Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5421/03BLRA
Nº Convencional: JTRC
Relator: GRAÇA SANTOS SILVA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CASO JULGADO
PEDIDO CÍVEL
ACÇÃO CÍVEL CONEXA COM A ACÇÃO PENAL
Data do Acordão: 02/12/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 489.º; 494º J), 495º E 493º 1 E 2º ; 497.º; 498.º; 673.º; 771.º A 777.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ; ARTIGO 71.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: 1. Existindo identidade de sujeitos e causa de pedir e provindo as pretensões de indemnização do mesmo facto lesivo, por estar em causa em dois processos (acção cível de indemnização e pedido cível deduzido em processo penal) os mesmos factos concretos explicativos ou causais do acidente, formou-se caso julgado quanto à culpa no desencadear dos eventos.
2. Se o autor na acção cível não invocou na sua contestação no enxerto cível, onde era demandado, todos os meios de defesa de que dispunha, estes ficaram precludidos, nos termos do artigo 489º do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:
19

I- Relatório:
A....interpôs contra B....e Companhia de Seguros Tranquilidade a presente acção declarativa de condenação emergente de acidente de viação, pedindo que “a Ré seja condenada” a pagar-lhe uma indemnização pelos danos patrimoniais no valor de 163.384,28 €, e não patrimoniais, no valor de 137.000,33 €, tudo no montante global de 300.384,61 €, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento; que sejam liquidadas em execução de sentença todas as verbas correspondentes a danos patrimoniais que eventualmente venham a ser exigidos por outras entidades, por exemplo, hospitais.
Fundamentou em que no dia 29 de Julho de 2000, pelas 18h30, foi interveniente num acidente de viação quando conduzia um ciclomotor, propriedade de …... Que com o veículo por si tripulado colidiu um outro veículo, também ciclomotor, conduzido pelo segurado na ré, que conduzia em velocidade excessiva e saiu da sua faixa de rodagem, invadindo a faixa por onde seguia o autor. Que a culpa, portanto, foi do condutor segurado e pelo exposto deve a Seguradora ressarcir o autor de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, nomeadamente sequelas físicas e consequências ao nível de ter de ser cuidado por terceiros, incapacidade para o trabalho, despesas com tratamentos e medicamentos e transtornos, tristeza e desgostos de que padece em consequência do sinistro.
Contestaram ambos os RR. o B....invocando a sua ilegitimidade, porque, que o seguro que tem, válido e eficaz, cobre o valor peticionado, impugnando a descrição do acidente, e invocando que no 2º juízo criminal do T. de Leiria correu termos o processo 1211/2000.4 TALRAP relativamente ao acidente. A seguradora invocou que foi instaurado processo crime contra o A. e deduzido pedido cível pelo B…., tendo sido condenado o ora A pagar ao ora R. uma indemnização. Impugnou a dinâmica do acidente. Juntou certidão da sentença e do acórdão do TRC proferidos no processo 1211/00.4TALRA.
O ISSS CNP deduziu intervenção, admitida, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe o valor das pensões vencidas e vincendas que vem pagando ao A., até limite da indemnização.
O Centro Hospitalar de Coimbra deduziu intervenção, admitida, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe o valor de 9.079,93, acrescida de juros de mora legais.
Efectuado saneamento foi absolvido da instância o R. B…. não foi apreciada a implicitamente invocada excepção de caso julgado.
Feito julgamento, procedeu-se a sentença, na qual se declarou que nada obstava ao conhecimento de mérito da causa, e se condenou a ré a:
a) “pagar ao autor a quantia de € 45.747,30 (quarenta e cinco mil setecentos e quarenta e sete euros e trinta cêntimos) a título de danos patrimoniais já comprovados;
b) pagar ao autor metade de todas as quantias pagas em médicos, tratamentos e medicamentos, e efectuadas em virtude das sequelas sofridas com o acidente, quantia essa cuja fixação se relega para execução de sentença;
c) pagar ao autor a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos morais;
d) pagar ao autor os juros legais (relativos às quantias referidas em a) a c)) a contar da data da citação até efectivo e integral pagamento
e) pagar ao ISSS a quantia de 5.381,23 de pensões pagas até 31-05-2006 acrescida de metade das pensões vencidas posteriormente, e até trânsito em julgado da presente decisão, acrescida de juros legais de mora desde a data de vencimento de cada prestação até efectivo e integral pagamento
f) pagar ao CHC 4.539,96, acrescido de juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento”. No mais absolveu a Ré do restante peticionado.
