Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | VÍTOR AMARAL | ||
Descritores: | NOTA DISCRIMINATIVA E JUSTIFICATIVA DE CUSTAS DE PARTE NOTIFICAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 02/15/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 25.º, N.º 1 DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS | ||
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Sumário: | O artigo 25.º, n.º 1 do RCP é de interpretar no sentido de que a parte que tenha direito a custas de parte deve remeter para a parte devedor a nota discriminativa e justificativa de custas de parte. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO Por apenso a autos de execução que lhe move “X..., S. A.”, com os sinais dos autos, veio o executado AA, também com os sinais dos autos, deduzir oposição mediante embargos de executado, concluindo pela procedência da oposição e consequente extinção da execução, “em virtude da inexistência de título executivo”. Alegou, para tanto, em síntese: - ocorrer falta de título executivo, no quadro de uma execução por custas de parte, ascendendo ao montante exequendo de € 834,69, uma vez que a nota discriminativa e justificativa de custas de parte (doravante, NDJCP), devendo ser remetida, nos termos legais, pela parte vencedora/credora, para o tribunal, para a parte vencida/devedora e, em certos casos, para o agente de execução, não o foi pela aqui Exequente para o ora Executado/Embargante “via correio postal”; - apenas tendo a NDJCP sido remetida “via correio electrónico para o Mandatário do ora executado”, com o que não foram observadas as formalidades legalmente prescritas para formação do título executivo complexo que foi dado à execução, faltando a respetiva remessa para a pessoa do responsável pelo pagamento (sendo o cumprimento um ato pessoal); - carecida, pois, a execução de título executivo, restará a sua extinção, com as legais consequências. Perante o que a 1.ª instância proferiu despacho de indeferimento liminar total, com a seguinte redação: «O Executado/Embargante centra a sua Oposição à Execução por Embargos de Executado no argumento de que não foram observadas na acção declarativa as imperativas formalidades quanto à Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte (NDJCP) para que se tenha formado título executivo, pelo que se encontra precludida a possibilidade de reembolso das custas de parte. Alega que não foi completamente observado o disposto no art.º 25.º/1 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) dado que o Executado/Embargante não foi interpelado para efectuar o pagamento da NDJCP. Cumpre apreciar e decidir: O art.º 25.º/1 RCP prevê que: “Até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas.”. Embora exista jurisprudência, nomeadamente a citada na petição inicial, que dá algum suporte à tese do Executado/Embargante, em nosso entender, e sempre salvo o devido respeito por diferente e melhor juízo, não lhe assiste razão. Vejamos: O art.º 25.º/1 RCP determina que a Parte que tenha direito a custas de parte remete para o tribunal e para a parte vencida a sua NDJCP (também assim o art.º 31.º/1 da Portaria n.º 419‐A/2009, de 17/04). Não retiramos das normas aplicáveis que tal notificação tenha que ser efectuada pessoalmente à Parte vencida. Na verdade, o RCP regula de forma minuciosa a quem deve ser notificada a conta do processo. Determina o art.º 31.º/1 RCP, que a conta é sempre notificada: ao Ministério Público; aos mandatários; ao agente de execução; ao administrador de insolvência; às próprias partes quando não haja mandatário; e à parte responsável pelo pagamento. Deste modo, caso o legislador tivesse querido que a NDJCP fosse também pessoalmente notificada à própria Parte vencida e responsável pelo pagamento, mesmo quando representada no processo por mandatário, tê-lo-ia dito expressamente no art.º 25.º/1 RCP, como fez para a conta no art.º 31.º/1 RCP. A interpretação contrária levaria também a considerar que, impondo a lei no art.º 25.º/1 RCP uma notificação pessoal à Parte, nem sequer é necessária uma notificação ao Mandatário constituído, pois não é mencionada no art.º 25.º/1 RCP como é no art.º 31.