Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
824/09.3TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
ALIMENTOS
TRABALHO DOMÉSTICO
Data do Acordão: 10/26/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.1878º, 2003º, 2004º CC
Sumário: 1.O trabalho doméstico exercido pelo cônjuge que tem os filhos à sua guarda integra o conceito de “sustento” dos filhos e é susceptível de avaliação pecuniária.

2. No entanto, só deve ser compensado pelo outro cônjuge se o caso concreto revelar que esta prestação em espécie representa, para o progenitor que a executa, algo de socialmente desproporcionado, a avaliar comparando, por um lado, os seus rendimentos e a actividade doméstica que despende em prol dos alimentados, bem como a perda de vantagens daí decorrentes e, por outro, os rendimentos do outro obrigado e, eventualmente, as vantagens possibilitadas pela disponibilidade de tempo resultante do facto de não proporcionar tal prestação.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível):

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Recorrente…M (…) casada, enfermeira, residente (…), Viseu.

Recorrido… R (…), casado, residente (…) Viseu.


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I. Relatório.

a) A recorrente instaurou no 4.º juízo cível da comarca de Viseu o presente processo destinado a obter a regulação do exercício do poder paternal dos menores R M(…) e A M (…), filhos da recorrente e do recorrido, seu marido, por estarem separados de facto.

Na conferência inicial, destinada a obter o acordo entre ambos acerca da regulação do poder paternal, o casal chegou a acordo parcelar, o qual foi homologado, ficando por regular a questão relativa à prestação de alimentos.

O processo seguiu apenas quanto a esta parte e procedeu-se à elaboração de um inquérito às condições sócio-económicas de ambos os progenitores e, depois, à realização da audiência de julgamento.

No final foi proferida sentença a fixar a prestação de alimentos devida pelo pai aos filhos em €400,00 euros mensais (€200,00 euros para cada menor), actualizada anualmente à taxa de 3%, a pagar entre os dias 20 e 30 de cada mês, por transferência bancária.

O pai dos menores foi ainda responsabilizado pelo pagamento de metade das despesas com médicos e medicamentos, mediante a apresentação dos documentos comprovativos de tais despesas, no mês seguinte aquele em que tais documentos lhe forem apresentados

É desta decisão que vem interposto o presente recurso, movido pela mãe dos menores, por entender que a prestação de alimentos é insuficiente.

b) A recorrente sustenta que a prestação de alimentos deve ser superior à fixada, pretendendo que passe para €575,00 euros mensais.

Para o efeito, diz que resultou provado que o pai dos menores possui quase o dobro dos rendimentos da recorrente.

Por outro lado, excluindo os gastos com livros, as despesas mínimas e indispensáveis que ambos os menores fazem atingem o montante de e €821,04 mensais.

Ora, diz, a prestação de alimentos fixada não chega a ser metade das despesas mínimas que os menores fazem mensalmente e que o tribunal considerou indispensáveis.

Como a lei determina, no artigo 2004.º do Código Civil, que os alimentos devem ser proporcionais aos meios económicos de quem os presta e às necessidades dos menores em recebê-los, a decisão não pode manter-se.

Face aos factos provados na sentença, o pai dispõe de €541,00 euros para fazer face às despesas dos menores e a mãe apenas de €272,06 euros.

Por conseguinte, o pai deverá ser responsável pelo pagamento de 2/3 das despesas e a recorrente somente por 1/3, ao invés dos 51,6% em que foi condenada na sentença recorrida.

Entende ainda que o trabalho doméstico que a mãe despende com os menores deve ser considerado como parte integrante da pensão de alimentos que ela também está obrigada a prestar a favor dos filhos.

Pretende, como se referiu, que a prestação a cargo do pai passe para que passe para €575,00 euros mensais e que as despesas relativamente à educação, não regulares dos menores, designadamente com livros, material escolar e desportivo sejam fixadas autonomamente tal como sucede com as despesas relativas à saúde.

c) O pai dos menores contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido, muito embora entenda que a prestação devia ser de montante inferior.