Inconformada com a decisão recorreu a Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., tendo aderido ao seu recurso o ISSS CNP.
Apresentou as seguintes conclusões, alteradas na numeração ( já que a constante do recurso vinham deficientemente feita: saltava do 13 para o 19):
“I- As presentes alegações vêem no sentido do recurso interposto pela aqui recorrente Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., da Sentença de 1ª instância.
II- Foi a recorrente condenada a pagar ao recorrido …., as quantias de:
a) A titulo de danos patrimoniais - € 45.747,30
b) Metade de todas as quantias pagas em médicos, tratamentos e medicamentos, e efectuadas em virtude das sequelas sofridas com o acidente, quantia essa cuja fixação se relegou para execução de sentença.
c) Danos morais - € 40.000,00.
Pagar ao A. os juros legais (relativos às quantias em a) a c) a contar da data da citação até efectivo e integral pagamento.
- Ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social, a quantia de €5.381,23 de pensões pagas até 31-05-2006 acrescidas de metade das pensões vencidas posteriores, e até transito em julgado da presente decisão, acrescidas de juros legais de mora desde a data de vencimento de cada prestação até efectivo e integral pagamento.
- Ao Centro Hospitalar de Coimbra, a quantia de E 4.539,96, acrescidas de juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
III- Pecou a sentença, pela falta de rigor na apreciação da prova produzida e na consequente aplicação do Direito ao caso em concreto.
IV- Foi já apreciado por este Tribunal da Relação de Coimbra, o presente acidente, mediante o recurso n° 3.655/2002, Acórdão de 18/12/2002, transitado em julgado e junto aos presentes autos a fls. 134 – 139 e constante dos factos assentes em L), no qual a Douta Decisão foi completamente diversa da decisão ora recorrida.
V- O ora A. foi condenado a pagar ao segurado da recorrente uma indemnização.
VI- No auto de participação do sinistro infere-se inequivocamente que o acidente se deu claramente na faixa de rodagem do segurado da aqui recorrente, estando assinalado em c) e a 1,60m da berma da sua faixa de rodagem, tendo a via 5,20m.
VII- O Agente da GNR, confirmou o respectivo auto, bem como as respectivas medições e o local provável do embate e não teve dúvidas na altura de identificar o local provável do embate, conto sendo o local identificado em c) "pelo que existiam alguns vestígios perto.
VIII- Não existiu qualquer outra prova feita em sentido contrário, não existindo qualquer testemunha presencial do acidente.
IX- A Sentença de 1a Instância, não valorou e apreciou objectivamente, no sentido de dar como provado o quesito 49º da base instrutória.
X- A prova do mesmo daria uma decisão completamente diferente da que efectivamente foi tomada, existindo um erro notório da apreciação da prova.
XI- A Sentença aqui recorrida, violou o arto 659°, nos 2 e 3 do C.P.C.
XII- Violou ainda o artº 503º, nº3 do Código Civil, não aplicou bem o Direito, ao caso em concreto.
XIII- O ciclomotor 2-PMS-28-51, era conduzido pelo A., e era propriedade do seu filho ….., matéria assente em GG). E este veículo não beneficiava de qualquer seguro válido e eficaz.
XIV- O A. era um comissário que conduzia por conta de outrem, sendo a direcção efectiva do referido Pedro Francisco, que tinha a qualidade de comitente
XV- Era por isso responsável, se não provar que não houve culpa da sua parte.
XVI- O A. não provou que não tivesse culpa, presume-se a sua culpa, encontrando-se, assim preenchida a previsão, nos termos do artº 503º, nº 3 do Código Civil.
