos RR/reclamantes, cuja taxa de justiça se fixa em 3 UCs (cfr. artºs 18, nº 3, e 16, nº 1, do CCJ)