Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
108/06.9TXCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
SITUAÇÃO PROCESSUAL INDEFINIDA
Data do Acordão: 12/09/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS - COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 61º, 2 CPP
Sumário: A não concessão da liberdade condicional com base no facto da situação jurídico-processual do arguido estar ainda indefinida, viola o princípio da presunção de inocência.
Decisão Texto Integral: Em conferência na 5.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
1- Nos autos de processo gracioso de concessão de liberdade condicional que, no processo acima referido, correm termos no Tribunal de Execução das Penas de Coimbra, foi proferida sentença, a fls 95 ss, negando a concessão de liberdade condicional ao recluso D…, devidamente identificado nos autos

2- Inconformado, recorre o dito recluso, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte :
Na avaliação efectuada na presente data refere agora Tribunal a quo (a fls. 551 da douta sentença): «De então para cá vem mantendo comportamento adequado, sem registo de sanções. Não obstante ter solicitado ocupação laboral, está inactivo por dificuldades do próprio Estabelecimento prisional em dispor de oferta de ocupação; Na problemática da tóxico-dependencia está agora a ser acompanhado pelo CRI de Viseu, denotando motivação para a sua continuidade;». °
Face ao exposto, a estes níveis, é evidente a evolução do recorrente, que desde 11 de Setembro de 2008, ou seja, nove meses volvidos sobre a apreciação da liberdade condicional aquando do cumprimento de metade da pena a que foi condenado, mantém um percurso no encontro das expectativas/injunções impostas pelo Venerando Tribunal a quo, em consonância com o fim jurídico das penas neste âmbito, estabilizando assim sua conduta, bem como, devidamente a censurabilidade da sua actuação criminosa, denotando-se intimidação o suficiente, e afastando-se do consumo de estupefacientes.
Mais refere o Tribunal a quo (a fls. 551): «No exterior dispõe do mesmo apoio familiar (...), e mantém a perspectiva de trabalho antes apresentada ».
Apesar do supra exposto, entendeu o Venerando Tribunal a quo, não conceder a liberdade condicional, com fundamento (na leitura do ora recorrente), no facto da sua situação jurídica estar ainda indefinida.
Mas sustentar a não concessão da liberdade condicional neste facto, viola para além do mais o princípio da presunção de inocência, princípio fundamental do processo penal em qualquer Estado de Direito.
Pelo que a questão que se deve colocar nos presentes autos, é se da factualidade demonstrada, analisada de acordo com os critérios da razoabilidade e bom senso (sem esquecer, naturalmente, as circunstâncias do caso, maxime, a natureza do crime e sua gravidade, a vida anterior do agente e a sua personalidade, circunstâncias a que a lei manda atender na formulação do juízo sobre o comportamento futuro do recluso), permitem concluir que a pena de prisão cumprida pelo recorrente até á presente data (desde 16 de Fevereiro de 2005), já realizou ou não a sua função preventiva relativamente ao futuro comportamento do agente, ou seja, se, em face de tais circunstâncias concretas, é possível concluir que o recluso, no futuro, "uma vez em liberdade, conduzira a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes", em suma, se estão demonstrados os requisitos de que depende a concessão da liberdade condicional previstos no artigo 61.° n.° 2 alínea a), do Código Penal.

3- No seu douto parecer, o Exmo PGA, acompanhando o Mp da 1.ª instância, conclui pela improcedência do recurso