XVII- Não tendo o A. logrado afastar essa culpa – ou que a conduta do outro condutor tivesse por qualquer forma dado causa ao sinistro – determina-se a responsabilidade exclusiva do A. e devendo, assim, ser a R. seguradora absolvida de todos os pedidos.
XVIII- A Sentença optou pelo artº 506º do C.C., na aplicação da condenação pelo risco, quando o mesmo não era face à presunção de culpa que o A. detinha e que não conseguiu afastar.
XIX- A Jurisprudência tem entendido maioritariamente a relevância da presunção de culpa nos termos do artº 503º, nº3 do C.C., e inclusivamente ilustrou essa matéria exaustivamente no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, já junto aos presentes autos.
XX- A Sentença recorrida, para além de ter aplicado não correctamente o Direito, pecou pelo exagero na indemnização ao A., não tendo sido ponderada dentro dos limites que foram dados como provados, nem segundo os critérios de equidade.
XXI- Basta ver os valores em que foi efectivamente condenada a recorrente,
correspondendo os mesmos hipoteticamente tão só a 50% da sua atribuição.
XXII- Acabou por fixar uma indemnização ao A. completamente desfasada da realidade, para além de não ser devida, igualmente a todos os A.A Instituto de Solidariedade e Segurança Social e Centro Hospitalar de Coimbra.
XXIII- Chegando mesmo a condenar inclusivamente em juros de mora à taxa legal, a contar da data da citação até efectivo e integral pagamento, quanto aos danos não patrimoniais, que pela sua natureza e especificidade só são fixados os seus montantes em sede de Sentença condenatória, e por força desse facto só se pode apurar o seu montante na sentença de 11 instância.
XXIV- Não existia o pressuposto fundamental da mora, que é a quantia ser certa, líquida e exigível . Neste sentido, o AC d a Relação de Coimbra de 21/06/2000 (P.116/00) Col. de Jur. 2000, 3, 56. e no mesmo sentido, o Ac. do STJ de 15/06/2000 (P.295/00) Col. de Jur. 2000,2, 113.
XXV- A sentença é nula, nos termos do arfo 668° n° 1, b) e c), do C.P.C., pelo que nas suas páginas 12 e segs, faz alusão a uma matéria que em nada tem haver com os presentes autos e vai retirando dai as suas conclusões.
XXVI- Quando diz que "Ora, passando ao caso em apreço, a morte do referido Valentim ocorreu em consequência do acidente de viação ocorrido. O veiculo ligeiro de passageiros que foi interveniente no acidente de viação, e ao qual os A.A. imputam a culpa...."sic (pág. 12 e segs da Sentença).
XXVII- Nos presentes autos não existiu felizmente nenhuma morte, nem nenhum Valentim, nem nenhum veiculo ligeiro de passageiros, na Sentença são por isso extraídas conclusões e consequências jurídicas, que não se sabe sequer se as mesma são extraídas de outro acidente que não o dos autos, ou se as mesmas se reportam ao sinistro dos autos.
XXVIII- Sendo por isso nula a Sentença, nos termos do arfo 668º nº 1, b) e c), do C.P.C..”
Contra alegou o A. dizendo que não há violação de qualquer preceito legal.
II- Questões a decidir:
A- Conhecer eventuais excepções, de conhecimento oficioso, que obstem ao conhecimento de mérito, e eventualmente;
B- Aferir da correcção da resposta dada ao quesito 49º da base instrutória;
C- Aferir da nulidade da sentença;
D- Conhecer se a sentença recorrida violou ou não os dispositivos indicados, e aferir da adequação da indemnização e da condenação em mora.
