Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
514/07.1TBALB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
DECISÃO INSTRUTÓRIA
Data do Acordão: 04/01/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALBERGARIA-A-VELHA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTIGOS 354.º, 355.º E 358.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Os embargos de terceiro, na sua fase introdutória, são recebidos ou rejeitados, conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante.
2. Tal como no procedimento cautelar, não se exige um juízo definitivo ou de certeza sobre a existência do direito, mas antes um simples juízo de verosimilhança.
3. O juízo definitivo restará para a sentença final que, conhecendo do mérito, constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado pelo embargante ou por algum dos embargados.
4. O despacho que, na fase introdutória, rejeita os embargos não obsta a que o embargante proponha acção em que peça a declaração da titularidade do direito ou reivindique a coisa aprendida, como o despacho de recebimento dos embargos não vincula o Julgador na sentença final do processo.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:




I)- RELATÓRIO

Por apenso à execução instaurada, em 04.06.2007, por A…., L.DA contra B…, L.DA, deduziu embargos de terceiro C….., L.DA, pedindo a suspensão dos termos da processo executivo e o levantamento da penhora que recaiu sobre bens móveis que identificou na petição.

Para tanto, alegou pertencerem à Embargante os bens móveis penhorados no dia 17.07.2007, por os haver adquirido à Executada no decurso do mês de Junho de 2007, conforme facturas que junta, estando na sua posse exclusiva desde então. Foi a Embargante constituída em Abril de 2007 e matriculada em 17 de Maio de 2007, não sendo parte no processo executivo. O local onde foi efectuada a penhora é a sede da Embargante, tendo a Executada a sua sede noutro local.

Não tendo sido indeferida de imediato a petição, procedeu-se à inquirição das duas testemunhas arroladas pela Embargante, e seguidamente foi proferida decisão a rejeitar os embargos.

Inconformado com tal decisão, agravou a Embargante pugnando pela sua revogação e consequente recebimento dos embargos, tendo extraído da sua alegação as seguintes conclusões:
1ª-A Embargante/Recorrente juntou com a petição inicial documentos bastantes para fundamentar sumariamente o direito invocado;
2ª-Atendendo a que a prova a produzir, na fase introdutória dos embargos, tem natureza sumária, tais documentos são bastantes para que exista probabilidade séria do direito invocado pela Embargante, e como tal os embargos deviam ter sido recebidos;
3ª-Se assim se não entender, sempre se impõe a alteração da matéria de facto dada como não provada;
4ª-Isto porque da conjugação dos documentos juntos e do depoimento das testemunhas arroladas, resultou provado indiciariamente que os bens penhorados pertencem à Embargante que os adquiriu em Junho de 2007; que desde essa data tais bens são utilizados exclusivamente pela Embargante e que o local onde foi realizada a diligência da penhora é a sede da Embargante;
5ª-Operando-se assim a alteração da matéria de facto dada como provada, estão pois reunidos os requisitos necessários para que os presentes embargos sejam admitidos;
6ª-A decisão recorrida violou o disposto nos arts. 351º, 354º e 357º do CPC.

A Executada/Embargada contra-alegou em defesa do julgado e juntou documentos.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II)- OS FACTOS

No despacho que rejeitou os embargos foi considerado assente o seguinte quadro factual:
1-Nos autos de execução apensos figuram como Exequente A…, L.DA e como Executada B….., L.DA;
2-Embargante e Executada são ambas empresas de limpeza;
3-No passado dia 17 de Julho de 2007 foram penhorados os seguintes bens:
Verba n.º1- computador portátil, marca Tsunami, cor preta, com rato cor cinza, no valor de € 180,00;
Verba n.º2- máquina de calcular, marca Citizen, mod. 350 DP II, cor branco sujo, no valor de e 10,00;
Verba n.º 3-impressora marca HP mod. Vivera HP INKS HP psc 1510 All-in-one, impressora-scanner-copiadora, cor cinza branco, no valor de € 50,00;
Verba n.º4-secretária com apoio, com tampo em madeira, pés em alumínio cinza, marca IMO, no valor de € 100,00;
Verba n.º 5- 1 armário com 4 portas, com tampo em madeira e alumínio em cinza, marca IMO, no valor de € 100,00;
Verba n.º6- uma cadeira de escritório rotativa, com braços, cor castanha em pele, pés e braços em preto, no valor de € 20,00;
Verba n.º 7- 2 cadeiras de escritório com encosto e assento em pele castanho e braços e pés em preto, no valor de € 20,00;
Verba n.º8- 1 computador composto por ecrã, marca Samsung, modelo Sync Master 152 B, teclado CPU, marca Tsunami, alimentador marca Mustek cor preto, ecrã digital life plano, no valor de € 300,00;
Verba n.º 9-uma impressora marca HP. Mod. HP Color Laserjet 2600, cor cinza no valor de € 100,00;
Verba n.º 10- um fax marca Brother, cor preta e cinza claro, no valor de € 75,00;
Verba n.º 11- um computador portátil marca Tsunami, cor preta com rato marca Samsung cor azul e branco, no valor de € 180,00;
Verba n.º12- 1 fotocopiadora marca TA Triumph Adler, mod. DC 2116, cor branca, no valor de € 200,00;
Verba n.º 13-1 computador composto por ecrã, marca LG plano, teclado marca Logitech, cor preto, CPU marca Mustek, cor branca, no valor de € 300,00;
Verba n.º 13- 1 central de telefones marca Beltrónica, com 3 aparelhos de saída, mod. Belcom-Cel 212 RIDS, cor azul metalizado, no valor de € 5.000,00.


