Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
189/08.0GTCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: PENA DE MULTA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVENÇÃO ESPECIAL
PREVENÇÃO GERAL
Data do Acordão: 04/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 40.º; 48.º; 50.º; 70.º E 71.º DO CÓDIGO PENAL.
Sumário: I. - Na escolha da pena o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa (de multa) sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.
II. A aplicação de uma pena alternativa à pena de prisão, no caso a pena de multa, depende tão somente de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade».
III. - A apreciação e a decisão sobre a medida de substituição que a suspensão da execução da pena constitui é uma faculdade vinculada, necessariamente dependente do poder-dever da sua aplicação, desde que verificados os pressupostos – formal e material – exigidos no artigo 50.º do C.P., a saber: que ao agente deva ser concretamente aplicada pena de prisão até ao limite de 5 anos; e que ela se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.
IV. - A suspensão da execução da pena de prisão depende de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade».
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. No 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, após julgamento em processo sumário, foi o arguido …, mecânico, filho de … e de …, solteiro, nascido em …, na freguesia e concelho de Castelo Branco, residente na Rua … Castelo Branco, condenado, por sentença de 27 de Novembro de 2008, pela prática, em autoria material, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à razão diária de € 5,00, e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de 4 (quatro) meses.

2. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso da sentença, formulando na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª – O arguido … foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. nos artigos 292.º e 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à razão diária de 5,00 euros, e na proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de 4 (quatro) meses.

2.ª – De acordo com o disposto no art. 70.º do Código Penal, o Tribunal só deve optar pela pena não privativa da liberdade se esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mormente que seja suficiente para satisfazer as exigências de prevenção do crime que o caso concreto suscita e para promover a recuperação social do delinquente – cfr. art. 40.º do Código Penal.

3.ª – Ora, no caso em apreço, constata-se, por um lado, que o arguido já tem antecedentes criminais pela prática de ilícitos idênticos ao dos autos, o que não foi devidamente considerado na douta sentença recorrida.

4.ª – E, por outro lado, são muito elevadas as exigências de prevenção geral positiva neste tipo de crime.

5.ª – Assim, deveria ser aplicada ao arguido uma pena de prisão, por só esta se mostrar adequada a satisfazer as exigências de prevenção geral de integração e também as evidentes exigências no caso de prevenção especial de socialização.

6.ª – Tal pena deverá ser determinada nos termos do artigo 71.º do Código Penal, de acordo com o qual a referida determinação é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele e, assim, de acordo com tal dispositivo, para além dos aspectos referidos pelo Mm.º Juiz, na sentença, a propósito da determinação da medida concreta da pena, deverá ainda pesar conta o arguido os mencionados antecedentes criminais, devendo a pena principal ser de pelo menos 5 meses de prisão, por a mesma se mostrar ajustada ao grau de culpa do arguido e adequada às já referidas exigências de prevenção – ainda que, caso assim se venha a entender, a mesma seja suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50.º do Código Penal.

7.ª – De qualquer forma, sempre se dirá ainda que o Mm.º Juiz violou igualmente o disposto no artigo 71.º do Código Penal, no que concerne à medida da pena acessória de inibição de conduzir.

8.ª – Com efeito, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, o arguido será condenado numa pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de três meses a três anos em caso de condenação pela prática de crime em que o arguido foi condenado.

9.ª – Ora, não obstante as considerações feitas a propósito da aplicação de tal medida, é forçoso concluir, na nossa opinião, que o Mm.º Juiz, ao contrário do que impõe o artigo 71.º do Código Penal, não teve em devida conta, de novo, os antecedentes criminais do arguido, supra referidos, sendo que, considerando os mesmos, sempre a referida pena acessória teria de ser superior aos oito meses da condenação anterior, que foram insuficientes para que o arguido não voltasse a repetir conduta idêntica.

10.ª – Pelas razões expostas, a douta sentença proferida nos autos violou o disposto nos artigos 69.º, n.º 1, al. a), 70.º, 71.º e 292.º, n.º 1, do Código Penal, devendo ser substituída por outra decisão que condene o arguido em pena de prisão, não inferior a cinco meses – ainda que suspensa na sua execução – e na pena acessória de proibição de conduzir por período superior a oito meses.