4- Foi colhido o visto legal e teve lugar a conferência

5- Apreciando

O despacho recorrido tem a seguinte fundamentação, em resumo e com interesse : « (...) Resulta dos autos, que o arguido se encontra a cumprir, sucessivamente, as penas de, 99 dias de prisão subsidiária, (já cumprida integralmente de 17/01/06 a 27/04/06), 6 meses de prisão (também já integralmente cumpridos de 08/01/08 a 08/07/08) e, única, de 5 anos e 3 meses de prisão, impostas nos processos nºs 612/03.0TACBR,116/05.7PCCBR e 3400/04.3PCCBR (que englobou os processos nºs.157/05.4PBCBR, 2685/02.4PCCBR, 2841/01.2PCCBR, 2705/02.2PCCBRe 114/05.6TACBR), respectivamente, por ter praticado crimes de furto simples e qualificado, detenção de arma proibida, ofensa à integridade física qualificada, roubo, detenção ilegal de arma, tráfico de estupefacientes de menor gravidade e falsidade de declaração, cuja totalidade da duas primeiras com os 2/3 da última, ocorreu em 20/05/09, atingindo os 5/6 de todas, em 19/02/10 e termina em 20/02/11, de acordo com as liquidações do tribunal da condenação, juntas a folhas 262 e 326.
Tem pendentes os processos n.s 646/07.6TACBR e 115/05.9PCCBR, com julgamentos já aprazados para Outubro próximo. ( 1.ª secção da Vara Mista de Coimbra )
(...) Da anterior apreciação em 07/10/08, constava o seguinte: “Dos elementos colhidos nos autos, sustentados nos factos que constam dos pareceres, relatórios e informações bem como da audição do arguido e do Conselho Técnico, resulta que este, deverá estabilizar a sua conduta, estruturando um projecto de vida credível, bem como interiorizando devidamente, a censurabilidade da sua actuação criminosa. Neste EPR, onde se encontra há menos de 1 mês, (vindo do EPR de Coimbra, em 11/09/08), vem tendo comportamento adequado, dizendo-se abstinente e não evidenciando, por ora, motivação para ser acompanhado na problemática da toxicodependência; Está a frequentar actividades extra curriculares, dando mostras de querer mudar o seu percurso de vida. No EPR de Coimbra, teve inicialmente, conduta prisional instável, registando várias punições disciplinares, evidenciando fraca adesão às regras e tendo rejeitado as oportunidades que lhe foram sendo sugeridas, quer ao nível da escolaridade quer ao nível de Programas terapêuticos. Na problemática da toxicodependência, estava a ser acompanhado mas por incumprimento dos requisitos, foi suspenso do programa terapêutico. Nos últimos tempos começava a evidenciar alguma vontade de mudança e a apresentar alguma consciência crítica dos actos que cometeu, parecendo começar a interiorizar o desvalor da sua conduta. No exterior tem apoio da família, especialmente de 2 irmãos (...), que se disponibilizam a ajudá-lo na sua reinserção social, se se dedicar ao trabalho e se afastar, do consumo de drogas; Em Março passado, juntou aos autos uma Declaração, datada de Janeiro, da Pastelaria V…, onde trabalham os seus irmãos, de onde consta, que aquela entidade Patronal, está na disposição de o receber ao seu serviço, quando à liberdade restituído for. Não obstante, e face ao percurso vivenciado, importa que estabilize a sua conduta, bem como, interiorize devidamente a censurabilidade da sua actuação criminosa, denotando intimidação suficiente e se afaste do consumo de estupefacientes.”.
De então para cá vem mantendo comportamento adequado, sem registo de sanções. Não obstante ter solicitado ocupação laboral, está inactivo por dificuldades do próprio Estabelecimento Prisional em dispor de oferta de ocupação. Na problemática da toxicodependência está agora a ser acompanhado pelo CRI de Viseu, denotando motivação para a sua continuidade. Continua sem beneficiar de medidas de flexibilização da pena, em parte por ter a sua situação jurídica indefinida e agora com vários julgamento marcados para Outubro próximo;
Do que acima se expôs, forçoso se torna concluir que não estão demonstrados os requisitos que permitem fazer funcionar o regime da Liberdade Condicional, tanto mais que tem a sua situarão jurídica, ainda indefinida, tendo 2 julgamentos já aprazados para 02/10/09 e 07/10/09. Com efeito, atento os crimes cometidos, a sua personalidade e não obstante a postura, recentemente adoptada, não se nos afigura, que já esteja em condições de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável.
Por tudo o exposto, decide-se não conceder ao arguido a Liberdade Condicional.
Quanto à requerida Colocação em Obrigação de Permanência na Habitação, não é a mesma legalmente viável, nesta data, porquanto, nos termos do disposto no artigo 62º do Código Penal, tal regime só é apreciado, enquanto antecipação à Liberdade Condicional, o que não é o caso, em que se aprecia, para efeitos de Liberdade Condicional, sendo ainda certo que, sendo os requisitos os mesmos, quer para a Liberdade Condicional, quer para a sua antecipação, o facto de não se encontrarem reunidos para a concessão de Liberdade Condicional, também se não encontrariam para tal regime ».

