Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3039/06.9TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
NULIDADE DO CONTRATO
ANULAÇÃO
Data do Acordão: 09/30/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 668.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; 227º; 289.º, N.º 1 DO CÓDIGO
Sumário: 1. Não integra qualquer nulidade mas antes mera imprecisão terminológica o facto de se declarar na fundamentação da sentença que o contrato é anulável por dolo e, posteriormente arguida que seja essa anulabilidade, declarar-se aquele nulo na parte decisória do aresto.

2. A anulação do negócio não se perfila dicotomicamente face ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pelos AA. na fase preliminar das negociações, mas antes numa relação de complementaridade no que toca ao ressarcimento do lesado à luz da responsabilidade pré-contratual a que alude o artigo 227º do Código Civil

3. O alcance da reposição ao statu quo ante postulada pelo interesse negativo da contratação, não se limita, seja qual for a posição adoptada quanto ao âmbito deste, à mera restituição do que tiver sido prestado, i.e. aos efeitos da anulação de harmonia com o estatuído no artigo 289º nº 1 do Código Civil; no caso vertente quebrada que foi a relação de confiança por dolo de uma das partes, a ora Ré, daqui resulta que para além da restitutio decorrente da dissolução da relação contratual, haverá que tomar em linha de conta a indemnização com base na responsabilidade civil devido ao comportamento negocial lesivo dos princípios da boa-fé na fase da formação do contrato.

4. A conclusão do negócio não dilui para efeitos indemnizatórios, os respectivos preliminares, sendo o comportamento doloso das partes nessa fase, susceptível de ser sancionado com autonomia em relação à anulação do negócio pelo recurso ao mecanismo da responsabilidade pré-contratual.

Decisão Texto Integral:                 1. RELATÓRIO.

            Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

            A... e mulher B... , residentes na ............, Figueira da Foz vieram intentar contra a Ré C... , casada com D... , residente na ......, a presente acção declarativa com processo ordinário, com o fim de obterem a declaração de nulidade de um contrato de cessão de quota que celebraram com a Ré relativamente à sociedade comercial unipessoal denominada E... efectuada por escritura celebrada em 29 de Dezembro de 2005.

            Na sequência da declaração de nulidade, os AA. pedem que a Ré seja condenada a restituir-lhes duas letras de câmbio que emitiram e aceitaram a favor da Ré relativas ao pagamento do preço dessa cessão de quota, assim como pedem a entrega de um cheque no valor de € 67.000,00 também entregue para pagamento desse preço.      

            Pedem, ainda, a restituição da quantia de € 180.000,00, acrescida de juros à taxa de 4% desde a citação até efectivo e integral pagamento, quantia esta já entregue por conta do pagamento do dito preço. Por fim, pedem que a Ré seja condenada a pagar-lhes, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos, a quantia de € 97.312,42 euros, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a citação e até efectivo e integral pagamento

            Estes pedidos baseiam-se na alegação de que a Ré enganou o Autor marido quando celebrou com ele a escritura de cessão de quota, já precedida da celebração de três contratos promessa, pois o estabelecimento comercial que era transmitido com a transmissão dessa quota tinha sido penhorado antes, em 2004, numa altura em que o estabelecimento pertencia à sociedade denominada F... e foi vendido, depois, a um terceiro, judicialmente, em 13 de Dezembro de 2006.

            Por conseguinte, quando o Autor adquiriu a quota à empresa E..., que entretanto a Ré tinha constituído, pensava o Autor que estava a adquirir o estabelecimento a esta sociedade, quando, na verdade, o estabelecimento tinha já sido adquirido por um terceiro.

            A Ré arquitectou, para o efeito, uma acção de despejo simulada, com a participação do senhorio, com vista a despejar a sociedade F..., apossando-se a sociedade E..., de seguida do estabelecimento, como veio a suceder.

            Os Autores acabaram por ser judicialmente desapossados da exploração do estabelecimento em 27 de Abril de 2006, altura em que haviam pago já, por conta do preço, € 180.000,00 em dinheiro e emitido duas letras de câmbio para pagamento do preço, estando a Ré na posse de um cheque do Autor no montante de 667.000,00 euros.

            Com este negócio e desapossamento do estabelecimento comercial, os Autores sofreram ainda prejuízos que consistiram no pagamento de salários aos empregados durante dois meses, perda de mercadorias e das verbas que teriam facturado e não facturaram durante o tempo em que o estabelecimento esteve encerrado.

            A Ré contestou dizendo que o Autor sempre esteve a par da situação em que se encontrava o restaurante e que o preço da cessão da quota foi apenas de € 105 000,00 euros, tal como consta no último contrato-promessa celebrado e na escritura, pois esta representa a última e real vontade das partes. Nega que tenha recebido as quantias que perfazem os € 180.000,00 pedidos e que tenha havido alguma acção de despejo simulada. Alega ainda que a cessão teve a ver com a quota e não com os bens da sociedade, razão porque o contrato em causa foi e continua válido apesar da venda do café-restaurante em 13 de Dezembro de 2005.

            Pronuncia-se pela inexistência dos prejuízos alegados, causados pelo encerramento do café-restaurante durante dois meses.

            Concluiu pela improcedência do pedido.

            No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância, sendo elencados os factos assentes e elaborada a base instrutória.

            Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e declarou nulo o contrato de cessão de quota celebrado entre o Autor marido e a Ré em 29 de Dezembro de 2005 referido na alínea c) dos factos provados, condenado a Ré a entregar aos AA. as duas letras de câmbio identificadas no artigo 44º da Petição inicial. Mais condenou ainda a Ré a pagar aos AA. a quantia de € 25.000 acrescida de juros à taxa anual de 4% desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-se a Ré do mais que vinha pedido.

            Daí o presente recurso de apelação interposto pela Autora, a qual no termo da sua alegação pediu que se revogue a sentença em análise, substituindo-se por acórdão que condene a Ré nos precisos termos propugnados.

            Foram para tanto apresentadas as seguintes,

            Conclusões.