III)- MÉRITO DO RECURSO
Definido o “thema decidendum” pelas conclusões da alegação, mas sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 690º, n.º1, 684º, n.º3 e 660º, n.º2, todos do CPC), vem pela Agravante/Embargante colocada a questão de saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto face à prova produzida (testemunhal e documental) e, em consequência, devem os embargos ser recebidos.

Vejamos.
Na tese da Agravante/Embargante, deve ser dada como indiciariamente provada a seguinte factualidade que alegou:
-Os bens penhorados pertencem à Embargante que os adquiriu em Junho de 2007;
-Desde essa altura tais bens são usufruídos pela Embargante;
-O local onde foi realizada a diligência de penhora é a sede da HIGICARE.
Tal matéria foi considerada não provada, como explicitamente resulta da decisão impugnada.

Como concretos meios probatórios a impor decisão diversa, indicou a Agravante os depoimentos das duas únicas testemunhas que foram inquiridas (Rui Manuel Teixeira da Silva e Sandra Daniela Ferreira Gonçalves), e, a ainda, os documentos que juntou com a petição inicial. Nesta conformidade, e ex vi das disposições conjugadas da alínea a) do n.º1 do art. 712º e 690º-A do CPC, nada obsta a que este Tribunal aprecie a decisão sobre a matéria de facto.

Constam, efectivamente, de fls. 11 a 14, duas facturas com o ns.º 1545/07 e 1552/07, ambas com a mesma data de 05.06.2007, emitidas por B…. e figurando como compradora a Embargante A….., com a data de vencimento de 05.07.2007, onde vêm descritos bens móveis, fundamentalmente material de escritório e quase denotando a desactivação da B….., pela quantidade e qualidade desses bens.
A factura, como é sabido, é o documento particular em que o vendedor faz a discriminação completa das mercadorias que vende ao comprador e em que indica as despesas que efectuou, bem como as vantagens que concede nos preços e as condições de entrega e de pagamento.
Nas mencionadas facturas surgem, entre outros, descritos um computador da marca Tsunami, calculadoras, uma impressora marca HP-2600, mesa, armário, cadeiras, computadores, impressoras, uma fotocopiadora e uma central telefónica.

Analisados os depoimentos gravados das testemunhas inquiridas por videoconferência, verifica-se ser a testemunha R…. vendedor ao serviço da Embargante, desde meados de Junho de 2007, nada sabendo sobre o invocado direito de propriedade sobre os bens penhorados. Mais referiu que a Embargante e Executada são empresas concorrentes, com instalações separadas, mas situadas na mesma rua, havendo relações de parentesco entre os sócios das duas sociedades.
Por seu turno, a testemunha S….., funcionária administrativa da Embargante desde Junho de 2007, referiu ter a Embargante adquirido à Executada B….. o material de escritório e ser diferentes as instalações de ambas as sociedades, mas vizinhas, porque situadas na mesma rua. Aquando da penhora estava presente no local.

