Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
92/07.1TTAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
JUSTA CAUSA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INICIATIVA DO TRABALHADOR
MORA NO PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO
PRAZO PARA A DECLARAÇÃO DE RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 12/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 364º, 441º, 442º, Nº 1, E 443º DO CÓDIGO DO TRABALHO, E 308º DA LEI Nº 35/2004, DE 29/07 (REGULAMENTO DO CÓDIGO DO TRABALHO).
Sumário: I – O nº 1 do artº 441º do Código do Trabalho prevê que ocorrendo justa causa pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato.

II – O artº 364º do Código do Trabalho prevê a situação de mora do empregador no cumprimento da retribuição, estipulando que quando a mora se prolongue por 60 dias confere o direito ao trabalhador de resolver o contrato de trabalho.

III – Tratando-se de um facto continuado, se se mantiver a omissão de pagamento da retribuição, o prazo de 30 dias a que alude o nº 1 do artº 442º do Código do Trabalho (prazo para a declaração de resolução por parte do trabalhador) só deve iniciar-se quando cessar a situação ilícita que assuma gravidade para a sustentação do recurso à resolução.

IV – Os subsídios de férias e de natal assumem entre nós carácter obrigatório, tendo a natureza de atribuições patrimoniais correctivas (complementos salariais), com integração no cômputo geral da retribuição – artºs 249º e 261º, nº 2, Código do Trabalho.

V – Em caso de mora no pagamento da retribuição por mais de 60 dias, o trabalhador pode resolver o contrato, independentemente de culpa do empregador, cabendo-lhe a indemnização prevista no artº 443º do Código do Trabalho, por força do artº 308º da Lei nº 35/2004.