            1) A sentença recorrida na sua fundamentação refere que o contrato celebrado entre o Autor, ora Recorrente e a Ré, ora Recorrida, deve ser declarado anulado, tal como pede o Autor, por vício e erro na formação da vontade;

            2. No entanto no ponto V. da Sentença (Decisão) a Tribunal a quo declara o contrato celebrado entre Autor e Ré nulo.

            3) Por tal motivo, a sentença proferida pelo Tribunal a quo é nula nos termos do artº 668º, nº 1 alínea c) do C.P.C. por existir oposição entre os fundamentos e a decisão.

            4) Haverá, pois, que alterar a Sentença recorrida de modo a que seja declarado anulado o negócio celebrado entre Autor e Ré.

            5) O Sr. Juiz do Tribunal a quo, durante toda a fundamentação da Sentença ora fala em nulidade, ora fala em anulabilidade, pelo que haverá que alterar a Sentença recorrida de modo a que em todo o texto da sentença se leia "anulado” o negócio celebrado entre Autor e Ré;

            6) O Tribunal a quo não deu como provado factos que não podia deixar de considerar como tal é o caso do facto constante no quesito 14º da Base Instrutória.

            7) O quesito 14º foi dado como não provado, mas na sua fundamentação não foi feita qualquer alusão ao depoimento da testemunha G..., o qual foi da máxima importância para a prova do quesito em causa.

            8) Tendo em conta o depoimento da testemunha G..., deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que "para pagamento do preço acordado entre o Autor Marido e Ré, o Autor entregou à Ré, no dia 25/01/2006 a quantia de 20.000,00 €", i.e., deveria ter dado como provado o quesito 14º.

            9) O depoimento de G... foi totalmente conforme com o declarado pelo Autor em sede de julgamento.

            10) Considerando todo o depoimento da testemunha G..., a entrega de 20.000,00 e que a testemunha assistiu só poderia corresponder à entrega dos 20.000,00 € constantes no quesito 14;

            11) O quesito 14º da Base Instrutória deveria ter sido dado como provado.

            12) Em consequência da resposta positiva ao quesito 14, o quesito 1º deveria ser dado como provado que "a quota referida na alínea c)dos factos provados foi cedida pelo preço real de pelo menos 145.000,00 €."

            13) No caso concreto nos presentes autos, o Tribunal a quo não deveria ter entendida, como entendeu, que os factos/danos dados como provados na resposta aos quesitos não são indemnizáveis, uma vez que só seriam indemnizáveis se o contrato fosse válido.

            14) A obrigação de indemnizar é um efeito do dolo, autónomo relativamente à anulabilidade, surgindo mesmo quando não se verifiquem todos os requisitos do exercício do direito de anular ou este já tenha caducado.

            15) Por isso, a Ré, ora Recorrida, está constituída na obrigação de indemnizar o Autor, ora Recorrente.

            16) Configurando tal situação como de responsabilidade pré-negocial, nos termos do artº 227º do C.C., que impõe que as partes contratantes procedam lealmente quer na fase pré-contratual quer na fase da conclusão do contrato e comina o dever de indemnizar o lesado pelos prejuízos por ele sofridos por parte daquele que, culposamente, a eles deu causa em virtude de ter agido com desonestidade e indignidade nos preliminares e conclusão do contrato.

            17) Não pode, pois, uma das partes contratantes, sabendo de um facto que a outra ignora e exigindo as regras da lealdade negocial que o dê a conhecer ao outro contratante, esconder à outra esse acontecimento

            18) A deslealdade negocial que vier a ser detectada deve ter a suportá-la culpa da parte, culpa que se presume se o contraente violou o sobredito dever de lealdade.

            19) Do circunstancialismo fáctico dado como provado pelo Douto Tribunal a quo, imputa-se à Ré a utilização de um artifício ardiloso, tendo a mesma actuado com fraude, de forma enganosa e manipuladora, conduta essa através da qual o Autor foi enganado quer no decurso das negociações que com a Ré manteve, quer na conclusão do contrato.

            20) Tendo a Ré, consequentemente, agido com culpa.

            21) Deveria, pois, a sentença proferida pelo Tribunal a quo condenar a Ré, ora Recorrida, a pagar aos Autores, ora Recorrentes, uma indemnização no valor total de 60.882,22 €, nos termos do art. 227º do C.C., pelos prejuízos sofridos por estes, em resultado da actuação dolosa daquela, na outorga dos identificados contratos promessa e, ainda, na outorga do contrato definitivo de cessão de quotas.

            22) A Sentença recorrida, refere, quanto aos bens comestíveis que valiam 4.150,00 € (quesito 29), que não se sabe se os mesmos ficaram inutilizados ou se foram aproveitados pelo que não se pode concluir por um dano.

            23) Porém, o Tribunal a quo não atendeu e não fez qualquer referência, quanto a esta matéria, ao depoimento de qualquer testemunha.

            24) Deveria o Tribunal a quo atender ao depoimento das testemunhas G..., H... e I... , e em consequência deveria ter dado aquele valor como um verdadeiro dano e como dano indemnizável.

            25) Os bens comestíveis existentes no estabelecimento foram aproveitados por alguém, não o foram certamente pelo Autor – que foi de imediato, após entrega efectiva do estabelecimento ao Exequente I..., colocado na rua, e mudadas as fechaduras, só lá tendo entrado passado dois meses;

            26) Várias foram as testemunhas que afirmaram que os bens comestíveis existentes foram "deitados fora" no próprio dia do desapossamento, nomeadamente as refeições que estavam prontas a servir à hora do almoço;

            27) A testemunha G... referiu que as comidas que estavam prontas a servir foram todas deitadas fora.

            28) A senhora Solicitadora de Execução que fez a entrega efectiva do estabelecimento ao Exequente I... foi peremptória quando afirmou que fechou o estabelecimento no dia 27 de Abril de 2006, que não deixou o Autor, ora Recorrente servir nenhuma refeição nesse dia ao almoço.

            29) O exequente que comprou judicialmente o estabelecimento (I...) – veio afirmar que se estragou muita coisa porque as arcas frigoríficas foram desligadas.

            30) O depoimento da testemunha I... é da máxima importância, pois foi esta testemunha que a partir do dia 27 de Abril de 2006 (data da entrega efectiva do estabelecimento) ficou com a posse do estabelecimento, e, portanto a única que poderia afirmar o que é que aconteceu aos bens comestíveis que ficaram no estabelecimento e que lhe foram entregues.

