Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3344/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: BALDIOS
JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
Data do Acordão: 03/08/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 7.º DO CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL; ARTIGO 344.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. A escritura de justificação notarial não constitui título de dominialidade, na medida em que não são cometidas aos notários competências jurisdicionais. Só os tribunais têm o poder de criar ou confirmar a existência do direito.
2. É por isso que o registo feito com base na sentença faz presumir a existência do direito registado, nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial, e na acção para elidir a presunção é invertido o ónus da prova (artigo 344.º, n.º 1 do Código Civil).

3. A escritura de justificação limita-se a certificar que o justificante declara ter uma posse usucapiente e que três testemunhas o confirmam. Nada mais do que isso. Ou seja, não resulta daí que o justificante adquiriu o direito de propriedade por usucapião. Só a sentença o poderia fazer.

4. Por isso se tem de aceitar que em qualquer altura (mesmo após o registo) pode ser discutida a titularidade do direito e que o registo feito com base nesta escritura não é um registo definitivo do direito, porque o título não à apto para o certificar.

5. E se à partida se sabe que não é o direito que está a ser registado, não faz sentido incluir na presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial a existência do direito. Não pode presumir-se que é, o que ab initio se sabe que não é. Daí que o ónus da prova na acção de impugnação caiba ao justificante e não ao impugnante.

6. O conceito de baldio esteve sempre ligado a terrenos dos quais poderiam tirar proveito as comunidades locais, sob a forma de propriedade comunal. Historicamente os terrenos baldios sempre foram considerados afectos ao proveito directo da colectividade. São baldios os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais.

7. Provado que os moradores da povoação duma freguesia apascentam os seus gados, retiram matos e colhem frutos silvestres em terrenos dessa circunscrição, há mais de 30, 40, 50 e 70 anos, de forma ininterrupta, pacífica e à vista de toda a gente, com exclusão de outrem e na convicção de se tratar de terrenos comunitariamente possuídos, esses terrenos devem considerar-se baldios e a sua administração deve ser cometida aos compartes, nos termos da lei.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. O Conselho Directivo dos Baldios da povoação de A..., em representação da Assembleia de Compartes dos Baldios de A..., freguesia de B..., depois de demandar, conjuntamente com o seu congénere de B..., a Junta de Freguesia de B..., com sede em B..., concelho de Viseu, mantém agora, em única autoria e por desistência do Conselho Directivo de Baldios de B..., contra a mesma ré, os seguintes pedidos:
a) se declare que os prédios descritos no artigo 8º da petição inicial são baldios dos compartes da povoação de A...;
b) se declare nula a escritura de justificação identificada no artigo 1º da petição inicial quanto aos números identificados no artigo 8º da petição;
c) se condene a R. Junta de Freguesia de B... a respeitar os direitos do autor aos terrenos em questão e a abster-se, no futuro, de praticar quaisquer actos de apropriação sobre os terrenos descritos no artigo 8º
d) se autorize o cancelamento de qualquer registo feito a favor da R. Junta de Freguesia de B... na Conservatória do registo Predial de Viseu sobre os prédios descritos no artigo 8º.
Alega, em síntese, que, por escritura de pública, a ré Junta de Freguesia justificou a posse usucapiente de vários terrenos identificados em anexo, sendo que, alegadamente, tais terrenos são baldios que, por lei, devem estar sob a administração dos compartes. Para o efeito alegam factos donde pretendem seja retirada a conclusão da propriedade comunal.

2. A ré contestou, opondo que correspondem à realidade os factos narrados e testemunhados naquela escritura de justificação notarial, pelo que tais terrenos lhe pertencem, por os haverem adquirido por usucapião.

3. No decorrer da causa, e após audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente. Em recurso para esta Relação veio a ser anulado o julgamento, para reformulação do tema decidendo.
Baixado o processo e cumprido o determinado, foi proferida nova sentença que anulou a escritura de justificação notarial e autorizou o cancelamento dos registos eventualmente efectuados a favor da ré, improcedendo quanto ao demais pedidos.

