Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
514/05.6PBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
FALTA MANDATÁRIO ASSISTENTE
Data do Acordão: 09/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TOMAR 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 330º, 2 CPP
Sumário: 1. Estando a decorrer prazo da apresentação do rol de testemunhas de defesa e contestações, tratando-se de crime particular a falta não justificada do mandatário do assistente, não vale desde logo como desistência da acusação.
2. Não estando a audiência, por motivos processuais (decurso do prazo de apresentação da defesa) em condições de prosseguir, deve a mesma ser dada sem efeito, e não adiada por motivo de falta de comparência de sujeitos processuais.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferido despacho no qual se decidiu inexistir fundamento para o adiamento da audiência, interpretando-se a falta do mandatário do assistente como desistência da acusação particular.
Inconformado, o assistente JM, apresenta recurso para esta Relação.
Na sua motivação, apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o objecto do recurso:
1- Deve o presente recurso ser julgado procedente, e revogado o despacho sentença, marcando-se data para Julgamento dando-se prévio cumprimento ao artigo 312° n° 4 do CPP.
2- O mandatário do assistente, previamente ao julgamento, justificou a falta, com a diligência a ter lugar no Tribunal de Cascais, processo n° 4514/07.3TBCSC do 2° Juízo de Família. Artigos 330 n° 2 e 331 do CPP.
3- A testemunha da acusação AA não foi notificada, 331 nºs 1 e 2 do CPP, esta testemunha deveria ter sido ouvida numa data a designar para continuação do Julgamento.
4- Não há lugar a comunicar a falta à Ordem dos Advogados, artigo 116° n° 3, do CPP, porque não se trata de falta reiterada, e por outro lado a falta foi justificada com a diligência de Cascais, que se realizou.
5- A notificação datada de 07-12-2007, de folhas 290, 291, 292 e 293, recebida no dia 14 de Dezembro, com notificação para a segunda data de 13 de Dezembro, do rol de testemunhas, da contestação à acusação e ao pedido de indemnização civil, são mais que suficientes para a designação de nova data para julgamento, Artigos 78°, 315° e 316° do CPP, o Assistente não teve oportunidade para se pronunciar desta apresentação tardia.
6- Folhas 306 e 307, nos termos dos artigos 116° e 117 n° 4, o Assistente justiticou a falta por doença, caso o tribunal considerasse insuficiente ou irregular deveria ter ouvido o médico, artigo 117 nºs 4 e 5. Pelo que a falta deve dar-se por justificada.
7- O Tribunal ao marcar nova data para julgamento deve dar cumprimento prévio ao n° 4 do artigo 312° do CPP. O que não fez para o dia 13 de Dezembro de 2007.
8- As faltas do Assistente e do seu mandatário, atenta a distância a percorrer, Lisboa ­Tomar, foram devidamente justificadas, nos termos dos artigos 116°, 330º e 331° do CPP,
9- Deve assim, dar-se provimento ao recurso, revogar-se o despacho sentença e ordenar-­se que seja designada data e hora para julgamento, este despacho sentença é um autêntico prémio ao arguido, porque o tribunal no limite deveria ter iniciado o julgamento mas pelo menos dar oportunidade para se ouvir a testemunha que não foi notificada.
Na resposta apresentada o Mº Pº, conclui:
­1. Nestes autos foi requerido o julgamento, de AC, a que o assistente imputa a prática de um crime de injúria, p.p. pelo artigo 181°CP. O Ministério Público acompanhou.
2. Na notificação do despacho de designação de data para julgamento, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 312°, nº 4 CPP.
3. Notificado para se pronunciar acerca da alteração das datas inicialmente fixada (após requerimento da Srª Defensora) o Ex.mo Mandatário do assistente nada disse.
4. Ao assistente não é concedido prazo para se pronunciar acerca da contestação criminal ou ao pedido cível ou aos respectivos requerimentos de prova testemunhal reservando-se a invalidação da prova testemunhal para a audiência.
5. O assistente estava notificado, para a audiência de 07.12.07 e ainda para audiência de 13.12.07.
5. Faltou o assistente e não o foi produzida prova bastante de que essa falta haja ocorrido por motivo que impedisse a comparência neste Tribunal, nem apresentou "atestado médico", de acordo com o artigo 117°, nº 4 CPP, que especificasse impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento.