            31) O Tribunal a quo não atendeu aos depoimentos das testemunhas supra referidas, pois caso contrário teria que considerar que os bens comestíveis existentes no estabelecimento no dia da entrega efectiva do mesmo ao exequente I... estragaram-se, quer porque foram deitados fora, quer porque as arcas frigoríficas foras desligadas.

            32) Mesmo que assim não fosse, a verdade, é que jamais poderiam aqueles terem sido aproveitados pelo Autor.

            33) O Tribunal a quo, deveria ter considerado o valor de 4.150,00 € (valor dos bens comestíveis) como um dano, uma vez que os mesmos ficaram inutilizados, sem terem sido aproveitados pelo Autor, ora Recorrente, por culpa exclusiva da Ré.

            34) Deverá ser revogada a decisão do Tribunal a quo, na parte em que a mesma considera que o valor dos bens comestíveis (4.150,00 €) não pode ser contabilizado como dano, devendo a mesma ser substituída por decisão totalmente aposta, II, no sentido de que tal valor constitui verdadeiro dano sofrido pelo Recorrente Marido devido à actuação culposa e fraudulenta da Ré, devendo a Ré ser condenada a pagar aquele valor a título de indemnização.

            35) Quanto aos salários dos oito trabalhadores da E..., no valor total de 6.862,11 €, e do salário do próprio Autor (no valor total de 771, SOE), o Tribunal a quo considerou, para além de ser uma despesa que pressupõe a manutenção do contrato celebrado entre o Autor e a Ré, que o Autor só pagou os referidos salários porque quis – o local de trabalho até se tinha extinguido.

            36) À data, o Autor, como resulta provado nos autos (Cfr. Despacho Saneador, alínea c) dos factos provados) era o único sócio e gerente da sociedade E..., como tal, e até sentença transitada em julgado que declarasse a anulação do contrato de cessão de quota, o Autor era responsável pelo pagamento dos salários dos respectivos trabalhadores.

            37) Pelo menos uma testemunha afirmou em sede de julgamento que o então, advogado da Ré e marido da mesma, Dr. J... , afirmou, no momento da entrega efectiva do estabelecimento ao exequente I..., que o seu cliente (Ré e marido) se responsabilizava por tudo o que se estava a passar.

            38) Ora, o Autor, apanhado de surpresa com a diligência efectuada pela Senhora Solicitadora de execução (facto provado), e tendo o advogado da Ré afirmado que aquela e o marido da mesma se responsabilizavam por tudo o que se estava a passar, o Autor, ainda, acreditou que pudesse haver uma solução, e manteve os trabalhadores, cumprindo com todas as suas obrigações enquanto entidade patronal.

            39) O mesmo se diga em relação às despesas que o Autor pagou a título de contribuições para a segurança social devidas pelos seus trabalhadores, despesas essas no valor total de 2.098,31 €.

            40) Os Autores, ora Recorrentes, apenas vieram pedir na presente acção que a Ré os indemnizasse pelos prejuízos patrimoniais, e só patrimoniais, e apenas os prejuízos patrimoniais que os Autores tiveram durante o período de 2 meses – período em que o estabelecimento esteve encerrado.

            41) Haverá, pois, que revogar a sentença recorrida na parte em que a mesma diz que o Autor, ora Recorrente, não tem direito a receber as quantias que pagou a título de salários e respectivas contribuições para a Segurança Social, devendo a mesma ser substituída por uma decisão no sentido de que o Autor marido, ora Recorrente, tem direito a receber, a título de danos resultantes do pagamento dos salários dos trabalhadores e do seu próprio salário e respectivas contribuições para a segurança social, uma indemnização no valor total de 7.634,02 € (6.862,11 € + 771,91 €) a título de danos pelo pagamento de salários e 2.098,31 € a título de danos pelo pagamento de contribuições de segurança social.

            42) Quanto à quantia mensal de 23.500,00 € que o Autor deixou de facturar por ter tido o estabelecimento encerrado por dois meses, a Sentença Recorrida decidiu que o Autor marido, ora recorrente, não tem direito a receber essas quantias, pois trata-se de quantias que pressupõem a validade do contrato e não a sua invalidade.

            43) O este propósito a Sentença recorrida refere, ainda, que o ora Recorrente, apenas pode ser indemnizado pelo "interesse contratual negativo”, designado por "dano de confiança", e não pelo "interesse contratual positivo.

            44) Ora, nada impede, pelo contrário, impõem-no os artigos 801º nº 2 e 564º do ss, que a indemnização pelos danos negativos, que deve colocar o lesado na posição que estaria se o contrato não tivesse sido celebrado, há-de abranger não só os danos emergentes como também os lucros cessantes.

            45) Manter o sentido da decisão recorrida será, pois, premiar o prevaricador, no caso em apreço, a Ré.

            46) Devendo ser revogado na parte que julgou pela irreversibilidade dos danos, nomeadamente dos lucros cessantes;

            47) Haverá, pois, que revogar a sentença recorrida na parte em que a mesma diz que o Autor, ora Recorrente, não tem direito a receber as quantias que deixou de receber a título de facturação mensal, devendo a mesma ser substituída por uma decisão no sentido de que o Autor marido, ora Recorrente, tem direito a receber, aqueles danos cessantes, no valor total de 47.000,00 € (23.500,00 € × 2 meses).

            48) A sentença proferida pelo Tribunal a quo deveria ter condenado a Ré, ora Recorrida, a pagar aos Autores, ora Recorrentes, uma indemnização no valor total de 60.882,22 €, nos termos supra expostos, pelos prejuízos sofridos por estes, em resultado da actuação dolosa e culposa daquela, na outorga dos identificados contratos promessa e, ainda, na outorga do contrato definitivo de cessão de quotas.

            49) Mostram-se violados os Arte. 668º, nº 1 alínea c) do C.P.C. b) art. 799º, nº 1, do CC; c) Art. 801º Nº 2 e art. 564º do CC.

           

            Contra-alegou o apelado pugnando pela confirmação da sentença.

            Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

                                                              *

            2. FUNDAMENTOS.

            O Tribunal deu como provados os seguintes,

            2.1. Factos.

            2.1.1. A Ré C... constituiu em 13 de Junho de 2005, uma sociedade comercial unipessoal denominada "E..."

            2.1.2. Esta sociedade encontra-se matriculada sob o nº 507384288 do Registo Comercial de Coimbra e tem como objecto a actividade de restauração, designadamente a exploração de restaurante.

            2.1.3. Até 29 de Dezembro de 2005, teve como única sócia e gerente a ora Ré – alínea a).

            2.1.4. A sociedade E...no âmbito da sua actividade, iniciou a exploração de um estabelecimento de restauração, instalado num prédio urbano destinado a comércio e habitação, sito na XX– Porto Santiago, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2130, da freguesia de Santa Cruz, e composto de rés-do-chão, 1º andar e logradouro, por força de um contrato de arrendamento celebrado em 1 de Setembro de 2005, para fins habitacionais e comerciais, através do qual a sociedade em causa, representada pela Ré, tomou de arrendamento a L... , e este deu de arrendamento, o prédio supra referido, de que o segundo é proprietário, pelo período de um ano, com o inicio de vigência no dia 1 de Setembro de 2005, renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo – alínea b).

            2.1.5. Em 29 de Dezembro de 2005 a Ré cedeu ao Autor marido A... uma quota no valor nominal de € 5000,00 (cinco mil euros), representativa da totalidade do capital social da sociedade E..., por escritura pública de cessão de quota e alteração ao contrato de sociedade e, na mesma escritura a Ré renunciou à gerência desta sociedade, tendo na mesma escritura sido designado como gerente daquela sociedade o ora Autor, constando da escritura que o preço da cessão foi de € 105.000,00 (cento e cinco mil euros) – alínea c).

            2.1.6. O Autor e a Ré celebraram 3 contratos promessa:

            1 - O primeiro foi celebrado no dia 21 de Outubro de 2005, no qual a Ré prometeu ceder ao Autor, livre de ónus ou encargos e com todos os direitos e obrigações inerentes, a quota de que é proprietária na sociedade atrás identificada pelo preço de 6273.000,00 (duzentos e setenta e três mil euros).

            Nos termos deste contrato promessa o preço acordado seria pago da seguinte forma:

            ...A quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), como sinal e princípio de pagamento, através do cheque nº 4600000001 do Banco M..., agência 0241 Lorvão;

            ...A quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros) a pagar no prazo máximo de 4 anos, com prestações anuais e consecutivas no valor de 650.000,00 (cinquenta mil euros) cada, pagas até 21 de Outubro de cada ano;

            ...A quantia de € 48.000,00 (quarenta e oito mil euros) a pagar no prazo máximo de 48 meses a contar da data da assinatura do contrato promessa em prestações mensais e consecutivas de € 1.000,00 entre o dia 28 e 30 de cada mês, através de transferência bancária para a conta n.º 0021646-002-03 da agência de Tentúgal do Banco N.....

            2 - O segundo contrato promessa foi celebrado em 26 de Outubro de 2005, através do qual a Ré prometeu ceder ao Autor, livre de ónus ou encargos e com todos os direitos e obrigações inerente, a quota de que é proprietária na sociedade atrás identificada pelo preço de € 253.000,00 (duzentos e cinquenta e três mil euros).

            Nos termos deste 2º contrato promessa o preço acordado seria pago da seguinte forma:

            ...A quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) como sinal e princípio de pagamento;

            ...A quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros) a pagar no prazo máximo de 4 anos, com prestações anuais e consecutivas no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) cada, pagas até 21 de Outubro de cada ano;

            ...A quantia de € 48.000,00 (quarenta e oito mil euros) a pagar no prazo máximo de 48 meses a contar da data da assinatura do contrato promessa em prestações mensais e consecutivas de € 1.000,00 entre o dia 28 e 30 de cada mês, através de transferência bancária para a conta n.º 0021646-002-03 da agência de Tentúgal do Banco N....

            3 - O terceiro foi celebrado em 10 de Novembro de 2005 através do qual o preço da compra e venda em causa é de € 105.000,00 (cento e cinco mil euros) – alínea d) e quesito 3.

            2.1.7. Para pagamento do preço acordado entre Autor marido e Ré o Autor entregou à Ré no dia 29 de Dezembro de 2005 a quantia de 5.000,00 (% (cinco mil euros) – alínea e).

            2.1.8. Para pagamento do preço, o Autor entregou à Ré duas letras de câmbio no valor de 6 50.000,00 cada uma, vencendo-se a primeira em 2 de Janeiro de 2007 e a segunda em 2 Janeiro de 2008 – alínea f).

2.1.9. O Autor, logo após a celebração do referido contrato de cessão de quota, e na qualidade de único sócio e gerente da sociedade E...., passou a fazer uso do estabelecimento em causa na convicção de exercer um direito próprio de único e exclusivo arrendatário do prédio onde o mesmo se encontrava instalado – alínea g).

            2.1.10. No dia 27 de Abril de 2006 e no âmbito do processo executivo nº 2291/03.6TBCBR, a correr termos na 1ª secção da Vara Mista de Coimbra, para cobrança coerciva de € 99.959,30, em que é exequente I... e executados F....., O... e P... , foi efectuada a entrega de um estabelecimento comercial que consistiu na entrega do espaço arrendado e onde funcionava o café e restaurante gerido pelo Autor, que foi desapossado de tal espaço, tendo sido mudadas as fechaduras do rés-do-chão do edifício – alínea h ).

            2.1.11. O executado F.... era o anterior arrendatário do imóvel identificado na al. b) dos factos provados e explorava um estabelecimento no mesmo local – alínea i).

            2.1.12. O estabelecimento que a sociedade F....’ explorava e que funcionava no prédio na al. b ) dos factos provados tinha sido penhorado no processo executivo n.º Y...., e vendido, em 13/12/2005, por proposta em carta fechada ao exequente I..., pelo preço de 6141.000,00 euros – alínea i ) .

            2.1.13. O título executivo da execução relativa ao processo executivo nº 2291/03.6TBCBR foi uma letra de câmbio, no montante de 18.000.000$00, sacada pelo exequente sobre a sociedade F..., avalizada pela aí executada O..., vencida a 31/12/2001 – alínea I ).