Decisão Texto Integral: Autora: A…
Ré: B…


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A autora intentou contra a ré acção declarativa de condenação, na forma comum, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe: € 200,00, referentes ao vencimento do mês de Março de 2006; € 1.322,68, indevidamente descontados pela ré, a título de falta de aviso prévio e de 4 dias de faltas injustificadas; € 2.148,00, por 400 horas extraordinárias que efectuou e que a ré lhe não pagou; € 5.580,00 de indemnização pela resolução contratual com justa causa; € 5.000,00 de indemnização por danos morais; € 256,48 de juros de mora vencidos até à propositura da acção, mais os vincendos até integral pagamento.
Alegou para tanto, em síntese, que exerceu de 4 de Março de 1998 até 24 de Abril de 2006, de forma continuada, as funções de Controladora de Produção, sob as ordens, direcção e fiscalização da R., em virtude de contrato de trabalho sem termo, auferindo o vencimento mensal de € 620,00 e cumprindo o horário de trabalho de 40 horas semanais, distribuídas de segunda a sexta - feira, de 8 horas diárias. Ao longo dos últimos 12 meses de trabalho, pelo menos, veio a ser confrontada com o pagamento atrasado dos seus vencimentos, não lhe tendo a ré pago, até 24 de Abril de 2006, os subsídios de Férias e de Natal de 2005, nem o vencimento do mês de Março de 2006. Assim, procedeu à resolução de contrato de trabalho. A ré enviou à autora, em 28 de Abril de 2006, um cheque no valor de € 345,05, referente ao vencimento de Março 2006, quando tal vencimento era no valor de € 545,05, pelo que lhe deve a esse título a quantia de € 200,00. A ré só veio a pagar os subsídios de Férias e de Natal do ano de 2005, bem como outras retribuições devidas, em 30 de Maio de 2006, tendo porém descontado indevidamente € 1322,68, por quatro dias de faltas injustificadas, que não ocorreram, e dois meses de retribuição por “falta aviso prévio”, que não é devido. Estava totalmente dependente da retribuição que auferia ao serviço da ré, uma vez que esta constituía o seu único rendimento, tendo-lhe tal situação causado elevados prejuízos e enormes problemas, designadamente económicos. Deve-lhe ainda a ré mais 400 horas extraordinárias, que a autora efectuou e que ainda não recebeu.
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A ré contestou, defendendo que a autora não tinha fundamento legal para resolver o contrato com justa causa, porquanto para além dos subsídios de férias e de Natal de 2005 lhe terem sido pagos, para que tal falta de pagamento constituísse fundamento válido, seria necessário que a ré os não tivesse pago culposamente. E não foi o caso, já que esse não pagamento resultou de um grande aperto de tesouraria, ou seja, de falta de dinheiro. Acresce que a autora devia ter declarado à ré tal resolução, por escrito, nos 30 dias subsequentes ao não pagamento de tais subsídios, o que não fez, pelo que também por aqui não colhem os fundamentos para a resolução do contrato. Assim como também não tem razão para proceder à resolução do contrato com fundamento no não pagamento do salário do mês de Março de 2006, já que teriam que ter decorrido mais de 60 dias sobre a data do vencimento do mesmo, o que não aconteceu. Acresce que a autora, ao denunciar o contrato sem proceder ao respectivo aviso prévio de 2 meses, está obrigada a indemnizar a ré no valor correspondente a dois salários (620,00 x 2 = 1.240,00), o que reclama. Quanto ao pedido respeitante a horas extraordinárias, não tem que lhe pagar nada a esse título, nem tão pouco a autora enumerou quais os dias, meses ou anos em que as prestou.
Concluiu pela improcedência da acção e pela procedência do pedido por si feito relativamente à compensação pela falta do aviso prévio.
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Respondeu a autora, mantendo o já alegado na p.i. e impugnando o que em contrário é dito pela ré na contestação, bem assim como a matéria que fundamenta a reconvenção. Pediu ainda a condenação da ré como litigante de má fé, em multa e indemnização a seu favor.
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Prosseguindo o processo os seus termos, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, nela se decidiu o seguinte: 1) condenar a ré a pagar à autora o montante global de € 6.486,11, discriminado da seguinte forma: a) € 5.046,11, a título de indemnização pela resolução contratual com justa causa; b) € 200,00 que faltam pagar do salário do mês de Março de 2006; c) € 1.240,00, indevidamente descontados pela ré, por alegada falta de aviso prévio; d) Juros de mora à taxa legal sobre as referidas quantias, desde o respectivo vencimento até integral pagamento; 2) no mais, absolver a ré do pedido.

Inconformada, a ré interpôs a presente apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões:
[…]
A autora fez apresentação de contra-alegações, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto no sentido de que não assiste razão à ré recorrente.
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II- OS FACTOS:
Do despacho que decidiu a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:
[…]
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III. Direito
As conclusões das alegações dos recursos delimitam o seu objecto (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.
A questão que importa dilucidar e resolver, no âmbito das conclusões, pode-se equacionar basicamente da seguinte forma: se ocorreu ou não justa causa para a resolução do contrato de trabalho declarada pela autora.

