Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9/14.7GCTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: AMEAÇA NO CRIME DE COAÇÃO SEXUAL
AMEAÇA GRAVE
Data do Acordão: 02/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INSTÂNCIA LOCAL DE TONDELA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS. 154.º E 163.º, N.º 1, DO CP
Sumário: I - O conceito de ameaça nas normas em que a sua verificação é pressuposto do crime respectivo integra-se com recurso ao princípio geral: mal, futuro, dependente da vontade do agente.

II - A ameaça grave de que fala esta norma [art. 163 n.º 1] nada tem a ver com a ameaça de mal importante a que se refere o art. 154.º do Código Penal.

III -O agente sabe que este tipo de ameaça [através da internet] é, em regra, um bom veículo para alcançar os seus desígnios.

IV - É fácil perceber o medo, mesmo pânico, que a ameaça de divulgação [através da internet] de fotografias íntimas, de imagens da prática de actos sexuais provoca na pessoa visada, desde logo porque numa sociedade profundamente preconceituosa e moralista quer a vítima quer o agente sabem que a censura é, em regra, dirigida à pessoa ameaçada e não ao agente.

V - E é por tudo quanto referimos que temos a ameaça veiculada pelo arguido como integradora do conceito de ameaça grave: o arguido ameaçou a vítima com a prática de um mal futuro, mal este adequado a conseguir que a vítima fizesse o que ele queria que ela fizesse, que era a prática de acto sexual de relevo.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


RELATÓRIO

1.

O arguido A... foi condenado na pena de 10 meses de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida, do art. 86º, nº 1, al. c), da Lei nº5/2006, de 23/2, e foi absolvido dos crimes de violação agravada, na forma consumada, e de coacção sexual, na forma tentada.

2.

O Ministério Público recorreu, concluindo:

«1. O Ministério Público conforma-se com a factualidade dada como provada e não provada, pelo que restringe o seu recurso à matéria de direito;

2. O Ministério Público conforma-se com a decisão recorrida quanto à absolvição do arguido pela prática do crime de violação da menor B... ;

3. Mas o Ministério Público entende que os factos dados como provados, relativamente à, então menor, D... consubstanciam o crime de coacção sexual de que o arguido vinha acusado e não o crime de assédio sexual que o tribunal a quo entendeu estar preenchido - pelo que houve violação do disposto no artigo 163º nº 1 do Código Penal;

4. Com efeito, o artigo 163º, nº 1 do Código Penal não exige que a ameaça seja típica, nem que a sua gravidade seja aferida pela sua subsunção a alguma das circunstâncias agravantes previstas no artigo 155º, nº 1 do Código Penal;

5. Ao invés, exige que a gravidade da ameaça seja aferida em face de todas as circunstâncias concretas, em termos objectivos, mas numa perspectiva de adequação da mesma à contracção da liberdade da vítima;

6. Considerando o grau de propagação e difusão dos conteúdos disponibilizados na internet, mormente os de cariz sexual, a ameaça de divulgação de imagens de intimidade corporal e/ou sexual da D... tinha o grau de gravidade e intensidade para ser adequada, apta e eficaz a manipular a liberdade sexual da mesma, subsumindo-se, por isso, à previsão legal do artigo 163º, nº 1 do Código Penal;

7. Atendendo que a pena abstracta aplicável ao crime de coacção sexual, na forma tentada, se situa entre 1 mês e 5 anos e 4 meses de prisão, entende o Ministério Público que a pena concreta a aplicar se deverá situar próxima de 1 ano e 6 meses de prisão; 8. Sendo a pena abstracta, prevista para o crime de detenção de arma proibida, a de prisão de 1 a 5 anos ou multa até 600 dias e tendo o tribunal a quo considerado, e bem, que a pena pecuniária era de excluir, não havendo nenhuma circunstância que permitisse a atenuação especial da pena, jamais poderia aplicar ao arguido, como fez, a pena de 10 meses de prisão - pelo que houve violação do disposto no artigo 71º nº 1 do Código Penal;

9. Tal como se admitiu no acórdão recorrido, a "pena concreta a fixar deve ter na moldura abstracta importante gradação relativamente ao limite mínimo";

10. Pelo que pugna o Ministério Público, mormente em face das exigências de prevenção especial, pela condenação do arguido, relativamente ao crime de detenção de arma proibida, em pena próxima dos 2 anos e 6 meses de prisão;

11. E, em cúmulo jurídico, em pena unitária próxima dos 3 anos de prisão;

12. A qual não deve ser substituída, dado o arguido ter cometido o mesmo tipo de crime no decurso da suspensão da execução da pena de prisão anteriormente aplicada».

3.

O recurso foi admitido.

O arguido respondeu.

Alegou que as mensagens enviadas a D... ocorreram entre finais de Abril de 2014 e 18-5-2014. Para além disso dado que ele e D... nunca estiveram juntos, nunca falaram e não se conheciam não é possível defender que as referidas mensagens a pudessem coagir a aceitar ou praticar actos sexuais relevantes. Diz também que em tais circunstâncias a destinatária poderia ser uma mulher adulta, assim como o remetente poderia ser uma mulher ou alguém incapaz de prática sexual credível.

 Defende, ainda, o arguido que no circunstancialismo concreto o envio das mensagens nem sequer integra a figura da tentativa: o envio de mensagens para quem não se conhece e nunca se viu assume a natureza de actos inidóneos.

Mas a entender-se, como o acórdão recorrido entendeu, que se trata de actos de execução, então só pode tratar-se de actos de execução do crime de assédio sexual, do art. 163º, nº 1, do Código Penal nunca configurando, porém, a situação de ameaça grave, que se reclama.

Relativamente ao pedido de agravação da pena pelo crime de detenção de arma proibida, diz o arguido que o circunstancialismo da detenção retiram o carácter impressivo ao crime, facto que foi considerado na pena aplicada.

