Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1531/05.TBAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: DIVISÃO DE COISA COMUM
TRANSACÇÃO
USUCAPIÃO
Data do Acordão: 11/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1249, 1287, 1376, 1379 CC, 293, 299, 1052, 1053, 1056 CPC
Sumário: I- A indivisibilidade imposta no art.1376 do CC não é absoluta, podendo o prédio ser e ficar dividido, mesmo que as parcelas tenham área inferior à unidade de cultura, se a acção de anulação não for instaurada no prazo legal de três anos ou se os interessados as usucapiram.

II – Para operar a divisão, não basta o acordo divisório gizado pelas partes na acção de divisão, mesmo que com a invocação da usucapião, sendo antes necessária e exigível a efectiva e real prova dos requisitos deste instituto, pois só com tal prova e convencimento ele se pode sobrepor à proibição do referido preceito, ditada pelo interesse publico de assegurar uma adequada exploração da terra, e porque tal pode proporcionar posições com fraude à lei, sendo de recusar a homologação de tal acordo.

III - Por isso, em acção de divisão de coisa comum não é legalmente admissível termo de transacção no qual as partes procedem à divisão do prédio em vários lotes ou prédios independentes, com fundamento na usucapião.

Decisão Texto Integral:    ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

   1.

   JJ (…) e esposa, MA (…), e a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de E (…), representada pelas suas únicas e universais herdeiras (A (..), L (…) A (…)), instauraram contra  MC (…) acção especial de divisão de coisa comum.

   Alegaram.

   a) No dia 8 de Fevereiro de 2005 faleceu E (…), viúva de A (…) sendo que as únicas herdeiras a considerar são as supra referidas representantes da Herança Ilíquida e Indivisa;

   b) Autores e Ré são proprietários, em comum e sem determinação de parte ou direito, na proporção, respectivamente, de 5/6 e 1/6, de um determinado prédio rústico, composto de cultura e pinhal, inscrito na actual matriz rústica sob os arts. ...a ... e que correspondiam, na anterior, aos arts. ...;

   c) Apesar de ao prédio terem sido atribuídos seis artigos rústicos, a verdade é que não existem quaisquer marcos a delimitar qualquer parcela;

   d) Sem que nada o fizesse prever e sem o consentimento dos demais comproprietários, a Ré decidiu em 1995 destacar uma parcela desse terreno indiviso, correspondente a 1/6, dando origem a um artigo matricial urbano, com o nº ... da freguesia de ...;

   e) A Ré construiu então uma casa de habitação na parcela destacada;

   f) Tratando-se de um prédio indiviso, as operações de divisão terão que ser feitas por consenso de todos os comproprietários, mediante loteamento;

   g) O prédio é indivisível sem o destaque ou loteamento, por acordo de todos os comproprietários.

   Pediram:

   Que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à adjudicação ou venda do prédio comum, com repartição do respectivo valor por Autores e Ré, nos termos dos artigos 1053º a 1056º do Código de Processo Civil.

   Contestou a ré.

   Dizendo em suma o seguinte:

   a) É a única e exclusiva proprietária do terreno que está autonomizado e que é distinto do prédio descrito na petição inicial;

   b) De acordo com a versão dos Autores, deviam ainda figurar na acção todos os consortes, e não apenas consortes que representam apenas 4/6 do prédio;

   c) O prédio que os Autores identificam, há mais de vinte anos que se encontra dividido em seis “lotes” de terreno, perfeitamente autónomos e distintos entre si;

   d) O lote que corresponde ao artigo matricial ... é o que corresponde ao da Ré, sobre o qual esta e seus antecessores, sem oposição de ninguém, vem exercendo todos os actos de posse correspondentes ao exercício do direito de propriedade, e nessa convicção, pelo que, se outro título não tivesse, adquiriu-o já por usucapião;

   e) A Ré tem uma escritura de justificação outorgada em 26 de Maio de 1993, não tendo o seu direito de propriedade sido impugnado;

   f) Se a Ré não fosse a proprietária única e exclusiva da parcela que ocupa, jamais a Câmara Municipal a teria autorizado a edificar a moradia que lá implantou;

   g) A divisão material operada respeitou a área de unidade de cultura para a zona;

   h) Mesmo que assim não fosse, o prédio seria divisível, desde que, como foi o caso, a parcela fraccionada se destine a outro fim que não a cultura;

   i) Os Autores litigam de má-fé.

   Pediu:

   A absolvição do pedido e o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio, condenando-se ainda os Autores como litigantes de má-fé.