Diz que as despesas dos menores com infantário e ATL não são devidas 12 meses por ano, mas apenas durante 11 meses; que os menores almoçam todos os dias um no ATL e o outro no infantário, e, além disso, passam com o recorrido cerca de 75 dias por ano, sem contar com as deslocações que este faz às 3.ª feiras para estar com eles, pelo que, nestes período, a mãe não tem despesas com a sua alimentação; a recorrente goza da ajuda dos seus pais, o que não ocorre com o recorrido o qual tem de enfrentar todas as responsabilidades da sua vida pessoal e profissional sozinho; tem de fazer as refeições fora de casa porque não tem tempo para cozinhar, nem o sabe fazer; que a requerente sai do trabalho às 16.00 hora e podia, tal como o recorrente, aumentar os seus rendimentos trabalhando ainda em outro local após esta hora; que a instalação do recorrente numa nova casa em Aveiro e respectivo equipamento lhe absorve parte do vencimento; que tem despesas com formação e equipamentos para se manter capacitado a desenvolver as actividades profissionais que desempenha além do ensino.

Por tudo isto entende que a decisão deve manter-se.

d) O Ministério Publico pronunciou-se no sentido da manutenção do decidido.

Refere que enquanto a recorrente vive com os filhos num agregado comum, em que os gastos são comuns, diluindo-se num todo, já que todos gastam da mesma electricidade, da mesma água, da mesma gasolina, etc., o requerido, por força da separação, acabou por contrair outros encargos para bens que usa em exclusivo e sozinho.

O requerido continua a pagar a sua quota-parte no empréstimo da casa onde mora a recorrente com os filhos, suporta ainda sozinho uma renda de casa, trabalha em Aveiro, teve que adquirir uma viatura para poder visitar e estar com os filhos e ainda suporta os custos com as viagens de ida e volta.

A prestação de alimentos é uma prestação fixa que o pai se obriga a dar e que pode ou não ser totalmente absorvida nesse mês consoante a maior ou menor despesa que o filho tenha nesse período.

Mas cabe à progenitora gerir o orçamento familiar de 3 pessoas (um adulto e duas crianças) sendo certo que, no que respeita a despesas com a alimentação, higiene, vestuário, calçado e algumas despesas escolares, o apurado foi apenas uma média mensal, o que significa que não é um valor fixo, mas um valor que sofre oscilações de mês para mês, o que permite à mãe uma disponibilidade de gestão que o pai não consegue fazer.

Numa perspectiva de pura percentagem matemática, como pretende a recorrente, então, no rigor, dever-se-iam considerar todos os períodos em que os menores passam com o pai e, nessa medida, ele acaba por ter mais despesas e por conseguinte, teria de ser feita uma opção: ou se reduzia a prestação nessas ocasiões ou caberia à mãe prestar ela própria alimentos ao pai nessas alturas.

Se se procedesse desta forma, chegar-se-ia, porventura, a um valor similar àquele que foi fixado na sentença como prestação mensal.

Concluiu, pelo exposto, no sentido de ser mantida a decisão.

d ) O objecto do recurso consiste, por conseguinte, em duas questões:

Em primeiro lugar, em saber se a prestação deve manter-se no montante já fixado ou ser aumentada para o valor pretendido pela recorrente, sem colocar de parte a hipótese de se fixar num valor compreendido entre ambos.

Em segundo lugar, se as despesas relativas a livros e material escolar feitas no início do ano lectivo devem ser suportadas também pelo pai.

II. Fundamentação.

a) A matéria provada é esta:

1 – A Requerente e o Requerido casaram um com o outro em 29 de Setembro de 2001.

2 – Dessa união nasceram R M (…), a 7 de Julho de 2002, e A M (…) a 23 de Setembro de 2005.

3 – Requerente e Requerido separaram-se em Setembro de 2008.

4 – Os menores continuaram a viver com a mãe, e a manter um contacto estreito e frequente com o pai.

5 – A separação dos pais não afectou a intensa relação afectiva existente entre eles e os menores.

6 – Estes têm, também, uma relação afectuosa e de grande proximidade com os avós.

