Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
428/03.4GCVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 03/05/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU – 2º JUÍZO DE COMPETÊNCIA ESPECIALIZADA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 371º-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E 2º, Nº4 E 50º DO CÓDIGO PENAL.
Sumário: I. - Após a alteração produzida no nº 4 do artigo 2º do Código Penal produzida pela Lei 59/2207, de 4 de Setembro a aplicação do regime concretamente mais favorável ao agente tem lugar mesmo se a condenação, ainda não cumprida, que haja sido imposta ao condenado tenha transitado em julgado.
II. - O meio processual previsto na lei adjectiva para que o condenado, em pena ainda não cumprida, exercite o direito de ver reapreciada a sua conduta ilícita e culposa à luz do regime mais favorável é o normativizado no artigo 371º-A) do Código de Processo Penal, introduzido pela 15ª alteração do Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro - Lei nº 48/2007, de 29.08 com as rectificações adrede.
III. – A audiência em que o tribunal reaprecia a conduta do arguido para hipotizar a aplicação do regime mais favorável não se traduz numa repetição dos actos já praticados na audiência em que a condenação se verificou, devendo, outrossim, reconduzir-se e confinar-se à prática dos actos necessários e pertinentes a completar e integrar a factualidade enformadora da culpabilidade do agente.
IV. – Para que o tribunal possa aplicar o regime mais favorável, no caso concreto, torna-se imperativo que se verifiquem os pressupostos de que a lei faz depender a aplicação da pena de substituição em que se traduz a suspensão da execução da pena: ou seja a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime a às circunstâncias e deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza na seguinte proposição: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do
Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório
1. No processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 428/03.4GCVIS, do 2.º Juízo de Competência Especializada Criminal, do Tribunal Judicial de Viseu, os arguidos A… e J… foram condenados, para além do que se reporta ao pedido de indemnização civil:
A….., pela prática, em autoria material e em concurso real, de quatro crimes de violação agravados, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º1 e 177.º, n.º4, do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão por cada um deles; pela prática, em autoria material e em concurso real, de quatro crimes de coacção grave, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º1 e 155.º, n.º1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um deles; em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 12 anos de prisão;
J………., pela prática, em autoria material e concurso real, de dois crimes de coacção sexual agravados, p. e p. pelos artigos 163.º, n.º1 e 177.º, n.º4, do Código Penal, nas penas de 3 anos de prisão e de 2 anos de prisão; pela prática, em autoria material, de um crime de coacção grave, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º1 e 155.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão; em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 4 anos de prisão.
Ambos os arguidos, inconformados com o acórdão condenatório, recorreram para a Relação de Coimbra, que manteve a decisão recorrida.
Recorreram novamente os arguidos, agora para o Supremo Tribunal de Justiça, que reduziu para 9 anos de prisão a pena conjunta relativa ao arguido A……, tendo sido negado provimento ao recurso interposto por J……...
Este interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, que veio a ser julgado deserto.
2. Já em cumprimento de pena, veio J………, ao abrigo do disposto no artigo 371.º-A, do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, requerer a reabertura da audiência a fim de lhe ser aplicado retroactivamente o regime penal mais favorável.
3. Procedeu-se à reabertura da audiência, após o que o tribunal colectivo decidiu suspender a execução da pena de prisão imposta ao mencionado arguido, pelo período de quatro anos, com regime de prova.
4. Discordando de tal decisão, veio o Ministério Público interpor recurso, alegando, na sua motivação e conclusões, em síntese, o seguinte:
«Em face das circunstâncias inerentes à prática dos crimes - e não obstante a restante matéria fáctica agora aduzida, sobre as actuais condições pessoais do arguido -, julgamos que não se revelam nos autos os pressupostos de que depende uma decisão de suspensão da execução da pena de prisão normativamente justa e criteriosa e ético-socialmente eficaz.
Efectivamente, não cremos que, no caso e em concreto, a aplicação de tal medida, de carácter excepcional, realize, pela simples censura do facto e a ameaça da prisão, de forma adequada as finalidades da punição.
Como bem foi frisado no referido acórdão condenatório:
- É elevado o grau de ilicitude dos factos, pela natureza dos actos de cariz sexual praticados sobre a menor;
-Foram altamente gravosas para a menor as suas consequências, especialmente ao nível psicológico, emocional, afectivo e intelectual;
-É elevada a intensidade do dolo (directo);
-o arguido traiu a confiança decorrente da proximidade física e psicológica face à ofendida, em virtude dos laços de afinidade que ligavam ambos e da efectiva familiaridade de que ele gozava no seio do seu agregado familiar, abusando, pois, também, das especiais relações que mantinha com os respectivos progenitores, circunstâncias que expressam uma enorme indiferença por aqueles laços (que, contra o que era razoável de esperar, não se constituíram em factores de inibição).
Em síntese:
-São, em concreto, prementes as necessidades de prevenção, quer especial, quer geral;
-Os crimes sexuais constituem, precisamente, um dos domínios em que actualmente mais se fazem sentir as necessidades de prevenção.
-Não se denota dos autos um efectivo, sincero e desinteressado arrependimento do arguido.
Por outro lado, estamos seguros que a normatividade jurídico-penal e a significação ético-social desta matriz discursiva não é descaracterizada em virtude de o arguido:
-Ter admitido parcialmente a prática dos factos;
-Se haver apresentado voluntariamente na autoridade policial para ser conduzido ao Estabelecimento Prisional de Braga a fim de cumprir a pena de 4 anos de prisão que lhe foi aplicada;
- Ter condições objectivas de estabilidade no seu agregado familiar de origem (que já antes de decretada a suspensão o desculpabilizava perante terceiros – cfr. o relatório social pedido para a reabertura da audiência), que lhe permitem opções de vida positivas (mantém, efectivamente, uma relação amorosa com uma rapariga de 17 anos, a idade actual da sua vítima);
-Não ter antecedentes criminais.