A Exmª P.G.A. emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, já que a ameaça foi grave, porque o arguido tentou coagir D... através da chantagem que exerceu sobre ela. Quanto à pena aplicada ao crime de detenção de arma proibida, considerando que o tribunal recorrido afastou a aplicação da pena de multa e que a pena de prisão aplicável se situa entre 1 ano e 5 anos não podia ser-lhe aplicada uma pena de 10 meses de prisão.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

4.
Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.
Realizada a conferência cumpre decidir.


*


FACTOS PROVADOS

5.

No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:

«1.A menor B... nasceu a 08/01/1999 e residia, em finais de 2013/inícios de 2014, com os seus pais e uma irmã, em Viseu, no (...) , tendo por ocasião do Natal de 2013 mudado para a localidade de (...) , Tondela, onde ainda hoje residem.

2. Em data e forma não concretamente apurada, mas ocorrida em inícios de Novembro de 2013, o arguido conseguiu obter o número de telemóvel da menor B... .

3. Em data não concretamente apurada, mas ainda em inícios de Novembro de 2013, o arguido, através do seu telemóvel com o nº (...) , começou a trocar mensagens SMS com a menor B... , acabando ambos por falar ao telemóvel, dizendo-lhe que queria encontrar-se com ela e conhecê-la pessoalmente, no que ela anuiu.

4. Assim, em dia não concretamente apurado, mas situado em início de Dezembro de 2013, a menor, via SMS, combinou com o arguido encontrarem-se os dois num café próximo da Central de Camionagem de Viseu, o que veio a acontecer, ali tendo estado a falar durante algum tempo.

5. Posteriormente, o arguido e a menor B... continuaram a trocar mensagens SMS para o telemóvel, combinando novos encontros e encontrando-se ainda outras vezes, chegando o arguido a dar à menor a quantia de 40€ em notas do BCE e um telemóvel Samsung Galaxy S4, de cor preta.

6. Assim, no dia 6 de Janeiro de 2014, o arguido e a menor B... combinaram encontrar-se no Parque de Estacionamento do Supermercado “Pingo Doce” em Tondela, o que aconteceu pelas 16h40m.

7. Contudo, neste dia, quando a ofendida B... entrava no veículo do arguido, foi surpreendida pelo seu pai C..., que estava próximo e a impediu de entrar, chamando-a, pondo-se o arguido de imediato em fuga.

8. De modo não concretamente apurado, o arguido obteve o número de telemóvel de D... , passando pelo menos a partir de 22 de Abril de 2014, a enviar várias mensagens SMS, para o telemóvel daquela com o número, tentando convencê-la a encontrar-se consigo.

9. Como esta D... não aceitasse encontrar-se com ele no dia 18 de Maio de 2014 o arguido enviou, a partir do seu telemóvel com o nº (...) , para a mesma as seguintes mensagens SMS, respondendo-lhe ela através do seu nº (...) com as mensagens SMS assinaladas com “X”:

10. mensagens recebidas                                                                   nome               numero

Data – 18-5-2014                                                                              não tem                        (...)

- Não queres falar tudo bem a escolha é tua só te digo vais arrepender te

muito vou enviar mais umas poucas se não responderes já – 9h24

XMas o que queres tu? – 9h26

- Chegar a um acordo pacífico e parar com tudo isto para não te magoares – 9h28

X Que acordo? – 9h29

- Passamos apenas dez minutos os dois e entrego te tudo e acabao os problemas

todos de vez – 9H31

X Mas eu não tenho tempo – 9h32

- E então quando tens tempo – 9h34

- Continuas a tentar enganar me e eu não gosto disso vamos resolver isso duma vez

nunca mais volto a incomodar te entrego te tudo hoje – 9h57

- Então como ficamos – 10h06

- Então respondes ou não nãoposso estar toda a vida à espera – 10h12

- Está me a parecer k vou ter de ir para vila maior da parte da tarde – 10h25

- Queres responder ou não??? – 10h27

- Foda se vou meter uma foto na net agora mesmo – 10h32

- Não espero nem mais um minuto vou começar a fazer merda prepara te – 10h53

- Anda lá fala comigo tenho uma proposta a fazer te pensei melhor – 10h57

X O que? – 11h03

- Tenho uma proposta para te fazer – 11h05

X O que? – 11h06

- Passamos dez minutos os dois eu quemo tudo e ainda te dou cem euros diz se queres – 11h09

- Então aceitas ou não ou tens algo a pedir mais diz como queres – 11h14

X Tenho medo – 11h22

- Então não me queres dizer como queres resolver isto – 11h23

- Medo do que diz – 11h23

X N sei. Apenas quero que apagues tudo e não me intimides mais – 11h24

- Eu sei e apago mas podíamos passar um pouco eu dou te o k quiseres – 11h26

X Então apaga tudo se faz favor – 11h26

- Sim apago mas prometes k passamos um bocado os dois e ainda te dou o guito – 11h34

- E então k me dizes pede o k queres k eu começo a apagar tudo – 11h36

- Então vamos ou não por um fim a isto de vez – 11h43

- Foda se não me parece k queiras resolver isto a bem – 11h50

X Tive que fazer umas cenas – 11h58

- E então queres os cem euros ou queres mais diz – 12h09

X N sei, tenho que pensar – 12h10

X Já apagaste as fotos? – 12h11

X Todas – 12h11

- Entã pensa podíamos ser bons amigos e nunca mais havia xatices mas dou te mais

se quiseres diz só quanto queres – 12h13

X Já as apagaste todas – 12h14

- Apaguei os vinte discos so tenho o original por apagar – 12h17

X Então apaga esse também se faz favor – 12h17

- Faz me uma promessa de estar comigo hoje e eu apago tudo e ainda te dou o k quiseres – 12h20

X Desculpa mas hj n vai dar – 12h21

- Então diz quando vai dar k eu não faço mais nada para te prejudicar – 12h23

- Quem sabe se fores simpática comigo passamos só um bocado a conversar e nada mais e

ficamos bons amigos – 12h30

X N me prejudiques mais e apaga tudo – 12h49

- Todas as pessoas a quem envie pedi para as apagaren disse k foi um engano encontra te

comigo só um pouco e eu apago o disco original de vez – 12h53

- Preciso mesmo falar pessoalmente contigo ainda há coisas k não sabes e são graves

