Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1272/23.8T8SRE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RICARDO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
LIVRANÇA
REQUISITOS
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 02/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 75.º, 76.º DA LEI UNIFORME SOBRE LETRAS E LIVRANÇAS E 703.º, N.º 1, ALÍNEA C), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:
I – Um documento, emitido por uma sociedade comercial, que observa na integra os requisitos previstos no art. 75º da LULL, constitui uma livrança susceptível de ser apresentada como título executivo.

II – A inobservância de formulários ou de requisitos de ordem fiscal estabelecidos pelo legislador neste domínio não afecta a exequibilidade de um documento que contenha todos os requisitos exigidos pela LULL.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Processo n.º1272/23.8T8SRE.C1
Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra
Juízo de Execução de Soure – J...
 
                                                Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
                                                             
                                                I – RELATÓRIO.                  
                                                             
R..., LDA, instaurou no Juízo de Execução ... acção executiva sumária contra AA, com vista a obter a obter a liquidação da importância de 7.299,18 €, acrescida de juros vincendos até integral pagamento.
                                                             
                                                                ***
   Em 10/7/2023, foi proferido despacho a indeferir liminarmente o requerimento executivo, sendo que a exequente, não se conformando com a decisão proferida, interpôs o presente recurso, no qual formula as seguintes conclusões:   
                                                             

   “I- Em 31/05/2023, a Exequente deu entrada em juízo do Requerimento Executivo que deu origem aos presentes autos.

II- O referido Requerimento Executivo é sustentado pela Livrança junta aos autos como titulo executivo tendo, no entanto, o Tribunal a quo, indeferido liminarmente a ação executiva, por considerar que inexiste titulo executivo – artigo 726.º, n.º 2, al.d) do CPC.

III- Salvo o devido respeito por melhor opinião, entende a Recorrente que o Tribunal "a quo" ao decidir como decidiu não fez correta aplicação do direito.    
IV- A Apelante está, pois, convicta que Vossas

Excelências, reapreciando a matéria dos autos e, subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a referida decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância.

V- A presente ação segue a forma de execução sumária (artigo 550.º, n.º 2, alínea b) do CPC), pois o título executivo é uma livrança com valor não superior a 10.000,00€ (dez mil euros) e, em regra, não prevê a obrigatoriedade de despacho liminar.  

VI- Nesse sentido, é ao Agente de Execução que incumbe, em primeira linha, a função de proferir qualquer decisão liminar quanto à validade do título executivo, ou seja, as funções de receber o Requerimento Executivo, analisá-lo e verificar se ocorre algum dos requisitos ou motivos para o rejeitar ou indeferir liminarmente. 

VII- In casu, a Agente de Execução, e bem, no nosso entendimento, analisou o Requerimento Executivo, recebeu-o e deu cumprimento ao n.º 3 do artigo 855.º do CPC, tendo inclusive já ordenado a penhora de alguns bens da Executada.   

VIII- Após penhora e notificação da Entidade Patronal da Executada, o douto Tribunal a quo profere a decisão surpresa recorrida a que chama, ainda, de despacho liminar nos termos do artigo 726.º do CPC.      

 

IX- Tendo em conta a forma de processo em causa, o momento processual em que foi proferido, já depois de consolidadas processualmente as decisões da Agente de Execução de recebimento do Requerimento Executivo, validação do título executivo, execução penhoras, sem que tivesse existido, para estes atos, em momento próprio, solicitação da Agente de Execução para intervenção do Juiz de Execução (conforme determina o art.º
855.º, n.º 2, alínea b) CPC),                                                     

X- dúvidas não restam que este despacho de indeferimento liminar, desvirtua, infundada e injustificadamente, a marcha processual.     

XI- Não pode o Tribunal a quo, sem mais, ao abrigo do artigo 726.º do CPC, fora do momento para o efeito, contrariar as decisões anteriormente tomadas por quem, legalmente, tinha legitimidade para as tomar – a Agente de Execução – quando recebeu eletronicamente o Requerimento Executivo, sem que, para tal, apresente qualquer fundamento legalmente admissível e se verifiquem os pressupostos - artigo 734.º, n.º 1 ex vi
551.º, n.º 3 do CPC.                                                                 

XII- Nesse pressuposto, entende a Recorrente que ao ter decidido como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 550.º, n.º 2, alínea b) e 855.º, do CPC, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que ordene a admissão do requerimento executivo e o prosseguimento normal dos autos, conforme artigo 855.º do CPC.  