7 – Os menores têm, entre si, um relacionamento próximo, sendo que o R M(…) tem uma postura protectora relativamente ao A M (…).

8 – No âmbito dos presentes autos foi, em 27 de Abril de 2009, homologado um acordo parcial de regulação do exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos:

«1 - Os pais exercem conjuntamente as responsabilidades parentais no que diz respeito aos actos de particular importância dos menores.

2 - Os menores ficarão a residir com a mãe, a qual exercerá as responsabilidades parentais no que diz respeito aos actos do quotidiano, não incluídas na cláusula anterior.

3 - O pai poderá ter consigo os menores, na sua companhia, quinzenalmente, devendo para o efeito ir buscá-los entre as 18,30 horas e as 19,30 horas de sexta-feira e entregá-los entre as 18,30 horas e as 19,30 horas de Domingo, indo buscá-los e entregá-los à casa onde a mãe residir.

4 - O pai poderá ainda ter consigo os menores na sua companhia todas as terças-feiras, devendo ir buscá-los ao infantário ou estabelecimento escolar que os menores frequentem e entregá-los à mãe em Viseu.

5 - Nas férias de Verão, no mês de Agosto, o pai poderá ter consigo os menores na sua companhia e à sua guarda, durante duas semanas, devendo o pai informar a mãe dos menores até 30 de Abril anterior, caso contrário, tal escolha será da mãe.

6 - Nas férias de Natal, os menores passarão a semana de 19 a 26 de Dezembro com um e a semana de 27 de Dezembro a 2 de Janeiro com o outro dos seus progenitores, com alternância anual e começando com a mãe na semana que abrange o Natal de 2009.

7 - Na época da Páscoa os menores passarão uma semana com o pai e outra semana com a mãe, também com alternância anual, sendo uma dessas semanas a que vai de segunda-feira até Domingo de Páscoa, inclusive, e a outra a que antecede, começando o pai na semana que abrange o Domingo de Páscoa de 2009».

9 – Os menores vivem com a mãe num apartamento na cidade de Viseu, o qual tem boas condições de habitabilidade.

10 – O R M (…) frequenta o 2.º ano do 1.º ciclo e no período extra-escolar o ATL do Sagrado Coração de Jesus.

11 – A frequência do ATL custa €136,00 euros mensais e inclui natação e transporte.

12 – Os livros e material escolar para o RM (…) custam €65,00 euros por ano.

13 – O AM (…) frequenta o jardim-de-infância do Sagrado Coração de Jesus.

14 – O infantário do AM (…) custa €112,00 euros por mês.

15 – Ambas as crianças são sociáveis e participam com frequência nas festas de aniversários dos amigos.

16 – O vestuário e o calçado dos dois menores custa por mês uma quantia média de €100,00 euros.

17 – A alimentação dos dois menores custa, em média, €300,00 euros por mês.

18 – A mãe é enfermeira no Hospital de São Teotónio em Viseu, auferindo o vencimento líquido de aproximadamente €1 000,00 euros. Tem um horário fixo das 8,00 horas às 16,00 horas.

19 – A Requerente gasta com a sua alimentação, higiene e vestuário a quantia média mensal de €300,00 euros.

20 – A Requerente despende, em média, €15,00 euros de água; €60,00 euros de electricidade; e €40,00 de gás.

21 – A Requerente gasta, em média, com o seu veículo automóvel (combustível, manutenção e seguro obrigatório) a quantia de €100,00 euros por mês.

22 – Os avós maternos são muito presentes e auxiliam a filha a cuidar dos netos, mesmo quando se revela necessário algum apoio económico.

23 – O apartamento referido no n.º 6 foi adquirido pela Requerente e pelo Requerido com recurso a um empréstimo à habitação. Cada um deles paga metade da prestação mensal no valor de €180,00 euros. A Requerente paga o condomínio no montante de €32,94 euros.

24 – O Requerido é professor do ensino básico, tendo uma especialização em ensino especial auferindo o vencimento de cerca de €1 300,00 euros.

25 – Após a separação o Requerido foi viver com os seus pais, os quais o auxiliavam, principalmente, nos períodos em que tinha consigo os menores.