Diga-se, desde já, que não se nos afigura que a apelante tenha razão nos seus pontos de vista recursórios.
O contrato de trabalho pode cessar, entre outras causas, por resolução com justa causa, por iniciativa do trabalhador (441º do Código do Trabalho).
O nº 1 do artigo 441º do Código do Trabalho prevê que ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato, prescrevendo-se, a título exemplificativo, na al. a) do nº 2 que constitui justa causa a falta culposa de pagamento pontual da retribuição e na al. c) do nº 3 que constitui justa causa a falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
Por outro lado, o artigo 364º do Código do Trabalho, que prevê a situação de mora do empregador no cumprimento da retribuição, estipula que a mora que se prolongue por 60 dias confere o direito de resolver o contrato de trabalho, como depois o artº 308º da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, (regulamentou o Código do Trabalho) veio esclarecer – último preceito legal este que é importante para a análise do mérito da acção, como a seguir diremos.
No caso dos autos, quando a autora declarou a resolução do contrato de trabalho (em 24 de Abril de 2006) tinham já decorrido sessenta dias sobre o vencimento dos subsídios de férias e de Natal de 2005 (facto 7.).
Mas o nº 1 do artº 442º do Código do Trabalho estipula que a declaração de resolução deve ser feita nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos.
E é por terem decorrido esses trinta dias, sobre o vencimento daqueles subsídios, que a apelante defende que caducou, em relação a tais factos, o direito de resolver o contrato.
Sem razão, a nosso ver.
Como se considerou no Acórdão desta Relação (subscrito pela mesmo relator) de 14-12-2006 (www.dgsi.pt, proc. 125/06.9TTAVR.C1), o que releva para a lei, não é o facto instantâneo do incumprimento, mas a situação continuada de incumprimento. Tratando-se de um facto continuado, se se mantiver a omissão de pagamento da retribuição, então o tal prazo de trinta dias sobre o conhecimento dos factos que a fundamentaram (a que se refere o nº 1 do artº 442º do Código do Trabalho) só deve iniciar-se quando cessar a situação ilícita que assuma gravidade para a sustentação do recurso à resolução (v. a este propósito Ac. Rel. Évora de 21-3-1995, in BMJ 445-641 e Pedro R. Martinez, Direito do Trabalho, 2.ª edição, pag. 986, a propósito do artigo 34° nº 2 do DL 64-A/89; e, ainda, Albino Mendes Batista, Estudos sobre o Código do Trabalho, 2ª ed., pags. 35 e 36).
Por isso, porque à data da declaração da resolução não tinha cessado o incumprimento, não se pode considerar caducado o direito de resolução em relação ao facto do não pagamento pontual dos subsídios de férias e de Natal.
Também não tem razão a apelante quando sustenta que “o direito ao pagamento do subsídio de férias e do subsídio de Natal, não tem carácter de retribuição; pelo que, não se pode estender a tal falta de pagamento, como se de remuneração se tratasse”.
Na verdade, aqueles subsídios assumem entre nós carácter obrigatório. Terão a natureza de atribuições patrimoniais correctivas (porque complementos salariais caracterizados por uma periodicidade distinta do salário-base, atendendo às épocas em que o trabalhador suporta um acréscimo de despesas em relação às correntes), porventura de gratificações obrigatórias, mas – como sustenta Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ª ed., pag. 467 – cuja integração no cômputo geral da retribuição se verifica e fundamenta, quer na sua obrigatoriedade, quer no seu carácter regular e permanente (v. arts. 249º e 261º nº 2 do Código do Trabalho).
Logo, são prestações qualificáveis como retribuição para efeitos da sua consideração no quadro de incumprimento geral que tem como efeito o direito de resolução por falta de pagamento pontual da retribuição (noção que se extrai com mais clareza do disposto no artigo 249º nº 2 do CT).
Chegados aqui podemos concluir que não só não caducara o direito de resolver o contrato com base na falta de pagamento desses subsídios, como ainda, porque quando a declaração de resolução teve lugar já tinham decorrido mais de 60 dias sobre o vencimento de tais prestações, a resolução podia ter lugar por justa causa objectiva, com os mesmos efeitos indemnizatórios.