XIII- Não obstante o que se referiu, tendo em conta que está em causa o disposto no artigo 734.º do CPC e estamos a falar de uma execução que segue a forma sumária, deveria, o Tribunal a quo, caso entendesse que devia rejeitar oficiosamente a execução, ter procedido à audição da Exequente, nos termos do artigo 3.º, n.º 3, 590.º do CPC, 

XIV- Sendo que, a violação do contraditório – omissão de ato ordenado pela lei, determina a nulidade uma vez que esta situação pode ter influência na decisão da causa – artigo 195.º, n.º 1 do CPC.

XV- Neste sentido, podemos elencar o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 911/19.8T8VNF.G1, de 28/01/2021:                                                                              

   “I – Num processo executivo sob a forma sumária em que o Agente de Execução não tenha suscitado a intervenção do juiz nos termos e para os efeitos do disposto no art. 723º nº 1 d) e 726º nº 2 a 4 do C.P.C., o juiz pode e deve, ao intervir no processo, proferir decisão de rejeição do  requerimento executivo nos termos do art. 734º nº 1 ex vi art. 551º nº 3 do C.P.C. desde que se verifiquem os seus pressupostos. 

II – Ocorre violação do contraditório quando é proferida decisão de rejeição do requerimento executivo nos termos do art. 734º nº 1 do C.P.C. sem prévia audição da exequente.  


III - Esta rejeição oficiosa nos termos do art. 734º
e 726 nº 2 a) do C.P.C. pressupõe que a falta do título executivo seja evidente e incontroversa, e não uma situação que implique prévias diligências por parte do Tribunal.”                  
                                                              
XVI- Mesmo que o entendimento do douto Tribunal não fosse este, sempre deveria atender-se ao facto da Exequente dedicar-se à atividade de: “Divulgação e comércio a retalho por correspondência ou via internet de louças, cutelarias e artigos para o lar. Comércio a retalho de computadores, unidades periféricas e programas informáticos, em estabelecimentos especializados”. 

XVII- A par desta atividade e no âmbito da mesma, a Exequente preta serviços de intermediação de crédito, conforme consta do Registo do Banco de Portugal.  

XVIII- Ora, as Ações Executivas são suportadas por um titulo executivo, conforme resulta do n.º 5 do artigo 10.º do CPC, estando os mesmos tipificados no artigo 703.º do CPC. 

XIX- Nesse sentido, os títulos de crédito encontram-se previstos na al. c) do n.º 1 do referido artigo 703.º do CPC., entre os quais se encontram as livranças, as quais, para que se possam apresentar como título executivo terá que revestir natureza cambiária ou cartular.


XX- A própria Lei Uniforma sobre Letras e Livranças (LULL) refere no artigo 75.º os requisitos essenciais que a Livrança deve cumprir, sob pena de não produzir os efeitos da Livrança, nos termos do artigo 76.º do mesmo diploma legal.   

XXI- Apesar de mencionar os requisitos exigidos, não faz qualquer menção, nem regula o modelo e as caraterísticas que devem obedecer aos documentos em papel que corporativizem as livranças – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. 694/19.3T8SRE.C1, de 25/05/2020.

XXII- É na Portaria 28/2000, de 27/01 que encontramos o modelo que devem obedecer as livranças, regulando o tipo, formato e dimensões do papel, texto, impressão, cores, entre outras caraterísticas.     

 
                                                             
XXIII- No entanto, apesar de constar da referida portaria as “regras” a que deve obedecer a corporatização das livranças, certo é que em nenhum momento é referido qualquer a sanção – nomeadamente nível de validade ou da força executiva - para as livranças que não obedeceram aos modelos de impresso em vigor .   
XXIV- Conforme refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. 694/19.3T8SRE.C1, de 25/05/2020:

   (...)“E sendo assim - e tal como vem constituindo entendimento claramente prevalecente na nossa doutrina e jurisprudência –, uma livrança ou uma letra de câmbio não deixaram de o ser pelo facto de ter sido utilizado para a sua emissão um papel diferente do impresso oficial ou do modelo estabelecido para a sua emissão particular, desde que contenham em si a indicação dos requisitos essenciais enunciados na LULL (cfr. artº. 75º para as livranças, e artº. 1º para as letras).” (...)