4. Em desacordo, recorrem o autor e a ré, para que lhes seja dada procedência às respectivas pretensões.
O autor alegou e concluiu assim:
1) Foi dado como provado que os moradores da povoação de A..., freguesia de B..., concelho de Viseu, apascentam os seus gados, retiram matos e colhem frutos silvestres nos terrenos aludidos em 4. há mais de 30, 40, 50 e 70 anos, de forma ininterrupta, pacífica e à vista de toda a gente.
2) Ao que acresce ainda o facto da Junta de Freguesia não ter provado - como pretendia o seu Quesito 14) -, que tal direito de usufruição dos ditos terrenos pelos moradores de A..., fosse exercido mediante autorização da Junta de Freguesia de B..., donde até se conclui, “a contrario”, que tal uso e fruição ocorria sem qualquer autorização da Junta de Freguesia, ou seja, era decorrente de direito próprio imemorial dos compartes de A....
3) E isto basta -salvo melhor opinião -, para se concluir de forma bastante óbvia, que se trata efectivamente de Baldios fruídos desde tempos imemoriais pelos compartes de A....
4) E tratando-se como se trata de terrenos Baldios, e assim se concltúndo necessariamente em resultado do atrás exposto, consequentemente, terá a Junta de Freguesia de B... de reconhecer que os mesmos terrenos não são sua propriedade e de abster-se no futuro de praticar actos de apropriação sobre os mesmos terrenos, ou seja, terão de proceder igualmente, para além, do pedido da alínea a), os pedidos das alíneas c) e d).
5) Acresce ainda, caso se considere mais necessário, que é convicção do Recorrente que foram incorrectamente julgados pelo que mais se impunha decisão diferente sobre as respostas aos quesitos 5) e 6), aqui se defendendo, atenta a prova testemunhal produzida em audiência e melhor descrita acima, que dever-se-ia ter considerado provado que os moradores de A... usufruíam dos mesmos terrenos com exclusão de outrém e obviamente na convicção de se tratar de terrenos comunitários.
6) E cumprindo o disposto no n.º 2 do art. 690-A, esclarece-se acima quais os depoimentos em que se funda o erro de apreciação da prova gravada, cujas transcrições se podem ler e ouvir, referindo-se acima qual a cassete e o lado em que constam.

5. A ré, por sua vez, apresentou as seguintes conclusões:

1) A ora apelante praticou actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade, não por mera tolerância, mas com intenção de agir como beneficiária desse mesmo direito.
2) Praticando-os há, pelo menos, 50 anos, sem a menor oposição de ninguém, de forma contínua, pacífica e pública.
3) Aos moradores daqueles lugares apenas era concedido o direito de usufruírem dos terrenos referidos na alínea D) com expressa autorização da ora Apelante, enquanto proprietária dos mesmos.
4) Pelas razões já apontadas, devem as respostas dadas à matéria dos quesitos 14, 16, 17, 18, 19 e 20 ser alteradas e os mesmos serem dados como "provados".
5) A acção de impugnação do facto justificado pela escritura de justificação notarial é uma acção de simples apreciação negativa.
6) Se a impugnação é deduzida extemporaneamente e mesmo depois de feita a inscrição no registo da escritura de justificação, presume-se que o direito existe e pertencente ao titular inscrito, cabendo ao autor o encargo da prova, por inversão do respectivo ónus.
7) É que a inscrição registral dispensa o titular inscrito de provar o facto em que se funda a presunção derivada do registo, isto é, que o direito existe, e existe na sua titularidade.
8) Há clara violação das disposições contidas no artigo 7.º do CRP e no artigo 350.º do CC.

