Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
508/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JOÃO TRINDADE
Descritores: PRAZO JUDICIAL
TEMPESTIVIDADE
Data do Acordão: 03/31/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: INCOMPETENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS: 145º, Nº 5 E 6 DO CPC, 124º, Nº 5 DO CC JUDICIAIS
Sumário:

I- Só o acto processual que está dependente, implica e exige a intervenção da secretaria é que terá de ser praticado dentro do horário de funcionamento normal das secretarias.

II- Assim, não é intempestivo, nem se tem de lançar mão da prerrogativa concedida pelo artº 145º, nºs 5 e 6 do CPC , o recurso interposto por telecópia recebida depois do horário de funcionamento das secretarias judiciais no último dia do prazo.

Decisão Texto Integral:

Recurso n.º 508 /04-5

Comarca de Ourém - 1º Juízo

Acordam na Secção Criminal desta Relação:

O Digno Magistrado do Ministério Público acusou o arguido AA, melhor identificado nos autos, imputando-lhe a prática de

- 12 crimes de furto qualificado p. p. pelos art.º 202º,al. d), 203º e 204º nºs 1 ,al. h) e 2 al. e) todos do Código Penal (CP);

- 3 crimes de furto qualificado p. p. pelos art.º 202º,al. e), 203º e 204º nºs 1 ,al. h) e 2 al. e) todos do Código Penal (CP);

-1 crimes de furto qualificado p. p. pelos art.º 202º,al. f) e i), 203º e 204º nºs 2 ,al. e) todos do Código Penal (CP);

-10 crimes de furto qualificado p. p. pelos art.º 203º e 204º nºs 1 ,al. h) todos do Código Penal (CP);

- 1 crime de furto p. p. pelos art.º 202º,al. d), 203º e 204º nºs 1 ,al. h) e 4 todos do Código Penal (CP);

-1 crime de furto p. p. pelos art.º 202º,al. e), 203º e 204º nºs 1 ,al. h) e 4 todos do Código Penal (CP);

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Efectuado o julgamento, com documentação da audiência, foi proferida o acórdão de fls. 1344 e segs na qual
- Se condenou o arguido na pena de 10 anos de prisão;

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Inconformado, recorreu o arguido, concluindo a sua motivação do seguinte modo:
1. A pena aplicada ao arguido revela-se manifestamente excessiva e desproporcionada, atendendo aos critérios que devem presidir à sua fixação, designadamente no que concerne às finalidades das penas em sede de prevenção geral e prevenção especial positiva de integração.
2. O arguido confessou os factos de que era acusado, sem intenção de se desculpabilizar em relação à ilicitude dos actos que lhe eram imputados e por ele praticados, manifestando arrependimento, cooperando com a justiça e contribuindo para a descoberta da verdade material.
3. Houve lugar à recuperação e posterior restituição da quase totalidade dos objectos furtados.
4. O tribunal a quo, sobrevalorizou os graus de culpabilidade e de ilicitude dos actos praticados pelo arguido, relativamente à sua conduta.
5. O Tribunal a quo, sobrevalorizou os graus de culpabilidade e de ilicitude dos actos praticados pelos arguidos, relativamente à sua conduta.
6. O tribunal a quo, não avaliou, nem interpretou in bonem parte a posterior conduta do arguido, bem como todas as atenuantes que se verificaram.
7. O Tribunal a quo, não atendeu, nem valorou convenientemente a sua personalidade, a sua modesta origem familiar e social, o seu grau de educação, a sua confissão dos factos em sede de julgamento, bem como a sua consciencialização e manifesto arrependimento.
8. O tribunal a quo, não atendeu devidamente ao que do arguido se escreveu, no relatório formulado pelos competentes serviços do IRS.
9. O Tribunal a quo fez derivar de mera presunção natural, toda a prova relativa à factualidade subjectiva, baseando-se em meras convicções de índole naturalística, não as tendo valorado in bonem partem, deste modo violando o princípio o in dúbio pró reo.
10. O Tribunal a quo, não atendeu criteriosamente ás exigências da Prevenção Geral e da prevenção Geral de instigação positiva, no concernente ao fim das penas e à reabilitação e reinserção social do arguido.
11. O tribunal a quo, não teve em devida atenção os princípios da proporcionalidade e de equidade na determinação da pena aplicada ao arguido, designadamente em face da prova produzida pela sua confissão e ao princípio da imediação.
12. Dando-se provimento ao recurso e em consequência deverá ser revogado por ter violado o princípio in dúbio pró reo ,e entre outros , os artºs 40º, 71º, 72º e 206º do CP sendo que a pena a aplicar não deveá ser superior a 5 anos de prisão.