26. Em Setembro de 2009 o Requerido foi colocado em Aveiro onde exerce a sua profissão.

27 – Dá aulas de educação física em ginásio particular recebendo a quantia média mensal de €450,00 euros.

28 – Dá aulas de karaté recebendo uma quantia média mensal de €100,00 euros.

29 – Vive em Aveiro/Ílhavo em casa arrendada, com boas condições de habitabilidade, pagando, actualmente, a renda mensal de €250,00 euros

30 – Gasta com a sua alimentação, higiene e vestuário a quantia média mensal de €300,00 euros.

31 – Paga, em média, por mês €25,00 euros de água canalizada ao domicílio; €30 de electricidade e €30,00 euros de gás.

32 – O Requerido desloca-se a Viseu às terças-feiras e em fins-de-semana alternados para poder estar com os filhos.

33 – O Requerido paga um empréstimo para aquisição do automóvel que utiliza, cuja prestação é, actualmente, de €294,00 euros.

34 – Tem despesas mensais no montante de €200,00 euros com o combustível e a manutenção da viatura automóvel.

35 – De Outubro de 2008 a Janeiro de 2009 pagou a título de prestação de alimentos a quantia de €400,00 euros.

b) Passando à análise da questão objecto do recurso.

1 - Como já se referiu, a primeira questão consiste em saber se a prestação deve manter-se no montante já fixado na 1.ª instância ou ser aumentada para o valor pretendido pela recorrente, sem colocar de parte a hipótese de se fixar num valor compreendido entre ambos.

Como vem referido na sentença, nas alegações e no n.º 1 do artigo 1878.º do Código Civil, «Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens».

Por sua vez, o artigo 2004.º do mesmo código diz que «1. Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.

2. Os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor».

São estas as regras jurídicas que cumpre aplicar no caso dos autos.

Verifica-se que o pai dos menores tem um rendimento líquido de €1 850,00 euros, composto pelo vencimento como professor, de €1300,00 euros, sendo esta a sua actividade profissional habitual, mais €450,00 euros e €100,00 euros, que aufere em trabalhos extra-laborais.

As suas despesas são: €250,00 euros de renda de casa; €300,00 euros de alimentação; €85,00 euros com despesas domésticas de electricidade, água e gás; €294,00 euros de prestação pela aquisição de veículo automóvel; €200,00 euros com despesas de combustível e manutenção do veículo e €180,00 euros da prestação da casa do casal, no total de €1 309,00 euros.

Sobram-lhe €541,00 euros.

A mãe dos menores tem um rendimento líquido de €1 000,00 euros resultante do desempenho da sua actividade laboral como enfermeira.

Como despesas tem: €300,00 euros para a sua alimentação, incluindo despesas com vestuário e higiene; €115,00 euros com despesas domésticas de electricidade, água e gás; €32,94 euros de condomínio; €180,00 euros com a prestação da casa do casal, mais €100 00 com as despesas do veículo, tudo no total de €728,00 euros.

Sobram-lhe €272,00 euros.

O menor RM (…) faz uma despesa mensal de €136,00 euros com o ATL, €5,50 euros com livros (€65,00/12); €50,00 euros com vestuário; €150,00 euros com a alimentação, isto é, €341,50 euros no total.

O menor AM (…) faz uma despesa de €112,00 euros com o infantário; €50,00 euros com vestuário e €150,00 euros com a alimentação, sendo o total €312,00 euros.

A estas despesas acresce a quota-parte dos menores nas despesas domésticas com água, gás e electricidade, que se fixa em €30,00 euros mensais para ambos.

Fixa-se neste valor porque é a diferença entre aquilo que paga a Requerente em relação ao Requerido.

Se o Requerido estando só, como está, paga €85,00 euros e a Requerente com os filhos paga €115,00 euros, é razoável imputar a diferença ao consumo dos filhos, sabendo-se também que uma fatia substancial destas despesas é composta por taxas e alugueres de material.