   Responderam os autores dizendo:

   a) Tem razão a Ré quando refere que não estão representados na acção todos os comproprietários, o que pretende suprir com a dedução do competente incidente de intervenção;

   b) Impugnam toda a factualidade alegada pela Ré relativa à autonomização das parcelas e à aquisição por usucapião da correspondente ao artigo matricial nº ...;

   c) A casa que se encontra implantada no terreno foi construída pela própria Ré há 9, 10 anos.

   Concluem os autores pedindo:

   A improcedência da excepção de usucapião e requerendo o chamamento, por intervenção provocada, de L (…) e A (…).

  

2.

Em sede de audiência de discussão e julgamento as partes apresentaram termo de transacção, no qual pretendiam proceder à divisão do prédio em causa em sete lotes ou prédios, independentes e autonomizados, com o fundamento de que tais prédios já se encontram na posse, continuada, publica e pacífica, dos respectivos interessados, desde 1973.

Pedindo a sua homologação pelo tribunal.

A peticionada homologação foi indeferida por despacho com o seguinte teor:

«O artº 1376º do CC proíbe a divisão predial que dê origem a prédios com áreas inferiores à unidade mínima de cultura. A unidade mínima de cultura na região de Aveiro é de 2 hectares, para os terrenos arvenses ou de sequeiro e de 0,5 hectares no caso de terrenos hortícolas. Como resulta da própria descrição predial, o prédio em causa não é terreno hortícola. As partes pretendem dividir o prédio em seis partes todas com área inferior a 1 há. Como tal o resultado seria a violação da norma referida, norma que é de interesse e ordem pública e que, portanto, não está na disponibilidade das partes. Assim sendo, não se considera válida a transacção em causa e por isso recusa-se a sua homologação…

A eventual usucapião da situação está dependente de prova séria e credível a produzir em julgamento.»

3.

Inconformadas recorreram ambas as partes, de agravo.

As quais apresentaram as mesmas conclusões, a saber:

A) Com efeito, os Autores instauraram a presente acção de divisão de coisa comum contra a ora Agravante / Ré alegando que Autores e Ré “são donos e legítimos proprietários, em comum e sem determinação de parte ou direito do prédio rústico (…) na proporção de 5/6 para os AA e na proporção de 1/6 para a Ré, com a seguinte descrição: prédio rústico, sito no ..., composto por terreno de cultura e pinhal, com a área total de 56.300 m2 que confronta do Norte com Câmara Municipal de ..., do Sul com ..., do Nascente com Estrada e do Poente com caminho, inscrito na actual matriz predial rústica sob os artigos ... ..., sendo que nas antigas matrizes, o mesmo prédio se encontrava descrito sob as matrizes n.º ...” e que nunca acertaram verbalmente a divisão material do prédio sub judice, na proporção dos seus quinhões, peticionando, a final, que se procedesse à adjudicação ou venda do prédio comum nos termos do disposto nos artigos 1053º a 1056º do Código de Processo Civil.

B) Citada a ora Agravante para contestar a acção que os Autores lhe movem, veio impugnar a matéria fáctica por estes alegada nos termos que a seguir se transcrevem, para além de ter excepcionado invocando que não estavam representados na acção todos os compartes e vindo invocar a divisão do prédio objecto dos presentes autos em 6 parcelas distintas e materialmente divididas por usucapião, porquanto

C) Desde logo, tais parcelas encontram-se, cada uma delas, inscritas na matriz predial e cada um dos seus titulares paga o respectivo imposto, sendo que de acordo com os documentos juntos aos autos se verifica que já antes de 1985 cada parcela tinha o seu artigo de matriz e após esta data passou a ter um novo artigo devido a renumeração efectuada no concelho de ... por virtude da criação de nova freguesia.

D) Donde há mais de 20, 30 anos que Autores e Agravante estão na posse de cada uma das parcelas de terreno resultantes da divisão do prédio sub judice vindo, cada um deles, possuindo e fruindo a sua respectiva parcela de terreno, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, ininterruptamente, na convicção de desfrutarem de “coisa” exclusivamente sua, para o que sempre vêm retirando os benefícios que cada um dos terrenos gera, lavrando-os, cortando as árvores que existem em cada um dos prédios, pinheiros e eucaliptos, plantado e tratando das árvores de fruto e colhendo os respectivos frutos.

E) Estando cada uma das parcelas autonomizadas umas das outras até pelos marcos que existem a delimitar as estremas, possuindo, assim, as referidas parcelas de terreno áreas bem definidas e respectivas confrontações, como constam das respectivas matrizes, documentos esses que foram juntos aos autos.