Também por isso precisamos falar – 12h55

X Diz o que é – 13h02

- Tu não me odeis por eu ter as fotos não fui eu k as tirei nem te conhecia eu comprei as

a um rapaz novo k queria meter tudo na net eu paguei caro por elas se não fosse

eu estavas bem todidcompreend isso ninguém fazia o k te fiz mereço agradecimento

da tua parte – 13h09

- Quando poderes falar um pouco por chamada diz k eu ligo te – 13h18

X Quem era essa pessoa? – 13h38

- Um rapaz novo com um carro azul escuro k por sorte me mostrou e eu disse lhe k

pagava bem para comprar tudo – 13h41

X Diz me o aspecto dele – 13h41

- Magro alto e meio russo do cabelo e é da zona de santa cruz – 13h43

X Como se chama ele? – 13h45

- Não me quis dizer o nome mas eu ligo te para falar é melhor – 13h48

X Não. Arranja me o nome dele – 13h48

- Como posso saber isso não te lembras quando me dissest k um gajo tinha feito mal

eu disse k o limpava pensav k era esse macaco entendes agora – 13h52

- Pois mas eu pensei por que paguei e ele podia voltar a incomodar diz quando

posso ligar te – 13h55

X Não quero falar por chamada cmninguém, pfv tenta compreender – 13h56

- Então não falo mais fode te ando farto de malucos vou metes esta merda toda na net

não fales mais comigo não quero saber mais nada pensasses antes de andar

a foder com quem calha – 14h04

X Pfv não faças isso – 14h05

X Eu n andei a fazer nada – 14h07

- Queres dar me os meus quinhentos euros agora à tarde ou vou entregar esta

merda aos teus pais não quero mais nada contigo – 14h08

X N tenho dinheiro. Apaga isso tudo pfv – 14h09

- Não quero saber vou trocar de roupa e vou a procura dos teus pais quero o meu

dinheiro já estou farto das tuas merdas – 14h10

X Não faças isso – 14h14

- Apago tudo e no fim agarro me o caralho fico sem dinheiro ou te encontras comigo

agora ou procuro os teus pais porisso escolhe já porque vou para aí agora – 14h16

- Estou farto de ti e das tuas merdas vou agora para aí ou apareces tu ou procuro

os teus pais alguém tem k me pagar o k gastei contigo – 14h18

X Pfv não – 14h19

- Nem k me des a cona já não quero vai toda a gente ver a vaca k tu és arranja o

dinheiro já porque agora mesmo estou aí – 14h22

X Apaga me isso pfv – 14h22

- Com estas fotos não vai ser difícil saber onde norastoda agente vai ficar a saber o k

andas te a fazer e com quem fodes – 14h52

- Dentro de maia hora estou aí diz se é contigo k falo ou com os teus pais quero o

guito agora – 14h52

Tentou ligar-lhe 1 vez – 18/05/2014, 14:30 – 14h52

- Estou a chegar diz qual a tua casa para não andar com as fotos a mostrar às pessoas

para saber onde moras – 15h21

- Estive agora em tua casa cor de rosa uma eira à frente e com dois barracões dos lados

do s. K... k trabalha na (...) ele deve ter dinheiro pede lhe tens até hoje à noite

ou então apareces no cruzamento sem falta hoje as 23 horas ou entrego tudo – 16h14

- Está tudo fodido já ninguém te acode pensas k ando a brincar – 16h16

- Não queres resolver a bem pois então espera só um pouco D... – 16h21

- Responde ou vou para aí agora – 16h23

- Minha senhora mande me o número de telefone seu ou do seu marido quero reenviar

para vocês todas as mensagens k tenho para verem quem mente. obrigado – 19h12

n me prejudique mais e apaga tudo – 19h12

11. Através das mensagens SMS supra referidas, o arguido criou na D... , como era seu propósito e disso estava ciente, receio daquele divulgar a terceiros designadamente pela internet quaisquer imagens relativas à intimidade corporal e/ou sexual da mesma.

12. O arguido agiu naqueles termos, com o propósito de satisfazer os seus impulsos libidinosos e, mediante aquele medo que lhe causou, vencer a resistência de D... para conseguir relacionar-se sexualmente com a mesma designadamente apalpar-lhe a zona genital e/ou os seios, o que ele não obteve por razões alheias à sua vontade já que, destarte o sucedido, esta não cedeu a tanto.

13. Em toda a relatada atuação, o arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, ciente que a sua conduta era proibida e punida por lei.

14. No dia 28 de Julho de 2014, cerca das 7h10m, foram cumpridos os mandados de busca domiciliária judicialmente emitidos, tendo sido encontrado e apreendido em casa do arguido:

i. Sobre a mesinha de cabeceira do quarto de dormir do arguido, um telemóvel de marca Nokia, DUAL-SIM, com os IMEIS’s 358293047976047 e 358293047976054 e com dois cartões TMN com as referências 013216192624 e 000045603504500;

ii. 16 munições de calibre .32 S&WLong de marca GFL; três munições de calibre.32 S&WLong, uma de marca GFL, outra de marca W.R.A.CO” com projéctil de forma ogival, em chumbo e outra de marca R.P. com formato ogival, em chumbo; uma munição de calibre .32 S&WLong” com a referência F C” e projéctil em chumbo de formato cilíndrico com a ponta cortada; duas munições de calibre 6,35 mm da marca “S&B” com projécteis ogivais e encamisados;

iii. Na gaveta do móvel da sala, foi encontrado um telemóvel de marca Nokia, modelo 1100, com o IMEI 352262012253068 e contendo no seu interior o cartão da TMN com a referência 000049668250900;