XXV- Nesse sentido, entendemos que, no caso em apreço, a Livrança entregue pela Exequente como titulo executivo obedece aos requisitos previstos no artigo 75.º da LULL,  

XXVI- o que, por esse motivo, independentemente de obedecer ou não, na integra ao modelo e caraterísticas previstas na Portaria 28/2000, não pode deixar de ser considerado titulo executivo, pois está em causa uma Livrança válida.    


XXVII- Nesse sentido, resulta o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. 94/19.3T8SRE.C1, de 25/05/2020:                                                                              

 
                                                             
   “Desde que contenha os requisitos essenciais elencados no artº. 75º da LULL, uma livrança dada a execução não deixa de ser válida e estar munida de foça executiva pelo facto de a mesma não corresponder inteiramente ao modelo de impresso legalmente aprovado (pela Portaria nº. 28/2000, de 27/01).”   
                                         
XXVIII- De todo o exposto, verifica-se que o Tribunal a quo não decidiu bem, sendo que a decisão proferida nos autos deve ser revogada e substituída por outra que ordene o recebimento do título executivo e o normal prosseguimento dos autos.  

XXIX- Pelo que, ao assim não ter procedido, a decisão em crise fez uma desadequada aplicação do Direito, designadamente dos artigos 550.º, n.º 2, al. d) e 855.º; artigo 726.º; artigo 734.º; artigo 3.º, n.º 3; artigo 195.º, n.º 1; artigo 10.º, n.º 5; artigo 703.º, n.º 1, al.c); artigo 590.º - todos do CPC; artigos 28.º; 75.º e 78.º da LULL; artigos 30.º, n.º 2 e 65.º, n.º 10 do Código do Imposto de Selo e a normas previstas na Portaria 28/2000 de 27 de janeiro.     

XXX- Pugna pela revogação da decisão, a qual deve ser substituída por outra que admita o título executivo e ordene o normal prosseguimento dos autos.”.
                                                             
                                                                **                             
   A executada contra-alegou, concluindo no sentido da improcedência do recurso.    
                                                             

 
                                                             
                                                                **                             
                                          Questão objecto do recurso: qualificação, como
título executivo, do documento que a exequente apresentou no âmbito da acção executiva supra-identificada.    
                                                             
                                                                ***                           
                                                II – FUNDAMENTOS.          
                                                             
                                                2.1. Factos provados.              
                                                             
   Importa levar em linha de conta a seguinte tramitação processual, com interesse para a decisão do presente recurso:
                                                             
1 – Em 31/5/2023, a ora apelante instaurou no
Juízo de Execução ... acção executiva destinada a obter o pagamento da importância de 7.299,18 €, apresentando, para o efeito, a par do requerimento executivo, o seguinte documento:
 
 


 
 
 
 
2 – Em 10/7/2023, foi proferido despacho a indeferir liminarmente o requerimento executivo, com os seguintes fundamentos:
                              “A exequente “R..., Ldª.” instaurou a presente ação executiva, com fundamento em “Livrança”.
                                                                *                               
                                                Cumpre apreciar e decidir.      
                                            A livrança é, pois, uma promessa de pagamento

(cfr. Ferrer Correia, in “Letra de Câmbio”, Universidade de Coimbra, 1975, p. 23). É, como já foi antes referido, um título de crédito, passado e assinado por um subscritor (cfr. art. 75º/7, da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças – LULL), a favor ou à ordem de outra pessoa (cfr. art. 75º/5, da LULL), por via da qual o primeiro assume, perante o segundo, a obrigação de pagar a quantia nela aposta na data do vencimento (v. arts. 78º e 28º, ambos da LULL).
                              No entanto, o documento apresentado como livrança não preenche os requisitos externos para poder valer como título cambiário, pois foi emitido ou impresso num papel branco pela firma exequente, nos seguintes termos:

 
 
                                         De acordo com o nº. 10 do artº. 65, do Código do

Imposto de Selo (Lei 150/99, de 11/09), “As livranças são exclusivamente editadas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras.”.
                                            E nos termos da Portaria nº. 28/2000, de 27/01,

“Manda o Governo, pelo Ministro das Finanças, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 30.º do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, o seguinte:

….   2.5 - Tintas - os modelos de livranças têm o fundo geral impresso em tinta litográfica de segurança antirasura, devendo a mesma ser compatível com a utilização de tecnologias de tratamento de imagem,

 
nomeadamente o reconhecimento inteligente de caracteres. 

