Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
62/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: COMPRA E VENDA COMERCIAL
COISA DEFEITUOSA
Data do Acordão: 09/25/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRANCOSO
Processo no Tribunal Recurso:
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 298º Nº 2 E 333º Nº 2 DO CÓDIGO CIVIL ; ARTIGOS 470.º; 471º C
Sumário: Tendo sido vendida ao comerciante para revenda uma máquina, cuja entrega foi acompanhada de técnico para efectuar os testes de funcionamento, tem o comerciante adquirente o direito potestativo de, após os testes e no prazo de oito dias, distratar o contrato independentemente de se tratar de máquina defeituosa, bastando que a máquina não lhe convenha.
Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE:

I- Relatório:

Exequente: A...
Executado: B...
A exequente instaurou a acção executiva aos 28-01-2005 para pagamento da quantia de € 4 850,25 mais juros de mora desde 15-9-2003, com base num cheque devolvido por falta de provisão, ao qual juntou uma fac­tura.
O executado deduziu oposição à execução, alegando que o cheque não representa qualquer dívida para com a exequente. É que, apesar de ter comprado uma máquina à exequente, para cujo pagamento emitiu o dito cheque, o contrato é nulo porque a venda feita foi defeituosa e os defeitos não foram reparados, apesar de lhe ter solicitado a reparação. Entende que a exequente litiga de má-fé. Juntou os doc de fls. 8 a 25.

A exequente contestou, aceitando expressamente a verdade do alegado nos art. 3º a 7º e impugnando especificadamente o alegado ou parte do alegado nos art. 8º a 14º da petição da oposição. Mais alegou que cumpriu o contrato, tendo entregue uma máquina isenta de qualquer defeito, tudo tendo feito, quando a entregou, para que ficasse a funcionar correctamente. Se algum problema existe com a máquina, ele não lhe é imputável e deve-se apenas ao tipo de areias utiliza­das que não são as adequadas. Concluiu pela improcedência da oposição. Juntou o doc de fl. 51.

Foi dispensada a elaboração da base instrutória.

Realizou-se a audiência de julgamento, que culminou na decisão da matéria de facto (fl. 118 ss), após o que foi proferida a sentença de fl.127 ss que concluiu decisoriamente pela improcedência da oposição.
Inconformado com a sentença, dela recorre o executado, cuja alegação apresenta as seguintes conclusões:
1ª- Para além dos factos dados como provados, devem ainda considerarem-se provados os factos alegados nos arts. 15º, 16º, 17º, 18º e 19º da oposição, porque não impugnados, bem como os factos documentados e acima referidos em a), b), c), d), e) e f), tanto mais que os documentos não foram postos em causa.
2ª- O equipamento encomendado era para projectar reboco tradicional e foi com esse fim que foi feita a encomenda.
3ª- Foi entregue o equipamento e respectivas garantias vindo um técnico da ven­dedora (exequente) para fazer a sua instalação a pô-lo a funcionar.
4ª- Esteve com essa instalação nos dias 4 e 5 de Setembro, não conseguindo pô-la a funcionar, indo embora.
5ª- Após insistências do oponente que repetidamente denunciou a situação, volta­ram no dia 16 desse mês de Setembro, sem que se provasse que o equipamento ficasse a funcionar.
6ª- Com base no não funcionamento, o oponente denunciou o contrato, dando-o sem efeito com justa causa, conforme comunicações que ainda nesse mês fez à exe­quente, sendo certo que esta aceitou a situação e a devolução do equipamento apenas pedindo ao oponente a quantia de 600,00€ para ajuda do pagamento do retorno do equi­pamento para Espanha.
7ª- Porque toda esta situação foi criada pela própria exequente, cuja culpa é clara e se presume, o oponente não aceitou este pagamento e daí a execução referente ao valor do equipamento.
8º- Há clara má fé da exequente ao vir com a execução como ao alegar factos que sabe e tem obrigação de saber que não são verdadeiros.
9ª- Ao dar-se a oposição como improcedente, na decisão recorrida, violou-se, nomeadamente, o disposto nos arts. 799º nº1, 801º nº2, 905º, 913º e 921º, todos do Cód. Civil.
10º- Deve, assim, dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sen­tença recorrida e declarar-se a oposição procedente por provada, com o consequente arquivamento da execução, condenando-se, ainda, a exequente em multa e indemnização a favor o oponente, como se alega na oposição, como litigante de má fé.