iv. Num anexo à mesma residência, foram encontrados e apreendidos uma pistola semiautomática de marca “Walther”, modelo P5, calibre “9X19mm”com o nº de série 013620, sem a parte do cano e com o carregador inserido (desmuniciado); vários papéis com anotações de números de telefone;

v. Uma faca/navalha de abertura automática (“ponta e mola”, com cabo em material sintético, lâmina com 8,2 cm de comprimento por 1,90cm de largura, com a referência "Stainless”, que, quando aberta, apresenta o comprimento total de 19cm;

vi. Nuns arrumos anexos, foram encontrados um telemóvel marca Nókia modelo 2630; um telemóvel marca Sony Ericsson modelo w295; um telemóvel marca Nokia modelo E71-1; dois telemóveis marca Nokia modelo 7110; um telemóvel marca Nókia modelo R12; um telemóvel marca Nokia modelo 1662-2; Um telemóvel marca ZTE modelo TMN Easy; três telemóveis marca ZTE modelo TMN 1200; um telemóvel de marca Siemens modelo A6; os cartões de telemóvel com os números (...) , (...) e (...) ;

vii. No interior de um veículo automóvel com a matrícula JZ- (...) , parqueado num anexo contíguo à residência do arguido foram ainda encontradas e apreendidas uma espingarda de um cano da marca “Fabarm” modelo “Ellegi” com o nº série 462891 com um cano de alma lisa com70 cm de comprimento, tratando-se de arma de fogo longa com sistema semiautomático; e

viii. uma espingarda de dois canos cerrados e dois gatilhos, com a designação “Marocchi” e o nº sério 28984, calibre 12, de canos sobrepostos, alma lisa, com 71 cm de comprimento e dois gatilhos, em mau estado de conservação mas apta a disparar.

15. Todas as armas e munições apreendidas se encontravam em razoável estado de conservação e limpeza, sendo que as armas de fogo estavam aptas a disparar e os projeteis estavam bons para efetuar tais disparos (nas armas a que, respetivamente, correspondiam), sendo certo que na Walther tal funcionalismo se atingiria bastando prover a mesma de cano adequado.

16. O arguido não se encontrava devidamente autorizado a deter aquelas armas e munições, não tendo a licença que a tal permitisse, nem tanto era passível relativamente a algumas delas.

17. Ao atuar na forma descrita, o arguido sabia e quis ter em seu poder as armas e munições que lhe foram apreendidas, cujas características conhecia, nas condições ilegais sobreditas.

18. Agiu deliberada, voluntária e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

19. O arguido é oriundo de um agregado familiar estruturado, composto pelos progenitores e dois irmãos mais novos. Não obstante a deficiência física do pai ao nível da locomoção, este conseguiu manter a atividade profissional na reparação de relógios, por conta própria, assegurando a subsistência do agregado com estabilidade, dedicando a mãe do arguido, às tarefas domésticas. A dinâmica familiar é descrita como positiva, gratificante e de suporte recíproco, não havendo referências a problemáticas específicas, significativas.

20. Frequentou a escola até aos 11 anos, chegando ainda a frequentar o 5.º ano da Telescola, vindo entretanto a abandonar a formação escolar para passar a auxiliar o pai na sua oficina. Mais tarde viria a completar o 9.º ano de escolaridade no âmbito do Programa Novas Oportunidades, tendo igualmente efetuado formação na área da eletrónica.

21. Viveu e trabalhou com os progenitores até casar aos 22 anos, tendo apenas estado fora 16 meses para cumprir o serviço militar.

22. Esta relação terá entrado em rutura 12 anos depois, segundo o arguido por terem projetos de vida diferentes. A filha do casal, à data com 12 anos, ficou a viver com a mãe, mas manteve contactos regulares com o progenitor e com o novo agregado que este veio a constituir três meses depois da separação.

23. Segundo o arguido ambos os relacionamentos se pautaram pelo relacionamento adequado, isento de violência, encontrando-se com a atual companheira há 16/17 anos.

24. Refere ter tido uma vivência sexual normal com a esposa e companheira, negando alguma vez ter recorrido a prostituição, assumindo contudo um relacionamento extraconjugal com uma senhora mais velha (anterior aos factos que lhe são imputados).

25. O arguido foi condenado no processo n.º 340/06.5TATND pela prática do crime de detenção/fabrico e transformação de arma proibida, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão, suspensa por igual período com imposição de regras de conduta, cuja execução se encontra em curso, com trânsito em julgado em 18.11.2011, conforme certidão da decisão do processo n.º 340/06.5TATND de fls.970-1024 que aqui se dá por inteiramente reproduzida.

26. Neste processo foram também condenados o pai e os irmãos do arguido, mas esta condenação teve pouca repercussão no meio, uma vez que todos eles são pessoas bem consideradas e com imagem positiva, atribuindo a posse de armas a um gosto e não como forma de intimidar os outros.

27. II - Condições sociais e pessoais

28. À data factos, o arguido residia com a companheira de 37 anos, solteira e com os dois filhos desta relação, de 15 e 11 anos, ambos estudantes.

29. O agregado residia em casa própria, com boas condições de habitabilidade, dispondo de uma situação económica equilibrada, dedicando-se o arguido, por conta própria, à atividade de reparações elétricas e instalação de sistemas de som, sendo coadjuvado pela companheira.

30. No meio de residência, o arguido tem uma imagem positiva, sendo caracterizado como uma pessoa trabalhadora, prestável, sempre disposto a ajudar os vizinhos, sem registo de qualquer comportamento agressivo.

31. Esta imagem é extensível tanto à companheira como à família de origem.

32. III - Impacto da situação jurídico-penal

33. No estabelecimento prisional, o arguido tem uma inserção isenta de reparos. Tem recebido visitas frequentes dos familiares e amigos, os quais lhe manifestam todo o apoio.

34. O arguido tem a seguinte condenação:

a) no processo n.º 340/06.5TATND pela prática do crime de detenção/fabrico e transformação de arma proibida, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão, suspensa por igual período com imposição de regras de conduta, cuja execução se encontra em curso, com trânsito em julgado em 18/11/2011conforme certidão de fls.970-1024 que aqui se dá por inteiramente reproduzida».