º/1 RCP. Em síntese, a nosso ver, a notificação da NDJCP às Partes nos termos do art.º 25.º/1 RCP, segue as regras previstas no CPC, isto é, trata-se de uma notificação em processo pendente que é feita na pessoa do mandatário (art.º 247.º/1 CPC) e realizada pelo mandatário da Parte vencedora na pessoa do mandatário da Parte vencida e responsável pelo pagamento (art.ºs 221.º e 255.º CPC). No caso concreto, o Exequente, por intermédio do seu Ilustre Mandatário, praticou o acto processual de envio da NDJCP para o Tribunal e o acto processual de envio dessa NDJCP para a Parte vencida e responsável pelo pagamento através da notificação desse mesmo requerimento ao respectivo Ilustre Mandatário nos termos dos art.ºs 221.º e 255.º CPC e do art.º 26.º da Portaria n.º 280/2013, de 26/08. No caso concreto, no próprio requerimento através do qual o Exequente apresentou a NDJCP também pede o pagamento e indica o IBAN da conta bancária para a qual pretende que seja transferida a quantia em dívida. Outro entendimento, a nosso ver, colide com a necessária harmonia do regime das custas de parte. Com efeito, após alguma indefinição inicial, parece ser agora dominante o entendimento de que o prazo previsto no art.º 25.º/1 RCP é um prazo de caducidade à luz do art.º 298.º/2 CC. Se a Parte vencedora não apresentar a NDJCP no prazo legal, caduca o seu direito e fica definitivamente impedida de exigir da Parte devedora o pagamento de custas de parte. Por sua vez, caso a Parte vencedora tenha apresentado tempestivamente a NDJCP, tem a Parte vencida o ónus de, querendo, deduzir contra a NDJCP a reclamação a que alude o art.º 26.º-A do RCP, sob pena de definitiva preclusão de tal direito de reclamação contra a NDJCP. Caso haja reclamação, a mesma é decidida pelo Tribunal de acordo com o art.º 26.º-A do RCP. Deste modo, em nosso entender, e sempre salvo o devido respeito por diferente e melhor juízo, tanto é título executivo para a cobrança coactiva das custas de parte a decisão judicial que conheceu da reclamação, como a NDJCP contra a qual a Parte vencida não deduziu reclamação à luz do art.º 26.º-A do RCP, sendo que todos esses actos são notificados às Partes na pessoa dos respectivos mandatários, não impondo a lei que nenhum deles seja pessoalmente notificado a qualquer uma das Partes. Pelo exposto, por se entender que os presentes Embargos de Executado são manifestamente improcedentes, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 732.º/1/c) CPC, o Tribunal decide: 1) Indeferir liminarmente os Embargos de Executado. 2) Fixar o valor dos Embargos de Executado em €.834,69.» (destaques retirados). Inconformado, o Executado recorre do assim decidido, apresentando alegação, onde formula as seguintes Conclusões ([1]): «(…) 3. O Tribunal a quo, com devido respeito, ao proferir tal decisão fez uma errada interpretação da lei aplicável. 4. Tal questão proferida, põe em causa decisões proferidas por Tribunais superiores, que se debruçaram sobre a mesma questão fundamental de direito, nomeadamente, o formalismo necessário para que uma nota discriminativa e justificativa de custas de parte se possa constituir título executivo. 5. A jurisprudência dos Tribunais superiores é unânime, no sentido de considerar que é necessário que sejam observados determinados requisitos, para que a nota discriminativa e justificativa de custas de parte possa efectivamente constituir título executivo, talqualmente adiante se irá demonstrar. 6. Os autos executivos têm como pressuposto a falta de liquidação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte pelo ora recorrente, no montante de € 834,69 (oitocentos e trinta e quatro euros e sessenta e nove cêntimos). 7. A exequente, ora recorrida, erradamente, formalizou o título executivo para execução por custas de parte, com a sentença que condenou o executado, ora recorrente, no pagamento de custas – Proc. 7284/18.... – e a nota discriminativa e justificativa de custas de parte apenas remetida ao Mandatário do executado, ora recorrente. 