6. O processo tem os vistos legais e cumpre agora conhecer e decidir, tendo em conta que da 1.ª instância vêm dados como provados os seguintes factos:
1) Em 7 de Fevereiro de 1979, no Cartório Notarial de Penalva do Castelo, foi lavrada a fls. 17 vº e seguintes do Livro B 30, uma escritura de justificação notarial.
2) Nela se declara que a ora R. Junta de Freguesia de B... “é dona e legítima possuidora, com exclusão de outrem, dos prédios rústicos constantes da relação anexa”, escritura e relação essas que se juntam e se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais.
3) Para fundamentar aquela conclusão, mais de declara nessa escritura que “a referida Junta possui aqueles terrenos há mais de 50 anos, em nome próprio e como propriedade privada da mesma, sem a menor oposição de quem quer que seja, posse que sempre exerceu sem interrupção e ostensivamente, através dos seus legítimos representados, sendo por isso uma posse pacífica, contínua e pública”.
4) Da mencionada relação constam, entre outros, os seguintes terrenos (docs. Nº 1 e 3):
a) Terreno de mato com pinheiros e medronhos com a área de 158233 m2, sito ao Areeiro, freguesia de B..., que confronta do norte com Casimiro Francisco Vilar e Rio, do nascente com Casimiro Francisco Aparício e outros, do Sul com Rio Vouga e do poente com Rio Coima, inscrita na matriz rústica sob o artº. 1 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba primeira.
b) Terreno de pinhal e mato com a área de 11088 m2, sito ao Mourão, freguesia de B..., que confronta do norte com José Maria de Almeida Miguel, do nascente com Manuel Francisco Vilar, do sul com Deolinda de Almeida e outros e do poente com Valentim Ferreira e outros, inscrita na matriz rústica sob o artº. 36 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba segunda.
c) Terreno de pinhal e mato com a área de 7800 m2, sito ao Soutinho, freguesia de B..., que confronta do norte com Álvaro Lourenço da Rocha, do nascente com José Maria Françês, do sul com Manuel Casimiro Francisco Vilar e outros e do poente com Casimiro Aparício, inscrita na matriz rústica sob o artº. 64 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba terceira.
d) Terreno de pinhal e mato com a área de 2748 m2, sito ao Soitinho, freguesia de B..., que confronta do norte com caminho, do nascente com Casimiro Aparício e outros, do sul com Maria da Natividade e outros e do poente com Maria dos Anjos Oliveira, inscrita na matriz rústica sob o artº. 83 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba quarta.
e) Tterreno de mato com a área de 145100 m2, sito à Panasqueira, freguesia de B..., que confronta do norte e do nascente com o caminho, do sul com Guilherme de Almeida Santos e do poente com Aníbal Loureiro, inscrita na matriz rústica sob o artº. 141 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba quinta.
f) Monte de mato com a área de 5000 m2, sito à Ribeira, freguesia de B..., que confronta do norte com Maria da Graça, do nascente com Ribeiro, do sul com António Francisco e do poente com Manuel Lourenço, inscrita na matriz rústica sob o artº. 218 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba sexta.
g) Terreno de pinhal e mato com a área de 22920 m2, sito à Ribeira, freguesia de B..., que confronta do norte com Manuel Francisco Vilar e outros, do nascente com caminho, do sul com Américo Simões e outros e do poente com Baldio, inscrita na matriz rústica sob o artº. 297 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba sétima.
h) Terreno de pinhal e mato com a área de 11870 m2, sito ao Moinho Velho, freguesia de B..., que confronta do norte com Belmiro Martins, do nascente com António de Adelaide, do sul com Manuel Aparício e do poente com Américo de Almeida Miguel, inscrita na matriz rústica sob o artº. 336 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba oitava.
i) Rerreno de pinhal e mato com a área de 8348 m2, sito ao Moinho Velho, freguesia de B..., que confronta do norte com Ribeiro, do nascente com José Augusto Vilar, do sul com Manuel Aparício e do poente com José Augusto Vilar, inscrita na matriz rústica sob o artº. 337 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba nona.
j) Terreno de pinhal e mato com a área de 24000 m2, sito ao Moinho Velho, freguesia de B..., que confronta do norte e do nascente com Maria do Carmo Almeida, do sul com Manuel Casimiro Francisco Vilar e do poente com António Francisco, inscrita na matriz rústica sob o artº. 351 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba décima.
k) Terreno de mato com a área de 5760 m2, sito ao Moinho Velho, freguesia de B..., que confronta do norte com Manuel Aparício, do nascente com caminho, do sul com Valentim Francisco Vilar e do poente com caminho, inscrita na matriz rústica sob o artº.352 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba décima primeira.
l) Terreno de pinhal com a área de 35000 m2, sito ao Alto da Caravela, freguesia de B..., que confronta do norte com Álvaro Lourenço da Rocha, do nascente com Manuel Martins, do sul com rio Vouga e do poente com Ana de Almeida Baiões, inscrita na matriz rústica sob o artº. 728 – o qual consta da relação anexa á escritura em causa como verba décima segunda.
m) Terreno de pinhal e mato com a área de 2030 m2, sito à Pousada, freguesia de B..., que confronta do norte com Manuel Casimiro Francisco Vilar, do nascente com Manuel Casimiro Forreta, do sul com Manuel Casimiro Francisco Mateus e do poente com Américo da Cunha, inscrita na matriz rústica sob o artº. 1087 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba décima terceira.
n) Terreno de mato com a área de 15600 m2, sito à Cavada da Velha, freguesia de B..., que confronta do norte com Eduardo da Costa Martins, do nascente com Guilherme de Almeida , do sul com Casimiro Aparício e do poente com Guilherme de Almeida, inscrita na matriz rústica sob o artº. 1124 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba décima quarta.
o) Terreno de pinhal e mato com a área de 627 m2, sito à Carrapata, freguesia de B..., que confronta do norte com Casimiro Barroca, do nascente com caminho, do sul com Manuel Casimiro Francisco Vilar e do poente com Guilherme de Almeida, inscrita na matriz rústica sob o artº. 1215 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba décima quinta.
p) Terreno de pinhal e mato com a área de 348346 m2, sito ao Crasto, freguesia de B..., que confronta do norte com Alto das Moitadinhas, do nascente com Pito Moirão, do sul com Rio Vouga e do poente com Alto da Carrapata à Vouga, inscrita na matriz rústica sob o artº. 1311 – o qual consta da relação anexa á escritura em causa como verba décima sexta.
q) Terreno de pinhal e mato com a área de 5828 m2, sito ao Moirão, freguesia de B..., que confronta do norte com António Francisco e outros, do nascente com Maria de Jesus Matias, do sul com Casimiro Aparício e do poente com Benjamim Pinto, inscrita na matriz rústica sob o artº. 1416 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba décima sétima.
r) Terreno em belga de pinhal e mato com a área de 1431 m2, sito à Carvalha, freguesia de B..., que confronta do norte com Manuel Simões, do nascente com Bernardino Barroca, do sul com Maria dos Anjos Almeida e do poente com José Maria Loureiro, inscrita na matriz rústica sob o artº. 1584 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba nonagésima quarta.