3. Devidamente notificado, o arguido não exerceu o seu direito de resposta.
4. Neste Tribunal da Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da alteração da decisão recorrida, em conformidade com a posição manifestada pelo recorrente, salientando, todavia, a existência, na sentença recorrida, de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, vício esse que pode ser suprido pelo tribunal de recurso porquanto constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão [cfr. artigo 431.º, alínea a) do Código de Processo Penal]
Notificado, nos termos e para os efeitos consignados no art.º 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, o arguido não respondeu.

5. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II. Fundamentação:

1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:

Conforme Jurisprudência constante e pacífica dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos submetidos a apreciação.

No caso sub judice, o recurso versa exclusivamente matéria de direito, e está limitado à questão das consequências jurídicas do crime de condução em estado de embriaguez inquestionavelmente praticado pelo arguido.

2. Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):

a) O arguido, no dia 22.11.2008, pelas 2 horas e 56 minutos, conduzia na EN 325, campo de futebol Alcains, freguesia, concelho e Comarca de Castelo Branco, o automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula 92-19-NV.

b) Abordado por agente da GNR-BT de Castelo Branco, ao ser submetido a teste de controlo de alcoolémia através de aparelho “DRAGER” Alcotest 7110MK III, n.º ARPN-0079, aprovado pelo I.P.Q. (D.R. n.º 233, III série, de 25/09/96 e D.R. nº 54, III série, de 05/03/98) o arguido veio a acusar uma TAS de 1,33g/l.

c) O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que, depois de beber bebidas alcoólicas, não poderia conduzir veículos na via pública ou equiparada, bem sabendo, ainda, que tal conduta era punida pela lei penal.

d) O arguido é mecânico, auferindo a quantia mensal de 650,00 euros.

e) Vive com uma companheira, que é empregada de limpeza, auferindo a quantia mensal de 420,00 euros.

f) O agregado familiar do arguido é composto por este, pela sua companheira, um filho de ambos, de 5 meses, e um outro de 4 anos, de um casamento anterior daquela.

g) O arguido tem como despesas fixas mensais a renda da casa, no montante 175,00 euros, água, luz e gás, no montante de 80,00 euros, um crédito, no montante de 310,00 euros, da compra de um automóvel, e o infantário dos miúdos, no montante de 110,00 euros.

h) O arguido tem antecedentes criminais, conforme resulta do seu CRC de fls. 18 e seguintes.

g) O arguido confessou de forma livre, espontânea e sem reservas os factos constantes da acusação, mostrando-se arrependido dos factos praticados.

3. Do mérito do recurso:

À luz da posição vertida no recurso, a pena de multa imposta ao arguido e a pena acessória, pelo período de 4 meses, de proibição de o arguido conduzir veículos automóveis não cumprem as exigências preventivas postas em evidência no caso concreto.

Só uma pena de prisão efectiva, embora suspensa na sua execução, e a pena acessória em quantum superior a 8 meses de proibição de condução de veículos com motor são consentâneas com as necessidades de prevenção geral positiva ou de integração e especial positiva ou de socialização, acrescenta o recorrente.

A nosso ver, com toda a razão.

O critério determinante para a escolha de pena de multa assentou exclusivamente, com se refere na fundamentação de direito da sentença recorrida, na «inexistência de antecedentes criminais» por parte do arguido.

Porém, neste conspecto, o Sr. Juiz do tribunal da 1.ª instância olvidou a matéria de facto provada, na qual são referenciados os antecedentes criminais decorrentes do Certificado de Registo Criminal de fls. 18 e seguintes. Desse Certificado decorrem três condenações já impostas ao arguido, todas em pena de multa, pela prática, em 01-03-2005, 13-03-2005 e 10-06-2006, de outros tantos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez.

Ou seja, o Sr. Juiz ao considerar, ao nível da aplicação do direito aplicado, pressupostos de facto inexistentes incorreu em patente erro de julgamento que importa  suprir.
A questão objecto do recurso em apreço envolve, primeiramente, a sindicância do critério de escolha da pena previsto no art. 70.º do CP, porquanto o crime cometido pelo arguido é punível com pena de prisão ou multa.
O critério legal a seguir é simplesmente este: o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa (de multa) sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.