A apelada contra-alegou, concluindo:
1 – A exequente vendeu ao oponente, a solicitação deste, uma máquina de rebocar “Delta Vario E” e respectivos equipamentos.
2 – O oponente alegou que a referida máquina nunca chegou a funcionar, por defeito da mesma, o que não ficou provado.
3 – Competia ao oponente provar os alegados defeitos, o que este não logrou fazer.
4 – Perante a factualidade provada, alternativa não tinha, pois, o Tribunal a quo, senão a de julgar improcedente a oposição e, em consequência determinar o prossegui­mento da execução.
5 – Deve, pois, confirmar-se in totum, a sentença recorrida.

Solicitou-se à 1ª instância e foi junta certidão do requerimento inicial da exe­cução e documentos que o acompanham.
Correram os vistos legais.
Nada obsta ao conhecimento do recurso.

II- Fundamentos:
De facto:
A 1ª instância exarou os seguintes factos provados:
A) O oponente contactou a exequente para esta lhe enviar catálogos e pre­ços de uma máquina de projectar reboco e respectivos acessórios.
B) A exequente enviou por fax esses elementos a 2 de Setembro de 2003.
C) O oponente, no dia 3 desse mês de Setembro, fez a encomenda de uma máquina de rebocar “Delta Vario E” e respectivos equipamentos.
D) No dia 4 de Setembro de 2003 a exequente mandou ao oponente, via fax, a respectiva factura, no montante total de 4.850,25 euros.
E) No dia 4 de Setembro de 2003 a exequente fez chegar todo o material encomendado e as respectivas garantias em relação ao equipamento, acompa­nhado da factura e guia de remessa, tendo logo o executado emitido e entregue o cheque [com data posterior para pagamento], dado à execução.
F) A exequente fez acompanhar o equipamento do respectivo mecânico para a sua instalação e [para] ser o mesmo experimentado, conforme o executado pedido, tendo sido o equipamento instalado e experimentado nos dias 4 e 5 desse mês de Setembro de 2003.
G) Nos dias 4 e 5 desse mês de Setembro de 2003 o equipamento não fun­cionou.
H) Em 16 de Setembro de 2003, o oponente enviou à exequente o docu­mento de fls. 17, do qual constam os seguintes dizeres: “por favor venham resolver o problema desta máquina que está sem funcionar”.
I) Nos dias 18 e 19 de Setembro de 2003, deslocou-se, de novo, às instala­ções da Executada, o mesmo técnico que já lá havia estado no dia 4 e 5 desse mês, juntamente com o responsável comercial pela venda efectuada, Sr. Jesus Sanchez.
J) O oponente, em 19 de Setembro de 2003, deu ordens ao Banco Espírito Santo, em Trancoso, para não proceder ao pagamento do cheque que tinha sido emitido.
K) Em 23 de Setembro de 2003, o oponente enviou à exequente o docu­mento de fls. 20, do qual constam os seguintes dizeres: “ (...) pelo exposto, agradeço que nos informem como proceder como devolver a máquina e informo que pedi a denúncia do respectivo cheque pelos motivos atrás expostos.”
L) No dia 23 de Setembro de 2003, o oponente enviou exequente o docu­mento de fls. 22, do qual constam os seguintes dizeres: “ … portanto, por este fax vimos anular a mesma encomenda de 16-09-2003”.
M) Em 3 de Outubro de 2003, o oponente enviou à exequente o documento de fls. 13, do qual constam os seguintes dizeres: “Assim, têm a máquina à vossa disposição, devendo vir buscá-la dentro da maior brevidade de tempo possível …”
N) Em 27 de Outubro de 2003 a exequente enviou ao oponente o docu­mento de fls. 27, do qual constam os seguintes dizeres: “Rogamos se sirvan efec­tuar transferência bancária por dicho importe, para poder admitir la devolución de dicha maquinaria”.
O) Em 29 de Outubro de 2003, o executado enviou à exequente, o docu­mento de fls. 29, do qual constam os seguintes dizeres: “não faremos a transferên­cia por 600 Euros e mantemos a máquina Delta Vário conforme a deixaram nos nossos armazéns à vossa ordem.”
P) Em 31 de Dezembro de 2003, a exequente, através da sua advogada, enviou ao oponente o documento de fls. 32, do qual constam os seguintes dizeres: “… venho pela presente solicitar a V.Ex.as a liquidação da quantia de 4.850,25€ referente a diversos fornecimentos …”