*

DECISÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação as questões a decidir respeitam ao enquadramento legal dos factos provados, no que ao invocado crime de coacção sexual respeita, e à pena aplicada pela prática do crime de detenção de arma proibida.


*

            O art. 163º do Código Penal, que prevê e pune o crime de coacção sexual, dispõe, no seu nº 1, que «quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, acto sexual de relevo é punido com pena de prisão de um a oito anos».

            Acrescenta o nº 2 que «quem, por meio não compreendido no número anterior, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar ato sexual de relevo, consigo ou com outrem, é punido com pena de prisão até 5 anos».

            O que distingue os casos do nº 1 e do nº 2 são os meios de que o agente se socorreu para constranger a vítima a praticar acto sexual de relevo, exigindo o nº 1 que esses meios sejam a violência, ameaça grave ou o acto de ter tornado inconsciente a vítima ou impossibilitada de resistir.

            O arguido foi absolvido da prática deste crime, na forma tentada, porque, e citamos:

«… A ameaça grave representa a forma mais grave de violência psíquica, que coincide com a prevista no art.155º, nº1, al. a), do C. Penal. A ameaça grave aqui relevante deve considerar-se, segundo o seu conteúdo, medida e intensidade, tipicamente mais exigente do que a ameaça comum do art.154º.

Ora, a ameaça de divulgação de fotografias, que o arguido lhe dizia ter comprado a terceiro, sobre a intimidade corporal e/ou sexual da vitima, sendo um “mal importante” não tem na penalidade correspondente (art.192º, nº1, do C. Penal), nem na sua medida e intensidade, gravidade superior àquela suposta pelo tipo simples da ameaça prevista no art.154º, do C. Penal.

Contudo, é evidente o propósito do arguido se aproveitar do receio causado na vítima para conseguir dela, constrangendo-a, a praticar acto sexual de relevo consigo, o que só não conseguiu por razões alheias à sua vontade.

Acto sexual de relevo é um conceito indeterminado delimitado em função das realidades sociais, das concepções reinantes e da própria evolução dos costumes sociais, despojado de todo o conteúdo ou significado moralista.

Figueiredo Dias, in "Comentário Conimbricense - Código Penal - Parte Especial" - Tomo I, pg.447-449, define “acto sexual”, no sentido do art.163º, como sendo todo aquele comportamento, em regra activo, “que, do ponto de vista predominantemente objectivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionado com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou o pratica”.

Questionando “se a esta conotação objectiva deve acrescer uma outra subjectiva, traduzida na intenção do agente de despertar ou satisfazer, em si ou em outrem, a excitação sexual (dita também intenção libidinosa)”, o ilustre penalista defende a prevalência da interpretação objectivista, lembrando, todavia, que “a circunstância de não se conferir relevo típico à intenção libidinosa não significa, atenta a multiplicidade de formas que a sexualidade pode assumir, que o carácter sexual do acto deva ser examinado na sua pura individualidade exterior; relevante para determinação do seu conteúdo e significado pode ser também o circunstancialismo de lugar, de tempo, de condições que o rodeia e que o faça ser reconhecível pela vítima como sexualmente significativo”.

Contudo, actos sexuais integrantes do tipo de coação sexual são apenas aqueles que, na perspectiva do bem jurídico tutelado, devam considerar-se de relevo, o que equivale, ainda aqui do ponto de vista objectivo, à comprovação positiva de que “o acto representa um entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima”.

José Mouraz Lopes, in ob. cit., pg. 27 e 28, aponta como exemplos de acto sexual de relevo: “cópula, cópula vulvar ou vestibular, penetração peniana anal, v. g. «coito anal», penetração peniana bucal, v g. «coito oral»; beijo lingual; excitação do clítoris de uma paciente na ocasião de um exame ginecológico; passar as mãos nas coxas, seios, órgãos sexuais e ainda todas as formas de manipulação (v g. mas­turbação).

Ora, não oferece dúvida que o contacto corporal desejado pelo arguido com a vítima, elemento decisivo na esfera sexual que nos ocupa, configura um acto sexual e de relevo, pois, viola intensamente a liberdade de expressão sexual da vítima de acordo com as concepções sociais dominantes.

Contudo, essa finalidade não foi conseguida, apesar dos atos de execução levados a cabo pelo arguido para o efeito (art. 22º, nº1 e 2º, al. a) e b) do C. Penal), configurando assim a sua conduta um crime de assédio sexual, na forma tentada, prevista pelo art.163º, nº2, do C. Penal, com pena de prisão até dois anos e, portanto, não é punível nos termos do art.23º, nº1, do C. Penal».

            Tendo em conta que está provado que ao enviar as mensagens o arguido pretendeu «satisfazer os seus impulsos libidinosos e, mediante aquele medo que lhe causou, vencer a resistência de D... para conseguir relacionar-se sexualmente com a mesma designadamente apalpar-lhe a zona genital e/ou os seios» estamos perante um acto sexual de relevo.

           

            A questão em discussão é saber se a ameaça de divulgação de imagens íntimas na internet integram o conceito de ameaça grave do nº 1 do art. 163º do Código Penal.

           

            O acórdão recorrido disse que não. Entende que o conceito de ameaça grave desta norma deve considerar-se, segundo o seu conteúdo, medida e intensidade, tipicamente mais exigente do que a ameaça comum do art.154º, sendo que a ameaça de divulgação de fotografias sobre a intimidade corporal e/ou sexual da vitima o não é.

            Do mesmo modo o arguido defende que não se verifica tal ameaça, sendo que a demonstração desta realidade reside no facto de arguido e vítima nunca se terem visto nem conhecido. Defende, ainda, que a consumação do crime do art. 163º exige contacto corporal.