   2.6 - Papel - os modelos de livranças devem ser impressos em papel branco, liso, com gramagem contida entre 85 g/m2 e 95 g/m2.”.      
                              Deste modo, verifica-se a falta de título de executivo para a execução, nos termos previstos no artigo 726, nº. 2, alínea a), do Código de Processo Civil. “.
                                                             
                                                                ***                           
                                                2.3. Enquadramento jurídico.
                                                             
                              Considerou o Tribunal recorrido que a ora apelante não possuía um título executivo que lhe permitisse instaurar a execução supra identificada, fundando-se, para o efeito, em disposições normativas de ordem tributária, previstas no Código do Imposto do Selo (art. 65º, nº10) e na Portaria nº28/2000, de 27/01.
   A exequente, por seu turno, alega encontrar-se na posse de uma livrança, inserida no documento que acompanha o requerimento executivo, sendo que a 1ª instância entendeu que o suporte documental em causa não reúne os requisitos para ser considerada como tal, por força do quadro normativo já referenciado.
                                         Na matéria de que nos ocupamos, há que levar em consideração o regime estatuído no art. 75º da Lei Uniforme em matéria de

 
Letras e Livranças (LULL) - que consiste numa Convenção internacional assinada em Genebra em 7 de Junho de 1930 [1] -, cujo teor é o seguinte:
                                                “A livrança contém:                 

   1. A palavra «livrança» inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a redacção desse título;

                     2. A promessa pura e simples de pagar uma
quantia determinada;                                
                     3. A época do pagamento;        
                     4. A indicação do lugar em que se deve efectuar o
pagamento;                                             
                     5. O nome da pessoa a quem ou à ordem de quem
deve ser paga;                                         
                     6. A indicação da data em que e do lugar onde a
livrança é passada;                                 
                     
(subscritor).” [2].
7. A assinatura de quem passa a livrança
                     A sanção para a inobservância dos requisitos

previstos no art. 75º encontra-se prevista no art. 76º da mesma Lei Uniforme, nos seguintes termos:     

   “O escrito em que faltar algum dos requisitos indicados no artigo anterior não produzirá efeito como livrança, salvo nos casos determinados nas alíneas seguintes.                              

   A livrança em que se não indique a época do pagamento será considerada pagável à vista.  

   Na falta de indicação especial, o lugar onde o escrito foi passado considera-se como sendo o lugar do pagamento e, ao mesmo tempo, o lugar do domicílio do subscritor da livrança. 

   A livrança que não contenha indicação do lugar onde foi passada considera-se como tendo-o sido no lugar designado ao lado do nome do subscritor.”.
                                                             
Constando os requisitos que referimos de uma convenção internacional, na qual, aliás, o Estado Português foi uma das partes contratantes originárias, não se afigura, salvo melhor entendimento, que disposições internas, designadamente ao nível tributário, possam impor elementos (requisitos) adicionais neste domínio, ou seja, para que se considere que estamos perante uma livrança, importa apenas verificar se o respectivo documento observa o que se encontra previsto no citado art. 75º da LULL.
                                                Vejamos porquê.
                              Em primeiro lugar, importa referir que a mencionada convenção vigora na ordem jurídica interna, por força do preceituado no art. 8º, nº2, da Constituição da República Portuguesa [3], sendo que as respectivas normas prevalecem sobre o direito interno, nomeadamente por força do estabelecido no art. 27º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados [4].

                                             Em segundo lugar, quando Portugal outorgou a LULL, subscreveu, na mesma data (7/6/1930), a Convenção relativa ao Imposto do Selo em matéria de Letras e Livranças [5], constando do art. 1º da mesma que “As Altas Partes Contratantes, no caso de não ser essa a sua legislação, obrigam-se a modificar as suas leis por forma a que a validade das obrigações contraídas por meio de letras e livranças, ou o exercício dos direitos que delas resultam, não possam estar subordinados ao cumprimento de disposições respeitantes ao selo. (…)”.