Efectivamente como defende o STJ (v. Acs. de 2-5-2007 e de 19-11-2008, in www.dgsi.pt, respectivamente procs. 07S532 e 08S1871, e referências doutrinais ali mencionadas), nestes casos (mora por mais de sessenta dias), o trabalhador pode resolver o contrato, independentemente de culpa do empregador, cabendo-lhe a indemnização prevista no artigo 443º do CT, por força do que vem prescrito no artº 308º da dita Lei nº 35/2004 (1- Quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por período de 60 dias sobre a data do vencimento, o trabalhador, independentemente de ter comunicado a suspensão do contrato de trabalho, pode resolver o contrato nos termos previstos no n.º 1 do artigo 442.º do Código do Trabalho;(…) 3- O trabalhador que opte pela resolução do contrato de trabalho tem direito a: a) Indemnização nos termos previstos no artigo 443.º do Código do Trabalho).
Ou seja, no nosso caso a autora podia resolver o contrato, com justa causa, mesmo que se concluísse que a ré não tinha culpa no incumprimento, com os mesmos efeitos atribuídos pela 1ª instância.
Pelo que, logo por aqui, o recurso improcederia por diferentes fundamentos dos encontrados na 1ª instância.
De todo o modo, cumpre assinalar ainda o seguinte:
As condutas do empregador que relevem para a decisão da resolução por iniciativa do trabalhador não têm de ser tomadas isoladamente, mas antes de ser consideradas globalmente se reportadas a determinado período de tempo. Só assim, em qualquer caso, se poderá sempre ponderar a efectiva gravidade da situação e o grau de lesão dos interesses atingidos.
No caso dos autos quando a autora declarou a resolução do contrato já tinham decorrido mais de 60 dias sobre o não pagamento dos subsídios de férias e de Natal de 2005, mas não sobre o não pagamento da retribuição respeitante ao mês de Março de 2006.
Todavia, como cada facto não pode ser isolado dos outros, temos que o não pagamento da retribuições do mês de Março pode não ter desencadeado a imediata resolução do contrato, mas a sua associação ao não pagamento dos subsídios pode ter desencadeado a opção pela resolução do contrato.
Assim, nenhum obstáculo havia para que a autora invocasse, na resolução, a falta de pagamento do mês de Março, ao contrário do juízo da 1ª instância neste particular.
E, também, assim, analisando a justa causa, na perspectiva subjectiva do ângulo do nº 2 do artigo 441º do CT, com os factos provados e acima descritos temos que entender como adequado o juízo da 1ª instância, quando julgou verificada a justa causa subjectiva.
Na verdade, dúvidas não pode haver sobre a existência de ilícito contratual.
Por outro lado, a culpa da ré presume-se (artigo 799 nº 1 do Código Civil). Não pode considerar-se que a ré demonstrou factos susceptíveis de elidir a presunção de culpa no incumprimento, já que – como refere a 1ª instância – “a circunstância de ter uma dívida para com o B.E.S. e de sofrer dificuldades financeiras – realidade comum à generalidade das pequenas e médias empresas portuguesas, como é sabido – que por vezes se agravam e estão na origem de atrasos no pagamento das retribuições dos seus trabalhadores, não significa necessariamente que no caso concreto das retribuições em dívida à A. existiu efectivamente impossibilidade por parte da R. em liquidá-las em tempo oportuno”. E, sobretudo, porque nada se esclareceu sobre a origem das dificuldades financeiras e de tesouraria da ré, não podendo nós concluir que ela está isenta de culpa no desencadear desse quadro de desequilíbrio.
Por outro lado, na apreciação da gravidade dos factos, em si mesma e nas suas consequências, susceptível de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (artº 396º nº 2 do CT), provando-se que a autora estava totalmente dependente da retribuição que auferia ao serviço da ré e que a situação lhe causou prejuízos e problemas de ordem económica, deixando-a na contingência de incumprir com obrigações que tinha assumido e de ter que pedir dinheiro emprestado a amigos, é legítimo concluir (como concluiu a 1ª instância) que o grau de lesão dos interesses da trabalhadora é suficientemente grave para tornar inexigível a manutenção da relação de trabalho.

Em suma, mostram-se preenchidos os requisitos necessários à existência da justa causa na resolução operada pela autora e, sendo ela lícita, a mesma não se constituiu na obrigação de indemnizar a recorrente, como se defende no recurso.
E por essa razão, improcederá a apelação da ré.
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III- DECISÃO
Termos em que se delibera confirmar a decisão da sentença impugnada, negando provimento ao recurso de apelação.
Custas a cargo da recorrente.
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Coimbra,

(Luís Azevedo Mendes)
(Felizardo Paiva)
(Fernandes da Silva)