Reapreciação da decisão de facto:
Pretende o recorrente que, «para além dos factos dados como provados, devem ainda considerarem-se provados os factos alegados nos arts. 15º, 16º, 17º, 18º e 19º da oposição, porque não impugnados, bem como os factos documenta­dos e acima referidos em a), b), c), d), e) e f), tanto mais que os documentos não foram postos em causa».
Por outro lado, verificamos que há factos provados que oficiosamente devem ser considerados na decisão da causa (art. 712º nº 1 al. a) do CPC).
Vejamos.
O exame dos autos mostra que a 1ª instância desconsiderou, na redacção do provado, factos relevantes admitidos por acordo, apesar de a exequente apenas ter impugnado factualidade constante dos art. 8 a 14 da petição de oposição, tal como na transposição do teor provado dos documentos não atribuiu relevância a tudo o que releva para qualquer solução plausível da causa.
Assim, devem ainda considerar-se provados os seguintes factos alegados na petição da oposição e os confessados na contestação como se referem:
Q) -- do art. 2º da petição: o executado, dentro do seu ramo de comércio, foi contactado por um seu cliente que tinha urgência na aquisição de uma “máquina de projectar reboco” e respectivos acessórios, a fim de concluir uma obra de construção civil que estava a seu cargo;
R) -- do art. 7º da petição: o cheque foi logo entregue no dia 4-9-2003 para pagamento em data posterior;
S) -- do art. 2º da contestação: aquando da instalação da máquina, nos dias 4 e 5-9-2003, estava presente um técnico da exequente, constatando-se haver uma peça em mau estado e que devia ser substituída, e a máquina não funcionava;
T) -- do art. 3º da contestação: no dia 15-9-2003 o técnico substituiu a peça danificada [confere com o relatado pelo oponente no doc de fl. 20];
U) -- do art. 4º da contestação: entretanto, durante os testes de funcionamento da máquina efectuados pelo técnico, partiu-se uma outra peça;
V) -- do art. 5º da contestação: no dia 16-9-2003, o técnico da exequente continuou a fazer os testes de funcionamento da máquina, com um tipo de areia diferente (...);
X) -- do art. 11º da contestação: nos dias 18 e 19-9-2003 o técnico fez nova visita [confere com o relatado pelo oponente no doc de fl. 20] (= I));
Z) -- do doc nº 12 a fls. 22 e 23 para o qual remete o art 14 da p.i. da oposição: em 21-9-2003 o oponente enviou um fax à exequente comunicando que em relação à dita máquina “...o nosso cliente depois de informado sobre o que se passou com a máquina (...) veio anular a encomenda da Delta Vario monofásica. Portanto por este fax vimos anular a mesma encomenda (...)”;
Z’) -- a garantia a que se refere E) é de 6 meses (cfr. docs. de fl. 13 a 15).

De direito:

As conclusões da alegação do recurso demarcam o âmbito deste (art. 684º nº 3 e 690º do CPC), sem prejuízo de que, na aplicação do direito aos factos, jus novit curia (art. 664º do CPC).
A sentença considerou, após invocar o disposto no artigo 913º do Código Civil (doravante CC), que introduz o regime geral da venda de coisas defeituosas:
«(...) a exe­quente entregou a máquina em cumprimento do contrato de compra e venda e, apesar de não ter funcionado no dia 4 e 5 de Setembro, não se pode concluir que tal falta de funcionamento resulte de defeito, pura e simplesmente. O que legiti­mamente se pode concluir (por mais evidente que pareça) é que não funcionou, nada mais. Se foi por defeito ou por outra qualquer razão, não sabemos. Por outro lado, a exequente, a solicitação da oponente, voltou a mandar técnicos ver a máquina e, após essa nova visita, não se logrou provar que a máquina não tenha funcionado por defeitos de fabrico que nunca foram reparados nem eliminados – vide, resposta á matéria de facto, fls. 121. Quer isto dizer que o não funcionamento da máquina tanto pode ter ficado a dever-se a defeito como a utilização descon­forme – versão que sustentou a testemunha da exequente em audiência de julga­mento. Concluímos, pois, que não se logrou provar o defeito da máquina vendida, prova esta que incumbia ao oponente (autor) nos termos já ditos. Assim sendo, não se lhe pode reconhecer o peticionado direito à anulação da venda».
Desta feita, a 1ª instância socorreu-se daquele regime geral, não para o aplicar, mas sim para o considerar inaplicável. Daí a improcedência da acção.
Tal significa ter a 1ª instância considerado de modo implícito que o único regime porventura aplicável era aquele regime geral do Código Civil. Mas esse regime não cobrava aplicação concreta porque o oponente não provara, como lhe competia, que a coisa comprada era defeituosa.
Na verdade, provou-se que apesar dos esforços do técnico da exequente, o qual acompanhou o envio da máquina ao comprador, a máquina não funcionou, pelo menos enquanto não terminaram os testes de funcionamento da máquina (testes feitos nos dias 4 e 5 e depois a 18 e 19 do mesmo mês de Setembro).
Mas ajuizar que «não se pode concluir que tal falta de funcionamento resulte de defeito» e que «se foi por defeito ou por outra qualquer razão, não sabemos» equivale a não considerar como defeito a falta de funcionamento de uma “máquina de projectar reboco” que em razão dos testes realizados devia funcionar, isto é devia projectar reboco, e equivale a considerar que não se pode ter por defeituosa uma máquina sem se saber a causa do defeito. E estes pontos de vista da sentença são de rejeitar liminarmente.
É certo que para aplicação do regime geral, compete ao comprador provar a existência do defeito, mas não é necessária a alegação e prova da causa do defeito. Provado o defeito, cabia à vendedora alegar e provar que tal se devia a incorrecta utilização pelo comprador («utilização desconforme», refere a sentença), mas esta alegação e prova não ocorreu, nem se pode inferir do provado a utilização desconforme (pelo comprador) pois que esta não se coaduna com a realização dos testes pelo técnico da vendedora.
Mas a solução do caso está noutro lado, que não no dito regime geral.
As partes são comerciantes, como se vê quanto ao oponente pelo 1º facto provado e, quanto à exequente, pelo facto de ser sociedade comercial como se confirma pelo teor da procuração que fez juntar com o R.I. da execução.
O contrato em causa é de compra e venda comercial, dado que o comprador destinava a máquina à revenda (art. 463º nº 1 do Código Comercial—doravante C. Com.).
Estamos em presença de acto comercial, subjectiva e objectivamente (art. 2º do C.Com.) e o seu regime legal é primacialmente o que consta dos art. 463º a 472º desse Código. O regime do Código Comercial é especial em relação ao do Código Civil: o regime geral afasta a aplicação do regime geral (art. 3º do C. Com.).
Como resulta do provado, a máquina em causa não foi comprada à vista, ou seja, o oponente não tinha a máquina à vista quando se propôs comprá-la, não a podia examinar ou fazer testar a sua qualidade para se decidir pela compra: fez a encomenda e a máquina foi trazida de Espanha para Portugal, em Trancoso. Tratou-se de uma compra à distância, isto é, celebrada sem a presença física e simultânea das partes ( Tal não implica a aplicação do DL nº 143/01 de 26-4, dado que o oponente não actuou no negócio como consumidor mas sim como comerciante e aquele regime destina-se à protecção dos consumidores.).
Também a qualidade de uma máquina, por natureza, não é conformável por amostra (porção de matéria pela qual se possa confrontar a qualidade da coisa comprada). Apenas se sabe que a exequente enviara catálogos e pre­ços ao oponente, mas um catálogo não permite averiguar da conformidade da qualidade do objecto, como o permite a comparação dum objecto com a sua amostra.