Insistimos, pois:
Num esforço de prognose, revela-se razoável - quase imperativo, diríamos - supor que a prevenção especial não resultaria acautelada, pois que o arguido, em face do exposto, não oferece, ao nível do risco aceitável, garantias de se afastar, no futuro, da criminalidade sexual, caso a punição se fique por uma advertência de prisão.
E, acima de tudo, agora no plano da prevenção geral, “integrada pela ideia da culpa”, conclui-se que só "exteriorização física da reprovação", pela execução da pena de prisão aplicada, oferece a garantia do sentimento da prevalência dos bens jurídico-penais (que na sua génese ontológica se pretendem preservados), através da íntima assunção, pela comunidade, de que foi aplicada a pena justa, merecida e eficaz.
Há, efectivamente, em vista das finalidades de prevenção, limites mínimos da punição que não devem ser ultrapassados, mesmo perante os ditames da ressocialização, sob pena de intolerável e perniciosa inversão de toda a lógica do sistema jurídico-penal.
(…)
Concluindo:
-Assente que:
O arguido cometeu, em autoria material e concurso efectivo, um crime de “coacção grave” e dois crimes de “coacção sexual” agravados, p. e p., respectivamente, nas disposições dos arts. 154°/1 e 155°/1-a) e 163°/1 e 177°/4 do Código Penal, pelo que foi condenado na pena única de 4 anos de prisão;
-Apurado, pois, em concreto e em síntese, que:
O arguido, de 25 anos de idade, surpreendeu a menor, de 13 anos, na garagem e adega da residência desta quando ela ali se encontrava sozinha;
Em seguida, após a ter agarrado com ambos os braços e a ter imobilizado, a encostou a um bidão de azeite e lhe despiu os calções que ela trajava, e retirou o pénis das calças, após o que tentou introduzi-lo na vagina dela, o que não veio a conseguir por se encontrarem de pé e as estaturas de ambos não o proporcionarem, acabando, no entanto, por lhe introduzir um dedo na vagina;
De seguida, o próprio arguido friccionou o pénis com a mão, tendo forçado a menor também a friccionar-lhe o pénis com a mão dela até atingir a ejaculação;
Noutra ocasião, o arguido se dirigiu à casa de residência da menor, onde esta se encontrava sozinha, e, aí, depois de a ter agarrado pelos braços, a levou à força para a casa de banho, onde a encostou a uma das paredes, após o que começou a beijá-la e a levantar-lhe a “ t shirt” de forma a despi-la para lhe poder beijar os seios, não o tendo conseguido directamente por a menor manter o soutien vestido;
Nessa altura, surgiu na dita casa, vinda da rua, a mulher do arguido, cuja presença, no interior, detectada por ele, impediu que o mesmo prosseguisse os seus intentos de manter relações sexuais com a menor; e
o arguido, após a prática dos factos descritos, disse à menor que a mataria se contasse a alguém o sucedido, o que a impediu de o revelar a quem quer que fosse, receosa, como ficou, de que aquele concretizasse o mal anunciado.
-Apurado ainda que:
Após a condenação em l.ª instância, o arguido pagou à ofendida a quantia de 2.500,000 €, a título de danos morais;
Se apresentou voluntariamente a fim de cumprir a pena de 4 anos de prisão que lhe foi aplicada;
Beneficia de apoio incondicional por parte da família de origem;
Não tem antecedentes criminais.
-Mas comprovado também que:
Foram particularmente gravosas para a menor, ao nível emocional, psicológico, afectivo e intelectual, as consequências dos factos;
Foi de elevada intensidade o dolo (directo), evidenciando a matéria de facto que o arguido agiu em circunstâncias que facilitaram os contactos sexuais com a menor, sozinha e indefesa em casa, do que se aproveitou, e com abuso das especiais relações que mantinha com os respectivos progenitores, cuja casa frequentava;
A menor era sobrinha (por afinidade) do arguido.
-Mostra-se injusta, imerecida, desadequada e ineficaz face à satisfação das necessárias exigências de prevenção especial e geral, integrada esta pelo princípio da culpa, a suspensão da execução da pena de quatro anos de prisão aplicada, ainda que sujeita a regime de prova.
-Violou a douta decisão recorrida o disposto no art. 50°/1 do Código Penal.
Conclui o recorrente formulando um juízo de procedência do recurso e pugnando pela alteração da decisão recorrida, no sentido de não se suspender a execução da prisão imposta.
O assistente secundou a argumentação do recorrente.
5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pronunciando-se, a fls. 982 e 983, no sentido de que o recurso merece provimento, louvando-se, para esse efeito, na motivação apresentada pelo Ministério Público junto da 1.ª instância.
6. Foram colhidos os vistos, após o que realizou-se a conferência, nos termos legais.
II – Fundamentação
1. Conforme jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
O recurso reporta-se, unicamente, à apreciação da suspensão da execução da pena de prisão imposta a J…….. que foi decidida na sequência da reabertura da audiência efectuada ao abrigo do disposto no artigo 371.º-A, do Código de Processo Penal.

2. Factos provados
2.1. Os factos que foram considerados provados no acórdão condenatório originário e que o acórdão recorrido reproduz são os seguintes (transcrição de todos os factos, com indicação em itálico dos que mais concretamente se reportam a J………):
O arguido A………. é irmão da mãe da menor D……, nascida em 19 de Novembro de 1989.
O arguido J…….. é casado com M…………, irmã da mãe da referida menor.
Em data indeterminada do princípio do ano de 2001 mas situada no período compreendido entre o dia 15 de Janeiro e o dia 26 de Fevereiro, na casa de habitação da menor ...., no quarto dela, o arguido A…… manteve relações sexuais com a menor, pese embora esta ter oferecido resistência, sendo que o arguido a agarrou com firmeza e utilizou a sua força muscular, acompanhada com carícias e beijos, enquanto a despiu e baixou as calças dele.