III- Factos provados:
São os seguintes os factos considerados provados pela sentença recorrida:
a. No dia 29 de Julho de 2000, cerca das 18h30m, circulavam, pela Estrada Municipal de Alcaidaria, o ciclomotor, matrícula 2-PMS-28-51, propriedade de Pedro Miguel Olival Francisco e conduzido pelo Autor António Germano Francisco, e um outro ciclomotor, com a matrícula 1-LRA-01-71, conduzido pelo seu proprietário, B…..
b. O veículo conduzido pelo Autor seguia no sentido Alcaidaria/Mata, ocupando a semi-faixa direita de rodagem, considerando esse sentido, circulando o veículo conduzido por B....no sentido contrário (Alcaidaria/Milagres), e ocupando a semi-faixa direita de rodagem destinada a esse mesmo sentido.
c. A responsabilidade civil por acidentes de viação em que fosse interveniente o veículo com a matrícula 1-LRA-01-71 encontrava-se, então, transferida para a Ré Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A, por contrato de seguro titulado pela apólice nº 99/4100546310.
d. O autor nasceu no dia 05-09-1955.
e. O autor é o beneficiário nº 111088016 do Centro nacional de pensões.
f. O Centro nacional de pensões pagou ao Autor, desde 28-01-2001 a 31-05-2006, pensões de invalidez no montante de 7.145,53 € e de complemento de dependência no período entre 01-08-2001 e 31-05-2006 a quantia de 3.616,93 € (doc fls 343)
g. O Instituto de Segurança e Solidariedade Social é o sucessor legal do Centro nacional de pensões.
h. Sob o nº 1211/00.00.4TALRA, correu termos, no 2º Juízo Criminal de Leiria, um processo crime em que se imputava ao autor a prática de um crime de ofensa à integridade física negligente, p.p. pelo art 148º, nº 1. do Código Penal, com referência ao art 13º do Código da Estrada. Neste processo, B....deduziu pedido de indemnização civil contra o Autor A…., …… e o Fundo de Garantia Automóvel. Neste processo foi proferida, em 15-07-2002, sentença na qual se absolveu o arguido do crime que lhe era imputado e se absolveram os demandados do pedido.
i. Interposto recurso dessa sentença, a Relação de Coimbra, mediante Acórdão de 18-12-2002 julgou parcialmente provido o recurso e revogou a supra referida sentença, na parte relativa ao pedido cível, condenando os demandados, A…., …..e o Fundo de Garantia Automóvel a pagar, solidariamente, ao lesado B....a quantia de esc. 4.707.499$00, ou seja, 23.480,91 €, com juros vincendos, à taxa legal, até efectivo pagamento.
j. Os veículos intervenientes no acidente de viação em referência nos autos embateram na parte frontal e lateral esquerda
k. Em consequência do descrito embate, o autor ficou muito ferido e politraumatizado.
l. Sofreu sequelas post-traumáticas do foro da ortopedia, neurologia, oftalmologia, cirurgia e otorrinolaringologia.
m. Esteve hospitalizado entre 30-07-2000 e 21-08-2000 no C.H.C. – Covões – Coimbra.
n. Após este período em que esteve internado, o autor continua a ser vigiado e assistido no H.S.A – Leiria, nomeadamente na recuperação das sequelas traumáticas do foro da neurocirurgia e da ortopedia.
o. O autor, em consequência do acidente, apresenta cicatrizes.
p. O autor teve e tem dores, preocupações e angústias.
q. O autor usa muletas, sem as quais não se consegue deslocar.
r. Depende de outras pessoas para se vestir, comer, cuidar da higiene e cortar a barba.
s. Vive profundamente desgostoso, triste e angustiado.
t. Desde a ocorrência do acidente que o autor se encontra de baixa.
u. E perdeu o emprego, que era a sua única fonte de rendimentos.
v. À data do acidente, o autor exercia a actividade de pedreiro, auferindo um salário mensal de € 426,47.
w. As sequelas resultantes do acidente e de que o autor padece são incompatíveis com a actividade profissional de pedreiro que o autor exercia.
x. Em consequência do descrito acidente, o autor despendeu em consultas, farmácia e taxas moderadoras o total de € 294,28.
y. O autor terá de ter acompanhamento médico e carece de medicamentos até ao resto dos seus dias.
z. O CHC prestou serviços médicos e medicamentosos ao autor no montante de 9.079,93 €.