A favor da sua verificação, e contra o entendimento do tribunal, o Ministério Público alegou que a ameaça prevista nesta norma não terá que ser – palavras nossas -, tão grave como aquela prevista noutros tipos legais de crime e que «Considerando o grau de propagação e difusão dos conteúdos disponibilizados na internet, mormente os de cariz sexual, a ameaça de divulgação de imagens de intimidade corporal e/ou sexual da D... tinha o grau de gravidade e intensidade para ser adequada, apta e eficaz a manipular a liberdade sexual da mesma». Por isso, conclui, o crime praticado é o do nº 1 do art. 163º do Código Penal.

            O conceito de ameaça nas normas em que a sua verificação é pressuposto do crime respectivo integra-se com recurso ao princípio geral: mal, futuro, dependente da vontade do agente.

Sobre o conceito de “ameaça” no crime de coacção sexual diz Figueiredo Dias [1]que «… deve entender-se por ameaça a manifestação do propósito de causar um mal ou um perigo se a pessoa ameaçada não consentir no acto sexual. Nesta medida poderá reentrar neste conceito, em parte, a violência psíquica …».

            Diz, ainda, que a ameaça grave de que fala esta norma nada tem a ver com a ameaça de mal importante a que se refere o art. 154º do Código Penal.            E explica: «… aqui [no caso do art. 163º, nº 1] está em causa sobretudo a medida ou a intensidade da ameaça, enquanto no art. 154º está em questão o seu conteúdo. Mas, analisada a diferença à luz dos casos práticos que na coacção sexual e na coacção geral estão em questão e, sobretudo, posta em evidência a teleologia de um e outro preceito, parece dever concluir-se que também a ameaça aqui considerada deve ter por conteúdo um mal importante. Logo porque uma ameaça com mal insignificante não pode considerar-se grave … a ameaça relevante para efeito deste artigo deve considerar-se tipicamente mais exigente do que a que ocorre no art. 154º. Nesse sentido fala desde logo a circunstância de a punição prevista neste caso ser mais grave do que a prevista para a coacção geral. Deve requerer-se, por isso … que a ameaça seja grave não só segundo o seu conteúdo, mas também segundo a sua medida e a sua intensidade …».

            É entendido que o mal importante da ameaça referida no art. 154º do Código Penal pode ser de um acto ilícito ou lícito, por um lado, e tem que ser adequada a constranger o ameaçado à prática do acto querido pelo agente: «só deverá considerar-se mal importante aquele mal que é, nas circunstâncias do caso concreto, susceptível ou adequado a fazer dobrar a vontade do ameaçado … mal importante é igual a mal adequado a constranger o ameaçado, e mal adequado é igual a mal que, tendo em conta as circunstâncias concretas (idade, pobreza, dependência económica do coagido face ao ameaçante, sensibilidade individual e social do ameaçado, etc) do ameaçado é visto pelo homem comum como susceptível de coagir o ameaçado … Em conclusão, o critério da importância do mal reconduz-se ao critério da sua adequação a constranger, e este, tal como aquele, é um critério objectivo-individual: objectivo, na medida em que se apela ao juízo do homem comum; individual, uma vez que se tem de ter em conta as circunstâncias concretas em que é proferida a ameaça …»[2].

            É curioso como em tempos de tanta evolução social, em que novas formas de convívio social, sexual, familiar são adoptadas e generalizadamente aceites, ainda haja pessoas que continuam a recorrer à ameaça de divulgação, em meios de grande divulgação como é a internet, de imagens íntimas de outras pessoas, designadamente de cariz sexual, ou notícias desse teor, muitas vezes falsas, para as compelirem a fazer algo.

            Estamos a pensar não só nos casos de cidadãos anónimos de que temos conhecimento diariamente, mas também de pessoas conhecidas, as chamadas famosas.

            E, então, esta prática mantém-se porquê?

            Precisamente porque o agente sabe que este tipo de ameaça é, em regra, um bom veículo para alcançar os seus desígnios.

É fácil perceber o medo, mesmo pânico, que a ameaça de divulgação de fotografias íntimas, de imagens da prática de actos sexuais provoca na pessoa visada, desde logo porque numa sociedade profundamente preconceituosa e moralista quer a vítima quer o agente sabem que a censura é, em regra, dirigida à pessoa ameaçada e não ao agente. E quando a vítima é mulher e o agente homem estão todos estes preconceitos se elevam a níveis superlativos, de tal maneira que muitas vezes os processos ficam pelo caminho por as vítimas saberem que a ocorrência de julgamento ainda lesará mais a sua imagem e bom nome.

A prática de qualquer acto sexual entre adultos e de forma livre é permitida. Porém, a divulgação de imagens deste teor provoca na sociedade uma censura grande dirigida à mulher que praticou esse acto. E a censura ainda é maior se essa mulher até colaborou ou permitiu na recolha de imagens, ainda que tal tenha acontecido no âmbito de uma relação afectiva duradoura.

E é por tudo isto que muitas vezes as vítimas cedem ao agente.

E é por isto que o recurso a este tipo de ameaça continua a crescer.

            Decidiu em tempos o S.T.J. – acórdão de 19-5-1999, proferido no processo 98B758 -,

que é ameaça grave, integradora do art. 163º, nº 1, aquela que é causa adequada da prática do acto sexual, isto é, de a vítima suportar o delito em consequência da ameaça. Disse o mesmo acórdão, citando Beleza dos Santos, que a coacção moral deve inspirar na vítima o receio de se expor a um mal considerável e imediato, receio que explica a falta de resistência da vítima.

            E concluiu que «houve ameaça grave quando o recorrente, depois de ter filmado actos sexuais que teve com a ofendida para que ela não opusesse resistência à continuação daqueles actos, a ameaçou de divulgar o filme.

Qualquer mulher é ciosa da sua vida intima, especialmente no aspecto sexual e compreende-se facilmente que a ameaça de divulgação dos actos sexuais tenha sido idónea para constranger a ofendida a continuar a sujeitar-se às relações sexuais e que, entre isto e suportar a divulgação das imagens, a assistente tenha optado pela continuação das relações com o arguido …».