De seguida, o arguido envolveu a menor com os braços para que ela não fugisse, após o que introduziu o pénis erecto na vagina da menor, friccionando-o até ejacular, sendo que, uma vez retirado o pénis no momento da ejaculação, lançou o líquido espermático sobre o corpo despido da menor.
Posteriormente, ainda em data não concretamente apurada do período compreendido entre o dia 15 de Janeiro de 2001 e o dia 26 de Fevereiro de 2001, numa casa geminada à casa de residência da menor, o arguido A……, após ter agarrado a menor, começou a beijá-la na boca.
Depois, mesmo com a resistência da menor, o arguido A……… baixou-lhe as calças e agarrando-a com firmeza continuou a dar-lhe beijos, enquanto a ia despindo, tendo conseguido tirar-lhe a t-shirt, as calças e as cuecas.
Entretanto, o arguido A….. foi-se despindo, baixando também as calças dele, após o que a sentou sobre a mesa da cozinha, sempre envolvendo a menor com os braços para que ela não fugisse, introduzindo-lhe o pénis erecto na vagina onde o friccionou durante algum tempo.
Posteriormente à primeira situação descrita, ainda em data não concretamente apurada do período compreendido entre o dia 15 de Janeiro de 2001 e o dia 26 de Fevereiro de 2001, no barracão anexo à casa de residência da menor, o arguido A….. manteve relações sexuais com a menor, apesar desta ter oferecido resistência, sendo que o arguido a agarrou com firmeza e utilizou a sua força muscular, acompanhada com carícias e beijos, enquanto a despiu e baixou as calças dele.
De seguida, o arguido envolveu a menor com os braços para que ela não fugisse, após o que introduziu o pénis erecto na vagina da menor, friccionando-o até ejacular.
Entretanto o arguido A…… embarcou para Timor Leste integrando o contingente nacional que participou na Força de Manutenção de Paz em Timor Leste (PKF/UNTAET), aonde esteve em comissão de serviço no período de 26 de Fevereiro de 2001 a 11 de Outubro de 2001, com excepção do período de férias gozado entre os dias 19 de Junho e 10 de Julho de 2001 em Portugal.
Durante o referido período de férias, gozado pelo arguido A…….. em Portugal, o arguido manteve, pela última vez, relações sexuais com a menor D…. dentro da casa de habitação desta, apesar dela ter oferecido uma vez mais resistência, sendo que o arguido a agarrou com firmeza e utilizou a sua força muscular, acompanhada com carícias e beijos, enquanto a despiu e baixou as calças dele.
De seguida, o arguido envolveu a menor com os braços para que ela não fugisse, após o que introduziu o pénis erecto na vagina da menor, friccionando-o até ejacular.
Em todas as descritas ocasiões o arguido A……. dirigiu-se aos referidos locais onde a menor se encontrava sozinha.
Em data não concretamente apurada do mês de Junho de 2003 mas anterior ao dia 26, o arguido J...... surpreendeu a menor D.... na garagem e adega da residência desta quando ela ali se encontrava sozinha.
Em seguida, após a ter agarrado com ambos os braços e a ter imobilizado, encostou-a a um bidão de azeite e despiu-lhe os calções que ela trajava, retirou o pénis das calças, após o que tentou introduzi-lo na vagina da D……, o que não veio a conseguir por se encontrarem de pé e as estaturas de ambos não o proporcionarem, tendo, então, o arguido J….. introduzido um dedo na vagina da D…...
De seguida, o próprio arguido J…….. friccionou o pénis com a mão, tendo forçado a menor também a friccionar-lhe o pénis com a mão dela até atingir a ejaculação.
No dia 26 de Junho de 2003, ao fim da tarde, o arguido J…….. dirigiu-se à casa de residência da menor D……., sita na Avenida ............ onde esta se encontrava sozinha.
Aí, após a ter agarrado pelos braços, levou-a à força para a casa de banho. Uma vez no interior da casa de banho, o arguido J…… encostou a menor a uma das paredes, após o que começou a beijá-la e a levantar-lhe a t-shirt de forma a despi-la para lhe poder beijar os seios, não o tendo conseguido directamente por a menor manter o soutien vestido.
Nessa altura, surgiu na dita casa de residência da menor, vinda da rua, a mulher do arguido J……… cuja presença, no interior da casa, detectada pelo arguido, impediu que este prosseguisse os seus intentos de manter relações sexuais com a menor.
Após a prática de cada um dos actos descritos, o arguido A…….. disse à menor que a mataria se contasse a alguém o sucedido, o que a impediu, por mais de dois anos, de revelar a quem quer que fosse o sucedido, receosa como ficou de que o arguido concretizasse o mal anunciado.
Por seu turno, o arguido J……..l, após a prática dos factos descritos, ocorridos em data não concretamente apurada do mês de Junho de 2003 mas anterior ao dia 26, disse também à menor que a mataria se contasse a alguém o sucedido, o que a impediu de revelar a quem quer que fosse o sucedido, receosa como ficou de que o arguido concretizasse o mal anunciado.
No dia 26 de Junho de 2003, a menor relatou aos pais todos os factos supra descritos, após ter sido surpreendida pela esposa do arguido J…….. nas circunstâncias atrás descritas.
Os arguidos conviviam habitualmente com a D……….., sendo, aliás, tios dela pelo que tinham pleno conhecimento da idade desta - 11/12 anos.
Em todas as descritas condutas, os arguidos agiram voluntária e conscientemente com o intuito de satisfazerem os seus impulsos sexuais, apesar de saberem que, ao actuarem da forma descrita, o faziam contra a vontade da ofendida D…………, atentavam contra a sua liberdade de determinação sexual e podiam prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade na esfera sexual.
Sabiam também que o mal que anunciaram à menor era adequado a obter o seu silêncio relativamente aos factos por eles praticados, objectivo que visaram.
Os arguidos sabiam ainda que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Em consequência das condutas dos arguidos a menor D………. sentiu profundo desgosto, fortes dores, arrelias e incómodos.