6. A testemunha da acusação AA não poderia comparecer a julgamento, por só regressar à residência no natal, conforme apurou a PSP.
7. Não assiste fundamento legal ao Ex.mo Mandatário, para ver adiado o julgamento, já no segundo adiamento (motivados ambos pela sua falta). Isto, depois de nada haver comunicado ao ser notificado de acordo com o artigo 321, nº 4 CPP.
8. Ao abrigo do disposto no artigo 330, nº 2 CPP, na segunda falta do representante do assistente, neste procedimento dependente exclusivamente de acusação particular e não se opondo o arguido, o Juiz do processo, verificou a desistência da acusação, com a consequente extinção do procedimento criminal.
9. A comunicação à Ordem dos Advogados deriva do artigo 116°, nº 3 CPP.
10.Nessa conformidade, deverá ser mantida, na íntegra, a decisão recorrida.
Responde o arguido AC, concluindo que deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Nesta Relação, o Ex.mº P.G.A. entende, em parecer concordante com a resposta do Mº na 1ª Instância, que o recurso não merece provimento.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
O assistente apresenta resposta, reiterando os fundamentos do recurso.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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É do seguinte teor o despacho recorrido:
O Ilustre Mandatário do assistente foi devidamente notificado das datas para realização da audiência de julgamento nada tendo vindo dizer no prazo a que alude o artigo 155° n° 2 do C.P.Civil, aplicável por força do prescrito no artigo 312° n° 4 do C.P.Penal. Designada audiência de julgamento para o passado dia 7 de Dezembro, o Ilustre Mandatário do assistente deduziu requerimento segundo o qual requeria o adiamento para a segunda data.
A falta do assistente ou do seu Ilustre Mandatário não constitui, em princípio, fundamento de adiamento da audiência de julgamento. No presente caso, atento o facto de estar em causa crime dependente de acusação particular, foi a audiência de julgamento adiada para a segunda data já agendada, ou seja 13 de Dezembro, o dia de hoje.
Entrou neste Tribunal fax do Ilustre Mandatário do assistente no dia de ontem pelas 22 horas, requerendo o adiamento da audiência de julgamento, invocando diligência processual não consignada na sua agenda pessoal mas designada já desde 05/07/2007.
O Tribunal é alheio ao lapso invocado pelo Ilustre Mandatário, não sendo a sua presença, considerando que se trata já da segunda falta, necessária para o desenrolar dos autos. Do mesmo modo falta hoje de novo o assistente, não tendo apresentado o mesmo qualquer justificação.
Atento o disposto no artigo 330° n° 2 do C.P.Penal e a inexistência de fundamento legal para o adiamento para a presente audiência de julgamento, a falta do Ilustre Mandatário do assistente terá de interpretar-se como desistência da acusação particular, dando-se a palavra ao arguido para que o mesmo declare se se opõe à referida desistência.
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Dada a palavra ao arguido AC, pelo mesmo foi dito que não se opunha à desistência.
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Cumpre decidir:
Conforme consta dos autos:
- Por despacho de 12-10-2007, foi recebida a acusação, designadas as duas datas para a audiência de julgamento (15 e 20 de Novembro de 2007), mas ordenado o cumprimento prévio do disposto no art. 312 nº 4 do CPP.
- Revelou-se a impossibilidade de contacto com o mandatário do assistente, apesar de diligências várias efectuadas.
- Posteriormente substituídas e indicadas as datas de 7 e 13 de Dezembro (despacho de 12-11-2007).
- Com data de 6-12-2007, deu entrada na Secretaria do Tribunal, o rol de testemunhas do arguido, bem como a contestação crime e contestação do pedido de indemnização civil.
- No dia da audiência, 7-12-2007, dá entrada na Secretaria do Tribunal, requerimento do mandatário do assistente (fls. 294) onde se dá conta de o assistente ir faltar por estar doente, e que o mandatário também não compareceria dada a distância a percorrer e por já se encontrar designada a segunda data para o julgamento.