Não há que levar em conta despesas que a mãe sempre teria de fazer se vivesse só, como é o caso da prestação da casa, das despesas com o veículo, com a alimentação e despesas domésticas.

Por conseguinte, as despesas dos menores a contabilizar são apenas aquelas que ficaram assinaladas, que perfazem €683,50 euros, que se arredondam para €690,00 euros mensais, pois há sempre mais algumas despesas como sucede com as prendas que são oferecidas a colegas quando vão a festas de aniversários, convites que são frequentes nestas idades.

Não se acompanha nesta parte a sentença, a qual fixou tais despesas em €826,44 euros.

Vejamos então se a contribuição do pai deve ser aumentada.

Deve dizer-se que as despesas que um agregado faz devem estar relacionadas proporcionalmente aos rendimentos disponíveis.

 Isto é, se um agregado familiar dispõe de 300 poderá gastar os 300; se o mesmo agregado passa a dispor de 500, poderá continuar a gastar os 300 e aforrar 200 ou gastará mesmo os 500 se aforrar zero.

Ou seja, gasta-se, adquirindo-se o que é absolutamente necessário; gasta-se adquirindo além do necessário também aquilo que é útil e gasta-se ainda em bens de que se poderia prescindir sem que a qualidade de vida diminuísse.

Por conseguinte, o facto dos menores fazerem despesas de €690,00 euros mensais não significa que não possam viver fazendo uma despesa menor.

Diz-se isto porque o salário mínimo nacional foi fixado para o ano de 2009, ano da sentença sob recurso, em €450,00 euros mensais (Decreto-Lei n.º 248/2008 de 18/12) e no ano de 2010 subiu para €475,00 euros (Decreto-Lei n.º 5/2010 de 15/1).

Sendo certo que o Estado entende que com este salário um adulto ainda pode viver com dignidade, organizando a sua vida quotidiana com estes recursos.

Tendo sido a despesa média de cada menor em 2009 de €345,00 euros, isto representou uma despesa equivalente a 75% do salário mínimo nacional, o que se afigura, dentro destes parâmetros de raciocínio, uma quantia elevada.

Não se pretende dizer com isto que tal quantia seja exagerada, apenas se quer indicar que cada menor faz uma despesa corresponde a três quartas partes do salário mínimo nacional auferido por alguns trabalhadores durante um mês de actividade laboral.

O montante de €400,00 euros mensais para um rendimento disponível de €541,00 euros (o que sobra ao Requerente após deduzidas as despesas fixas) é uma quantia justa, representando 58% das indicadas despesas (€690,00 euros).

Por outro lado, é certo que o Requerido aufere um rendimento superior, mas à custa do desempenho de três actividades laborais distintas (aulas em escola, aulas em ginásio e aulas de karaté), o que lhe trará alguma perturbação e diminuição dos tempos de descanso e laser, que poderão e deverão ser compensados com a possibilidade de desfrutar de algum rendimento proveniente dessas actividades adicionais, sob pena do Requerente poder até perder incentivo quanto ao seu desempenho.

Além disso, o Requerente tem necessidade de equipar a casa que arrendou e tem de possuir algum aforro para esse efeito.

Por outro lado, como ele diz, os filhos estão consigo cerca de 75 dias por ano durante os quais a Requerente não faz gastos com as suas refeições.

Ora, se os dois menores fazem uma despesa de €300,00 euros mensais em refeições e outros alimentos, esses 75 dias equivaleriam, neste tipo de contas, a uma poupança de €750,00 euros por parte da mãe, ou €62,50 euros mensais, que adicionados aos €400,00 euros elevariam para 67% a contribuição do pai nas despesas correntes dos menores acima indicadas.

Havendo ainda que subtrair a verba relativa a livros considerada na sentença, caso se entenda fixar uma verba autónoma quanto a eles.

Afigura-se, por conseguinte, que, tudo ponderado, sem prejuízo da questão que a seguir ainda vai ser tratada, a contribuição estabelecida na sentença é a adequada.


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Resta ainda ponderar a questão suscitada pela recorrente relativa à ponderação do trabalho doméstico que ela despende a favor dos menores, isto é:

(1) Se este trabalho deve ser considerado como integrando o conceito de alimentos.