8. Para que exista efectivamente título executivo para a execução por custas de parte é necessário que o exequente junte a sentença que condenou o executado no pagamento de custas, bem como, e não menos importante, a nota discriminativa e justificativa de custas de parte devidamente remetida à parte responsável pelo pagamento das custas de parte. 9. Daí que se diga, que o título executivo que serve de base à execução por custas de parte é um título compósito. 10. A exequente, ora recorrida, apenas juntou a nota discriminativa e justificativa de custas de parte remetida somente ao Mandatário do executado, ora recorrente. 11. O Regulamento de Custas Processuais (RCP), nos termos do art. 25º, n.º 1 é claro quando diz que “até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida, e para o agente de execução, quando aplicável, a respectiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas” 12. A nota discriminativa e justificativa de custas de parte deve ser remetida para a parte vencida, que é a parte responsável pelo pagamento das mesmas. 13. Não tendo o executado, ora recorrente, recebido qualquer comunicação do exequente com a nota discriminativa e justificativa de custas de parte, verifica-se que houve assim uma omissão do formalismo exigido pelo art. 25º, n.º 1 do RCP. 14. Pelo que, não pôde assim o executado, ora recorrente, considerar-se notificado da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, por inobservância do prescrito no RCP. 15. O pagamento da nota discriminativa e justificativa de custas de parte é um acto pessoal e, por isso a parte que reclama custas de parte deve remeter por via postal tal nota discriminativa de custas de parte à parte responsável pelo seu pagamento, que in casu é o executado, ora recorrente. 16. Atente-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do Proc. 1310/16.0T8PBL-A.C1 (…). 17. Refira-se ainda o que diz Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do Proc. 1242/12.1TVLSB-C.L1.L1-6 (…). 18. Ainda nesta senda, refira-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no âmbito do Proc. 2524/13.0TBVCT.G2-A (…) 20. Deste modo, a nota discriminativa e justificativa das custas de parte deve ser, tal como a conta de custas, notificada à própria parte responsável pelo pagamento, que in casu seria o executado, ora recorrente. 21. O que in casu, não sucedeu. 22. Neste conspecto, refira-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no âmbito do Proc.1550/06.0TBSTR-C.E1 (…). 23. Face ao retro exposto, podemos concluir que jurisprudência é unânime ao considerar que para a execução por custas de parte é necessário para que se constitua título executivo a sentença que condenou a parte que decaiu no pagamento de custas, por um lado, e, por outro lado a nota discriminativa e justificativa de custas de parte devidamente elaborada nos termos do art. 25º, n.º 1 do RCP, ou seja, que tal nota seja remetida aos autos e notificada igualmente à parte vencida/parte devedora e não apenas ao Mandatário. 24. Pois, repita-se à semelhança do que sucede com a notificação da conta de custas que é notificada à respectiva parte, também a nota discriminativa e justificativa de custas de parte também deve ser remetida à parte responsável pelo seu pagamento. (…) 34. Em face do exposto, deve a sentença recorrida ser objecto de sindicância pelo Tribunal ad quem, bem como sujeita a revogação em conformidade com o in supra exposto, conduzindo ao deferimento dos embargos de executado, deduzidos pelo executado, ora recorrente. Nestes termos e nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V/Exas., deve ser julgado procedente o presente recurso, e em consequência ser a sentença recorrida revogada.».
O recurso foi admitido ([2]) como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, motivo pelo qual ocorreu remessa do processo a este Tribunal ad quem. Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso – limitado a matéria de direito –, cumpre apreciar e decidir quanto ao seu objeto, restrito a uma (única) questão colocada.
II – ÂMBITO RECURSIVO Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo respetivo – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, está em causa na presente apelação saber, somente, se há, ou não, fundamento válido para a proferida decisão de indeferimento liminar do requerimento executivo.