s) Terreno de pinhal e mato com a área de 8798 m2, sito à Carvalha, freguesia de B..., que confronta do norte com Manuel Lourenço, do nascente com Guilherme Almeida e outros, do sul com Gracinda Vilar e outros e do poente com Valentina Vilar Ferreira, inscrita na matriz rústica sob o artº. 1587 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba décima oitava.
t) Terreno em belga de pinhal e mato com a área de 7105 m2, sito à Rependilha, freguesia de B..., que confronta do norte com José Maria Simões, do nascente com Ângelo Francisco Vilar, do sul com caminho e do poente com Trindade Lourenço, inscrita na matriz rústica sob o artº. 1730 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba décima nona.
u) Terreno de pinhal e mato com a área de 3600 m2, sito ao Pinhal da Lage, freguesia de B..., que confronta do norte e poente com Manuel F. Vilar, do nascente com Valentim F. Vilar, do sul com caminho, inscrita na matriz rústica sob o artº. 2006 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba vigésima.
v) Terreno de pinhal e mato com a área de 9546 m2, sito ao Pinhal da Lage, freguesia de B..., que confronta do norte com Miguel Aparício, do nascente com caminho, do sul com Valentim F. Costa Mateus e do poente com Valentim Francisco Vilar, inscrita na matriz rústica sob o artº. 2007 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba vigésima primeira.
w) Terreno em belga de mato com a área de 804 m2, sito ao Alto da Vinha, freguesia de B..., que confronta do norte e poente com caminho, do nascente com Belarmino do Nascimento Almeida e do sul com José Gomes, inscrita na matriz rústica sob o artº. 2188 – o qual consta da relação anexa á escritura em causa como verba vigésima segunda.
x) Terreno de pinhal e mato com a área de 42640 m2, sito ao Alto da Vinha, freguesia de B..., que confronta do norte com Belchior de Vilar do Monte, do nascente com José Maria Aparício e outros, do sul com a Estrada e do poente com Aníbal Loureiro e outros, inscrita na matriz rústica sob o artº. 2257 – o qual consta da relação anexa à escritura em causa como verba vigésima terceira.
5) Dos documentos juntos a fls. 14 a 32 consta como verba Nº 41 um terreno de pinhal e mato, sito à Quelha da Gata, freguesia de B..., com a área de 1320 m2, que confronta do norte com Manuel Rodrigues de Almeida, do nascente com Bernardino Francisco Mões, do sul com Henrique de Almeida Esteves e do poente com Florência Outeirinho, inscrito na matriz rústica da freguesia de B..., sob o Art. 6899.
6) O prédio inscrito na matriz predial da freguesia de B... sob o artigo 64 está-o em nome de “Baldio (Junta de Freguesia de B...)” (doc. de fls. 37).
7) O prédio inscrito na matriz predial da freguesia de B... sob o artigo 83 está-o em nome de “Baldio (Junta de Freguesia de B...) (doc. de fls. 38).
8) O prédio inscrito na matriz predial da freguesia de B... sob o artigo 141 está-o em nome de “Baldio da Junta de Freguesia” (doc. de fls. 39).
9) O prédio inscrito na matriz predial da freguesia de B... sob o artigo 297 está-o em nome de “Baldio da Junta de Freguesia” (doc. de fls. 41).
10) O prédio inscrito na matriz predial da freguesia de B... sob o artigo 336 está-o em nome de “Baldio da Junta de Freguesia” (doc. de fls. 42).
11) O prédio inscrito na matriz predial da freguesia de B... sob o artigo 337 está-o em nome de “Baldio da Junta de Freguesia” (doc. de fls. 43).
12) O prédio inscrito na matriz predial da freguesia de B... sob o artigo 351 está-o em nome de “Baldio da Junta de Freguesia” (doc. de fls. 44).
13) O prédio inscrito na matriz predial da freguesia de B... sob o artigo352 está-o em nome de “Baldio da Junta de Freguesia” (doc. de fls. 45).
14) O prédio inscrito na matriz predial da freguesia de B... sob o artigo 728 está-o em nome de “Baldio da Junta de Freguesia” (doc. de fls. 46).
15) O prédio inscrito na matriz predial da freguesia de B... sob o artigo 1087 está-o em nome de “Baldio da Junta de Freguesia” (doc. de fls. 47).
16) O prédio inscrito na matriz predial da freguesia de B... sob o artigo 1124 está-o em nome de “Baldio da Junta de Freguesia” (doc. de fls. 48).
17) Na acta da Sessão Ordinária da Junta de Freguesia de B..., de 17/12/1944, junta a fls. 86, consta que “O Presidente da Junta resolveu nomear para zeladores dos seguintes povos, para tomar conta nos Baldios para não desertarem para a povoação de Póvoa, José Bernardo, e para A... os seguintes senhores, para as Laiginhas Casimiro Luiz, e para ... Luiz de Almeida Ferreira, para exercer o cargo no ano de 1945”.
18) Na acta da Sessão Ordinária da Junta de Freguesia de B..., de 2/8/1946, junta a fls. 87, consta que “... compareceram nesta sessão os Srs. Bernardino Martins Gomes e Domingos Martins Ferreira, residentes em Coito, freguesia de Cepões, os quais são possuidores de 2800 metros quadrados de terreno no baldio de Varzea, sito aos Almidos, limite sito, ficando assim obrigados a pagar à Junta um anual de 20$ em referência à posse do dito baldio, sendo esta cota liquidada em Janeiro de todos os anos”.
19) Na acta da Sessão Ordinária da Junta de Freguesia de B..., de 23/2/1986, junta a fls. 88, consta que “A Junta por unanimidade de todos os seus membros deliberou por a concurso a exploração de resina dos pinheiros dos baldios das Povoações de B..., A..., Varzea, Vilar do Monte e Almargem, referente ao corrente ano de 1986.”
20) Na acta de Sessão Extraordinária da Junta de Freguesia de B..., de 27/3/1983, junta a fls. 89, consta que “A Junta por unanimidade dos seus membros (...) deliberou por a concurso a exploração de resina dos pinheiros dos baldios das povoações de B..., A..., Varzea e Vilar do Monte, referente ao corrente ano.”
21) Na acta de Sessão Extraordinária da Junta de Freguesia de B..., de 30/10/1977, junta a fls. 90, consta que “Nesta sessão foi deliberado e aprovado por todos os membros, que: Amadeu Pereira Duarte, residente em Vilar do Monte, pagasse a esta Junta a quantia de 1.000$00 (mil escudos), por ter cortado cerca de 50 cinquenta pinheiros de pequena dimensão, no baldio, no lugar denominado «Valente Cumo», limite de Vilar do Monte.”
22) Na acta de Sessão Extraordinária da Junta de Freguesia de B..., de 5/11/1978, junta a fls. 91, consta que “Nesta Sessão foi deliberado e aprovado por unanimidade, depois de ouvida a Assembleia de Freguesia e de pleno acordo da mesma, que se procedesse ao arrendamento de uma parcela de terreno baldio, com a área de duzentos e sessenta metros quadrados, no lugar denominado (Crasto Alto da Moitinha), limite da povoação de A..., a confrontar do Nascente, Poente e Norte com o baldio e Sul com o caminho público.”
23) Os moradores da povoação de A..., freguesia de B..., concelho de Viseu, apascentam os seus gados, retiram matos e colhem frutos silvestres nos terrenos aludidos em 4., há mais de 30, 40, 50 e 70 anos, de forma ininterrupta, pacífica e à vista de toda a gente.
24) A Junta de Freguesia de B... vendeu e arrendou áreas de alguns dos terrenos referidos em 4., concedeu a exploração de resina de alguns deles e aplicou multas por corte de árvores em alguns deles.
25) A escritura de justificação junta a fls. 9 a 32 dos autos foi celebrada com conhecimento de alguns moradores das povoações de A... e de B....