O mesmo é dizer que a aplicação de uma pena alternativa à pena de prisão, no caso a pena de multa, depende tão somente de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade».
Postos estes considerandos, no caso em apreciação são manifestas as necessidades de prevenção geral positiva ou de integração que se fazem sentir, tendo em conta um certo grau de perigosidade que o comportamento do arguido já demonstra, evidenciado pela sua conduta anterior aos factos, reflectida em três condenações que já lhe foram impostas pela prática, em todos os casos, de crime de condução de veículo em estado de embriaguez. Como também transparece  uma certa carência de socialização, aferida em função de uma personalidade que pluriocasionalmente insiste na prática de crimes da referida natureza.
Cometido cada um dos três crimes, a pena de multa que em cada caso foi imposta não se revelou suficientemente dissuasora da prática de novo ilícito penal,  tornando-se, assim, evidente a inadequação das penas antes impostas para acautelar os bens jurídicos tutelados pela norma-tipo triplamente violada e para reinserir socialmente o arguido.
Por isto, a pena de multa já não tem aptidão para atingir as supra enunciadas finalidades da punição, ou seja, a protecção de bens jurídicos e um aceitável patamar de inserção social por parte do arguido, havendo que optar pela pena detentiva prevista no artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, cuja medida concreta importa agora determinar. 

*

O art. 71.º do Código Penal, estipula que «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção» (n.º1), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2, do mesmo dispositivo).

Dito de uma outra forma, a função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.

O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.

Como refere Claus Roxin, em passagens escritas perfeitamente consonantes com os princípios basilares no nosso direito penal, «a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada.

A sensação de justiça, à qual corresponde um grande significado para a estabilização da consciência jurídico-penal, exige que ninguém possa ser castigado mais duramente do que aquilo que merece; e “merecida” é só uma pena de acordo com a culpabilidade.

Certamente a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva.
A pena serve os fins de prevenção especial e geral. Limita-se na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais».[i]

*

Por sua vez, o art. 69.º, n.º 1 do CP, faculta genericamente ao juiz o poder/dever de delimitar, em face das exigências de cada caso, a sanção acessória de inibição de conduzir veículos com motor.

A proibição de conduzir tem como suporte a prática de um crime, in casu, o de condução em estado de embriaguez e, como verdadeira pena que é, submete-se às regras gerais de determinação penal, ressalvando-se a finalidade a atingir, que se revela mais restrita, porquanto a sanção em causa visa primordialmente prevenir a perigosidade do agente, ainda que se reconheçam também necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, através da tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma in casu violada.

*
Revertendo ao caso dos autos, o grau de ilicitude, aferido pela taxa de alcoolemia detida pelo arguido, não se mostra elevado.
O dolo (directo) manifesta-se na sua forma mais intensa e o arguido tem o passado criminal que se deixou já registado.
Por outro lado, há que contar com as exigências de prevenção geral positiva ou de integração que a conduta do arguido acentua, porquanto, qualquer taxa de alcoolemia, igual ou superior ao valor legalmente fixado, potencia manifesto perigo para a eclosão de acidentes de viação, com as trágicas consequências, nos planos psicológico e material, de todos bem conhecidas. Na verdade, a condução sob o efeito do álcool, ou em estado de embriaguez, é consensualmente tida como um factor de agravamento dos riscos inerentes à actividade da condução e como um dos mais determinantes agentes de produção de acidentes de trânsito, na medida em que a ingestão excessiva de álcool determina o entorpecimento dos sentidos, a perda dos reflexos indispensáveis para uma adequada condução automóvel e a diminuição da acuidade visual e capacidade de concentração.
Há que ter ainda em conta a confissão dos factos por parte do arguido, ainda que se tenha com mui reduzida expressão, por pouco ter contribuído para a descoberta da verdade, atendendo às concretas condições em que aquele foi surpreendido pelas autoridades policiais na actividade da condução automóvel.
Quanto ao arrependimento, que o tribunal a quo teve por verificado, não assume qualquer relevância, por não decorrer de uma concreta atitude do arguido, reveladora da interiorizarão do desvalor da conduta praticada e dos riscos que o consumo exagerado de álcool, quando interligado com a condução de veículos automóveis, cria para a vida e integridade física das pessoas em geral.
Como está salientado no Ac. do STJ de 15-05-2002[ii], «há arrependimento relevante quando o arguido mostre ter feito uma reflexão positiva sobre os factos ilícitos cometidos e propósito firme de, no futuro, inflectir na sua conduta anti-social, de modo a poder concluir-se pela probabilidade séria de não recair no crime».
Por fim, há que ter em devida conta a situação pessoal, económica e social do arguido. Aufere, como mecânico, o quantia mensal de 650,00 euros, e vive com uma companheira - a qual proporciona um acréscimo no rendimento familiar de € 420,00, em cada mês -, um filho de ambos e um filho daquela.
Sopesadas, na sua globalidade complexiva, todas as circunstâncias supra enunciadas, temos como adequada a pena (principal) de 5 meses de prisão, a qual não se substitui por pena de multa, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1 do Código Penal, por a tanto se oporem as patentes necessidades de prevenir o cometimento, pelo arguido, de futuros crimes de condução de veículo em estado de embriaguez.
Quanto à pena acessória, justifica-se a sua fixação em 10 meses de proibição de condução de veículos motorizados.