(2) Se deve ser quantificado em termos monetários e levado em consideração no montante relativo à parcela a imputar à recorrente como contribuição dela a título de alimentos devidos aos filhos.

Vejamos.

O n.º 1 do artigo 2003.º do Código Civil define alimentos como «…tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário» e, se for caso disso, acrescenta o n.º 2, à «…instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor».

Trata-se de um conceito amplo («tudo o que é indispensável») que abarca uma considerável variedade de situações da vida quotidiana dos alimentados, onde se inclui, sem dúvida, o trabalho doméstico, pois este proporciona parte dos meios que tornam efectivo o mencionado «sustento».

Por exemplo, antes do menor comer, pelo menos nas situações em que o faz em casa, existiu toda uma actividade prévia que tornou possível esta acção, como é o caso da tomada de decisão sobre aquilo que o menor vai comer, da aquisição dos alimentos nos locais de venda, da preparação daqueles alimentos que têm de ser transformados antes de ingeridos.

O mesmo se diga em relação às actividades da lavagem da roupa, de acompanhamento a consultas médicas ou relacionado com as actividades escolares.

Estas acções exigem dispêndio de tempo e de energias que podiam ser canalizadas pelo cônjuge que as despende, e não são, para outras actividades (por exemplo, de lazer, profissionais – exercício de uma actividade remunerada –, de repouso).

Tal actividade doméstica pode, pois, ser traduzida numa expressão monetária, sendo, aliás, frequentemente objecto de contratos de trabalho (serviço doméstico, prestação de serviços).

Poder-se-á objectar que esta actividade é o resultado do exercício de um dever que recai sobre os progenitores («Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens» – n.º 1 do artigo 1878.º do Código Civil).

Porém, o trabalho doméstico em prol dos filhos faz tão parte do dever de «prover ao sustento» dos filhos, como faz parte desse dever dar-lhes de comer ou vesti-los.

Afigura-se, por conseguinte, que o trabalho doméstico executado pelo cônjuge que tem os filhos à sua guarda integra o conceito de «sustento» dos filhos e é susceptível de avaliação pecuniária.

A questão que se coloca, agora, é saber em que medida deve ser contabilizado o serviço doméstico na parcela de alimentos imputável ao cônjuge que o presta.

Nesta parte cumpre destacar três aspectos:

Em primeiro lugar, afigura-se certo que a obrigação dos pais é solidária pela própria natureza da prestação, pois cada um deles está obrigado a prestar a totalidade do «sustento» ao filho ou filhos.

Entre os progenitores a repartição da responsabilidade será, em princípio, feita por igual, salvo se o caso concreto impuser repartição diversa de acordo com a regra de que os alimentos «serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los» (n.º 1 do artigo 2004.º do Código Civil).

Ora, nos meios daquele que há-de proporcionar os alimentos incluem-se não só os seus meios monetários, como também a disponibilidade, em termos de «meios», que ele possui para os proporcionar em «espécie», isto é, através da satisfação directa (sem a intermediação do dinheiro) das necessidades do alimentado, como é o caso da prestação de serviços domésticos.

Olhando agora aos aspectos práticos e dinâmicos da matéria, verifica-se que tal serviço é realizado conjuntamente com a actividade que o progenitor realiza para cuidar do seu próprio sustento.

Por exemplo: quando um progenitor compra ou confecciona refeições para os filhos também o faz para si; quando lava roupa, se o faz em máquina de lavar, colocará em lavagem, em regra, a roupa de todos os membros do agregado ao mesmo tempo.

Pode, pois, concluir-se que este serviço doméstico:

– É uma prestação em «espécie» que pode ser proporcionada por um dos progenitores;

– Na generalidade dos casos, só pode, em termos práticos, ser prestada por aquele que tem os filhos a viver consigo, por se dar o caso dos meios para os prestar estarem sob o domínio de um só dos progenitores;

– Deve ser prestado em espécie pelo progenitor que está na posição factual de o poder fazer.