7. Na apelação do autor é colocada a questão de erro de julgamento de facto relativamente aos pontos 5 e 6 da Base Instrutória, indicando-se desde logo os meios de prova que, no entender do apelante, impõem respostas diversas.
Questionava-se aí se a prática reiterada dos actos materiais já descritos nas respostas aos pontos 1 a 4 não foram também praticados pela população de A... com intuito de usarem e fruírem aqueles terrenos comunitariamente e só por aquela e não por outra comunidade local; só pela população de A... e não de outras localidades.
A resposta foi negativa, porque a sra. Juiz não se convenceu do “animus” com que cada um actuava e a referência a “baldios” nalgumas inscrições matriciais não terem a virtualidade de classificar tais terrenos como baldios.
Com o devido respeito, entendemos o contrário. Essas menções não surgiram por acaso e bem podem ser reveladoras do sentimento colectivo que vem de outros tempos. E com isso e vários comportamentos da autarquia ré, agora revelados em extractos de actas reproduzidos nos autos, que apontam no sentido da ocorrência de actos de administração dos baldios, tudo conjugado com passagens elucidativas de algumas testemunhas, designadamente Valentim Flor, Rogério Almeida, José e Manuel Vilar e Hermenegildo Gonçalves, tudo leva a concluir, sem risco, que a população de A... usava e fruía esses terrenos como se fossem coisa de todos e que todos (daquela povoação) aí podiam legitimamente colher os frutos naturais.
Anota-se um caso de venda imobiliária pela junta de freguesia, mas não está fora de hipótese questionar-se a legalidade. De resto a administração dos baldios pelas autarquias não deixa de ter tido cobertura legal em determinados condicionalismos, designadamente na ausência de organização dos compartes.
Por isso deve ser dada resposta afirmativa aos pontos 5 e 6 da Base Instrutória, ficando a constar da matéria de facto provada, para além da que acima vem descrita no ponto 6.