aa. Após a sua saída do hospital, o autor foi viver por favor para casa de uma sua irmã, por não poder subsistir sozinho, e onde permaneceu durante 22 meses.
bb. O autor residiu do Lar D. Luís, pelo qual pagou cerca de 700 € mensais, pelo menos entre Janeiro e Junho de 2003.
cc. No local a via tem a largura de 5, 20 metros e apresenta um traçado de curva e contra curva.
dd. O piso estava em bom estado de conservação e o tempo estava bom.
ee. Aquando da colisão, o autor tripulava o veículo de matrícula 2-PMS-28-51 pertença de seu filho Pedro Miguel Olival Francisco.
Resulta ainda das certidões juntas aos autos que:
1- No processo referido em h) o ora R. deduziu pedido de indemnização civil contra o ora A., o dono do motociclo e o Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a condenação dos demandados no pagamento solidário da quantia de 5.978.211$00 e juros vincendos à taxa anual de 7%.
2- Contestou o ora A., sustentando que fazia o seu trajecto na sua faixa de rodagem, atento o sentido do trânsito e às demais regras estradais, imputando a responsabilidade pelo acidente ao demandante, por ter invadido a sua faixa de rodagem.
3- Na referida sentença foi produzida prova sobre os factos alegados como conducentes ao acidente, e concluiu o TCR no Ac. referido em I) que houve culpa na produção do acidente por parte do aí demandado cível e agora A., com fundamento no disposto do artº 503º do CC, cuja presunção de culpa não foi ilidida.
IV- Fundamentos:
A- Conhecer eventuais excepções, de conhecimento oficioso, que obstem ao conhecimento de mérito:
Não obstante o conteúdo das contestações, das certidões juntas, no saneador não se analisou qualquer situação de caso julgado.
A sentença, na mesma linha, tratou de analisar aquilo que entendeu ser o que estava em causa no processo, sem reanalisar os pressupostos processuais.
Vejamos:
Por força dos artºs 494º j), 495º e 493º 1 e 2º do CPC o caso julgado configura-se como uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que dá lugar à absolvição da do R. instância.
O caso julgado, decorrente do trânsito em julgado, implica a imodificabilidade da decisão contida na sentença, o que tem duas vertentes associadas: a excepção do caso julgado, como excepção processual (pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, “constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito” (Lebre de Freitas em C.P.C. Anotado, pág. 235 do II vol.. Vide ainda Miguel Teixeira de Sousa em “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ 325 49 e ss; Acs. STJ em BMJ 433-515 e da R.C. em CJ Ano XXII, I, 24); e a força ou autoridade do caso julgado, em relação às questões prejudiciais já decididas ( vide as obra e jurisprudência supra mencionados, e CPC Anotado, Pires de Lima e Antunes Varela, pág 703).
Nos termos do artº 71º do CPP “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante Tribunal civil, nos casos previstos na lei” (princípio da adesão). Nos termos do artº 128º do CP “a indemnização de perdas e danos emergentes de um acidente é regulada pela lei civil”.
Nos termos do artº 84º do CPP “A decisão penal, ainda que absolutória, que conhecer do pedido civil constitui caso julgado nos termos em que lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis”. Aliás já no antigo C.P.P. se dispunha que “a condenação definitiva proferida na acção penal constituirá caso julgado, quanto à existência e qualificação do facto punível e quanto à determinação dos seus agentes, mesmo nas acções não penais em que se discutam direitos que dependam da existência da infracção”- artº153º
Nos termos do artº 671º do CPC “transitada em julgado a sentença (…) a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos artº 497º e 498º, sem prejuízo dos artºs 771º a 777º”, e nos termos do artº 673º do mesmo diploma “ a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)”.
Pelos artsº 487º e 498º do CPC define-se o conceito e os requisitos do caso julgado, estipulando que “tanto a excepção de litispendência como a de caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior”, sendo requisitos do caso julgado a repetição da causa quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir. “Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesma sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretenda obter o mesmo efeito jurídico; e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico”.