Como decorre do preceituado na parte final do art. 354º do CPC, os embargos de terceiro, na fase introdutória ou preliminar, são recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante. Pela reforma processual de 95/96, foi revogado o art. 1041º que previa a rejeição dos embargos no caso de a posse do embargante se fundar em transmissão feita por aquele contra quem foi promovida a diligência judicial, se for manifesto, pela data em que o acto foi realizado ou quaisquer outras circunstâncias, que a transmissão foi feita para o transmitente se subtrair à sua responsabilidade.
No caso dos autos, foi a execução instaurada em 04.06.2007, e a alegada aquisição do direito de propriedade por parte da Embargante é reportada ao mês de Junho de 2007. Acrescem as relações de parentesco entre os sócios da Embargante e Executada, conforme referido pela testemunha Rui e também parece resultar das certidões do registo comercial juntas aos autos. Portanto, tal como sucede no procedimento cautelar (art. 387º, n.º 1 do CPC), não se exige um juízo definitivo ou de certeza sobre a existência do direito, mas antes um juízo de verosimilhança, destinado a servir de suporte a uma decisão provisória. Nos embargos de terceiro, o juízo de certeza restará para a sentença final que, conhecendo do mérito, constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado pelo embargante ou por algum dos embargados (art. 358º do CPC). Consequentemente, o despacho que rejeita os embargos não obsta a que o embargante proponha acção em que peça a declaração de titularidade do direito que obsta à realização ou ao âmbito da diligência, ou reivindique a coisa aprendida (art. 355º do CPC), isto é, não constitui caso julgado material, como o despacho de recebimento não vincula o julgador na fase final do processo, apenas assegurando o seguimento do processo de embargos.

Ora, da conjugação do depoimento da testemunha Sandra e do teor das referidas facturas pode concluir-se pela probabilidade séria da existência do invocado direito de propriedade da Embargante, mas insuficiente para basear um juízo de certeza. Como pode considerar-se indiciariamente provado ter a penhora sido realizada na sede da Embargante e esta usufruir os bens penhorados desde Junho de 2007.
Os presentes embargos não se antolham, deste modo, manifestamente infundados ou inviáveis, sendo certo que o julgador, na fase introdutória em que se situam os presentes autos, não deve ser demasiado rigoroso na prova sobre a existência do direito invocado incompatível com a realização ou o âmbito da penhora Cfr. a este respeito, Processos Especiais, vol. 1º, p. 442, de Alberto dos Reis; Fase Introdutória dos Embargos de Terceiro, p. 58, de Jorge Duarte Pinheiro e Os Incidentes da Instância, 2ª edição, p. 198, de Salvador da Costa. . É suficiente uma prova meramente informatória ou sumária.

Diga-se também que a factualidade vertida na contra-alegação da Embargada/Exequente, atinente quer à simulação, quer aos pressupostos da impugnação pauliana, interessa à fase do contraditório (art. 357º do CPC), invocáveis pelo embargado como matéria de excepção Cfr. acórdãos desta Relação, sumariado no BMJ n.º 365º, p. 703; da Relação do Porto, publicado na CJ 1980º, 1º, p. 10 e na CJ 1991, 4º, p. 235; Processos Especiais, vol. 1º, p. 452, de Alberto dos Reis e Curso de Processo Executivo Comum, nota 895, p. 316, de Remédio Marques.. E excepções cognoscíveis obtido que seja um juízo de certeza sobre a existência do contrato donde deriva o invocado direito de propriedade.
E não se duvida sobre a qualidade de terceiro da Embargante, uma vez que não é parte no processo executivo.

Em suma, a prova informatória convence da probabilidade séria da existência do direito de propriedade invocado ela Embargante, desta sorte se alterando a decisão impugnada, considerando-se indiciariamente provado ter a Embargante adquirido os bens penhorados, no decurso do mês de Junho de 2007, usufruindo tais bens desde essa altura, tendo a penhora sido realizada na sede da Embargante. Estando também provado que a Embargante não é parte no processo executivo, justifica-se o recebimento dos embargos com o efeito previsto no art. 356º do CPC, e notificação das primitivas partes para contestar (art. 357º do CPC).
Procedem, deste jeito, as conclusões da alegação.


IV)- DECISÃO
Nos termos e pelos motivos expostos, acorda-se em:
1-Conceder provimento ao recurso.
2-Revogar a decisão impugnada que deve ser substituída por outra a receber os embargos, determinando a suspensão dos termos do processo executivo e assegurando a ulterior tramitação.
3-As custas do recurso ficarão a cargo da parte vencida a final.
COIMBRA,

(Relator- Ferreira de Barros)

(1º Adj.- Des. Helder Roque)

(2º Adj.- Des. Távora Victor)