            2.1.14. A executada F...., na data em que deu entrada a referida acção executiva, tinha como único sócio e gerente D... o qual era e é casado em regime de comunhão geral de bens com a ora Ré – alínea m ).

            2.1.15. A referida acção executiva nº Y...deu entrada em tribunal no dia 5 de Novembro de 2003 e a penhora do estabelecimento foi realizada em 12 Maio de 2004; a venda judicial do estabelecimento F...a I..., ocorreu em 13/12/2005 e incluiu o direito ao trespasse e ao arrendamento do prédio identificado na al. b ) dos factos provados – alínea n ) .

            2.1.16. No dia 4 de Abril de 2005 foi intentada uma acção de despejo contra a F..., com fundamento na falta de pagamento de rendas, a qual não foi contestada.

            2.1.17. Por sentença proferida em 15 de Junho de 2005 foi declarada a resolução do contrato de arrendamento (o celebrado entre a D...e L....) que datava de 17 de Março de 1976 e ordenado o consequente despejo – alínea o).

            2.1.18. O senhorio L... tinha sido notificado desta penhora – alínea p ).

            2.1.19. O Autor marido sabia e ficou a constar dos contratos promessa que à sociedade F...haviam sido penhorados os bens móveis, nomeadamente cadeiras, mesas frigoríficos, fogões e vitrinas, aos quais se atribui um valor de 615.000,00, e a Ré comprometeu-se perante o Autor a pagar-lhe este valor caso a «F...» não chegasse a acordo com o exequente – alínea q ).

            2.1.20. O marido da Ré era o único sócio e gerente da sociedade Executada F..– alínea r ) .

Em 27 de Junho de 2006 o ora Autor celebrou um contrato de subarrendamento e de promessa de trespasse, sujeito a condição resolutiva, com I... (Exequente no executivo nº Y...) – alínea s ).

            2.1.21. A quota referida na al. c ) dos factos provados foi cedida pelo preço real de, pelo menos, 6125 000,00 euros – quesito 1.

            2.1.22. O Autor esteve emigrado na França e celebrou os contratos-promessa pretendendo fixar-se por conta própria – quesito 2.

            2.1.23. Para pagamento do preço acordado entre Autor marido e Ré, o Autor entregou à Ré, no dia 26/10/2005, a quantia de 10.000,00 6 (dez mil euros) – quesito 4.

            2.1.24. Para pagamento do preço acordado entre Autor marido e Ré, o Autor entregou à Ré, no dia 27/10/2005, a quantia de 7.000,00 € (sete mil euros) – quesito 5.

            2.1.25. Para pagamento do preço acordado entre Autor marido e Ré, o Autor entregou à Ré, no dia 28/10/2005, a quantia de 3.000,00 6 (três mil euros) – quesito 6.

            2.1.26. Quando foi intentada a acção de despejo referida na al. o), o senhorio L... já sabia da existência da penhora sobre o estabelecimento comercial e que a penhora englobava o direito ao arrendamento – quesito 18.

            2.1.27. Esta acção de despejo foi planeada entre a ora Ré e o marido da mesma, com vista a que o direito ao arrendamento, também objecto da penhora efectuada, deixasse de fazer parte do estabelecimento da executada F... – quesito 19

            2.1.28. O Autor desconhecia até ao dia 27 de Abril de 2006, a existência de qualquer penhora tendo por objecto o estabelecimento que no mesmo local havia funcionado, bem como a sua venda – quesito 20.

            2.1.29. Se o Autor soubesse da existência de tal penhora e que esta incluía o direito ao arrendamento sobre o imóvel onde estava instalado o café-restaurante, jamais teria celebrado qualquer contrato com a Ré, nem o contrato promessa, nem o prometido – quesito 21.

            2.1.30. A Ré era trabalhadora no café-restaurante da sociedade executada F...– quesito 22.

            2.1.31. A Ré sabia o que consta do quesito 21 e, por saber isso, não informou deliberadamente a existência da referida penhora ao Autor – quesito 23.

            2.1.32. Por causa do referido na al. h ) o Autor teve o estabelecimento comercial E...encerrado ao público desde do dia 27 de Abril de 2006 até ao início de Julho de 2006 – quesito 24.

            2.1.33. Antes do desapossamento do café e restaurante o Autor, na data do fecho, tinham uma facturação mensal de € 23.500,00 euros – quesito 25.

            2.1.34. O Autor pagou integral e pontualmente os salários aos seus oito funcionários que tinham à data do encerramento tendo despendido a este título € 6 862,11 euros – quesito 26.

            2.1.35. Assim como foi pago o salário mensal do Autor marido, na qualidade de sócio gerente da E...no valor de € 385,90 euros – quesito 27.

            2.1.36. O Autor marido pagou no mês de Maio de 2006 a quantia de 61.134,75 e em Junho de 2006 a quantia de € 963,56 a título de contribuições para a Segurança Social devidas pelos seus trabalhadores – quesito 28.

            2.1.37. No dia em que foi desapossado do seu estabelecimento o Autor tinha aí bens comestíveis que valiam € 4,150 euros – quesito 29.

            2.1.38. Com o negócio da cessão da quota as partes tiveram como principal finalidade alienar a propriedade do estabelecimento comercial referido na alínea b ) – quesito aditado em audiência.

                                                              +

            2.2. Reapreciação da matéria de facto.

            Insurge-se o apelante contra as respostas conferidas aos quesitos 1º e 14º da Base instrutória.

            Perguntava-se nos aludidos quesitos respectivamente o seguinte:

            Quesito 1º: A quota referida na alínea c) dos factos provados foi cedida pelo preço real de € 330 000,00?

            Quesito 14º: Para pagamento do preço acordado entre Autora marido e Ré, o autor entregou à Ré no dia 25/1/2006 a quantia de € 20.000,00?

            O Tribunal respondeu ao quesito 14º negativamente tendo respondido ao quesito 1º pela seguinte forma:

            Quesito 1º: Provado que a quota referida na alínea c) dos factos provados foi cedida pelo preço real de pelo menos € 125.000,00

            Não provado que o preço tivesse sido de € 330.000,00.