- Na acta da audiência de 7-12-2007, em despacho refere-se: “considerando o fax enviado pelo mandatário do assistente, nos termos do art. 330 nº 2 do CPP, é adiada a audiência de julgamento para o próximo dia 13-12-2007, pelas 9,30 horas neste Tribunal. Considerando que se encontra ainda a correr o prazo relativo a apresentação do rol de testemunhas e contestação à acusação particular bem como ao pedido cível admitem-se as referidas peças processuais deduzidas pelo arguido e demandado. Notifique em conformidade”.
- O mandatário do assistente foi notificado em 7-12-2007.
Com data de 13-12-2007 dá entrada na Secretaria do Tribunal requerimento do mandatário do assistente (fls. 315), solicitar a designação de outro dia e hora para o julgamento, por ter designada para esse dia diligência no Tribunal de Família de Cascais, referindo que “por lapso não tinha na minha agenda esta diligência escriturada”.
- Na acta da audiência desse dia 13, o Mº Pº promoveu se desse cumprimento ao art. 330 nº 2, indeferindo-se o requerimento do mandatário do assistente e se entendesse a falta como desistência da acusação particular.
- No seguimento foi proferido o despacho recorrido, sentença a declarar extinto o procedimento criminal e despacho a julgar extinta a instância cível e despacho a mandar dar cumprimento ao art. 116 nº 3 do CPP, relativamente à falta do mandatário do assistente.
Historiados os factos vejamos:
Refere o art. 330 nº 2 do CPP, cuja redacção é da primeira versão (original) do Código: “Em caso de falta do representante do assistente ou das partes civis, a audiência prossegue, sendo o faltoso admitido a intervir logo que comparecer. Tratando-se de falta do representante do assistente em procedimento dependente de acusação particular, a audiência é adiada por uma só vez; a falta não justificada ou a segunda falta valem como desistência da acusação, salvo se houver oposição do arguido”.
No despacho recorrido, considerou-se ter havido duas faltas do mandatário do assistente.
As últimas alterações legislativas têm ido no sentido de se dar celeridade processual, e obstar a adiamentos sucessivos.
No entanto, necessário se torna respeitar os prazos consignados no Código.
Tanto assim que, na acta de 7-12-2007 (considerada de primeiro adiamento) se diz, “considerando que se encontra ainda a correr o prazo relativo a apresentação do rol de testemunhas e contestação à acusação particular bem como ao pedido cível admitem-se as referidas peças processuais deduzidas pelo arguido e demandado. Notifique em conformidade”.
Esta notificação foi efectuada ao mandatário do assistente, por carta registada em 7-12-2007 (sexta feira) e considerando-se efectuada no 3º dia útil posterior ao do envio -art. 113 nº 2 do CPP, sê-lo ia em 12, véspera da segunda data do julgamento.
É certo que como diz o Mº Pº na resposta, não é permitida ao assistente “a apresentação de qualquer outro articulado superveniente”, mas sempre o mandatário do assistente se poderá pronunciar, nomeadamente, acerca da tempestividade da apresentação.
E, é necessário (embora a lei não o refira expressamente) dar tempo para quem é notificado (quem recebe a comunicação) se possa inteirar do rol oferecido e dos termos das contestações (que nem sempre são em termos simplistas como nestes autos). É que no caso de adicionamento ou alteração ao rol, art. 316 do CPP, é necessário que o adicionamento possa ser comunicado aos outros até três dias antes da data fixada para a audiência.
Assim, temos que estando a decorrer prazo para a apresentação do rol de testemunhas e contestações, a audiência de 7-12-2007, deveria ter sido dada sem efeito, em vez de se considerar válida a sua realização e que só não se fazia por falta de comparência do mandatário do assistente.
Assim como, tendo o mandatário do assistente recebido a comunicação do rol de testemunhas de defesa e contestações em 12-12-2007, é forçado considerar que em 13-12-2007, pelas 9,30 horas se está apto a exercer o patrocínio.
O assistente também tem o direito de ver processualmente acautelados os seus direitos.
E, temos que in casu esses direitos processuais do assistente não foram devidamente acautelados.