Sentiu igualmente forte receio, medo e angustia já que conviveu com eles sob pressão e ansiosa, tendo que sofrer em silêncio com o medo das represálias que eles pudessem exercer sobre ela e temendo que pudessem repetir os seus comportamentos violadores e atentatórios da sua liberdade sexual, a qualquer momento.
A D……….. sempre foi uma criança tímida e reservada, muito fechada e até bastante infantil para a sua idade, o que os arguidos bem conheciam e de que se aproveitaram.
À data em que ocorreu a primeira situação descrita praticada pelo arguido A…… , a menor encontrava-se sozinha em casa em virtude de o seu pai se encontrar hospitalizado no Hospital Distrital de Viseu, o que era do perfeito conhecimento do arguido.
O arguido A……., irmão da mãe da D……, à data dos factos por ele praticados, frequentava quase diariamente a casa da D……. e de seus pais onde comia, tendo inclusive em tempos habitado num barracão anexo à casa deles.
O arguido A…….. sabia perfeitamente as horas em que a menor se encontrava sozinha em casa, o que foi por ele aproveitado para a prática dos factos supra descritos, bem sabendo também que a menor não tinha, em face das ameaças físicas e morais que lhe infligiu, capacidade de evitar tais factos, não obstante as suas várias tentativas de resistência.
O mesmo se passando com o arguido J………., o qual sabia perfeitamente as horas que a menor se encontrava sozinha em casa, o que foi por ele aproveitado para levar a efeito os seus comportamentos supra descritos.
A menor D…….. tinha apenas 11 anos quando foi molestada pela primeira vez pelo arguido A…….., sendo que sempre teve vergonha de contar os factos supra descritos aos pais ou a quaisquer outras pessoas e medo do mal que os arguidos lhe pudessem vir a fazer.
A menor D……… foi, assim, obrigada a suportar todas as práticas sexuais supra descritas sem nada contar a ninguém, o que lhe provocou muita angústia e sofrimento que ainda hoje se mantêm com reflexos no desenvolvimento da sua personalidade, a todos os níveis, nomeadamente comportamento social, familiar, escolar, e até na sua esfera sexual.
Os arguidos são seus tios e por isso tiveram um forte ascendente sobre a mesma, adequado a produzir o seu silêncio.
Actuaram sempre com o propósito de satisfazer a sua lascívia, conhecendo perfeitamente a idade da D……., a qual se apresentou vulnerável e indefesa em face do seu superior domínio físico e até psíquico e parental.
Sempre que pôde a menor procurou não estar em contacto com os seus tios, o que muitas vezes não conseguia em virtude de os seus pais se darem bem com eles e não ser do conhecimento destes os factos de que foi vítima.
Como consequência da actuação dos arguidos a menor D…….. passou a ter alterações a nível do seu comportamento e desenvolvimento emocional e afectivo, o que contribuiu para uma situação de insucesso escolar e ansiedade que se traduz em alterações comportamentais de tristeza, angústia, revolta e um profundo medo em reencontrar-se com os tios.
Como consequência da actuação dos arguidos, a menor apresenta problemas no desenvolvimento da sua personalidade, ao nível da sua auto-estima, na afirmação da sua entidade sexual, na capacidade de estabelecer relações afectivas e gratificantes, bem como na capacidade de lidar com situações de stress no futuro, tendo necessidade de acompanhamento psicológico, com vista à normalização da sua vida afectiva, social e escolar, o qual tem vindo a ser feito por psicóloga do Centro de Saúde 2 de Viseu.
O arguido A…………. é o terceiro de um conjunto de cinco irmãos.
Grande parte da sua infância e adolescência foi passada com a ausência do pai, o qual emigrou durante largos períodos de tempo para a Suíça e para a Líbia.
O pai adoptava, de uma forma permanente, uma postura violenta e agressiva no relacionamento intra-familiar, enquanto a mãe assumiu ao longo do processo de desenvolvimento uma postura diferente, sendo uma pessoa carinhosa e aberta, embora
firme nas suas atitudes educativas.
O arguido viria a dar como concluído o seu percurso escolar quando terminou o 6° ano de escolaridade.
Começou, então, a trabalhar numa vacaria, exploração da família, na qual trabalhavam, para além dos pais, outros elementos do agregado familiar, situação que se manteve até aos 17 anos, altura em que se fixou na região do Algarve, ainda que por pouco tempo, uma vez que, logo de seguida, optou por emigrar para a Suíça onde ficou dois anos.
Em 1992 o arguido iniciou o cumprimento do serviço militar obrigatório, findo o qual cumpriu vários contratos, totalizando 10 anos e meio de vínculo ao Exército, transitando para a situação de reserva de disponibilidade em 19 de Janeiro de 2003 por ter efectuado o tempo máximo previsto na lei.
Integrou o contingente nacional que participou na Força de Manutenção de paz em Timor Leste (PKF/UNTAET).
Durante o período de tempo em que esteve ligado ao Exército foram-lhe concedidos diversos louvores e foi-lhe atribuída a medalha UNTAET.
Entretanto, na sequência de dois namoros, o arguido viria a ser pai por duas vezes, nunca tendo vivido com a mãe dos seus filhos.
Uma vez esgotadas as possibilidades de continuar ao serviço do Exército, o arguido decidiu fixar-se em Viseu, cidade onde vivia a namorada e onde sempre beneficiou do apoio de duas irmãs, nomeadamente da mãe da D………..
Há cerca de 2 anos e alguns meses, o arguido começou a exercer funções numa empresa de segurança onde aufere uma remuneração mensal de 660 euros, obtendo ainda algumas receitas extra através de trabalhos de construção civil ou como segurança de uma discoteca.
Paga mensalmente a quantia de 150 euros de alimentos aos seus filhos.
Não tem antecedentes criminais.
O arguido J…………………. é o segundo de três irmãos, oriundo de uma família socialmente humilde e situação económica precária.
