Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
81/04.8TBIDN-B)
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/08/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: IDANHA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 1550.º; 1554.º DO CÓDIGO CIVIL PROCESSO CIVIL
Sumário: A fixação de indemnização com base no disposto no artigo 1554º do Código Civil só tem cabimento nos casos de constituição coerciva de servidão de passagem
Decisão Texto Integral: . RELATÓRIO

Na presente acção que A....e B...., residentes na Rua …., intentaram contra C...., residente …… e D...., residente …., vieram os réus deduzir pedido reconvencional, de forma subsidiária, “para o caso de procedência da acção”, pedindo a condenação dos autores no pagamento de uma indemnização no valor de € 25.000,00.

Invocam que se o pedido de constituição da servidão de passagem for julgado procedente os réus têm direito a ser indemnizados nos termos do art. 1554º do Código Civil.

No acórdão proferido por esta Relação não se conheceu do pedido reconvencional.

Foi proferido acórdão pelo STJ, que concluiu nos seguintes termos:

(…) 44. É, pois, este um caso em que se justifica plenamente a inalegabilidade da nulidade do contrato constitutivo da servidão com fundamento no abuso do direito.

45. Segundo os recorrentes, o acórdão não se pronunciou sobre o pedido reconvencional.

O conhecimento do pedido estava prejudicado face à decisão de 1ª instância que julgou improcedente o pedido dos AA de reconhecimento da servidão (artigo 660.9/2 do C.P.C.)

No entanto, a partir do momento em que o pedido procedeu nessa parte, impor-se-ia ao Tribunal da Relação conhecer o pedido reconvencional.

Dir-se-á então que o acórdão da Relação, incorreu em omissão de pronúncia, importando analisar os termos em que os recorrentes minutaram o recurso para se concluir se a nulidade foi ou não objecto de efectiva alegação (artigos 668.°/1,alínea d), 2 parte, 722.°/1 e 731.°/2 do C.P.C.).

Considera-se, no entanto, que, quando a questão cujo tratamento foi omitido se consubstancia na ausência de pronúncia incidente sobre o pedido reconvencional ou algum dos pedidos deduzidos, não pode deixar de se impor o seu conhecimento quando a parte assim o solicite, ainda que não invoque expressis verbi a omissão de pronúncia, instrumento processual pensado mais para a omissão de questões suscitadas nos autos que importa referenciar; nos casos em que ocorre uma omissão de pronúncia incidente sobre pedido que haja sido deduzido e que deixou de se considerar prejudicado, esse ónus de alegação não carece de concretização, pois está indubitavelmente à vista aquilo que importa apreciar.

A exigência de alegação a que se refere o artigo 721º/2 DO C.P.C. satisfaz-se nestes casos com o pedido de conhecimento da pretensão que deixou de estar prejudicada.

Da conjugação dos artigos 726º e 715º do Código de Processo Civil resulta que, tratando-se questão prejudicada pela solução dada ao litígio, vale o princípio da substituição, impondo-se ao Tribunal, seja este Supremo Tribunal ou a Relação, em que, por força de decisão revogatória a questão prejudicial deixou de o ser, apreciá-la.

Ora, no caso vertente, era à Relação que cumpria conhecer do pedido reconvencional e, por conseguinte, nos termos conjugados dos artigos 715.°/2, 721º/2, 726.° e 731º/2 todos do C.P.C., devem os autos baixar ao Tribunal da Relação para apreciação do pedido reconvencional

Concluindo:

I- O abuso do direito pode ser reconhecido e declarado de modo a paralisar os efeitos da declaração de nulidade de contrato nulo por vício de forma (artigos 220.° e 334.° do Código Civil).

II- No entanto, para que assim seja, importa que a clamorosa injustiça que derivaria da declaração de nulidade se manifeste por um conjunto de factos que permitam concluir que o interessado nessa declaração gerou uma situação de confiança da qual é responsável, que o afastamento da declaração de nulidade não afecta os interesses de terceiros de boa fé e que o investimento de confiança é sensível, sendo dificilmente assegurado por outra via.