8. Isto posto vejamos. Esta é, basicamente, uma acção de impugnação de escritura de justificação notarial. A ré junta de freguesia socorreu-se dela, naturalmente com vista a promover o registo em seu favor, sabido que a certificação desta escritura, decorrido o prazo de 30 dias sem impugnação, constitui título bastante para iniciar ou reatar o trato sucessivo. Mas só para isto. Não pode essa escritura constituir título de dominialidade, na medida em que não são cometidas aos notários competências jurisdicionais. Só os tribunais têm o poder de criar ou confirmar a existência do direito. É por isso que o registo feito com base na sentença faz presumir a existência do direito registado, nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial, e na acção para elidir a presunção é invertido o ónus da prova (artigo 344.º, n.º 1 do Código Civil).
A escritura de justificação limita-se a certificar que o justificante declara ter uma posse usucapiente e que três testemunhas o confirmam. Nada mais do que isso. Ou seja, não resulta daí que o justificante adquiriu o direito de propriedade por usucapião. Só uma sentença o poderia fazer.
Por isso se tem de aceitar que em qualquer altura (mesmo após o registo) pode ser discutida a titularidade do direito e que o registo feito com base nesta escritura não é um registo definitivo do direito, porque o título não é apto para o declarar. E se à partida se sabe que não é o direito que está a ser registado, não faz sentido incluir na presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial a existência do direito. Não pode presumir-se que é, o que ab initio se sabe que não é. Daí que o ónus da prova na acção de impugnação caiba ao justificante e não ao impugnante. É neste sentido que tem decidido esta Relação( Cfr. Acórdãos desta Relação, de 06/06/200, Apelação n.º 1289/0200, www.trc.pt/trc01003.html e de 16/11/2004, Apelação n.º 2766/04, www.trc.pt/trc_0700.html ). Note-se que, não tendo aqui o registo carácter constitutivo, pois se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios (artigo 1.º do Código do Registo Predial), não é lícito concluir que, após o registo com base na escritura de justificação, se presume existir um direito que não existia.
Por conseguinte a acção de impugnação foi proposta em tempo, na medida em que não há caducidade, mesmo após o registo. E era a ré justificante quem tinha o ónus de provar a posse usucapiente, tal como a declarou na respectiva escritura de justificação. Não o logrou fazer e daí tem de extrair-se que não é proprietária daqueles terrenos.
De notar, ainda, que a escritura de justificação não tem de ser considerada nula, sem que se lhe aponte qualquer vício. Como instrumento notarial, ela continua válida, enquanto se limita a certificar a declaração nela vertida. O que acontece é que não produz o efeito de certificar a existência do direito pretensamente usucapido. Nesse ponto de vista a sua ineficácia é absoluta. Por conseguinte, o sentido da sentença a proferir terá de ser o da ineficácia da escritura de justificação e a procedência dos pedidos, na medida em que improcede a apelação da ré e procede a do autor.
Neste particular, ainda que se tenha decidido pela nulidade da escritura, o objecto da decisão é correcto, considerando-se bem decidido a questão da impugnação da escritura de justificação notarial.