Isto que fica referido mostra que o outro progenitor fica privado de poder proporcionar este tipo de alimentos através desta forma e de poder, por este meio, eventualmente, diminuir a sua prestação monetária.

Este aspecto não pode deixar de ser valorado, pois pode constitui uma vantagem para quem proporciona alimentos em espécie.

Em segundo lugar, cumprirá encontrar mecanismos para estabelecer o valor monetário de tal prestação.

Um caminho possível, susceptível de levar a uma avaliação capaz de traduzir a realidade, será quantificar em termos horários o tempo que o progenitor despende com tal actividade e, depois, encontrar mecanismos para estabelecer o valor da remuneração por cada hora de serviço, bastando, depois, fazer uma operação de multiplicação.

Porém, isso pressupõe que a parte interessada alegue os respectivos factos, pois esta, além de ser interessada, é quem melhor conhece os factos a alegar, ou que o tribunal investigue tal realidade (no presente caso não temos factos que permitam contabilizar com alguma exactidão a actividade doméstica que a recorrente desenvolve em prol dos filhos).

Em terceiro lugar, cumpre ter em conta o caso concreto.

A regra da repartição da responsabilidade de cada progenitor na composição da prestação dos alimentos é, em princípio, a da repartição por igual, mas só se for possível, pois, o caso concreto pode impor repartição diversa, de acordo com a regra de que os alimentos «serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los» (n.º 1 do artigo 2004.º do Código Civil.

Sendo assim, da mesma forma que o progenitor com mais meios financeiros deve contribuir com uma parcela mais elevada para compor a prestação necessária a perfazer o montante dos alimentos a fixar em dinheiro, critério semelhante deve ser utilizado em relação às prestações que devem ser proporcionadas em espécie.

Neste aspecto, verifica-se que é o progenitor que tem os filhos a viver consigo quem está em condições factuais de proporcionar a estes os serviços domésticos que integram a prestação de alimentos em espécie; é ele que tem os meios para os proporcionar, e, por isso, em princípio, só ele deve suportar o ónus dessa prestação.

O outro progenitor se quisesse desonerar-se da sua obrigação neste tipo de prestação não estaria em condições factuais de o poder fazer, ocorrendo aqui um fenómeno com alguns pontos de contacto com a situação do devedor que, sem culpa sua, se vê impossibilidade de efectuar a prestação ao credor.

Desta forma, tratando-se de alimentos a prestar em espécie e dando-se o caso de só um dos progenitores ter os meios para os poder proporcionar, o outro progenitor não tem, em regra, de compensar o outro quanto à parte do serviço que a ele lhe incumbiria, considerando a repartição igualitárias dos custos com os alimentos dos filhos.

Só assim não será quando a situação concreta mostre que esta prestação em espécie representa para o progenitor que a executa algo de socialmente desproporcionado, a avaliar comparando:

(1) Os seus rendimentos e a actividade doméstica que despende em prol dos alimentados, bem como a perda de vantagens daí decorrentes;

(2) Os rendimentos do outro obrigado e, eventualmente, as vantagens possibilitadas pela disponibilidade de tempo resultante do facto de não ter de proporcionar tal prestação.

No limite, se o cônjuge que não tem os filhos consigo auferir rendimentos elevados, e o outro auferir um rendimento diminuto, mas, em contrapartida desenvolver intensa actividade a cuidar dos filhos, pode justificar-se que o primeiro seja o único a contribuir com dinheiro para o restante sustento dos filhos.

Olhando ao caso concreto.

A recorrente ao prestar aos filhos serviços domésticos necessários ao seu sustento, está, sem dúvida, a proporcionar-lhes alimentos em espécie que podem ser avaliados em termos monetários, se necessário.

Como a recorrente tem os filhos a viver consigo é ela que está em condições factuais de proporcionar a estes os serviços domésticos que integram a prestação de alimentos em espécie; é ela que tem os meios para os proporcionar, e, por isso, em princípio, só ela deve suportar essa prestação.

O seu marido se quisesse desonerar-se da sua parte neste tipo de prestação em espécie não estaria em condições factuais de o poder fazer.