Como refere Maia Gonçalves, em anotação ao art. 330, “ficou agora claro que, se faltar o representante das partes civis, como o do assistente, a audiência prossegue, não havendo adiamento. Também foi clarificado que nos crimes dependentes de acusação particular a audiência só pode ser adiada uma vez por falta justificada do representante do assistente, uma só falta não justificada vale como desistência, salvo oposição do arguido, e igualmente vale como desistência uma segunda falta, ainda que justificada”.
Não temos como correcto, face ás normas processuais, que estando a decorrer prazo da apresentação do rol de testemunhas de defesa e contestações, tratando-se de crime público, a audiência possa prosseguir no caso de falta do representante do assistente.
Assim como não tem razão o mandatário do assistente ao alegar que faltava por ter conhecimento que o seu patrocinado iria faltar. É que estando regular o processo a audiência pode prosseguir –art. 330 nº 2, 1ª parte, do CPP.
Assim como não tem razão este mandatário ao pretender que da primeira data para a segunda agendadas previamente, se volte a repetir o art. 312 nº 4 do CPP, a ser assim inútil era agendarem-se previamente e por acordo as duas datas.
Assim como não temos como correcto que, estando a decorrer prazo da apresentação do rol de testemunhas de defesa e contestações, tratando-se de crime particular, e na falta não justificada do mandatário do assistente, valesse desde logo como desistência da acusação.
Assim que entendamos que não estando a audiência, por motivos processuais (decurso do prazo de apresentação da defesa) em condições de prosseguir, deve a mesma ser dada sem efeito, e não adiada por motivo de falta de comparência de sujeitos processuais.
Motivo porque entendemos não estarem preenchidos os requisitos do art. 330 nº 2 do CPP e considerar-se ter havido desistência da acusação.
Assim que se revoga o despacho recorrido bem como todos os actos posteriores desse despacho dependentes.
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O recorrente alega que o assistente justificou a falta por doença e que se o tribunal considerasse insuficiente ou irregular a justificação deveria ouvir o médico.
É do seguinte teor o despacho:
Relativamente ao requerimento de fls. 306 e 307, veio o assistente JM apresentar certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença desde 5 a 10 de Dezembro do presente ano, nada sendo referido sobre a impossibilidade ou grave inconveniente no comparecimento neste Tribunal.
Assim, atento o disposto no artigo 116° e 117° n° 4 do C.P.Penal, vai o assistente condenado no pagamento do montante de 2 UC pela falta injustificada, uma vez que a incapacidade para o trabalho não se identifica com a impossibilidade de comparecimento em Tribunal, tanto mais que, como refere o certificado, a incapacidade para o trabalho não exigiu internamento.
É certo que o documento apresentado pelo assistente é “certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença”, onde se certifica a incapacidade para a actividade profissional sem internamento.
Este certificado não observa minimamente os requisitos estatuídos no art. 117 do CPP, nomeadamente o nº 4 (como provavelmente o atestado médico emitido nos termos deste preceito não serviria para a baixa médica).
Os atestados para efeitos de justificação de falta em processo crime devem observar o estatuído neste preceito, e apenas em caso de dúvida é que se manda comparecer o médico emitente, ou a observação do doente por outro clínico.
In casu também não foi observado o disposto no nº 2 do preceito. A comunicação da impossibilidade (facto não atestado) deve ocorrer com cinco dias de antecedência ou logo que dessa impossibilidade se tenha conhecimento, no caso da previsibilidade.
Devendo a comunicação ser acompanhada dos elementos de prova.
A comunicação foi efectuada dia 6 às 23, 38 horas e o atestado de baixa por doença foi emitido em 5-12-2007.
Assim que se tenha como correcta a não justificação da falta, improcedendo o recurso nesta parte.
Decisão:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra e Secção Criminal, em, com outros fundamentos, julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo recorrente/assistente JM, e em consequência:
1- Mantém-se o despacho recorrido de não justificação da falta do assistente.
2- Revoga-se o despacho recorrido que julgou a falta de comparência do mandatário do assistente como valendo desistência da acusação, bem como todos os actos posteriores desse despacho dependentes, devendo tal despacho ser substituído por outro que designe dia para a realização da audiência.
Custas pelo assistente e relativo ao decaimento, com taxa de justiça de 2 Ucs- art. 87 do C. Custas Judiciais e 515 nº 1 al. b) do CPP.
Coimbra,
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