Quanto à identidade dos sujeitos processuais, ela não se reporta a uma perspectiva naturalística mas jurídica, ou seja, o caso julgado forma-se mesmo em situações de substituição processual decorrentes quer da substituição das partes por acto inter vivos ou sucessão, quer em virtude dos incidentes de intervenção de terceiros ( arº 27ºº e 271º do CPC), quer por força de titularidade do mesmo interesse processual ( ver Pires de Lima e Ant. Varela, obra citada pág 732, e Lebre de Freitas, obra citada, II vol. 319; Acs em CJ, ano IX, I, 198, e ano X, V, pág 79, e Ac R.C., processo 418/04 em www,dgsi,pt.), Por outro lado é assente que é indiferente a posição das partes em ambos os processos, podendo ser autores numa acção e Réus noutra ( Lebre de Freitas, obra, volume e pág. citadas e Antunes Varela e Pires de Lima, obra citada, pág 724).
Quanto à identidade do pedido, entende-se maioritariamente na jurisprudência e doutrina, que apesar da estreiteza do artº 673º do CPC, que para a interpretação da parte decisória, sempre que necessário, há que utilizar os fundamentos da sentença para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final, coberta pelo caso julgado. Referem P. de Lima e Antunes Varela, na obra citada a pag. 715 “ 1º sendo certo que o caso julgado apenas abrange a resposta dada pelo Estado à pretensão do autor (…), revestirá sempre o maior interesse, para a delimitação do caso julgado, a fixação do sentido e, sobretudo do alcance dessa resposta contida na decisão final”. Isto aplica-se sobremaneira às acções em que o pedido formulado é apenas o resultado aritmético de determinadas operações da cálculo, possíveis apenas pela procedência da apreciação dos pressupostos respectivos, e em que esses pressupostos, não tendo sido objecto de um pedido declaratório autónomo, definem e balizam, de forma inexorável, o quantum peticionado. Veja-se o ac. RC tirado no processo 418/04 em www,dgsi,pt, Vaz Serra na RLJ 112º-278, CJ, 2000, V-182º, e Rodrigues Bastos, em Notas ao CPC 2ª ed. II, 253- vide BMJ 123º-120) onde refere que “o legislador, ao eliminar no anterior direito as disposições à luz das quais era e sustentar estar admitida a extensão do caso julgado à decisão das questões cuja resolução fosse necessária ao conhecimento do objecto da acção, fê-lo confessadamente no propósito de não tocar no problema e deixar á doutrina o seu estudo mais aprofundado e à jurisprudência a sua solução, caso a caso mediante os conhecidos processos de integração da lei” . Alberto dos Reis em RLJ 84º, 64, escreveu que a identidade do pedido tem que ser apreciada em relação ao que cada uma das partes alega a respeito da questão fundamental que comanda o resultado das acções.
Quanto à causa de pedir, entende-se que ela é a mesma, para efeitos de caso julgado, face à teoria da substanciação, vigente, sempre que “o acto ou facto jurídico de onde o autor pretende ter derivado o direito é idêntico A identidade da causa de pedir há assim de procurá-la na questão fundamental levantada nas duas acções”. A causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde o A. faz derivar o correspondente direito, e dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito ( facto jurídico de que procede a pretensão deduzida”. (ac. RC tirado no processo 418/04 em www,dgsi,pt. e BMJ nº 390º- 379). “Para a identidade da causa de pedir , a pretensão há que procurá-la, não relativamente às demandas formuladas mas na questão fundamental levantada nas duas acções” Ac. do STJ em BMJ 390º-379, e ainda ac. do STJ em BMJ nº 271º-172, e Alberto dos Reis em “C.P.C. Anotado, V, pág 165 e ss.). “A causa de pedir, como decorre (…) do artº 498º nº 4 do CPC, é o facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo: isto é, o facto ou conjunto de factos concretos, articulados pelo autor, e dos quais dimanarão o efeito ou efeitos jurídicos” pretendidos - Ac. STJ em BMJ 433º-495).