O Mº Pº na comarca respondeu pugnando pela improcedência do recurso para tal concluindo:
1. Quando o recurso, proveniente de acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo, visar exclusivamente o reexame de matéria de direito, o mesmo deverá ser interposto para o S.T.J – vide art.os 432º , al. d), e 434º, ambos, do C.P.P - ;
2. O arguido foi condenado pela comissão de 29 crimes de furto, todos qualificados, sendo 6 deles previstos e punidos pelo art.º 204º, n.º 2 al. e), do C.P ;
3. A estes 6 crimes corresponde, em abstracto, pena de prisão de 2 a 8 anos, sendo que aos demais corresponde, sempre individualmente e em abstracto a pena de prisão até 5 anos;
4. O arguido confessou, apenas, parcialmente os factos, não interiorizando, globalmente, o significado pessoal e social das suas condutas delituosas, como não aceitou ter praticado alguns dos factos apurados;
5. Para alguns dos bens e objectos encontrados na sua posse não deu qualquer justificação plausível nem indicou a sua proveniência;
6. Se uma pena de medida superior à medida da culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constituirá um desperdício;
7. Quer as penas parcelares, quer a pena única, obtida mediante cúmulo jurídico, afiguram-se adequadas, necessárias, ajustadas, oportunas e justas;
8. O quantum da pena de 10 anos mostrareis no seu ponto óptimo de equilíbrio, quer nos fins de prevenção geral, quer nos seus fins de prevenção especial;
9. O arguido demonstrou grande insensibilidade pelo direito e propriedade alheias, denotando grave deformação na sua personalidade;
10. O cúmulo jurídico encontra-se bem elaborado e dentro dos parâmetros legais;
11. O direito terá sido bem aplicado;
12. Não terá sido violado qualquer normativo;
13. Consequentemente, negando-se provimento ao recurso, será de manter, “in totum et ipsissima verba”, o douto acórdão condenatório.

Nesta Relação o Exmo. Procurador –Geral Adjunto entende que o presente recurso apenas poderá prosseguir para conhecimento de fundo, se o recorrente pagar a multa correspondente ao primeiro dia útil seguinte ao termos do prazo , para o que deverá ser notificado, liquidando-se aquela, devendo a final considerá-lo improcedente.

Parecer que notificado não mereceu resposta.

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Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência há que decidir :

O âmbito dos recursos afere-se e delimita-se através das conclusões formuladas na respectiva motivação conforme jurisprudência constante e pacífica desta Relação, bem como dos demais tribunais superiores, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As questões a resolver são as seguintes:
A. Tempestividade do recurso – artº 145º nºs 5 e 6 do CPC.
B. Competência para conhecer do recurso

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A- Tempestividade do recurso – artº 145º nºs 5 e 6 do CPC.

Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador - Geral Adjunto entende que o recurso deverá prosseguir, para conhecimento de fundo se o recorrente pagar a multa correspondente ao primeiro dia útil seguinte do termo do prazo, para o que deverá ser notificado, liquidando-se aquela.

Vejamos:

Dos exames dos autos resulta que a decisão impugnada foi notificada pessoalmente ao recorrente e depositada no dia 10-12-03,sendo que o requerimento de interposição de recurso e respectiva motivação deram entrada em juízo , via fax, no dia 26-12- 03 pelas 23 h 50.