Estatui o artigo 50.º do CP (versão da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro):
«1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

3 - Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.

4 – (…).

5 - O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão».

A apreciação e a decisão sobre a medida de substituição que a suspensão da execução da pena constitui é uma faculdade vinculada, necessariamente dependente do poder-dever da sua aplicação, desde que verificados os pressupostos exigidos na supra citada norma.

Para se optar pela suspensão da execução da pena exige a lei, como pressuposto formal, que ao agente deva ser concretamente aplicada pena de prisão até ao limite de 5 anos.

No que tange ao pressuposto material, o critério legal a seguir é simplesmente este: o tribunal deve preferir a pena de substituição em causa sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, ela se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.

O que o mesmo é dizer que a suspensão da execução da pena de prisão depende tão somente de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade».

«(...) O tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena (...) de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação», a dita pena de substituição «se revele mais adequada e suficiente na realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena (...) de substituição e a sua efectiva aplicação.
Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie da pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas (...) de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.

(...) Desde que impostas ao aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não será aplicada se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias»[iii].

Por outro lado, é conveniente esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer «certeza», mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida. O tribunal deve correr risco “prudencial” (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade.
No caso concreto, e não obstante o que já ficou expresso sobre as exigências de prevenção geral positiva ou de integração e de prevenção especial ou de socialização, apesar de tudo, ainda se vislumbra uma esperança sobre a capacidade de o arguido inverter positivamente o seu posicionamento relativo à condução sob o efeito do álcool, de molde a justificar como razoável um juízo de prognose positiva no sentido de que a censura do facto e a ameaça da prisão serão paliativos suficientes para o afastar provavelmente da prática de novos crimes, mediante um processo de renovação de um projecto de vida compatível com o respeito, que é seu dever, pelos valores cuja ofensa integra crimes, e com a possibilidade, como é seu interesse, de uma realização pessoal e comunitária positiva.

Assim, apostando-se numa oportunidade que se espera o arguido não desbarate, decide-se, nos termos do art. 50.º do CP, pela suspensão da pena de prisão pelo período de 1 (um) ano.
III. Decisão:
Posto o que precede, os Juízes desta Secção Criminal da Relação de Coimbra julgam provido o recurso e, em consequência:
a) Condenam o arguido …, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. p. pelos arts. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 10 (dez) meses.
b) Suspendem a execução da pena de 5 meses de prisão pelo período de 1 (um) ano.


[i] Derecho Penal - Parte General, Tomo I, Tradução da 2.ª edição Alemã e notas por Diego-Manuel Luzón Penã, Miguel Díaz Y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas), págs. 99/101 e 103.
[ii] Proc. n.º 1094/02, sumariado no Boletim interno do STJ n.º 61, elaborado pelo Gabinete dos Juízes Assessores.
[iii] Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 497 e 498, 499 e 500, págs. 331/333.