            E é por tudo quanto referimos que temos a ameaça veiculada pelo arguido como integradora do conceito de ameaça grave: o arguido ameaçou a vítima com a prática de um mal futuro, mal este adequado a conseguir que a vítima fizesse o que ele queria que ela fizesse, que era a prática de acto sexual de relevo.

            E se pensarmos que tudo aquilo que se coloca na internet fica lá para sempre então é inegável concluirmos pela grande potencialidade de tal ameaça.

            É esta adequação que torna apetecível o recurso à mesma.

É certo que não sabemos que imagens eram essas que o arguido tinha em seu poder, uma vez que elas não constam do processo, mas aquilo que resulta, sem qualquer sombra de dúvida, das mensagens enviadas pelo arguido à ofendida é que as imagens eram de situações íntimas. Recordemos uma destas mensagens «Com estas fotos não vai ser difícil saber onde noras toda a gente vai ficar a saber o k andas te a fazer e com quem fodes».

O arguido contrapõe dizendo que ele e a vítima nunca estiveram juntos, nunca se falaram e não se conheciam e que isto impede que se entenda que as referidas mensagens que enviou a pudessem coagir a aceitar ou praticar actos sexuais relevantes, para além de que a destinatária poderia ser alguém incapaz de prática sexual credível.

Primeiro há que referir que não está provado que o arguido e vítima não se conhecessem e não está provado que o arguido não soubesse quem era a D... .

Por outro lado está provado que o arguido obteve o número de telemóvel da D... , que a partir de 22-4-2014 passou a enviar-lhe sms tentando convencê-la a encontrar-se consigo e como não conseguiu no dia 18-5-2015 enviou-lhe as mensagens acima descritas. Com estas mensagens o arguido criou na D... , como era seu propósito e disso estava ciente, receio daquele divulgar a terceiros designadamente pela internet quaisquer imagens relativas à intimidade corporal e/ou sexual da mesma, tendo o arguido agido desta forma para conseguir relacionar-se sexualmente com ela – factos 8 a 12 da matéria provada.

Entendemos, portanto, que o arguido quis cometer o crime imputado, só o não tendo conseguido por motivos alheios à sua vontade.

O crime cometido é punível com pena de prisão de um a oito anos.

No entanto, e como estamos perante a figura da tentativa, esta pena é especialmente atenuada, nos termos do art. 73º do Código Penal, pelo que a moldura penal concreta se situa entre um mês e os cinco anos e quatro meses de prisão.

Dispõe o art. 40º, nº 1 e 2, do Código Penal, que as finalidades das sanções penais são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo o limite inultrapassável da pena a culpa do agente.

À defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva, reporta-se a prevenção geral positiva ou de integração, e esta é a finalidade primeira da pena, no quadro da moldura penal abstracta. Depois, a sua fixação estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

            Partindo destas considerações gerais os art. 70º e segs. do Código Penal estabelecem as regras da escolha e medida da pena.

Nos termos do nº 1 do art. 71º «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».

Acrescenta o nº 2 que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias passadas, presentes e futuras que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente a ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo ou da negligência, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.

            Percorridos estes itens a medida da pena é-nos dada pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, ou seja, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a sua medida concreta é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente surge a culpa, que indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas[3].

            Portanto, na fixação da pena há parâmetros de análise vinculativos que têm que se considerar.

No caso dos autos a ilicitude e dolo revelados são elevados e os sentimentos manifestados censuráveis.

Sobre as condições de vida, resulta que o arguido está bem integrado na sociedade, tendo uma imagem muito positiva no meio onde vive. Também no meio prisional ele tem uma imagem boa.

Porém, as necessidades de prevenção geral são elevadas, dada a repetição crescente de factos semelhantes na nossa sociedade.

Considerando tudo isto temos por adequada a aplicação de uma pena de dez meses de prisão.

Dados os factos provados, os relevantes interesses em causa e as necessidades sociais a satisfazer temos por imprescindível manter a pena detentiva aplicada, razão pela qual não se substitui a mesma por qualquer outra pena alternativa.


*

            O Ministério Público também impugna a pena aplicada pelo crime de detenção de arma proibida. Alega que tendo a pena de multa sido excluída do caso e sendo a pena de prisão situada entre 1 ano e 5 anos, nunca o tribunal poderia ter aplicado uma pena de 10 meses de prisão. Diz, ainda, que considerando as exigências de prevenção especial existentes a pena a aplicar deve ser de 2 anos e 6 meses de prisão.

Recordando, nas buscas feitas à casa do arguido foram encontradas as seguintes armas:

- 16 munições de calibre .32 S&WLong de marca GFL; três munições de calibre.32 S&WLong, uma de marca GFL, outra de marca W.R.A.CO” com projétil de forma ogival, em chumbo e outra de marca R.P. com formato ogival, em chumbo; uma munição de calibre .32 S&WLong” com a referência F C” e projétil em chumbo de formato cilíndrico com a ponta cortada; duas munições de calibre 6,35 mm da marca “S&B” com projéteis ogivais e encamisados, no total de 22,

- uma pistola semiautomática de marca “Walther”, modelo P5, calibre “9X19mm”com o nº de série 013620, sem a parte do cano e com o carregador inserido (desmuniciado);

- uma espingarda de um cano da marca “Fabarm” modelo “Ellegi” com o nºsérie 462891 com um cano de alma lisa com70 cm de comprimento, tratando-se de arma de fogo longa com sistema semiautomático

- uma espingarda de dois canos cerrados e dois gatilhos, com a designação “Marocchi” e o nº sério 28984, calibre 12, de canos sobrepostos, alma lisa, com 71 cm de comprimento e dois gatilhos, em mau estado de conservação mas apta a disparar

- uma faca/navalha de abertura automática, “ponta e mola”, com cabo em material sintético, lâmina com 8,2 cm de comprimento por 1,90cm de largura, com a referência "Stainless”, com o comprimento total de 19cm quando aberta.