III – FUNDAMENTAÇÃO A) Da factualidade apurada O factualismo a considerar para decisão do recurso é o supra aludido, em sede de relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
B) Substância do recurso Da (in)existência de fundamento para indeferimento liminar 1. - Sendo líquido, diga-se desde já, que o título executivo, neste tipo de execuções, é complexo ou compósito – por integrar diversos elementos que haverão de confluir num conjunto, legalmente ordenado e conformado –, já há controvérsia jurisprudencial quanto à questão jurídica que essencialmente nos ocupa: a de saber se a lei impõe que a NDJCP seja notificada à parte vencida/devedora, para além de o ser ao seu mandatário judicial, ou se basta a notificação a este último. Vejamos melhor, começando pelo enquadramento legal. 2. - Como resulta do art.º 25.º, n.º 1, do RCProc. (e já lembrado na decisão recorrida, de acordo com a atual redação do preceito): «Até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas.» (itálico aditado). Já o art.º 26.º do RCProc. esclarece que as custas de parte se integram, por regra, “no âmbito da condenação judicial por custas” (n.º 1), sendo “pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora” (n.º 2). Quanto ao seu âmbito, refere o n.º 3 do mesmo art.º que as custas de parte compreendem: “a) Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento; b) Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução; c) 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior; d) Os valores pagos a título de honorários de agente de execução.”. Por sua vez, o atual art.º 26.º-A (com a epígrafe “Reclamação da nota justificativa”) regula a reclamação da nota justificativa (n.º 1) e a possibilidade de recurso da respetiva decisão (de acordo com o n.º 3, cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC), sendo ainda que, para efeitos de reclamação da nota justificativa, “são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, as disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31.º” (n.º 4). Segundo o art.º 31.º (com a epígrafe “Reforma e reclamação” e já referente à conta de custas processuais), a conta é sempre notificada ao Ministério Público, aos mandatários, ou às próprias partes quando não haja mandatário, e à parte responsável pelo pagamento, para que, no prazo de 10 dias, peçam a reforma, reclamem da conta ou efetuem o pagamento (n.º 1). 3. - É fora de qualquer dúvida que in casu o título executivo é composto ou complexo, sendo formado pela sentença condenatória nas custas e pela nota discriminativa e justificativa das custas de parte, a qual deve por isso ser elaborada e enviada/notificada, nos termos previstos no RCProc. e demais legislação aplicável. Também não se questiona que o título executivo, fundamento e limite da execução, deve estar formado aquando da instauração do processo executivo. Ora, parece, salvo o devido respeito, que, assim como a parte devedora deve ser pessoalmente notificada da conta de custas processuais a seu cargo, também deve poder conhecer, pessoalmente, a conta/nota discriminativa (e justificativa) das custas de parte, com o respetivo valor final peticionado, pois esse montante, como é consabido, não resulta quantificado na sentença e o devedor deve poder conhecer antes da execução quanto é devido, até para poder decidir se deduz impugnação, se paga voluntariamente ou se deixa seguir para execução. Mais. O devedor tem de ser interpelado para o pagamento, sem o que a dívida não pode ter-se por vencida e exigível. Como refere Salvador da Costa – a propósito do art.º 25.º do RCProc. –, a obrigação de pagamento de custas de parte vence-se com o recebimento pelo devedor das custas de parte da aludida nota discriminativa e justificativa enviada pelo credor, funcionando como interpelação para o cumprimento, nos termos do artigo 805.º do Código Civil, sem prejuízo do exercício pelo primeiro do direito de reclamação ([4]) ([5]). É certo, como visto, que o art.º 31.