            Entende o apelante que a resposta ao quesito 14º deveria ser positiva e em consequência o quesito 1º deveria ter sido dado como "provado que a quota referida na alínea c) dos factos provados foi cedida pelo preço real de pelo menos € 145.000,00".

            Vejamos:

            Em abono da resposta que propõe para o quesito 14º, o Autor chama à colação o depoimento da testemunha G..., concluindo que considerando todo o seu depoimento a entrega dos € 20.000,00 e a que a testemunha assistiu só poderia corresponder à entrega dos € 20.000,00 constantes do quesito 14º.

            Reapreciando a prova que se reporta a tal quesito, entendemos que no cômputo global não basta o depoimento em análise para alterar o que foi decidido no que concerne ao quesito. Com efeito e se é certo que a testemunha diz ter assistido à entrega do envelope ao marido da ora recorrida, não é menos verdade que não viu o conteúdo do mesmo, "ela só viu o envelope castanho"; no mais "ouviu falar que eram € 20.000,00"; é pouco… Tratava-se de prova que cabia aos recorrentes fazer. Porém mais ainda; como aliás se observou na primeira instância, considerando o calendário de pagamentos previstos nos dois primeiros contratos promessa, que previam pagamentos a fazer ao longo de quatro anos, os valores e dias de pagamento não coincidem com o mapa de vencimento das prestações que constam desses contratos, o que afecta o juízo de dependência entre ambos, deixando pairar a hipótese de haver quantias que se destinavam eventualmente a outros negócios entre as partes.

            Nesta conformidade entendemos nada alterar às respostas aos quesitos em análise.

                                                              *

            2.3. O Direito.

            Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

            - Da arguida nulidade de contradição entre os fundamentos e a decisão.

            - A responsabilidade pelos danos causados aos Autores; interesse contratual positivo e negativo; Danos indemnizáveis.

                                                              +

            2.3.1. Da arguida nulidade de contradição entre os fundamentos e a decisão.

            Os apelantes vêm arguir de nula a sentença porque em seu entender existe contradição entre os fundamentos e a decisão. E isto porque na fundamentação se declara que o contrato celebrado entre AA. e R. deverá ser anulado, enquanto que na fase decisória do aresto aquele é declarado nulo.

            Decidindo diremos que não estamos perante qualquer nulidade de contradição entre os fundamentos e decisão, a que alude o artigo 668º nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil, mas antes em face de uma imprecisão de ordem técnica. E de qualquer maneira o lapso cometido (e mais não é do que isso) é insusceptível de influir no exame e decisão da causa. Bastará lembrar que muito embora a nulidade seja de conhecimento oficioso ao contrário do que ocorre com a anulabilidade, o certo é que invocada esta última - e no que ora nos interessa considerar - dispõe o artigo 289º do Código Civil que " 1. Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente".

            Nesta conformidade e sem mais considerações, porque desnecessárias, indefere-se ao requerido.

                                                              +

            2.3.2. A responsabilidade pelos danos causados aos Autores; interesse contratual positivo e negativo; Danos indemnizáveis.

            Não sofre qualquer dúvida que o contrato celebrado entre A. e R. deveria ter sido anulado (como aliás o foi) por vício de erro na formação da vontade) – artigo 254º nº 1 do Código Civil; "1. O declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração; a anulabilidade não é excluída pelo facto de o dolo ser bilateral". Por seu turno o artigo 253º do mesmo Diploma legal estatui que "1. Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante".

            Em 27 de Dezembro de 2005 a Ré cedeu ao Autor marido, A..., uma quota que a Ré detinha no sociedade E..., sendo certo que através desse negócio tiveram as partes como principal escopo a alienação do estabelecimento comercial referido na alínea B) da especificação. No entanto a verdade é que o estabelecimento comercial encontrava-se penhorado desde 12 de Maio de 2004, o que o Autor desconhecia até 27 de Abril de 2006, sendo certo que se o mesmo soubesse da existência de qualquer penhora e que esta incluía o direito ao arrendamento sobre o imóvel em que estava instalado o café restaurante, jamais teria celebrado qualquer contrato com a Ré, quer o contrato promessa ou o contrato prometido. A integração dos elementos tipicizantes dos citados normativos legais é assim palpável. Caso o Autor soubesse que não estava a adquirir o café restaurante não teria outorgado a escritura pública, sendo certo que a Ré ocultou ao primeiro a situação jurídica do estabelecimento.

            Perante este quadro factual importa agora indagar da respectiva consequência jurídica. A sentença apelada declarou nulo (aqui anulado) o contrato de cessão de quota celebrado entre A. e R., condenando a Ré a entregar aos AA. as duas letras de câmbio identificadas no artigo 44º da petição Inicial. Condenou ainda a Ré a pagar aos AA. a quantia de € 25.000,00, acrescida de juros à taxa anual de 4% desde a citação até integral pagamento.

            A solução conferida a este caso fundou-se primeiro que tudo no estatuído no artigo 289º nº 1 do Código Civil – "1. Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente". Assim para pagamento do preço acordado entre o Autor marido e Ré, o Autor entregou à Ré no dia 27/10/2005, a quantia global de € 25.000,00, cuja restituição acabou por ser ordenada, acrescidas de juros de 4% a partir da data da citação, para além das letras supra-aludidas.

            Sucede porém que o autor reclama ainda a restituição da importância de € 180.000,00 acrescida de juros à taxa de 4% desde a citação, quantia esta já entregue por conta do pagamento do dito preço. Pede por último que a Ré seja condenada a pagar-lhe a título de indemnização a importância de € 97.312,42 acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação até integral e efectivo pagamento. Tais pedidos baseiam-se na alegação de que a Ré enganou o Autor marido quando celebrou a escritura de cessão de quotas, já precedida de três contratos promessa, já que o estabelecimento comercial que seria transmitido com a cessão de quota, havia sido objecto de penhora e vendido a um terceiro. É que na realidade a Autora arquitectara de conivência com o senhorio uma acção de despejo com vista a despojar a sociedade E..., apoderando-se em seguida a Sociedade E... do estabelecimento de café, como veio a suceder. Os Autores acabaram por ser judicialmente desapossados da exploração do estabelecimento em 27 de Abril de 2006, altura em que haviam pago já, por conta do preço, € 180 000,00 euros em dinheiro e emitido duas letras de câmbio para pagamento do preço, estando a Ré na posse de um cheque do Autor no montante de € 67 000,00 euros.