Por tal razão, o requerido não tem de compensar a requerente pelos serviços domésticos, considerando a repartição igualitárias dos custos com os alimentos dos filhos.

Só assim não seria se a prestação em espécie prestada pela requerente surgisse como socialmente desproporcionada, tendo em conta aqueles parâmetros de comparação acima referidos, o que sucederia se o requerido auferisse rendimentos elevados, o que não é o caso, sem dúvida alguma, atendendo aos valores que ficaram acima expostos.

Por conseguinte, afigura-se que a questão suscitada pela requerente não tem influência na fixação da prestação de alimentos que ficou acima indicada.

2 – Quanto à segunda questão.

A Requerente retende também que as despesas relativamente à educação, não regulares, designadamente as feitas no início do ano com livros e material escolar, incluindo o relativo à disciplina de desporto, sejam fixadas autonomamente, tal como sucede com as despesas relativas à saúde.

Neste aspecto afigura-se que a Requerente tem razão.

Trata-se de despesas que são certas considerando a sua ocorrência ao longo de cada ano escolar, mas pontuais e relativamente incertas quanto ao seu montante e que não é usual serem diluídas nas prestações mensais fixadas.

Verifica-se que em 1.ª instância não foram consideradas e diluídas na prestação mensal, pelo que, sendo elas certas quanto à sua existência, devem ser levadas em conta.

Devem porém, identificar-se tais despesas para evitar litígios futuros.

Trata-se das despesas que são feitas no início do ano com livros e outro material escolar, incluindo equipamentos para ginástica, necessárias para o aluno poder cumprir com os seus deveres escolares, mas não as feitas ao longo do ano para substituir material escolar (cadernos, lápis, esferográficas, apagadores, afias e semelhantes) que se vão gastando ou perdendo.

Deverão ser suportados na proporção de metade e pagas nos mesmos termos que estão definidos para as despesas relativas à saúde.

III. Decisão.

Considerando o exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, mantendo-se a sentença quanto ao que nela está regulado e acrescentando-se que o pai participará na proporção de metade, nas despesas feitas pelos filhos em material escolar nos termos que ficaram indicados na fundamentação.

Custas na proporção do vencimento e decaimento, fixando-se em 90% para a Requerente e 10% para o Requerido.


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Nos termos do n.º 7 do artigo 713.º do Código de Processo Civil elabora-se o seguinte sumário:

1 – A prestação de €400,00 euros mensais a título de alimentos devidos a dois filhos, de 5 e 8 anos de idade, respectivamente, acrescida da participação, na proporção de metade, nas despesas escolares e com a saúde, é adequada nas seguintes condições: auferindo o pai de dois menores a quantia líquida de €1 850,00 euros, composto pelo vencimento de €1300,00 euros como professor, sua actividade profissional habitual, mais as quantias de €450,00 euros e de €100,00 euros, que aufere em trabalhos extra-laborais; ficando com a quantia de €541,00 euros disponível, depois de deduzidas as despesas pessoais, fixas e necessárias; sendo as despesas totais dos menores de €690,00 euros por mês; tendo o outro progenitor, por mês, como quantia disponível €272,00 euros, após deduzidas as suas despesas mensais pessoais, fixas e necessárias.

2 – As despesas com material escolar que não forem diluídas na prestação mensal de alimentos devem ser autonomizadas e suportadas à parte.

3 – O trabalho doméstico exercido por um dos progenitores integra o conceito de alimentos e pode ser avaliado em dinheiro, mas só deve ser compensado pelo outro cônjuge se o caso concreto revelar que esta prestação em espécie representa, para o progenitor que a executa, algo de socialmente desproporcionado, a avaliar comparando, por um lado, os seus rendimentos e a actividade doméstica que despende em prol dos alimentados, bem como a perda de vantagens daí decorrentes e, por outro, os rendimentos do outro obrigado e, eventualmente, as vantagens possibilitadas pela disponibilidade de tempo resultante do facto de não proporcionar tal prestação.


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Alberto Ruço ( Relator )
Judite Pires
Carlos Gil