F) Realidade essa que as partes reconheceram e aceitaram no acordo que apresentaram em Tribunal para que fosse homologado e que foi redigido de acordo com a realidade factual existente e para efeitos de descrição dos referidos prédios na Conservatória do Registo Predial.

Ora

G) Do acordo consta que as partes reconhecem e aceitam, todos eles, que desde, pelo menos ,1973 o prédio objecto dos presentes autos se encontra demarcado por marcos que foram colocados pelos antecessores a delimitar cada uma das 6 fracções em que o prédio foi dividido.

H) Mais reconhecendo as partes que desde aquela data que cada uma das 6 parcelas de terreno, com o seu respectivo artigo de matriz, se encontram autonomizadas umas das outras, cujo direito de propriedade sobre cada uma das parcelas foi adquirido, pelos respectivos titulares inscritos na matriz, por usucapião.

I) As normas respeitantes ao instituto da usucapião não são normas de interesse público nem se trata de direito indisponível de que as partes não pudessem transaccionar.

J) Como é defendido no douto acórdão da Relação de Coimbra datado de 12 de Maio de 2009, processo n.º 621/08.3TBLRA.C1, em que foi relator o Desembargador Dr. Moreira do Carmo, in www.dgsi.pt, “não obsta à aquisição por usucapião de parcelas de prédio rústico, resultantes de divisão, efectuada por partilha verbal dos anteriores comproprietários, o facto de elas terem área inferior à unidade de cultura.”

K) Mais é referido nesse douto aresto que “mostra-se pois assente a possibilidade de se reconhecer a divisão material de determinado prédio, ainda que contra as regras fixadas no artigo 1376º e seguintes do Código Civil, desde que tal divisão se tenha firmado no ordenamento jurídico por actos de posse, susceptíveis de determinar uma aquisição originária por usucapião. Daqui decorre que, invocando as partes a aquisição das respectivas parcelas, por usucapião, deixa de existir obstáculo à divisibilidade das mesmas.”

L) Face ao que se acaba de alegar, o Tribunal a quo ao ter rejeitado o acordo apresentado pelas partes, par além de, salvo o devido respeito, ter feito tábua rasa do modo de aquisição das parcelas de terreno identificadas em tal acordo – ou seja por usucapião –, também não fundamentou nem esclareceu de forma suficiente o porquê da rejeição, quando nada obstava a que as partes transaccionassem nos termos em que o fizeram e que ora se reproduz para efeitos do presente recurso.

M) Pelo exposto, não havia fundamento legal para que o Tribunal a quo tivesse rejeitado o termo de transacção, donde violou o douto despacho recorrido as normas constantes do artigo 293º e 299º do Código de Processo Civil, artigos 1287º e seguintes do Código Civil.

   4.

   Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo a final, sido proferida sentença que:

   a) Julgou comum aos Autores e à Ré o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... do seguinte modo: sito no ..., terreno de cultura e pinhal com 56.300 m2, que confronta a Norte com Câmara Municipal de ..., a Sul com ..., a Nascente com estrada, a Poente com caminho, vala, ... e ..., inscrito na matriz sob os artigos ...º;

   b) Fixou o quinhão das Partes no dito prédio na seguinte proporção: 2/6 para os Autores JJ (…) e esposa, 1/6 para a Autora Herança Ilíquida e Indivisa de E (…), 1/6 para a Ré, 1/6 para a Interveniente L (…) e 1/6 para a Interveniente A (…);

   c) Julgou o prédio indivisível;

   d) Julgou improcedente a arguida litigância de má-fé dos Autores.

5.

Inconformada recorreu a ré de apelação.

Porém o recurso foi julgado deserto por falta de apresentação tempestiva das respectivas alegações.

A sentença transitou, pois, em julgado.

6.

Cabe, assim, apreciar apenas o recurso de agravo.

E sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-Aº do CPC – de que o presente caso não constitui excepção – o teor das conclusões define o objecto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

(I)legalidade de divisão de coisa comum, através de acordo dos interessados, com invocação da usucapião, se os lotes ou prédios divididos tiverem área inferior à unidade de cultura.

7.

Apreciando.

7.1.

Estatui o artigo 1376º do Código Civil:

1. Os terrenos aptos para cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do País; importa fraccionamento, para este efeito, a constituição de usufruto sobre uma parcela do terreno.

