Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
894/01.2TXCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
CUMPRIMENTO DA PENA
Data do Acordão: 05/26/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS – COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 27º CRP,64º,2 E 80º CP
Sumário: Havendo revogação da liberdade condicional, o período em que o arguido esteve em liberdade condicional não se deduz ao cumprimento da pena de prisão.
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

            O arguido J..., veio requerer que lhe fosse descontado 1 ano e 9 dias da pena de prisão efectiva de 25 anos, que se encontra a cumprir correspondente ao tempo em que esteve em liberdade condicional, por entender que esse tempo conta como tempo de pena de prisão.

            A Mmª juiz do TEP de Coimbra, indeferiu tal pretensão com a seguinte fundamentação:

            “ Fls. 209 e seguintes: Veio o arguido J… requerer que lhe seja descontado 1 ano e 9 dias na prisão efectiva que actualmente cumpre.

            Alega para tanto, em síntese útil que o tempo de liberdade condicional conta como tempo de pena de prisão, sendo que para determinar a pena ainda não cumprida - em sede de revogação da liberdade condicional - deve deduzir-se ao quantum da condenação o tempo de prisão já cumprido e o período em que o condenado esteve em liberdade condicional (esta última parte citada no requerimento apresentado como expressão da opinião da Sra. Dra. Maria João Antunes).

            O arguido foi condenado na pena única de 25 anos de prisão no âmbito do processo comum colectivo nº 186/00-4 taovr.

            A liquidação da pena consta de fls. 861 e 862, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

            Por decisão de fIs.69 e seguintes do apenso de processo complementar de revogação da liberdade condicional, foi revogada a liberdade condicional concedida ao requerente desde o dia 22 de Dezembro de 1998 até 16 de Outubro de 2000, determinando-se o cumprimento pelo arguido da pena de prisão que lhe faltava cumprir quando saiu em liberdade no PCC nº 85.96 do Tribunal de Círculo de Santa Maria da Feira, onde fora condenado a 4 anos e 6 meses de prisão.

            Cumpre decidir.

            O entendimento exposto pelo requerente não encontra eco na lei substantiva vigente.

            Com efeito, conforme resulta do nº 2 do artº 64º do Código Penal a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida, o que efectivamente sucedeu, tendo o arguido sido condenado no cumprimento da pena de prisão que lhe faltava quando saiu em liberdade condicional, ou seja, 1 ano, 9 meses e 24 dias de prisão - cfr. decisão de fls.69 e seguintes do apenso de processo complementar de revogação da liberdade condicional.

            Não existe previsão legal que determine - quanto à contagem da pena ainda não cumprida resultante da revogação da liberdade condicional - se deva levar em conta o tempo de prisão já cumprido e o período em que o condenado esteve em liberdade condicional.

            Pelo que, salvo o devido e merecido respeito, afigura-se-nos não existir fundamento legal quanto ao requerido, e por essa via não havendo necessidade de proceder ao desconto requerido no cômputo da pena.”.

            Inconformado, recorre o arguido, concluindo:

            “ 1ª. Pelas razões referidas nos artigos 9°, 10° e 11° do presente articulado, o instituto da liberdade condicional constitui, na opinião do signatário, um incidente da execução da pena de prisão, pelo que o tempo que o arguido, J…, passou em liberdade condicional, sem cometer qualquer ilícito de natureza penal, deverá ser computado como tempo de pena de prisão;

            2ª. Tempo este que, a assim ser, como pensamos que é, dever-lhe-á ser descontado na pena de prisão efectiva que se encontra agora a cumprir; 

            3ª. Qualquer outro entendimento diferente daquele que aqui perfilhamos leva-nos a crer que os artigos 61.°, nº 5, 61.°, nº 1, art. 64°, nº 2, art. 53.° e 54.° - todos do Código Penal - interpretados de maneira divergente da nossa, estão feridos de inconstitucionalidade, porque nessa interpretação, contrariam um direito fundamental: o direito à liberdade, previsto no texto constitucional no seu art. 27°.”.

            Face ao conteúdo das conclusões a questão que importa decidir consiste em saber se, havendo revogação da liberdade condicional, o período em que o arguido esteve em liberdade condicional deve ou não deduzir-se ao cumprimento da pena de prisão.

            Como é sabido a concessão da Liberdade Condicional assenta num juízo de prognose, decorrente da análise de vida anterior do arguido, da sua personalidade, a evolução da mesma no decurso da execução da pena de prisão, de tal modo que possibilite concluir que o arguido, em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, sendo que a execução da pena de prisão, se deve orientar no sentido da reintegração social do recluso (artigos 61° e 42°, do CP).

            Medida de excepção no cumprimento da pena, a Liberdade Condicional visa a suspensão da reclusão, por forma a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, assim permitindo que o recluso ganhe o sentido de orientação social que, necessariamente, o período de encarceramento enfraqueceu.

            Implica pois, toda uma simultaneidade de circunstancialismos, necessariamente verificáveis, e que são, no fundo, o alcance da finalidade da execução da própria pena, ou seja, esta, por si própria, terá de revelar a capacidade ressocializadora do sistema, com vista a prevenir a prática de futuros crimes (cfr. artº 61º a 63º CP).

            E uma vez concedida, nos termos do artº 57º CP, aplicável por força do artº  64º nº 1 CP, a pena é considerada extinta, se não for revogada.

            Quer dizer o arguido cumpriu a parte final da sua pena mediante a forma de liberdade condicional.

            Tendo essa liberdade condicionada sido revogada, determina, segundo o artº 64º nº 2 CP “ a execução da pena de prisão ainda não cumprida”.

            Ora essa pena de prisão é justamente aquele remanescente que lhe faltava cumprir aquando da concessão da liberdade condicional, que o arguido, mercê da revogação demonstrou não ser da mesma merecedor.

            Daí que o legislador tenha entendido que nesses casos, a consequência será o cumprimento da prisão não cumprida.

            Acresce que se o legislador entendesse que o período durante o qual o arguido beneficiou da liberdade condicional até esta lhe ser revogada, fosse descontado no cumprimento da pena de prisão aplicada, tê-lo-ia deixado consagrado,  como o fez no artº 80º nº 1 CP, relativamente à detenção, prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação.

                Como se escreveu no AcTC nº 477/07 de 07.09.25[1] “O condenado, ao infringir os deveres de comportamento resultantes de se encontrar em liberdade condicional, sabe que esta medida poderá ser revogada, pelo que não lhe assiste qualquer expectativa tutelada de que já não terá que cumprir a parte da pena privativa de liberdade não executada.”.

            Assim, não se prevendo expressamente tal desconto de tempo, bem andou a Mmª juiz ao indeferir a pretensão do arguido, por falta de fundamento legal.

            Esta interpretação não viola qualquer preceito constitucional, designadamente o invocado 27º CRP.

            O despacho tem pois de manter-se.

DECISÃO


         Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se integralmente a douta decisão recorrida        
         Fixam a taxa de justiça a cargo do arguido em três Ucs.
         Honorários legais ao ilustre defensor.

            Notifique.        

                Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP).

            Tribunal da Relação de Coimbra, 26 de Maio de 2009

   


[1] www.tribunalconstitucional.pt