º do RCProc. se reporta à conta de custas processuais, âmbito em que o credor é o Estado (relação jurídica de cariz tributário), enquanto nas custas de parte o credor é a contraparte, numa relação entre contendores/litigantes, no caso particulares (aqui já não se trata de quantias a pagar pela parte ao tribunal, mas quantias que a parte vencida tem o dever de pagar diretamente à parte vencedora). Porém, apesar dessa diversa natureza dos créditos e dos credores, a verdade é que importa assegurar, em ambas as situações, os direitos de defesa da parte devedora, já no limiar da dimensão coerciva da decisão condenatória. Esta contém já – é certo – a condenação em custas, mas sem indicação ou liquidação de qualquer montante devido. A respetiva liquidação só ocorre a posteriori, seja através da dita conta de custas processuais (quanto ao devido ao Estado, no quadro da relação jurídica tributária), seja, semelhantemente, através da nota justificativa das custas de parte (onde é efetuada, só aí, a liquidação do devido diretamente à parte vencedora). Em ambos os casos, não havendo impugnação/reclamação nem pagamento voluntário, seguir-se-á a execução de sentença, com o seu limitado espetro de fundamentos de oposição à execução (cfr. art.º 729.º do NCPCiv.). Isto é, segue-se a ação executiva, com a decorrente possibilidade de agressão patrimonial sobre o devedor, independentemente da qualidade do crédito e do credor (o Estado ou a contraparte). Não ignorando este elevado risco de cumprimento coercivo e limitado âmbito de fundamentos de oposição por embargos de executado, o legislador estabeleceu expressamente que a conta de custas processuais tem de ser notificada, não só aos mandatários, mas também à parte responsável pelo pagamento – isto é, ao mandatário da parte devedora e, outrossim, a esta (o próprio mandante), apesar de patrocinada em juízo. Mas, na perspetiva da garantia do direito de defesa – já no limiar, repete-se, da execução de sentença –, as razões que determinam a notificação à própria parte (para além da notificação ao seu mandatário) da conta contendo a dívida de custas processuais não divergem daquelas que se assumem quando a mesma parte processual é devedora de custas de parte (cuja liquidação só ocorre com a respetiva nota justificativa, a ter de ser objeto de notificação, sob pena de falta de interpelação e não se poder ter por vencida a dívida, vencimento este a dever ocorrer anteriormente à instauração da execução, pois doutro modo faltaria a exigibilidade da obrigação exequenda). Enfatizando, assim, a garantia do direito de defesa (da parte devedora), é sabido que esta garantia “pode implicar o regime para que remete o art. 250 [do NCPCiv.] em casos em que, não o dizendo a lei expressamente, a sua interpretação, tidas em conta as finalidades do ato, leve a concluir pela necessidade de aplicar os cuidados com que a lei rodeia o ato de citação, quer quanto ao seu conteúdo (art. 227), quer quanto às suas formalidades e à pessoa perante quem pode ser praticado” ([6]). 4. - Assim sendo, o que nos parece, salvo o devido respeito, mais relevante, na interpretação da norma do art.º 25.º, n.º 1, do RCProc., quanto aos destinatários da remessa/apresentação/notificação/interpelação, pelo lado da parte vencida (devedora de custas de parte), referente à NDJCP, é precisamente aquela garantia do direito de defesa, no limiar da execução de sentença, que se reveste de acuidade semelhante, pelo elevado perigo de agressão patrimonial, para a execução por custas processuais (pelo credor Estado) ou para a execução por custas de parte (pela contraparte vencedora). Se a isto acrescentarmos que tal execução por custas de parte pode ascender – diversamente do que ocorre no quadro destes autos, em que a quantia exequenda se cifra em (apenas) € 834,69 – a muitos milhares de euros, não parece difícil aceitar que o risco para o património da parte vencida/devedora não será inferior ao risco perante o credor da obrigação de pendor tributário. A notificação – a lei chama-lhe “remessa” (art.