Também se refere no principio do dito despacho que « Em Conselho Técnico, reunido em 29 do corrente mês de Junho, foram prestados os necessários esclarecimentos e foi emitido, Parecer Desfavorável, por unanimidade, à concessão da Liberdade Condicional ao arguido».
Consta ainda de fls 163 e 164 destes autos que os processos ainda pendentes contra o recorrente ainda não foram julgados : o n.º 115/05 tem julgamento agendado para 10-2-2010, e o n.º 646/07 foi remetido á vara mista para aí ser julgado

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, extraídas da motivação apresentada, cabe agora conhecer da única questão ali suscitada, a de saber se o tribunal recorrido fez um uso desconforme do art. 61.º-2-a) do CodPenal, ao denegar a concessão da liberdade condicional ao recorrente.
O citado normativo dispõe : « O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo 6 meses se: a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social »
A concessão da liberdade condicional consiste na antecipação da liberdade ao condenado que cumpre pena privativa de liberdade, desde que cumpridas determinadas condições, medida que serve como estímulo à reintegração na sociedade daquele que aparenta ter experimentado uma suficiente recuperação na última etapa do cumprimento da pena privativa de liberdade no sistema progressivo, representando uma transição entre o cárcere e a vida livre.
Qualquer que seja a natureza jurídica da medida ( apenas a última fase do sistema progressivo; uma fase de execução da pena, a qual sofre uma modificação no seu último estágio; um direito público subjectivo do recluso ), o certo é que na lei vigente (artigo 61.º do CodPenal ), a liberdade condicional em sentido próprio ( também chamada liberdade condicional facultativa), enunciada nos n.º 2, 3 e 4, depende não apenas de pressupostos formais, mas também materiais, designadamente subjectivos, ligados ao comportamento e à personalidade do recluso.
As razões de prevenção geral positiva (suficiente advertência) e de prevenção especial (carência de socialização do condenado), não são privativas do momento da determinação da pena, antes continuam a estar presentes na fase de execução da pena de prisão. Assim, no primeiro momento de apreciação da liberdade condicional, quando o condenado já cumpriu metade da pena de prisão, faz-se depender a concessão da liberdade condicional também de razões de prevenção geral (art. 61.º nº 1-b) do CodPenal ), isto porque se admite a possibilidade de o cumprimento de metade da pena de prisão poder não ser suficiente para satisfazer as finalidades de prevenção geral. O mesmo já não se passa no segundo momento de apreciação da liberdade condicional , quando o condenado já cumpriu dois terços da pena (art. 61.º- nº 2 do CodPenal ). Aqui já se entende que o cumprimento parcial ( 2/3 ) daquela pena de prisão satisfaz razões de prevenção geral e, por isso, neste segundo momento de apreciação da liberdade condicional, preocupa-se o legislador apenas com as exigências de prevenção especial. Ou seja, apesar de a liberdade condicional, quando facultativa (ope judicis), depender de razões de prevenção especial, o certo é que naquele primeiro momento (altura em que foi proferido o despacho sob recurso) é irrenunciável apurar se se mostram também satisfeitas as exigências de prevenção geral positiva.
A personalidade do agente é um factor de essencial importância para a concessão da liberdade condicional, particularmente pela via da prevenção e do prognóstico favorável à outorga de tal liberdade ; não decerto a personalidade como um todo, mas da personalidade manifestada no acto e que o fundamenta, isto é, na justificação a partir do que se faz e não do que se é ( cfr no sentido de que o juizo de prevenção especial é essencial, por ex o Ac. Relação do Porto ,de 16-1-2008, proc. 0716665, www.dgsi.pt ) .
No caso em apreço, importa dizer desde logo que o facto de o recorrente não ter a sua situação processual-criminal ( dois processos crime pendentes ) resolvida não lhe é imputável, e nem se pode presumir que nesses processos será condenado .
Ora, consta dos autos e da decisão recorrida que desde 2008 o recorrente tem tido um comportamento prisional adequado, tem o apoio da família, tem trabalho prometido uma vez em liberdade, está agora a ser acompanhado pelo CRI de Viseu, denotando motivação para a sua continuidade.
Estas circunstâncias, nesta fase de cumprimento da pena , não impõem, de um ponto de vista de prevenção especial ( desconsiderando naturalmente os dois processos pendentes, pelas razões já referidas ) um especial receio de ver o recorrente cair na reincidência ( em sentido geral ), antes suportam uma esperança de que a ameaça da revogação da liberdade condicional será bastante para o fazer pensar na conduta futura. Isto tendo também em conta que dos autos não consta que os crimes praticados exprimam uma tendência de personalidade do recluso, antes fazem sugerir que se tratou de criminalidade ligada ao consumo de droga e que o recorrente está a ser tratado a tal adição.
Assim, e com o juízo de cautela e de reserva ( um juízo condicional )que o caso impõe, conceder-se-á provimento ao recurso

6- Pelos fundamentos expostos :
I- Concede-se provimento ao recurso, revogando-se assim a decisão recorrida, concedendo-se ao recorrente a liberdade condicional imediata

II- Sem custas

- Diligências necessárias para a execução desta decisão
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Tribunal da Relação de Coimbra, - -


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( Paulo Valério )


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( Frederico Cebola )

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