Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1461/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: DIVÓRCIO LITIGIOSO
SEPARAÇÃO DE FACTO POR MAIS DE TRÊS ANOS
INADMISSIBILIDADE DE CONFISSÃO OU DE ACORDO ACERCAS DO DECURSO DESSE LAPSO DE TEMPO
Data do Acordão: 06/13/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 354º, AL. B); E 1781º, ALS. A) E B) DO C. CIV.; E 490º, Nº 2, DO CPC.
Sumário: I – Resulta do artº 490º, nº 2, do CPC, que “se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito” .
II - Nos termos do artº 354º, al. b), do C. Civ. , “a confissão não faz prova contra o confitente se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis”, e sendo certo que o direito ao divórcio é um direito indisponível – artº 1779º do C. Civ. -, logo não pode haver acordo sobre factos alegados neste tipo de causa .

III - Assim sendo, não é possível terem-se como assentes, por acordo, quaisquer factos alegados pelas partes relacionados com o sua separação de facto, razão pela qual carecem de ser levados à base instrutória os diversos factos alegados pelas partes e relativos à separação de facto invocada .

IV - Para estar consumada a ruptura da vida em comum entre as partes, com vista a um divórcio litigioso, é necessário que a separação do casal decorra já há mais de três anos ou que tenha decorrido há pelo menos um ano e o divórcio seja requerido por um dos cônjuges sem oposição do outro – artº 1781º, als. a) e b), do C. Civ., na redacção da Lei nº 47/98, de 10/08 .

V - Tendo apenas ficado demonstrado que a separação de facto ocorre desde Junho de 2004, manifesto é que em Setembro de 2004, data de propositura da acção, ou em Novembro de 2004, data da apresentação da contestação/reconvenção, ainda não está “perfeito” o referido lapso de tempo que constitui pressuposto legal para o decretamento do divórcio litigioso, como está pedido na acção, o que implica a improcedência da acção de divórcio .

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I
No Tribunal Judicial de Viseu, A..., instaurou contra B..., a presente acção declarativa com processo especial, pedindo o decretamento do divórcio entre as partes .
Para tanto e muito em resumo, alegou que as partes contraíram casamento em 2/01/1988 mas que há mais de dois anos consecutivos que se encontram separados de facto, sem qualquer relacionamento entre ambos .
Que não pretendem refazer as suas vidas em comum, pelo que se justifica o decretamento do divórcio .
II
Contestou e deduziu reconvenção a Ré alegando, muito em resumo, que em fins de Junho de 2002 o autor abandonou o lar conjugal, tendo ido habitar com sua mãe, com o que se romperam os laços conjugais .
Que, por isso, deve decretar-se o divórcio, mas com culpa pelo autor, e reportado à data de 30/06/2002, nos termos dos artºs 1788º e 1789º, nº 2, do C. Civ. .
III
Respondeu o A alegando, muito em resumo, que não abandonou o lar conjugal, mas apenas aceitou sair de casa, uma vez que a vida conjugal estava degradada, tendo essa saída ocorrido de acordo com a vontade de ambos, tanto mais que viviam no mesmo lar mas separados de facto .

IV
Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi reconhecida a regularidade processual da causa, com selecção da matéria de facto alegada e tida como relevante para efeito de instrução e de discussão da mesma .

Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, com gravação dos depoimentos nela prestados, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação .

Publicada a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decido julgar a acção e a reconvenção improcedentes, com as consequentes absolvições dos pedidos .
V
Dessa sentença interpôs recurso a Ré, recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo .

Nas alegações que apresentou a Apelante concluiu do seguinte modo :
1ª - O Recorrido pediu o divórcio com fundamento na separação de facto por mais de dois anos .
2ª - A Recorrente não fez qualquer oposição a tal separação de facto e até corroborou a existência de tal separação, por mais de dois anos, cujo início situou em Junho de 2002 .
3ª - A ora Recorrente apenas alegou factos para a declaração de culpa do Recorrido .
4ª - Assim, há no processo elementos para ser decretado o divórcio e com culpa única do Recorrido .
5ª - Foram violados os artºs 1779º, nºs 1 e 2; 1781º, al. b); 1782º; 1789º, do C. Civ.
6ª - Termos em que deve dar-se provimento ao recurso e revogando a decisão recorrida deve ser decretado o divórcio entre as partes, com culpa exclusiva pelo Recorrido e com efeito retroactivo a 30/06/2002 .
VI
Não foram apresentadas contra-alegações .
VII
Neste Tribunal da Relação de Coimbra foi aceite o recurso interposto e tal como foi admitido em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, pelo que nada obsta ao conhecimento do seu objecto .