9. Outra questão é a dos baldios. A sentença recorrida disse que os terrenos não são da junta de freguesia, mas não disse que são baldios, porque lhe faltou a prova do “animus”, com que, no seu entender, se deveria completar o conceito de propriedade comunal.
Ora os prédios em referência ou são bens integrados na categoria de coisas públicas incluídas no domínio público da autarquia, ou coisas particulares a integrar o domínio privado da autarquia, ou coisas comuns, pertencentes em propriedade comunal aos vizinhos daquela circunscrição. O que nos interessa particularmente saber é se tais bens são considerados baldios, porque não só foi nesse pressuposto que nasceu a acção, como também já deixámos dito que a ré não logrou provar os pressupostos da aquisição privada, por usucapião, sem que houvesse necessidade de ir ao ponto de saber se lhe era permitido, no tempo histórico em referência.
O Código Civil de 1867 dava a noção de coisas comuns como sendo as “coisas naturais ou artificiais não individualmente apropriadas, das quais só é permitido tirar proveito, guardados os regulamentos administrativos, aos indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa ou que fazem parte de certa corporação pública”, enumerando depois vários bens integrados nesta categoria, de modo que, logo à cabeça, apareciam “os terrenos baldios municipais e paroquiais”.
De harmonia com essa noção estava o artigo 388º do Código Administrativo que definia os baldios como “terrenos não individualmente apropriados, dos quais só é permitido tirar proveito, guardados os regulamentos administrativos, aos indivíduos residentes em certa circunscrição ou parte dela”.
O Dec. Lei nº 39/76, de 19 de Janeiro, que define os baldios e promove a sua entrega às comunidades que deles venham a fruir, prescreve no seu artigo 1º: “dizem-se baldios os terrenos comunitariamente usados e fruídos por moradores de determinada freguesia ou freguesias, ou parte delas”. E a actual lei dos baldios - Lei nº 68/93, de 4 de Setembro - diz, no seu artigo 1º: “1. - São baldios os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais. 2. - Para efeitos da presente lei, comunidade local é o universo dos compartes. 3. - são compartes os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio”.
Daqui resulta que desde a primitiva formulação, o conceito de baldio esteve sempre ligado a terrenos dos quais poderiam tirar proveito as comunidades locais, sob a forma de propriedade comunal. Historicamente os terrenos baldios sempre foram considerados afectos ao proveito directo da colectividade. Eram os “logradouros do povo” que eram dados aos povoadores das terras “para os haverem como seus”. ( Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, vol. II, Coimbra 1980, pag. 973)
O Código Administrativo de 1940 referia-se a esses logradouros no § único do artigo 393º, dizendo: “considera-se logradouro comum a apascentação de gados, a produção e corte de matos, combustível ou estrume, a cultura e outras utilizações, quando não se verifique apropriação individual de qualquer parcela dos terrenos e a fruição pertença de modo efectivo aos moradores vizinhos”.
Ora, está provado a propósito dos terrenos em causa que “os moradores da povoação de A..., freguesia de B..., concelho de Viseu, apascentam os seus gados, retiram matos e colhem frutos silvestres nos terrenos aludidos em 4., há mais de 30, 40, 50 e 70 anos, de forma ininterrupta, pacífica e à vista de toda a gente”…”com exclusão de outrem e na convicção de se tratar de terrenos comunitariamente possuídos pelos moradores do lugar de A...” (esta última afirmação advém de se darem agora como provados os pontos 5 e 6 da Base Instrutória).
Parece, assim, inquestionável que aqueles terrenos têm sido considerados logradouro comum dessa comunidade. São baldios aproveitados como logradouro comum pelos moradores dessa freguesia e que a lei tem considerado indispensáveis, sob essa forma de utilização, à economia local. (cfr. artigo 393º do Código Administrativo). O facto de a administração alguma vez ter passado para a autarquia não lhes veio retirar a qualidade de terrenos baldios, porque administração e domínio não se confundem e convivem perfeitamente.
Sempre se entendeu tratar-se de bens do domínio comum ou propriedade comunal dos vizinhos de certa circunscrição ou parte dela, não se confundindo com o domínio público das autarquias, ainda que sob a administração destas.
Já do confronto dos artigos 380º e 381º do Código Civil de 1867 resultava que era diferente o conceito de coisas públicas e baldios. Quanto àquelas dizia a lei que era lícito a todos utilizar-se delas, enquanto que dos baldios dizia ser facultado aos membros de certo grupo social deles tirar proveito. Significa que as coisas públicas são utilizadas de harmonia com o seu destino e função, no exercício de um direito subjectivo público; ao passo que os baldios fornecem um proveito económico imediato aos seus fruidores que são individualizados, e aos quais pertence em exclusivo, isto é, com o direito de não permitirem a outrem essa fruição.
Dos factos provados e do discurso de algumas testemunhas, parece ser isto que historicamente se passou com o aproveitamento daqueles terrenos; o que não deixa de ser comum um pouco por todo lado, no mundo rural de alguns distritos do nosso país, como dá conta a história legislativa desde os tempos do velho Código Administrativo e do Código de Seabra.