                                              Em terceiro lugar, o nosso Código de Processo Civil não estabelece, a propósito destes títulos de crédito, quaisquer requisitos de exequibilidade, contrariamente ao que sucede com as sentenças (art. 704º), despachos e decisões arbitrais (art. 705º), sentenças e títulos exarados em país estrangeiro (art. 706º), documentos autênticos e autenticados (art. 707º) e escritos com assinatura a rogo (art. 708º).
   E não poderia ser de outra forma, sob pena de se violar a convenção internacional vigente nesta matéria, ou seja, a LULL [6]

 
                                                             
                                              Em quarto lugar, as livranças, como títulos de crédito que são, estão abrangidas pela previsão genérica consagrada no art. 703º, nº1, alínea c), do C.P.C. [7], não impondo o legislador, como se disse, no âmbito deste diploma legal, quaisquer outros requisitos, em particular ao nível da exequibilidade.

                              Atento o exposto, e considerando que o documento junto pela exequente, ora apelante, observa, na íntegra, o quadro normativo que resulta da LULL, estamos perante um título executivo [8], sendo, por isso, incorrecta a decisão de indeferimento que o Tribunal a quo proferiu.
   Por todas as razões indicadas, procede o recurso em análise, devendo proferir-se decisão nesse sentido, com as consequências legais.      
                                                                ***                           
                                                III – DECISÃO.                     
                                                             
                              Nestes termos, decide-se julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar o despacho recorrido, seguindo-se os ulteriores termos da execução.                             
 
                                                             
   Custas pela apelada, sem prejuízo das decisões proferidas em matéria de apoio judiciário.  
                                                             
                                                             
                                                                   Coimbra, 6 de Fevereiro de 2024
(assinado digitalmente)
Luís Manuel de Carvalho Ricardo
(relator)    
         
Henrique Antunes
(1ª adjunto)

António Fernando Marques da Silva
(2º adjunto) 
 

                                                SUMÁRIO.                              
(...)



[1] Aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei nº23.721, de 29 de Março de 1934, e confirmada/ratificada pela Carta de Confirmação e Ratificação publicada a 21 de Junho de 1934 no suplemento do Diário do Governo, I Série, nº144.

[2] Marco Carvalho Gonçalves (“Lições de Processo Civil Executivo”, 2016, págs. 80 e 81) refere que se trata dos requisitos formais inerentes à livrança, não apontando mais nenhum elemento (requisito) adicional que careça de ser observado.

[3] Art. 8º, nº2, da Lei Fundamental (CRP):As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.”.

[4] Convenção assinada em 23 de Maio de 1969, e aprovada, para adesão, pela Resolução da Assembleia da República º 67/2003, de 7 de Agosto, em 29 de Maio de 2003, tendo sido ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 46/2003 de 7 de Agosto.
Estabelece o art. 27º da Convenção que “Uma Parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o incumprimento de um tratado.(…)”.
Por sua vez, o art. 26º da mesma Convenção prescreve que “Todo o tratado em vigor vincula as Partes e deve ser por elas cumprido de boa fé.”.

[5] Igualmente aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei nº23.721, de 29 de Março de 1934.

[6] E a Convenção relativa ao Imposto do Selo em matéria de Letras e Livranças, caso os requisitos adicionais fossem de ordem fiscal.

[7] Art. 703º, nº1 alínea c), do C.P.C.: “À execução apenas podem servir de base: (…) c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;”.

[8] No sentido que defendemos, cf. a Decisão Sumária de 19/11/2019, proferida nesta mesma Relação pelo Exmº Desembargador Falcão de Magalhães, a que pode aceder-se partir da seguinte ligação: https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRC:2019:380.19.4T8CBR.C1.18/.

O mesmo entendimento é expresso, ao nível doutrinário, por Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado, na obra “Títulos de Crédito – Letra – Livrança – Cheque”, 2000, págs. 142 e 222, e por Fátima Pacheco, no artigo “Breves considerações sobre a Livrança: noção e características, função e importância, classificação e forma de extinção”, pág. 13, publicado na Revista Jurídica Portucalense, nº25, 2019, disponível em https://revistas.rcaap.pt/juridica/article/view/16896.