            Com este negócio e desapossamento do estabelecimento comercial, os Autores sofreram ainda prejuízos cujo ressarcimento reclamam e que consistiram no pagamento de salários aos empregados durante dois meses, perda de mercadorias e das verbas que teriam facturado e não facturaram durante o tempo em que o estabelecimento esteve encerrado.

            Os pedidos supra referenciados obtiveram parcial procedência nos termos acima apontados, exceptuando-se o de indemnização que a sentença apelada julgou improcedente porque reportado em sua óptica ao interesse positivo da contratação, insusceptível de ser atendido in casu.

                                                              +

            Visa em geral a indemnização colocar o lesado tanto quanto possível na situação em que se encontraria se não fosse a lesão.

            Estando em causa uma restituição ao statu quo ante antecedente ao ocorrido, teremos todavia nestes casos bastas vezes de apontar para uma indemnização em dinheiro visando o dano em concreto. Estamos assim em face de uma indemnização por equivalente ou de cálculo, que supõe uma avaliação pecuniária.

            Tratando-se de indemnização pelo “interesse negativo”, vai ressarcir-se o dano que resulta da violação da confiança de uma das partes no comportamento da outra por ocasião dos preliminares e da formação do negócio. Atende-se ao "prejuízo que o lesado evitaria se não houvesse, sem culpa sua, confiado em que no decurso das negociações o responsável cumpriria os deveres específicos a elas inerentes e derivados do imperativo da boa-fé, maxime convencendo-se que a manifestação de vontade deste entraria no mundo jurídico tal como esperava ou que tinha entrado correcta e validamente[1]. A indemnização pelo “interesse positivo” reporta-se por seu turno aos "danos que decorrem do não cumprimento do contrato ou cumprimento defeituoso ou tardio da obrigação; trata-se da violação das respectivas prestações típicas ou principais que podem aliás ser acompanhadas de deveres secundários ou inclusive laterais"[2] .

            Em sede de responsabilidade pré-contratual não há unanimidade de opiniões quanto à natureza dos danos indemnizáveis. Segundo a corrente tradicional, perfilhada ainda por parte da doutrina e jurisprudência, apenas os danos negativos podem ser objecto de indemnização em sede de responsabilidade pré-contratual; indemnizáveis seriam assim os prejuízos que o lesado sofreu em virtude de não ter chegado a realizar o contrato ou pelo facto de haver celebrado um contrato inválido ou ineficaz; exemplificando, refere Ana Prata, "as perdas sofridas com a celebração do contrato ou com as actividades tendentes a essa conclusão e nas ocasiões negociais perdidas por o lesado se ter empenhado naquele projecto contratual em detrimento de outros".

            Não se vê contudo que a corrente tradicional se imponha como inevitável face ao estatuído no artº 227º do Código Civil; e isto é tanto mais verdadeiro quanto é certo que o artº 10º da proposta de articulado de Vaz Serra para a regulamentação da responsabilidade pré-contratual, previa restrições no âmbito da natureza dos danos indemnizáveis em matéria de responsabilidade contratual que não foram consagradas no texto definitivo da lei[3]. Daí o surgir no seio da Doutrina uma corrente sustentando que no âmbito da responsabilidade pré-contratual o artº 227º não impõe qualquer limitação, antes determina a ressarcibilidade de todos os danos causados pelo ilícito pré-contratual culposo; assim o que delimita o âmbito dos danos ressarcíveis será apenas a sua ligação causal ao acto ilícito entendidos nos termos do artº 563º ao estatuir que "a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão[4].

            De acordo com a tese de Pires de Lima e Antunes Varela, a responsabilidade em que incorre o faltoso obrigá-lo-á a indemnizar o interesse negativo ou da confiança; mas pode excepcionalmente se a conduta culposa da parte consistir na violação de um dever de conclusão do negócio, a sua responsabilidade tender para a cobertura do interesse positivo ou de cumprimento. É esta a tese que temos perfilhado porque se nos antolha a mais equilibrada e ao mesmo tempo consentânea com a realização da justiça material de cada caso.      

            Os AA. fundamentam o pedido de indemnização desde logo na responsabilidade pré-contratual prevista no artigo 227º do Código Civil que estatui que "1. Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte".    

            Patenteiam-se no normativo em causa duas fases negociais: a dos preliminares ou fase negociatória e a fase contratual ou decisória. A primeira inicia-se com o primeiro contacto dos interessados ainda sem carácter vinculativo e termina ou com o fecho do negócio ou desistência bilateral ou unilateral de qualquer das partes; Até à fase decisória qualquer das partes pode desistir do negócio[5]; contudo, esta possibilidade não veda, claro está, que o desvio aos princípios de boa-fé por qualquer das partes seja fonte de indemnização já que é precisamente a estes casos que é intencionado o instituto que ora apreciamos.

            Os AA. reclamam assim a título de responsabilidade pré-contratual a importância de € 60.882,22, somatório das várias parcelas de prejuízos que enumeram.

            A sentença apelada considerou não indemnizáveis tais danos; isto porque os mesmos reportar-se-iam ao “interesse contratual positivo” da contratação e somente é indemnizável o “interesse contratual negativo”. Destarte, tendo os AA. optado pela anulação do contrato que encerra a destruição da relação contratual, os AA. não têm em princípio direito pelos ganhos que obteriam se o contrato fosse válido e se mantivesse.

            Esta foi já com efeito a orientação seguida por alguns sectores da Jurisprudência e da Doutrina[6].  

            Com o devido respeito não nos parece que seja esta a solução que a lei impõe e menos ainda a mais adequada sob o ponto de vista da justiça material. A anulação do negócio não se perfila dicotomicamente face ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pelos AA. mas antes numa relação de complementaridade, como procuraremos demonstrar.