Concluindo:
1. A escritura de justificação notarial não constitui título de dominialidade, na medida em que não são cometidas aos notários competências jurisdicionais. Só os tribunais têm o poder de criar ou confirmar a existência do direito.
2. É por isso que o registo feito com base na sentença faz presumir a existência do direito registado, nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial, e na acção para elidir a presunção é invertido o ónus da prova (artigo 344.º, n.º 1 do Código Civil).
3. A escritura de justificação limita-se a certificar que o justificante declara ter uma posse usucapiente e que três testemunhas o confirmam. Nada mais do que isso. Ou seja, não resulta daí que o justificante adquiriu o direito de propriedade por usucapião. Só a sentença o poderia fazer.
4. Por isso se tem de aceitar que em qualquer altura (mesmo após o registo) pode ser discutida a titularidade do direito e que o registo feito com base nesta escritura não é um registo definitivo do direito, porque o título não à apto para o certificar.
5. E se à partida se sabe que não é o direito que está a ser registado, não faz sentido incluir na presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial a existência do direito. Não pode presumir-se que é, o que ab initio se sabe que não é. Daí que o ónus da prova na acção de impugnação caiba ao justificante e não ao impugnante.
6. O conceito de baldio esteve sempre ligado a terrenos dos quais poderiam tirar proveito as comunidades locais, sob a forma de propriedade comunal. Historicamente os terrenos baldios sempre foram considerados afectos ao proveito directo da colectividade. São baldios os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais.
7. Provado que os moradores da povoação duma freguesia apascentam os seus gados, retiram matos e colhem frutos silvestres em terrenos dessa circunscrição, há mais de 30, 40, 50 e 70 anos, de forma ininterrupta, pacífica e à vista de toda a gente, com exclusão de outrem e na convicção de se tratar de terrenos comunitariamente possuídos, esses terrenos devem considerar-se baldios e a sua administração deve ser cometida aos compartes, nos termos da lei.
Devem, assim, improceder as conclusões da alegação da ré e proceder as do autor.

10. Decisão
Por todo o exposto acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, do autor e improcedente a apelação da ré, em consequência do que revogam, em parte, a sentença recorrida, declaram que os prédios descritos no artigo 8º da petição inicial são baldios dos compartes da povoação de A..., condenam a R. Junta de Freguesia de B... a respeitar os direitos do autor aos terrenos em questão e a abster-se, no futuro, de praticar quaisquer actos de apropriação sobre eles.
No mais mantém-se o decidido em 1.ª instância, com o esclarecimento de que a escritura impugnada é ineficaz, em vez de nula.
Custas a cargo, em ambas as instâncias a cargo da ré.
Coimbra,
[ Relator: Coelho de Matos; Adjuntos: Ferreira de Barros e Helder Roque]