2. Também não é admitido o fraccionamento, quando dele possa resultar o encrave de qualquer das parcelas, ainda que seja respeitada a área fixada para a unidade de cultura.

3. O preceituado neste artigo abrange todo o terreno contíguo pertencente ao mesmo proprietário, embora seja composto por prédios distintos.

E dispõe o artº 1379º:

1. São anuláveis os actos de fraccionamento ou troca contrários ao disposto nos artigos 1376º e 1378º…

3. A acção de anulação caduca no fim de três anos, a contar da celebração do acto…

As regras sobre fraccionamento e troca de terrenos aptos para cultura são determinadas por razões de interesse público relacionadas com a defesa da viabilidade e rentabilização económica, pretendendo evitar-se a criação de micro-parcelas economicamente inviáveis ou pouco rentáveis.

Não obstante, constituem doutrina e jurisprudência pacíficas que o disposto naquele preceito não impede, em absoluto, o fraccionamento de parcelas de área inferior à unidade de cultura.

Desde logo e como dimana do artº 1379º, certo é que os negócios que as infrinjam não são fulminados de nulos mas apenas são anuláveis, e sendo que o prazo da respectiva acção de anulação é apenas de três anos.

 Decorrido este prazo, a violação da lei deixa de relevar seja para que efeito for, não podendo, por conseguinte, impedir a aquisição de direitos.

Isto pelos motivos que subjazem ao instituto da caducidade, quais sejam, a certeza, segurança e estabilidade das relações que possam contribuir para a desejada paz social.

Havendo, pois, toda a vantagem (de ordem pública) em que a situação criada (com o fraccionamento dos referidos terrenos) se defina com uma certa brevidade, não deixando por muito tempo sujeita a incerteza a posição jurídica dos interessados.

Ora se assim é para os negócios anuláveis, outrossim  - por igualdade, ou, até, por maioria de razão -  o deve ser - face,  outrossim, às ponderosas razões de ordem económico-social que estão na base do instituto -,  para uma situação possessória que conduz à usucapião de parcelas com área inferior à unidade de cultura.

 Sendo  pois também possível que se reconheça como válida a divisão material de determinado prédio, ainda que contra as regras na lei fixadas, desde que tal divisão se tenha firmado no ordenamento jurídico por actos de posse, susceptíveis de determinar uma aquisição originária por usucapião - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. III, 2ª ed., p. 269; Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, vol.2º, 1979, p.235; e, além do Ac. desta Relação citado pelos recorrentes, Ac. da Relação do Porto de 9 de Janeiro de 1995, CJ XX, 1º,189; Ac. Relação Évora, de 26.10.00, C.J., 4º, p.272; e Acs do STJ de  01.02.2005 e de 27.06.2006 in dgsi.pt, ps. 04A4652 e 06A1471.

Todavia e como curial e sagazmente expende o Sr. Juiz a quo que sustentou  o despacho: «uma coisa é saber se são ou não passíveis de usucapião as parcelas de um dado terreno, ainda que materialmente autonomizadas em infracção ao disposto no art. 1376º do Código Civil, e coisa diversa é saber se as partes numa acção podem, por mera transacção, declará-lo.

Ora, o despacho em apreço pronunciou-se sobre este segundo aspecto, ao realçar que o objecto da transacção não está neste caso na disponibilidade das partes, assim apelando, embora sem o citar expressamente, ao que deriva do art. 1249º do Código Civil.

Admitir que as partes, por mera transacção, declarem uma tal aquisição por usucapião, com o consequente reconhecimento da divisão material porventura operada dos prédios, significaria que com toda a facilidade poderiam tornear-se os obstáculos de ordem pública decorrentes nomeadamente do art. 1376º do C.C., conquanto o Tribunal se limitasse como que a um acto de chancela» (sublinhado nosso).

Efectivamente  prescreve o artº 1249º do CC que: «as partes não podem transigir sobre direitos de que não lhes é permitido dispor, nem sobre questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos».

É o caso da divisão de prédios se da mesma resultar área inferior à da respectiva unidade de cultura, atento o disposto no citado artº 1376º.

Logo, se tal impedimento pode ser afastado pela emergência da usucapião, não basta que a parte a invoque. É necessário ainda provar os seus requisitos. Sob pena de, eventualmente, se gizarem conluios com fraude à lei, com intuito de tornear os seus impedimentos.

Certo é que, para o efeito que nos ocupa, a usucapião tem a relevância, magnitude e consequências supra aludidas.