III- A servidão de passagem de carro pode ser constituída por contrato a favor de terceiro e deve ser reconhecida, verificando-se que, ao abrigo desse acordo verbal, sem obstáculo e até com cooperação de todos, foi utilizada essa passagem durante 13 anos, provando-se ainda, para além do mais, que o proprietário do prédio serviente aceitou constituir a aludida servidão porque pretendia construir uma barragem em terrenos a adquirir à outra parte contratante, barragem que iria destruir, como sucedeu, o acesso até então existente ao prédio desse terceiro beneficiário.

IV- Nos casos em que, por força da revogação de decisão, a questão que ficou prejudicada na instância recorrida deixou de o estar, passando, portanto, a impor-se o seu conhecimento, a invocação da omissão de pronúncia sobre tal questão (artigos 668.9/1, alínea d), primeira parte e 721º/2 do Código de Processo Civil) basta-se com a simples referência por parte do recorrente reclamando a sua apreciação jurisdicional, isto quando a questão prejudicada se consubstanciou no pedido em si mesmo, seja o pedido reconvencional ou outro, v.g. , o pedido subsidiário.

Decisão: nega-se a revista no que respeita ao pedido principal; concede-se provimento, no que respeita ao pedido reconvencional, determinando-se a baixa do processo para seu conhecimento, pelos mesmos juízes se for possível.

Custas pelos recorrentes salvo quanto ao pedido reconvencional em que as custas serão suportadas pela parte a final vencida”

Cumpre, pois, decidir da verificação dos pressupostos para a fixação da indemnização pela constituição de uma servidão de passagem, a que alude o art. 1554º do Cód. Civil, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem.

FUNDAMENTOS DE FACTO

Releva a factualidade já enunciada no acórdão proferido por esta Relação, acórdão transitado em julgado e para o qual se remete (cfr. o disposto no art. 713º, nº6 do C.P.C.).

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Consoante o título constitutivo da servidão, distingue-se entre servidões legais e servidões voluntárias, caracterizando-se estas como sendo constituídas por negócio jurídico ou acto voluntário [  [1] ] – art. 1547º.

No caso dos autos, a servidão em causa foi constituída por contrato a favor de terceiro em que o réu teve intervenção, pelo que nos situamos no âmbito das servidões voluntárias – refira-se que nesse contrato não foi estabelecida qualquer contrapartida monetária a pagar pelos autores, por força da constituição da servidão.

Assim sendo, os réus não tem direito à fixação de qualquer indemnização pela constituição da servidão, porquanto não nos situamos no âmbito de aplicação do art.1554º, aplicável apenas aos casos de constituição coerciva de servidão de passagem.

E nem sequer releva a circunstância do prédio dos autores estar encravado porquanto, como resulta da análise da petição inicial, só em segunda linha é que os autores invocaram o direito de constituírem a servidão com base no disposto no art. 1550º e não foi com base nesse quadro legal que se reconheceu o direito dos autores. Aliás, porque esta Relação fez equivaler a dedução da reconvenção ao pedido formulado com base nessa causa de pedir (causa de pedir subsidiária, portanto) é que não se conheceu da reconvenção.

Por último, acrescenta-se que os réus não invocaram qualquer outro facto susceptível de suportar a indemnização pretendida, limitando-se remeter para o disposto no citado preceito legal.

Termos em que improcede, necessariamente, o pedido reconvencional.

                                             *

Conclusão:

A fixação de indemnização com base no disposto no art. 1554º do Cód. Civil só tem cabimento nos casos de constituição coerciva de servidão de passagem.

                                             * 

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a reconvenção formulada pelos réus, absolvendo os autores desse pedido.

Custas pelos réus reconvintes.


[1] Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 3ª edição, 2ª reimpressão, Quid Juris Sociedade Editora, p.438.