Era criança quando o pai emigrou para a Venezuela e posteriormente para a Suíça onde se manteve 16 anos a trabalhar no sector da construção civil.
Até aos 8 anos de idade, altura em que foi para a Suíça, o arguido viveu em diversos locais, nomeadamente em Braga com familiares.
Com 14 anos de idade o arguido regressou a Vila Meã onde tinha família e onde concluiu o 6° ano de escolaridade.
Aos 16 anos começou a trabalhar como serralheiro.
Casou com sensivelmente 17 anos, altura em que passou a residir com os pais em Vila Meã.
Por desentendimentos, o arguido, com 19 anos de idade, e a mulher alteraram a residência para Viseu, passando a residir com uma irmã desta última e respectivo agregado, onde se mantiveram durante ano e meio, tendo, posteriormente, adquirido casa em Viseu onde residiram por 3 anos.
Aqui trabalhou como serralheiro.
Após os factos descritos, ocorridos no dia 26 de Junho de 2003, o arguido, a mulher e os filhos foram viver para Braga, tendo residido na casa dos pais do arguido até há cerca de 8 meses, altura em que adquiram um apartamento tipologia 3.
Actualmente o arguido reside com a mulher e com dois dos três filhos do casal de 5 e 2 anos de idade.
A filha mais velha do casal, com 8 anos de idade, encontra-se sensivelmente há um ano em Moledo, Castro Daire, a residir com a avó materna.
Quando foi para Braga o arguido passou a trabalhar com o pai, empresário e proprietário da empresa “Soneto, Indústria Metalúrgica, Lda.”, em Amares, como serralheiro, auferindo um vencimento mensal de 600 euros.
A esposa trabalha como empregada de balcão num estabelecimento comercial auferindo um vencimento mensal de 420 euros.
O arguido J……… não tem antecedentes criminais.

2.2. O tribunal da Relação, no recurso que lhe foi interposto do acórdão condenatório, corrigiu o facto provado onde se fixou a idade da menor, passando dele a constar que a sua idade era de 13 anos e 7 meses à data da prática dos factos pelo arguido J……….

2.3. Por sua vez, na sequência da reabertura da audiência, ao abrigo do disposto no artigo 371.º-A, do Código de Processo Penal, foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
No dia 11 de Novembro de 2005, o arguido J………. procedeu ao pagamento da quantia de 2.500 euros em que foi condenado solidariamente, acrescida de juros no montante de 19,17 €, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela menor D…...
No dia 8 de Agosto de 2007 o arguido apresentou-se voluntariamente na PSP de Braga para ser conduzido ao Estabelecimento Prisional de Braga a fim de cumprir a pena de prisão de 4 anos aplicada nos presentes autos.
No estabelecimento prisional o arguido não tem qualquer ocupação profissional.
Tem revelado uma postura educada, não conflituosa e bom relacionamento interpessoal.
Actualmente encontra-se separado da mulher e dos filhos.
Tem um relacionamento amoroso com uma jovem de 17 anos de idade. Beneficia de apoio incondicional por parte da família de origem.
Antes de iniciar o cumprimento da pena de prisão trabalhava na empresa “S......, Lda.” com o seu pai, empresário e proprietário da mesma.
O arguido tem assegurada a sua ocupação profissional nessa empresa.
3. O tribunal a quo decidiu, com invocação do princípio da aplicação do regime penal concretamente mais favorável, suspender a execução da pena de prisão imposta a J…………..
Lê-se, na decisão recorrida (transcrição, sem inclusão das notas de rodapé):
«Sucede, todavia, que em 4 de Setembro de 2007 foi publicada a Lei n.º 59/07, através da qual se procedeu à 23.ª alteração ao Código Penal de 1982 aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23/9, cuja entrada em vigor ocorreu no dia 15 de Setembro de 2007.
De acordo com a nova redacção do artigo 50.°, n.º 1 do Código Penal, a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos deve ser suspensa na sua execução sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
De harmonia com o artigo 29.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa determina o artigo 2.°, n.º 4 do Código Penal o seguinte:
“Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior”.
Assim, cabe apreciar a possibilidade, ou não, de aplicação da suspensão da execução da pena de 4 anos de prisão aplicada ao arguido J......
Como é sabido, não são considerações de culpa que influem na questão da suspensão da execução da pena mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em questão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.
A suspensão da pena é uma medida com um cariz pedagógico e reeducativo, visando proporcionar ao delinquente condições ao prosseguimento de uma vida à margem da criminalidade e exigir-lhe que passe a pautar o seu comportamento pelos padrões ético-sociais dominantes.
Subjacente à aplicação desta medida existe um juízo favorável a que a socialização do arguido, em liberdade, possa ser alcançada. Mas este juízo deve assentar em factos que, com suficiente probabilidade, indiciem que o arguido assumirá o tal comportamento adequado ao não cometimento de novos ilícitos.
Para a formulação deste juízo, deverá o Tribunal atender em especial às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto, prognose esta reportada ao momento da decisão e não ao da prática do crime.
Por isso, crimes posteriores àquele que constitui o objecto do processo, eventualmente cometidos pelo agente, podem e devem ser tomados em consideração e influenciar negativamente a prognose.
A conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição assenta, obviamente, no pressuposto de que, por um lado, o que está em causa não é qualquer «certeza» mas, tão-só, a «esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda» e de que, por outro, «o tribunal deve encontrar-se disposto a correr um certo risco - digamos: fundado e calculado - sobre a manutenção do agente em liberdade».
Havendo razões sérias para duvidar da conformação do comportamento do agente a não delinquir ou se, não obstante o juízo de prognose ser favorável, as necessidades de reprovação e prevenção do crime aconselharem a não suspensão da execução da pena de prisão, então esta medida deve ser negada.
Postas estas breves considerações, importa voltar ao caso em apreço.
O arguido J…………….. não tem antecedentes criminais.
Sendo oriundo de uma família socialmente humilde e situação económica precária é o segundo de três irmãos.