 Mas por isso mesmo, e porque, da sua verificação, emerge a legalização de um acto ou situação inicialmente proibida, impõe-se que ela não seja considerada por uma simples e falível manifestação de vontade, mas antes pelo culminar de um processo probatório que efectiva e realmente convença o tribunal.

Tal exigência é decorrência natural do interesse de ordem pública no que concerne ao fraccionamento e emparcelamento de prédios rústicos, obviamente ditado por razões de viabilidade e rentabilização económica supra aludidas.

Tanto assim que com a alteração introduzida nesta matéria ao CPC pelo DL 329-A/95 de 12/12 foi permitido ao juiz conhecer oficiosamente da indivisibilidade, ainda que as partes não hajam suscitado tal questão – artº 1052º nº4 do CPC.

7.2.

In casu.

Valem aqui, plena e determinantemente, as considerações em tese supra expostas.

Pois que as partes gizaram um mero acordo que não teve, logo no momento em que foi colocado à apreciação do tribunal, acompanhamento de qualquer prova imediata e com força bastante para convencer  da veracidade substancial do invocado.

E sendo, aliás, o caso vertente paradigmático no que concerne à necessidade, bondade e justiça da exigência da efectiva prova dos factos densificadores do instituto da usucapião com vista à postergação da proibição do disposto no artº 1376º.

Pois que não obstante os autores alegarem na pi que «o prédio é indivisível sem o destaque ou loteamento (artº 1376º e segs do CC…)», e, na resposta á contestação da ré, que: impugnam toda a factualidade alegada pela Ré relativa à autonomização das parcelas e à aquisição por usucapião da correspondente ao artigo matricial nº ..., as partes, em sede de acordo, acabam, em claro venire contra factum proprium, por aceitar a divisibilidade e com invocação da usucapião.

Nesta conformidade é inequívoco que:

 «Afirmada, na petição inicial de acção de divisão de coisa comum … a indivisibilidade do prédio misto - com 3053 m2 de área -… e contestada, pelos réus, essa alegada indivisibilidade, com fundamento em que o prédio se achava já dividido em prédios distintos e a divisão consolidada por usucapião, o processo prossegue para se apurar da verificação da matéria da usucapião.

 Neste caso, a indivisibilidade do prédio, afirmada pelos autores, só pode ser afastada pela demonstração da verificação dos alegados requisitos da usucapião.

 Decidida, por acórdão transitado, que não estão verificados todos esses requisitos, tem de ter-se por assente a indivisibilidade do prédio, seguindo-se, sem mais diligências, a designação de data para uma conferência de interessados, nos termos e para os fins prevenidos no art. 1060º/2 do CPC (na redacção anterior ao Dec-lei 329-A/95, de 12/12)» - Ac. do STJ de  18.03.2004, dgsi.pt, p. 03B3812, com sublinhado nosso.

Ora, in casu, desatendida que foi a homologação do acordo, o processo prosseguiu designadamente para prova dos factos constitutivos da usucapião.

 E, como se expende na sentença e se alcança pelas respostas dadas aos artigos respectivos da BI, nenhum de tais factos se provou, ou seja, não se provou a posse, publica e pacífica, das partes sobre o prédio, há mais de 40 anos, como por elas alegado, e, sequer, que o mesmo esteja dividido  em seis partes autónomas.

A questão quanto à (in)divisibilidade está pois, definitivamente, resolvida, no sentido da indivisibilidade pelo que há apenas que seguir os termos previstos no artº 1056º nº2 do CPC como determinado na sentença.

Consequentemente, improcede o recurso, pois que se conclui não ter sido feito agravo aos recorrentes.

8.

Sumariando.

I- A indivisibilidade ex vi do disposto no artº 1376º do CC não é inelutável e absoluta, podendo o prédio ser e ficar dividido, mesmo que as parcelas tenham área inferior á unidade  de cultura, se a acção de anulação  não for instaurada no prazo legal de três anos ou se os interessados  as usucapiram.

II – Todavia, para operar a divisão, não basta o acordo divisório gizado pelas partes na acção de divisão, mesmo que com a invocação da usucapião, antes sendo necessária e exigível a efectiva e real prova dos requisitos deste instituto - pois que só  com tal prova e convencimento ele se pode sobrepor à proibição do referido preceito ditada pelo interesse publico de assegurar uma adequada exploração da terra, e porque tal pode proporcionar posições com fraude à lei - pelo que é de recusar a homologação de tal acordo.

9.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão.

Custas pelos recorrentes.


Carlos Moreira ( Relator )
Moreira do Carmo
Alberto Ruço