            Por tais factos o tribunal aplicou ao arguido a pena de 10 meses de prisão, pela seguinte ordem de razões:

«… trata-se da mera detenção das mesmas, não lhe sendo conhecida a sua utilização nem consequências danosas decorrentes da sua conduta.

O dolo do arguido foi direto e intenso.

Colaborou para a descoberta da verdade, confessando no essencial nesta parte os factos.

O arguido apresenta um percurso de vida normativo, nas diferentes áreas da sua vida, familiar, profissional e social, continuando a beneficiar atualmente de um enquadramento familiar estável e fonte de apoio.

São consideráveis as exigências de prevenção especial, atenta a condenação anterior em pesada pena de prisão pelo crime de detenção/fabrico e transformação de arma proibida, o que não afetou a sua inserção social uma vez que os factos são enquadrados num interesse comum à família.

Neste quadro impõe-se concluir que a pena concreta a fixar deve ter na moldura abstracta importante gradação relativamente ao limite mínimo».

            O crime cometido pelo arguido, e que o tribunal recorrido considerou, consta do art. 86º, nº 1, al. c), da Lei das Armas – Lei 5/2006, de 23/2 -, que diz que «quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo

c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias».

            Considerando que não foi referido, nem resulta dos factos, qualquer circunstância determinadora da atenuação especial da pena aplicada, a pena concreta não pode situar-se nos 10 meses de prisão, por violação da lei.

            Considerando, depois, as armas que o arguido detinha, o facto, que o tribunal recorrido também relevou, de não haver conhecimento de alguma vez o arguido ter utilizado tais armas e a boa integração social, familiar e profissional do arguido temos como adequada a pena de catorze meses de prisão.

            O tribunal decidiu não suspender a execução da pena aplicada por entender que existem consideráveis exigências de prevenção especial a satisfazer.

            Conforme está provado, por sentença proferida no processo no processo n.º 340/06.5TATND, em 19-10-2011 o arguido foi condenado pelo crime de detenção/fabrico e transformação de arma proibida nos seguintes termos:

- na pena de 4 anos e 9 meses de prisão com execução suspensa por igual período;

- a suspensão foi condicionada ao cumprimento das seguintes regras de conduta

  • abster-se de ter na sua posse qualquer tipo de arma, ainda que devidamente legalizada, ou da prática de actividades relacionadas com as mesmas;
  • proibição da concessão de qualquer tipo de licenças de armas ou explosivos;
  • sujeitar-se ao acompanhamento da sua situação, por parte da DGRS, devendo esta entidade dar conhecimento ao tribunal da evolução do estado do arguido.

O que resulta é que o arguido cometeu um crime grave ligado à detenção e fabrico de armas e, por isso, foi condenado numa pena grave, proporcional aos factos praticados.

Entretanto, no período de suspensão da execução da pena verifica-se que o arguido passou a ter na sua posse, de novo, armas, comportamento de que estava expressamente proibido de ter.

Portanto, e conforme foi decidido, não é possível formular um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena, pois o arguido demonstrou que a censura do facto e ameaça da pena não são suficientes para o abster de repetir os actos ilícitos cometidos.

            Finalmente, há que proceder ao cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido.

            Em caso de concurso de crimes é aplicada ao agente uma pena única, cujo limite máximo corresponde à soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar os 25 anos, sendo que o limite mínimo é igual à mais elevada pena concreta aplicada aos vários crimes em concurso. Assim o diz o art. 77º, nº 1 e 2, do Código Penal.

Então, temos que a moldura abstracta da pena única a aplicar ao arguido se situa entre os dez meses de prisão e os dois anos de prisão.

A pena conjunta deve ser encontrada quer atendendo aos critérios gerais de determinação da pena – culpa e prevenção -, quer atendendo ao critério especial fornecido pelo nº 1 do art. 77º, que diz deverem ser «considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

Tudo se passa, diz Figueiredo Dias, «como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade» sendo que «só no primeiro caso … será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta» [4].

O modelo de fixação da pena no concurso obriga a olhar para o conjunto, isto é, para os factos, para a sua conexão, e para a relação dos mesmos com a personalidade do seu agente. Por isso os critérios legais de determinação da pena conjunta são diferentes dos que determinam as penas parcelares por cada crime: agora há que abandonar a visão compartimentada, que esteve na base da construção da moldura, e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. Fundamental agora é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse espaço de vida com a personalidade [5].

            Ora, a visão conjunta deste pedaço de vida expõe uma ilicitude elevada considerando o facto de o arguido estar a cumprir uma pena de suspensão de execução da pena pela prática de um crime de detenção/fabrico e transformação de arma proibida.

            Quanto à personalidade do arguido, os factos são dissonantes com a personalidade que resulta do processo, pelo que, não obstante, não se pode afirmar que o arguido aderiu a um projecto de vida ilícito.

            Razão pela qual aplicamos ao arguido a pena única de dezoito meses de prisão.


*

DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, e na procedência parcial do recurso, condenamos o arguido A... :
I – pela prática de um crime de coacção sexual na forma tentada, dos art. 163º, nº 1, 22º e 23º do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão;
II – pela prática de um crime de detenção de arma proibida, do art. 86º, nº1, al.c), da Lei nº5/2006, de 23/2, na pena de 14 meses de prisão;
III – feito o cúmulo jurídico, vai o arguido condenado na pena única de 18 meses de prisão.

Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.

Coimbra, 2016-02-03

(Olga Maurício – relatora)

(Luís Teixeira - adjunto)


[1]In Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, 2ª ed., pág.727/728.
[2]No Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, 2ª ed., pág. 154 e segs.
[3] Anabela Rodrigues, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril-Junho de 2002, pág. 147 e segs.
[4] Direito Penal Português-As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, pág. 291.
[5] Acórdão do S.T.J. de 10-12-2009, proferido no processo 496/08.2GTABF.S1.