Perante os catálogos, o oponente encomendou uma máquina de projectar reboco, Delta Vario E.
Nada consta convencionado sobre a qualidade que a Delta Vario a vender ao oponente deveria revestir. Aliás, sublinhe-se, um objecto dessa espécie em princípio não é determinável por uma “qualidade conhecida em comércio”, como o é por exem­plo uma mercadoria como o azeite (cuja qualidade pode ser determinada pelo grau de acidez) ou como os ovos (cuja qualidade pode ser determinada pela proveniência de certa ave e pelo tamanho médio ou outro).
O oponente só pôde examinar a máquina, só pôde verificar a sua qualidade (designadamente se ela projectava reboco em termos regulares), depois de a ter comprado. Daí que o envio da máquina se tenha feito acompanhar de técnico da exequente para efectuar os testes de funcionamento.
Colhe, pois, aplicação o art. 470º do C. Com. (de 1888) que preceitua:
«As compras de cousas que não se tenham à vista, nem possam determi­nar-se por uma qualidade conhecida no comércio, consideram-se sempre como feitas debaixo da condição de o comprador poder distratar o contrato, caso, exami­nando-as, não lhes convenham».
Verifica-se a parte previsiva da norma: nesta compra e venda comercial, o adquirente não comprou à vista; a máquina em causa é coisa não determinável por “uma qualidade conhecida em comércio”. Segue-se a estatuição: o comprador pode distratar o contrato, caso, exami­nando-a, a máquina não lhe convenha ( Trata-se, pois, de uma espécie do género venda a contento regulada no Código Civil, na segunda modalidade, referida no respectivo artigo 924º, mas com diferenças de regime.).
Esse distrate é um direito potestativo do comprador, resultante directamente da lei comercial. Assimila-se à resolução do contrato. Torna-se eficaz mediante a comunicação ao vendedor, como ocorreu no caso. Só que, diferentemente do regime geral da resolução, a qual carece de causa justificativa, controlável por via judicial, já o distrate é imotivado e discricionário, porquanto, para o comprador poder distratar o contrato, basta que, examinando a coisa comprada, esta não lhe convenha ( Em sentido aproximado, vd. Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações—Parte Especial, 2ª ed, 2003, pág. 75 e seg. (§ 6º).) ( Para obstar à eficácia do distrate, competia ao vendedor alegar e provar que fora excedido o prazo de oito dias a que se refere o art. 471º do C. Com., a contar naturalmente desde que terminaram os testes de funcionamento realizados pelo dito técnico (ou seja, desde que o comprador terminou o exame da máquina). Trata-se de prazo de caducidade, em matéria de direitos disponíveis, pelo que a extinção por caducidade carece de ser invocada pelo interessado (art. 298º nº 2 e 333º nº 2 do CC). Invocação que não ocorreu. Daí que não constitua questão a conhecer no recurso.).
Consequentemente, o oponente comprador tinha o direito de distratar o contrato, como distratou ao comunicar à vendedora que anulava o contrato. E tinha o direito de o fazer sem necessidade de invocação de existência de defeito como justificação e independentemente de a máquina ser ou não defeituosa. Para poder distratar o contrato, bastava que, examinando a coisa comprada, esta não lhe conviesse e o comunicasse em oito dias (sem que aqui se tenha de curar da questão de saber se o distrate foi comunicado em oito dias sob pena de o contrato se tornar “perfeito”, firme, face ao art. 471º C Com) ( Note-se que, conforme factos V) e Z), a 16-9-2003 ainda decorreram testes de funcionamento pelo dito técnico (testes que segundo doc de fl. 51 terminaram em 19 desse mês) e em 21 desse mês o oponente enviou à exequente a comunicação de distrate.).



Em resumo e conclusão:
Tendo sido vendida ao comerciante para revenda uma máquina, cuja entrega foi acompanhada de técnico para efectuar os testes de funcionamento, tem o comerciante adquirente o direito potestativo de, após os testes e no prazo de oito dias, distratar o contrato independentemente de se tratar de máquina defeituosa, bastando que a máquina não lhe convenha.


III- Decisão:

Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e, revogando-se a decisão impugnada, julga-se procedente a oposição e declara-se extinta a execução por inexistência da obrigação exequenda.
Custas da apelação pela apelada.

Coimbra, 2007-09-25