Entende-se que a causa de pedir nas acções emergentes de acidente de viação é complexa, ou seja, é constituída não apenas pelo acidente, nem apenas pelos prejuízos, mas pelo conjunto dos factos exigidos pela lei para que surja o direito à indemnização e correlativa obrigação ( Ac. do STJ em BMJ 207º- 155, Vaz Serra, RLJ 103º- 511 e 104º 232”). O conjunto de factos que cabem no tríplice requisito desta causa de pedir não são de apreciação simultânea mas sucessiva, sendo que a não verificação de alguns torna, de per se, inútil a apreciação dos que se lhe seguem. Dizendo de outro modo, a apreciação da causa de pedir num acidente de viação tem esta tríplice vertente, na sequência apresentada: factos constitutivos do acidente, factos constitutivos do direito à indemnização, e factos relativos à quantificação desta.
Ou seja, não é pelo facto de se ter esta causa de pedir como complexa que ela não deixa de se resumir, para efeitos de caso julgado, à alegada questão fundamental levantada na acção, ou, dizendo de outra forma, o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida.
Aliás, neste mesmo sentido, veja-se o Ac do STJ em BMJ 420º - 507, que refere que “a proporção de culpas fixadas em uma sentença transitada, que atribui indemnização por acidente e viação constitui caso julgado noutro processo que vem a correr entre os mesmos intervenientes no acidente e em que estão provados os mesmos factos causais do acidente”.
No caso dos autos, temos uma sentença relativa a um pedido de indemnização civil, já decidida com trânsito em julgado, proferida no âmbito do processo referido em h) da matéria de facto, que tem como demandado civil, entre os demais solidários, ora A., e como demandante civil o ora titular do seguro de responsabilidade civil (por força do qual é demandada, nestes autos, a ora Ré seguradora), em que foi deduzido pedido de indemnização civil, com fundamento no acidente em causa nestes autos. Nesse processo foi apreciada precisamente a dinâmica do acidente em causa nos autos, e a questão da responsabilidade civil, sendo que se decidiu condenar o ora A., solidariamente com os demais demandados, a pagar uma indemnização ao demandante civil ora R., por ser, ele aí demandado civil, responsável civil com culpa, nos termos do artº 503º do CC.- vide h), i) 1),2) e 3) da matéria de facto provada.
Ou seja, no processo criminal foi apreciada entre A. e subrogado da ora Ré (por força do disposto no artº 29º a) do DL 522/85 de 31/12) a dinâmica do mesmo acidente de que trata este processo, um pedido de indemnização civil que procedeu a título de culpa do ora A. na produção do acidente, e os efeitos dessa responsabilidade civil na esfera de ambas as partes. No seguimento do entendimento dada à estampa no Ac STJ em BMJ 420º - 507, que tem, mutatis mutandis contornos algo semelhantes ao deste processo “ existindo, como existe no caso vertente, identidade de sujeitos e ainda de causa de pedir - de pedidos, pois as pretensões de indemnização provêm do mesmo facto lesivo e resultando que estão assentes nos dois processos os mesmos factos concretos explicativos ou causais do acidente, tem que admitir-se que se formou caso julgado quanto à culpa e respectiva proporção no desencadear dos eventos.” Lê-se, ainda indo mais longe, no Ac da R.C. na CJ de 97, I, 22 e ss, sumariado da seguinte forma: “ Se num primeiro processo, por acidente de viação, proposto contra a companhia seguradora a questão da culpa foi decidida favoravelmente ao demandante e transitou em julgado, seria ferir a autoridade de caso julgado, considerar numa segunda acção, com outra causa de pedir, proposta pelo mesmo Autor, contra a mesma Ré e outros, que não se provou a culpa, apesar de se ter provado que o acidente ocorreu dentro do mesmo condicionalismo fixado em ambos os processos”. Da fundamentação deste ac. consta que: “já vimos que, no primeiro processo, a questão da culpa, que é antecedente lógico necessário da condenação da Ré foi decidida (…) e transitou em julgado. Seria ferir a autoridade de caso julgado considerar que não se provou a culpa, o nexo de imputação a título de culpa, do condutor do automóvel, absolvendo a Ré, apesar de se provar que o acidente ocorreu dentro do mesmo condicionalismo em ambos os processos”.