O objecto do recurso resume-se à reapreciação da existência ou não dos pressupostos conducentes ao decretamento do divórcio entre as partes e à fixação de eventual culpa por esse decretamento .

Analisados os autos, verifica-se que o autor e aqui recorrido instaurou a presente acção com base na separação de facto entre cônjuges desde há mais de dois anos com referência à data de propositura da acção, separação essa que a Ré e Recorrente reconheceu existir, conforme artigo 1º da sua contestação-reconvenção, tendo esta, além dessa aceitação, alegados outros factos tendentes a demonstrarem a culpa do autor por essa dita separação .
Porém, da matéria de facto dada como assente apenas resultou provado que desde o mês de Junho de 2004 A. e R. não tomam as refeições em conjunto, não se auxiliam, não têm quaisquer contactos íntimos, não partilham o mesmo leito …, e não residem na mesma casa, já que nesse mês o A. saiu da casa onde até então vivia com a Ré e foi viver para outra casa, sita em Marzovelos, Viseu, sendo propósito de ambos os cônjuges não restabelecerem a vida em comum entre eles .
Mas será que se deveria ter dado como assente que essa dita separação ocorreu há mais de dois anos, com referência à data de propositura da acção, como agora pretende a Recorrente?
Afigura-se que não, na medida em que apesar de a Recorrente ter admitido essa realidade o que é facto, resulta do artº 490º, nº 2, do CPC, que “se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito” .
Ora, nos termos do artº 354º, al. b), do C. Civ. , “a confissão não faz prova contra o confitente se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis”, e sendo certo que o direito ao divórcio é um direito indisponível – artº 1779º do C. Civ. -, logo não pode haver acordo sobre factos alegados neste tipo de causa .
Assim sendo, não era possível terem-se dado como assentes, por acordo, quaisquer factos alegados pelas partes, razão pela qual foram levados ao questionário os diversos factos alegados pelas partes e relativos à separação de facto invocada .
Acontece que não se logrou fazer prova de que tal separação perdurasse desde há mais de dois anos, mas sim que tal situação ocorre apenas desde Junho de 2004, data em que o A saiu da casa do casal, tendo passado a viver noutra casa, em Marzovelos, Viseu.
Portanto, à data de propositura desta acção – em Setembro de 2004 – não estava consumada a ruptura da vida em comum entre as partes, com vista a um divórcio litigioso, pois que para que tal sucedesse era necessário que tal separação decorresse já há mais de três anos ou que tivesse decorrido há pelo menos um ano e o divórcio fosse requerido por um dos cônjuges sem oposição do outro – artº 1781º, als. a) e b), do C. Civ., na redacção da Lei nº 47/98, de 10/08 .
Tendo apenas ficado demonstrada essa separação desde Junho de 2004, manifesto é que em Setembro de 2004, data de propositura da acção, ou em Novembro de 2004, data da apresentação da contestação/reconvenção, ainda não estava “perfeito” o referido lapso de tempo que constitui pressuposto legal para o decretamento do divórcio litigioso, como está pedido na acção .
Consequentemente, tem de se concluir, como se faz na sentença recorrida, que à data de propositura da presente acção as partes ainda não beneficiavam de uma situação de separação de facto que lhes permitisse requer o decretamento do seu divórcio, via judicial, pelo que se impunha e impõe reconhecer a improcedência da acção .
E o facto de se ter dado como provado que em Junho de 2004 o A. saiu da casa do casal e foi viver para uma casa arrendada, sita em Marzovelos, Viseu, e que ambos os cônjuges têm o propósito de não restabelecer a vida em comum, também não constitui, por si só, fundamento bastante para o decretamento do divórcio, na medida em que tal separação ainda era muito recente à data da propositura da acção e não se sabem as razões da dita, para daí se poder retirar a conclusão de que ocorreu violação do dever de coabitação por parte do A. e com carácter definitivo, e muito menos com culpa sua, como foi invocado pela Ré .
Isto é, tais factos não permitem, por si sós, reconhecer a violação culposa dos deveres conjugais por parte do A., para efeito do artº 1779º, nº 1, do C.Civ. .
Claro está que nada impede as partes de se socorrerem, desde já, da faculdade de se divorciarem por mútuo acordo, nos termos dos artºs 1773º, nº 2, e 1775º, nº 1, ambos do C. Civ., mas quanto ao divórcio litigioso necessário é que primeiro logrem obter a verificação dos necessários pressupostos para o efeito, nos termos dos artºs 1779º e 1781º, do C. Civ. .
Concluindo, importa confirmar a sentença recorrida, assim improcedendo a apelação deduzida pela Ré/Reconvinte .
VIII
Decisão:
Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto, com o que se confirma a sentença recorrida .

Custas pela Recorrente .
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Tribunal da Relação de Coimbra, em / /