Sendo o prazo de interposição de recurso de 15 dias e contando-se este a partir da notificação da decisão, ou, como no caso, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria, (artº 411º, nº 1 do CPP), de forma contínua (artº 104º, nº 1 do CPP e 144º, nº 1 do CPC) , transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte, quando termina em dia em que os tribunais estão encerrados ( artº 144º, nº 2 do CPC), certo é que o prazo de que o recorrente dispunha para recorrer terminou no dia 26-12-03.

Tendo o requerimento entrado via fax pelas 23 h 50, portanto já depois de encerradas secretarias judiciais(16 horas), ter-se-á de considerar o mesmo intempestivo e lançar-se mão da prerrogativa concedida pelo artº 145º, nºs 5 e 6 do CPC ?

Parece-nos que não.

Na verdade consideramos que só o acto processual que está dependente, implica e exige a intervenção da secretaria é que terá de ser praticado dentro do horário de funcionamento normal das secretarias.

Exemplo da necessidade dessa intervenção é o que acontece com o expediente dos referidos nºs 5 e 6 do artº 145º do CPC . Qualquer operador judiciário sabe, porque a lei expressamente o impõe, que se quiser “beneficiar “ do nº 5 do artº 145º fica sujeito ao pagamento imediato de uma multa.

Assim face ao estatuído no nº 5 do artº 124º do CCJudiciais praticado o acto processual dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, por telecópia enviada para o tribunal fora do horário de abertura ao público da secretaria, a sua validade está dependente do pagamento simultâneo e imediato de multa, o que implica a passagem pela secretaria de guias e para o efeito a parte terá que se deslocar à secretaria, no próprio dia, antes de hora do fecho ao público.

Note-se, por outro lado, que todas as alíneas do art. 150º do CPC se referem a data e não a hora. E não faria sentido que se fizesse distinção de favor para a remessa pelo correio .É que esta pode ser efectuada depois do horário normal de funcionamento das secretarias, consabido que as estações de correios estão abertas depois das 16 horas, valendo como data da prática do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal.

Mas se dúvidas algumas houvesse o legislador no preâmbulo do D.L. 183/2000 de 10/8 dissipa-as quando refere expressamente que “as partes poderão ainda praticar os referidos actos através de telecópia ou por correio electrónico, valendo como data da prática do mesmo a da sua expedição, que será possível mesmo fora do horário de funcionamento dos tribunais” (sublinhado nosso).

Deste modo conclui-se pela tempestividade do recurso sem necessidade de lançar mão do expediente previsto nos nºs 5 e 6 do artº 145º do CPC.( - Este nosso entendimento, diferente da posição defendida no acórdão de que fomos adjuntos proferido em 13 de Maio de 1998 e publicado na CJ III, 51, surge na sequência das alterações legislativas entretanto surgidas .)

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B- Competência para conhecer do recurso

O recorrente não invoca qualquer um dos vícios da sentença a que alude o art.º 410º do CPP.

Deste modo a matéria de facto não pode ser modificada.

O recorrente/arguido expressamente circunscreveu o recurso apenas “no que concerne ao “quantum” da pena aplicada, que consideramos demasiado excessiva, em face da prática dos factos que lhe foram imputados, da sua confissão, e do seu arrependimento”.

Assim está em causa exclusivamente o reexame da matéria de direito pelo que a competência para a sua apreciação radica no Supremo Tribunal de Justiça por força do disposto nos artºs 432º, al. d) e 434º do CPP.

Nestes termos se decide:
- Julgar esta Relação incompetente para conhecer o recurso interposto, por a competência para tal caber ao Supremo Tribunal de Justiça.

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Sem tributação.

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Transitado em julgado remeta-se os autos ao STJ, com conhecimento ao Tribunal recorrido.

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Coimbra, 2004-03-31