Adaptado ao caso concreto dir-se-ia que, existindo, como existe no caso vertente, identidade de sujeitos e ainda de causa de pedir e de pedidos, pois as pretensões de indemnização provêm do mesmo facto lesivo e resultando estar em causa nos dois processos os mesmos factos concretos explicativos ou causais do acidente, tem que admitir-se que se formou caso julgado quanto à culpa no desencadear dos eventos, sendo que isso é determinante da verificação da excepção conducente à absolvição da Ré da instância, e que se iria ferir a autoridade de caso julgado considerar que se provou a culpa, o nexo de imputação a título de culpa, do condutor ora A., condenado a Ré, apesar de se invocar e provar que o acidente ocorreu dentro do mesmo condicionalismo já apreciado no processo crime, que concluiu pela culpa do ora A.
As partes são as mesmas, a causa de pedir é nuclearmente a mesma (dinâmica do acidente e pressupostos da responsabilidade civil, já fixada com atribuição de culpa exclusiva ao A.) e o pedido é o mesmo (condenação da outra parte no pagamento de determinada quantia, imputada a título de consequência directa do acidente).
Se o ora A., requerido no enxerto cível, não invocou na sua contestação todos os meios de defesa de que dispunha, estes ficaram precludidos, nos termos do artº 489º do CPC. Ao defender-se no enxerto cível, o ora A. pretendeu, com invocação de factualidade idêntica à que agora argui, imputar a responsabilidade do acidente ao aí requerente, ora R., e evitar que lhe fosse assacada qualquer tipo de responsabilidade na produção do mesmo, a título de culpa ou de risco.
Não tendo logrado os seus objectivos, e tendo a questão da culpa sido fixada contra si, com força de caso julgado, não pode agora ressuscitar as mesmas questões, já decididas. Poderia quanto muito, se no enxerto cível a culpa ou o risco tivesse sito total ou parcialmente imputado ao ora R., vir agora discutir, no confronto com a seguradora, os danos indemnizáveis na proporção da responsabilidade do outro.
No enxerto civil do processo crime definiu-se o, ora A., como o único responsável, a título de culpa, o que implica que se tenha formado caso julgado sobre a titularidade da responsabilidade civil a título de culpa, não susceptível de voltar a ser discutida entre as pessoas com idêntica posição jurídica, ou seja entre o A. e a Ré (como entidade que assumiu a responsabilidade emergente do acidente por força de contrato de seguro). As partes na acção são estas, e sobre a relação aqui controvertida já se formou caso julgado no que concerne à culpa. As intervenientes no processo, face à absolvição da Ré da instância, como partes acessória que são, dependem do prosseguimento da causa até ao fim para poder ver apreciados de mérito os seus direitos. Terminando esta por verificação de excepção, carecem de legitimidade para só por si continuarem a acção, devendo socorrer-se de meios próprios, caso entendam fazer valer os seus direitos no confronto com o culpado do acidente.
Só assim se evita a contradição prática de julgados, ou seja, a existência de decisões concretamente incompatíveis que é o objectivo da excepção em causa.
Resta pois absolver a Ré da instância, por verificação da excepção dilatória do caso julgado, quanto à questão da culpa do aqui A. na produção do sinistro, a qual torna inútil qualquer outra indagação.
Face a esta solução resta prejudicada a apreciação do recurso interposto.
IV- Decisão:
Acorda-se, na conformidade com o supra descrito, declarar verificada, nesta acção, a excepção dilatória de caso julgado quanto à questão da culpa do ora A. na produção do sinistro, a qual torna inútil qualquer indagação dos demais pressupostos de indemnização, e em consequência absolver a Ré da presente instância.
Em face do decidido fica prejudicada a apreciação da matéria de recurso, e dos demais intervenientes..
Custas da acção e do recurso pelo A.
Coimbra, 12/2/2008