Era criança quando o pai emigrou para a Venezuela e posteriormente para a Suíça onde se manteve 16 anos a trabalhar no sector da construção civil.
Até aos 8 anos de idade, altura em que foi para a Suíça, o arguido viveu em diversos locais, nomeadamente em Braga com familiares.
Com 14 anos de idade o arguido regressou a Vila Meã onde tinha família e onde concluiu o 6° ano de escolaridade.
Aos 16 anos começou a trabalhar como serralheiro.
Casou com sensivelmente 17 anos, altura em que passou a residir com os pais em Vila Meã.
Por desentendimentos, o arguido, com 19 anos de idade, e a mulher alteraram a residência para Viseu, passando a residir com uma irmã desta última e respectivo agregado, onde se mantiveram durante ano e meio, tendo, posteriormente, adquirido casa em Viseu onde residiram por 3 anos.
Aqui trabalhou como serralheiro.
Após os factos descritos, ocorridos no dia 26 de Junho de 2003, o arguido, a mulher e os filhos foram viver para Braga, tendo residido na casa dos pais do arguido até há cerca de 8 meses, altura em que adquiram um apartamento tipologia 3.
À data da realização da audiência de julgamento o arguido residia com a mulher e com dois dos três filhos do casal de 5 e 2 anos de idade.
A filha mais velha do casal, com 8 anos de idade, encontrava-se sensivelmente há um ano em Moledo, Castro Daire, a residir com a avó materna.
Quando foi para Braga o arguido passou a trabalhar com o pai, empresário e proprietário da empresa “S....., Lda.”, em Amares, como serralheiro, auferindo um vencimento mensal de 600 euros.
A esposa trabalhava como empregada de balcão num estabelecimento comercial auferindo um vencimento mensal de 420 euros.
No dia 19 de Julho de 2005 foi condenado na pena de quatro anos de prisão e ainda condenado solidariamente a pagar a quantia de 2.500 €, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela menor D…….. (fis. 319 a 334 verso).
Em 11 de Novembro de 2005 o arguido procedeu ao pagamento da aludida quantia de 2.500 euros, acrescida de juros no montante de 19,17 €, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela menor D………….
No dia 8 de Agosto de 2007 o arguido apresentou-se voluntariamente na PSP de Braga para ser conduzido ao Estabelecimento Prisional de Braga a fim de cumprir a pena de 4 anos de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos.
No estabelecimento prisional o arguido não tem qualquer ocupação profissional.
Tem revelado uma postura educada, não conflituosa e bom relacionamento interpessoal.
Actualmente encontra-se separado da mulher e dos filhos.
Tem um relacionamento amoroso com uma jovem de 17 anos de idade.
Beneficia de apoio incondicional por parte da família de origem.
Antes de preso iniciar o cumprimento da pena de prisão trabalhava na empresa “S......, Lda” com o seu pai, empresário e proprietário da mesma.
O arguido tem assegurada a sua ocupação profissional nessa empresa.
Em face do exposto verifica-se que o arguido J………….. é delinquente primário sendo este o primeiro contacto com uma instituição de controle social reforçado.
O arguido admitiu os factos com suficiente plenitude para se poder dizer que interiorizou o desvalor da sua conduta, a que acresce a circunstância de ter procedido voluntariamente ao pagamento da indemnização arbitrada à ofendida resultante dos seus actos, o que também é revelador de uma efectiva interiorização do desvalor da sua conduta.
Apresentou-se voluntariamente na autoridade policial para ser conduzido ao Estabelecimento Prisional de Braga a fim de cumprir a pena de 4 anos de prisão que lhe foi aplicada, o que traduz a esperada conformação do agente com o padrão imposto pelas normas jurídicas e concomitantemente o abrandamento das exigências comunitárias relativamente à defesa da ordem jurídica e da necessidade da pena.
Tais circunstâncias conjugadas com a existência de condições objectivas de estabilidade que permitem ao arguido opções de vida positiva permitem a conclusão de que aquela ameaça e censura serão suficientes para o afastar da criminalidade.
Por essa forma se conjugam as vertentes de prevenção a nível especial e a nível geral em qualquer uma das suas vertentes.
A perspectiva de integração e de socialização de uma pessoa nas condições do arguido J…………. aconselham a que a realização de tais finalidades seja procurada em liberdade com adequado acompanhamento por parte dos serviços competentes.
Afigura-se-nos, pois, que é possível formular um juízo favorável à socialização do arguido, podendo afirmar-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Assim, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 50.°, n.º 1, 2 e 5 e 53.° do Código Penal e 494.°, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Penal, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido J………………… pelo período de quatro anos, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova a determinar pelos competentes serviços de reinserção social.»

4. Apreciando:
4.1. O artigo 2.º, n.º4, do Código Penal de 1982, estabelecia um limite à aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, ao prescrever que era sempre aplicado o regime que concretamente se mostrasse mais favorável ao agente, salvo se este já tivesse sido condenado por sentença transitada em julgado.
Alguma doutrina questionou a constitucionalidade da ressalva constante da parte final do mencionado n.º4, sendo de assinalar que o Tribunal Constitucional, quando teve de se pronunciar sobre a norma em questão, não a julgou inconstitucional, a não ser em determinadas interpretações normativas (Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 644/9, n.º 169/2002 e n.º 572/2003).
Com a nova redacção do artigo 2.º, n.º4, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, que procedeu à vigésima terceira alteração ao Código Penal de 1982, a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável passa a determinar que, mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória, cessem a execução e os efeitos penais quando o agente já tiver cumprido uma pena concreta igual ou superior ao limite máximo da pena prevista em lei posterior. A cessação da execução e dos efeitos penais aí referida ocorre oficiosamente, não estando dependente de qualquer iniciativa do condenado.
Por sua vez, o artigo 371.ºA, do Código de Processo Penal, revisto pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, veio estabelecer:
«Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.»