º 25.º, n.º 1, do RCProc.) ou “envio” (art.º 31.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17-04), mas que redundará sempre, obviamente, numa notificação à contraparte devedora (cfr. a fórmula expressa, já com maior rigor jurídico, do art.º 33.º, n.º 1, da mesma Portaria n.º 419-A/2009) – em causa não pode deixar de ser perspetivada neste contexto e com esta finalidade. Por isso, se o legislador exige a notificação pessoal da conta à própria parte devedora de custas processuais, para além da notificação ao seu advogado, não se pode exigir menos – por similitude de razão e defesa de interesse semelhante do devedor –, salvo melhor fundado entendimento, no caso da notificação da NDJCP, onde é tornada líquida a dívida de custas de parte e é efetuada a interpelação para o pagamento respetivo, sem o que não ocorre vencimento. Daí que se não possa acompanhar, sem quebra do respeito devido, o entendimento da decisão liminar recorrida, no sentido da desnecessidade da notificação à própria parte vencida/devedora em acréscimo à notificação ao seu mandatário ([7]). 5. - É certo poder haver quem invoque existirem mecanismos processuais, já no âmbito da ação executiva, para suprir a falta de liquidez da obrigação exequenda, sem quebra quanto à existência do título executivo. Porém, mais do que uma “liquidação” ([8]), não pode esquecer-se que – como lembra Salvador da Costa (op. e loc. cits.) – está em causa o próprio vencimento da obrigação de pagamento das custas de parte, obrigação essa que apenas se vence com o recebimento da respetiva nota pelo devedor, sem o que falta, de forma não suprida, a interpelação para o cumprimento, sabido que não se trata de obrigação pura (ou com prazo certo), comprometendo a exigibilidade, neste sentido, da obrigação exequenda ([9]), com inevitáveis reflexos no título e na execução nele assente ([10]). 6. - Por outro lado, o argumento da invocação do regime comum de notificações em processo civil às partes que constituíram mandatário (cfr. art.º 247.º, n.º 1, do NCPCiv., estabelecendo a notificação na pessoa do mandatário judicial), não parece coadunar-se cabalmente com a circunstância de no caso se tratar de uma notificação para pagar (uma interpelação à parte devedora para o cumprimento), sendo que quem suportará o pagamento é a própria parte. Por isso, sendo a parte quem tem a responsabilidade do pagamento – à custa do seu próprio património, sob pena de ficarem abertas as portas da execução, com a decorrente agressão patrimonial –, não se estranha que, pelo seu melindre, a situação demande especiais cautelas notificatórias/interpelativas, o que nos aproxima, de algum modo, em termos teleológicos, por mais adequado aos relevantes interesses em presença (e sua salvaguarda), do regime do n.º 2 daquele art.º 247.º, com notificação cumulativa [ao mandatário, por ser o técnico/especialista, mas também à parte (devedor), por ser esta quem, pessoalmente, haverá, uma vez interpelada, de suportar o pagamento devido, sob pena de célere execução e penhora sobre os seus bens]. Neste mesmo sentido já o aqui Relator se pronunciou anteriormente, na decisão sumária de 30/12/2019, proferida na Apelação n.º 1675/18.0T8CTB-B.C1, ao que se crê inédita, e também os aqui Exm.ºs Adjuntos, por sua vez, assim se vincularam no Ac. TRC de 05/05/2020, Proc. 1310/16.0T8PBL-A.C1 (Rel. Luís Cravo), em www.dgsi.pt ([11]) ([12]). A apelação deve, pois, proceder, com revogação da decisão recorrida, posto não ser caso de indeferimento in limine.
*** (…) *** V – DECISÃOPelo exposto, no provimento do recurso, revoga-se a decisão recorrida, devendo os autos de embargos prosseguir a sua tramitação, se a tal nada mais obstar, com legal observância do contraditório. Custas da apelação pela parte vencida a final.
Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior). Assinaturas eletrónicas. Vítor Amaral (Relator)
Luís Cravo
Fernando Monteiro
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