Quer isto dizer que, para além do mecanismo de aplicação oficiosa previsto no artigo 2.º, n.º4, do Código Penal, existe outro meio – com diferente âmbito de aplicação -, a desencadear por iniciativa do condenado, para aplicação retroactiva da lei posterior mais favorável, em detrimento do caso julgado.
A reabertura da audiência não significa uma repetição do julgamento, porquanto a questão da culpabilidade está definida e decidida. A reabertura tem como único objecto a questão da determinação da sanção. Dentro do sistema de césure mitigada perfilhado pelo Código, que distingue a questão da culpabilidade da questão da determinação da sanção, o novo artigo 371.º-A faculta que se regresse a esta última fase, sem que haja que reeditar qualquer discussão sobre a questão da culpabilidade.
No caso dos autos, verifica-se que, por via da revisão do Código Penal, não sofreram alteração as molduras penais abstractas aplicáveis aos crimes pelos quais J...... foi condenado (apesar das alterações introduzidas nos artigos 155.º e 177.º). Porém, constata-se que a pena conjunta imposta ao recorrente - 4 anos de prisão – não era, no momento da condenação, ao contrário do que hoje sucede, susceptível de substituição por pena suspensa.
Por conseguinte, é inequívoco que o referido condenado tinha o direito de requerer a reabertura da audiência para que se ponderasse a aplicação do novo regime.
Na sequência da reabertura da audiência, o tribunal colectivo decidiu com base nos factos descritos no acórdão transitado em julgado, e bem assim com base no que se provou na audiência reaberta.
No momento da decisão, o tribunal colectivo reproduziu ipsis verbis o acórdão originário, limitando-se a aditar os novos factos decorrentes da reabertura da audiência, a fundamentação relativa à suspensão da execução da pena e a alteração da condenação quanto a J………….
Salvo melhor opinião, afigura-se-nos que a técnica utilizada não será a mais adequada, por poder induzir em erro.
A nova decisão resultante da reabertura da audiência constitui, a nosso ver, um complemento da decisão originária, integrando-a, não tendo em vista a reapreciação de todo o objecto do processo, mas tão-somente da questão da determinação da sanção.
A reprodução no novo acórdão de todos os elementos do acórdão primitivo, mesmo os que se reportam ao outro condenado e ao pedido de indemnização civil, pode gerar equívocos. Veja-se, por exemplo, que ao reproduzir-se na totalidade o acórdão primitivo, repete-se a menção à condenação de A………. na pena de 12 anos de prisão, que entretanto foi reduzida pelo Supremo Tribunal de Justiça para 9 anos, além de que na descrição dos factos provados não se inclui a alteração que lhes foi introduzida pelo Tribunal da Relação.
Não se destinando o novo acórdão a conhecer da totalidade do que já havia sido decidido, com trânsito em julgado, nem a substituir o acórdão primitivo, mas apenas a complementá-lo, integrando-o na parte que foi objecto da reabertura da audiência, parece-nos que teria bastado uma referência sucinta aos crimes pelos quais o arguido J……………….. havia sido condenado, respectivas penas parcelares e única, a indicação dos factos pertinentes, seguindo-se a ponderação, fundamentada, dos regimes que se sucederam no tempo e consequente decisão.
Feito este reparo, temos como seguro que a reabertura da audiência incidiu apenas na questão da determinação da sanção relativamente a J……… e que, para além disso, em nada alterou o já decidido com trânsito, limitando-se a, desnecessariamente, reproduzir o conteúdo do anterior acórdão.
4.2. Dispõe o artigo 50.º do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro:
«O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»
A revisão consagrou uma regra de correspondência legal que determina a coincidência entre o quantum da pena de prisão fixada e a duração do período de suspensão (que nunca será inferior a um ano), bem como a obrigatoriedade de aplicar o regime de prova quando a pena de prisão cuja execução for suspensa exceder três anos.
Como é evidente, a decisão primitiva não colocou a hipótese da suspensão da pena de prisão imposta a J…………, pois ao tempo da decisão tal não era legalmente possível para as penas de prisão superiores a 3 anos.
Traduzindo-se na não execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, entendemos, com o apoio da melhor doutrina, que a suspensão constitui uma verdadeira pena autónoma, de substituição (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas-Editorial Notícias, 1993, pp. 91, 329, 339).
Constitui pressuposto material da aplicação desta pena que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime a às circunstâncias deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza na seguinte proposição: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Por sua vez, passou a constituir pressuposto formal de aplicação da suspensão da prisão que a medida desta não seja superior a 5 anos
O referido artigo 50.º consagra um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização das finalidades da punição, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos (Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 18.ª edição, p. 215).
Para tal, é preciso, como já se salientou, que o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar tais finalidades - que o artigo 40.º identifica como sendo «a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade».
Na formulação deste juízo, «o tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa» (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 3.ª edição, p. 639, em anotação ao artigo 50.°)
São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial, que determinam a preferência por uma pena de substituição – como é a suspensão da execução da prisão -, sem perder de vista que a finalidade primordial é a de protecção dos bens jurídicos. Não está aqui em causa uma qualquer finalidade de compensação da culpa, mas considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, em função das quais se limita o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto da suspensão da execução da pena (Figueiredo Dias, ob. cit., p. 344).
No caso em análise, J………. foi condenado, pela prática, em autoria material e concurso real, de dois crimes de coacção sexual agravados, p. e p. pelos artigos 163.º, n.º1 e 177.º, n.º4, do Código Penal, nas penas de 3 anos de prisão e de 2 anos de prisão; pela prática, em autoria material, de um crime de coacção grave, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º1 e 155.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão; em cúmulo jurídico das penas parcelares foi condenado na pena única de 4 anos de prisão.
Os crimes tiveram como vítima uma sobrinha (por afinidade) do condenado, ao tempo com apenas 13 anos, aproveitando-se J…………, para levar a cabo as suas condutas, do conhecimento que tinha das horas em que a menor se encontrava sozinha em casa.
Numa ocasião, descrita nos factos provados, surpreendeu a menor na garagem e adega da residência desta quando ela ali se encontrava sozinha. Após a ter agarrado com ambos os braços e a ter imobilizado, encostou-a a um bidão de azeite e despiu-lhe os calções que ela trajava, retirou o pénis das calças, após o que tentou introduzi-lo na vagina da menor, o que não veio a conseguir por se encontrarem de pé e as estaturas de ambos não o proporcionarem, tendo, então, o referido J……….. introduzido um dedo na vagina da vítima. De seguida, o próprio J……… friccionou o pénis com a mão, tendo forçado a menor também a friccionar-lhe o pénis com a mão dela até atingir a ejaculação. Após a prática destes factos, J……….. disse à menor que a mataria se contasse a alguém o sucedido, o que a impediu de revelar a quem quer que fosse o sucedido, receosa como ficou de que fosse concretizasse o mal anunciado.
Noutra ocasião, dirigiu-se à residência da menor, onde esta se encontrava sozinha e, após a ter agarrado pelos braços, levou-a à força para a casa de banho. Uma vez no interior da casa de banho, encostou a menor a uma das paredes, após o que começou a beijá-la e a levantar-lhe a t-shirt de forma a despi-la para lhe poder beijar os seios, não o tendo conseguido directamente por a menor manter o soutien vestido. Foi impedido de prosseguir os seus intentos de manter relações sexuais com a menor em virtude da chegada a casa da sua mulher.
Estamos, pois, perante crimes de natureza sexual (a coacção grave não tem essa natureza, mas, in casu, está conexionada com um crime sexual), sendo certo que tem vindo a ganhar crescente relevância na sociedade contemporânea a necessidade de protecção da liberdade e autodeterminação sexual, sobretudo das crianças.
O condenado J………… não tem antecedentes criminais e, para além dos factos a que os autos se reportam, apresenta-se como um cidadão normal, que tem uma profissão estável e beneficia de apoio incondicional por parte da família de origem.
Nestes aspectos, não se distingue, particularmente, do perfil de muitos dos acusados e condenados por esta tipologia de crimes: quantas vezes aqueles que, para satisfazerem a sua lascívia, se aproveitam da relação proximal com as crianças que molestam sexualmente (por serem, designadamente, seus familiares, inscritos no que deveria ser o círculo de confiança da criança), apresentam-se, noutros contextos, como cidadãos comuns, aparentemente respeitadores e bem integrados familiar, social e profissionalmente.
É certo que já decorreram vários anos sobre a data dos factos (recordemos que o processo passou pela Relação e pelo Supremo, tendo chegado ao Tribunal Constitucional, que julgou deserto o recurso interposto), o condenado apresentou-se voluntariamente para cumprir a pena de prisão e tem ocupação profissional assegurada na empresa propriedade do seu pai. Também se mostra paga a quantia de 2500 euros, acrescida de juros, que foi condenado a pagar, solidariamente, por danos não patrimoniais sofridos pela vítima, o que, constituindo um elemento positivo, não se afigura que seja particularmente relevante, pois as decisões judiciais devem ser sempre cumpridas.
Sendo a finalidade primordial da pena a protecção de bens jurídicos, temos como seguro que a necessidade de protecção do bem jurídico da liberdade sexual das crianças constitui, entre nós, uma preocupação comunitária de primeira grandeza, pelas suas dimensões e gravíssimas consequências, tanto individual como colectivamente, constituindo a sua ofensa motivo de generalizado e crescente repúdio social (cfr. Acórdão do S.T.J., de 18 de Abril de 2007, Proc. n.º 07P1136, www.dgsi.pt).
Ora, o condenado, não obstante a ausência de antecedentes criminais, agiu com bastante intensidade dolosa e mostrou-se insensível aos valores que fundamentam o crescimento saudável de uma personalidade em formação, nomeadamente na área tão delicada da liberdade sexual, aproveitando-se da relação de proximidade com a vítima para levar a cabo as condutas delituosas.
Este circunstancialismo, apesar do que se diz na decisão recorrida a favor do condenado, revela uma personalidade em relação à qual não é possível fazer um juízo fundado de prognose favorável, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastá-lo da criminalidade, particularmente deste tipo de criminalidade, que tem frequentemente como agentes indivíduos sem antecedentes criminais e até, por vezes, gozando de alguma consideração social.
Mesmo que se reconheça a existência de uma aparente antinomia entre, por um lado, a fortíssima exigência de prevenção geral dos crimes sexuais que vitimam crianças, e, por outro, as menores exigências de ressocialização do delinquente, aparentemente reintegrado pelo apoio familiar de que beneficia e pelo trabalho assegurado na empresa do seu pai, entendemos que tal contradição tem de resolver-se com a aplicação da prisão efectiva, pois a pena substitutiva de suspensão da execução da prisão não iria satisfazer a finalidade primordial de restabelecer a confiança comunitária na validade da norma violada e na eficácia do sistema jurídico-penal.
Existe um conteúdo mínimo de prevenção geral que se impõe como limite das considerações de prevenção especial, só sendo admissível a pena de suspensão da execução da prisão quando não coloque em crise a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime.
Em suma: não obstante se reconheçam alguns sinais de integração, julgamos que, em termos de prevenção geral positiva, dada a natureza e o circunstancialismo dos crimes praticados, causadores de forte repúdio social, a suspensão da execução da pena de prisão não se afigura como suficiente para manter a confiança da comunidade na validade das normas violadas pelo cometimento desses crimes.
Assim, na ponderação de todos os factores relevantes, entende-se que não é de aplicar, no caso, a suspensão da execução da pena de prisão, dando-se provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público junto da 1.ª instância.

III- Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em dar provimento ao recurso interposto e determinar que a pena de quatro anos de prisão em que foi condenado J……………. seja efectivamente cumprida, revogando a sua substituição por pena suspensa na sua execução.
Sem custas.

Coimbra,