            Efectivamente haverá in casu que colocar lesado na situação em que estaria se não tivesse havido negociações e contrato não estivesse ferido de anulabilidade; mas o alcance da reposição ao statu quo ante postulada pelo interesse negativo da contratação, não se limita, seja qual for a posição adoptada, à mera restituição do que tiver sido prestado, i.e. aos efeitos da anulação de harmonia com o estatuído no artigo 289º nº 1 do Código Civil; no caso vertente a relação de confiança que deve presidir à génese e desenvolvimento do contrato foi quebrada por dolo de uma das partes, a ora Ré; daqui decorre que para além da restitutio decorrente da dissolução da relação contratual, haverá que tomar em linha de conta a indemnização com base na responsabilidade civil devido ao comportamento negocial lesivo dos princípios da boa-fé na fase da formação do contrato, entendendo-se que a conclusão do negócio não dilui para efeitos indemnizatórios, os respectivos preliminares, sendo o comportamento doloso das partes nessa fase, susceptível de ser sancionado com autonomia em relação à anulação do negócio[7]. No caso que analisamos a relação de confiança criada no Autor pelo comportamento omissivo e doloso da Ré esteve na origem de despesas que os AA. fizeram tendo em linha de conta o giro do negócio e caso soubessem que o mesmo não abrangia o estabelecimento de Café, certamente não o concluiriam, atenta a importância de que o mesmo se reveste num contrato desta natureza. O que importa assim é que tais prejuízos se liguem através de uma relação etiológica à confiança gerada tendo na mesma a sua origem.

            Vejamos assim essas despesas e investimentos frustrados que cumpre ressarcir.

            - Por causa da diligência de entrega do estabelecimento comercial E.... o Café restaurante esteve encerrado ao público desde 27 de Abril de 2006 até ao início de Julho de 2006 – Quesito 24º.

            - Antes do desapossamento do café restaurante o autor na data do fecho tinha uma facturação mensal de € 23.500.

            - O Autor pagou integral e pontualmente os salários aos seus oito funcionários que tinham à data do encerramento tendo despendido a este último título € 385,90 .

            - O Autor marido pagou no mês de Maio de 2006 a quantia de € 1.134,75 e em Junho de 2006 a quantia de € 963,56 a título de contribuições para a Segurança Social devidas pelos seus trabalhadores – Quesito 28º.

            - No dia em que foi desapossado do seu estabelecimento o Autor tinha aí bens comestíveis que valiam € 4.150 – Quesito 29º.

            Trata-se de prejuízos a que deu causa a relação de confiança gerada pelo comportamento omissivo da Autora quanto à transmissão do estabelecimento comercial que se não verificou. Por outro lado não colhem as objecções da sentença com a falta de obrigatoriedade de pagar essas importâncias, já que são gastos que o giro comercial de um estabelecimento acarreta normalmente.

            No que toca aos bens comestíveis alega a Ré ignorar-se se os mesmos foram ou não aproveitados pelos AA. pelo que não se lhes pode atribuir qualquer indemnização a esse título. Quanto a esta matéria, mais do que as contradições existentes nos depoimentos das testemunhas que a esta matéria responderam pesa o facto de que os apelantes não alegaram nem provaram o destino de tais nem que os mesmos se deterioraram ou pereceram, não podendo o Tribunal suprir a falta de alegação das partes interessada.

            Nesta conformidade não se atribuirá qualquer importância aos AA. a este título.

            Efectuados os cálculos materiais ascende o montante indemnizável a € 56.732,31, que assim acrescerá à indemnização já atribuída. [(€ 23.500×2) + 3.916,70[8] + 1.134,75 + 963,56 + 4.150] = € 56.587,32

           

            Poderá pois concluir-se:

            1) Não integra qualquer nulidade mas antes mera imprecisão terminológica o facto de se declarar na fundamentação da sentença que o contrato é anulável por dolo e posteriormente arguida que seja essa anulabilidade, declarar-se aquele nulo na parte decisória do aresto.

            2) A anulação do negócio não se perfila dicotomicamente face ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pelos AA. na fase preliminar das negociações, mas antes numa relação de complementaridade no que toca ao ressarcimento do lesado à luz da responsabilidade pré-contratual a que alude o artigo 227º do Código Civil

            3) O alcance da reposição ao statu quo ante postulada pelo interesse negativo da contratação, não se limita, seja qual for a posição adoptada quanto ao âmbito deste, à mera restituição do que tiver sido prestado, i.e. aos efeitos da anulação de harmonia com o estatuído no artigo 289º nº 1 do Código Civil; no caso vertente quebrada que foi a relação de confiança por dolo de uma das partes, a ora Ré, daqui resulta que para além da restitutio decorrente da dissolução da relação contratual, haverá que tomar em linha de conta a indemnização com base na responsabilidade civil devido ao comportamento negocial lesivo dos princípios da boa-fé na fase da formação do contrato.

            4) A conclusão do negócio não dilui para efeitos indemnizatórios, os respectivos preliminares, sendo o comportamento doloso das partes nessa fase, susceptível de ser sancionado com autonomia em relação à anulação do negócio pelo recurso ao mecanismo da responsabilidade pré-contratual.

                                                              *

            3. DECISÃO.

            Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação procedente e revogando parcialmente a sentença apelada condena-se a Ré C... a pagar aos AA. a importância de € 56.587,32, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

            Mantém-se em tudo o mais o decidido na sentença apelada.

            Custas do recurso e nesta parte em 1ª instância, na proporção de para a Ré e para os AA.

           


     [1] Cfr. Almeida Costa RLJ 116, 206.
     [2] Cfr. Almeida Costa Ob. e loc. cit.
     [3] Cfr. A. citada "Notas Sobre a Responsabilidade Pré-Contra­tual", Almedina, Coimbra 2002, pags. 167.
     [4]  Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela "Código Civil Anotado" I, 4ª Edição, pags. 215 ss. Menezes Cordeiro in Revista "O Direito" Ano 125 1993 I-II, pags 165 ss.
     [5] Cfr. Almeida Costa "Direito das Obrigações", Almedina, Coimbra, 8ª edição 2000, pags. 263 ss e RLJ Ano 116, 102 ss. Galvão Telles "Manual dos Contratos em Geral", Refundido e Actualizado, Coimbra Editora 2002 pags. 203 ss. Menezes Cordeiro "Tratado de Direito Civil Português", I, parte Geral, Tomo I, Almedina Coimbra, 1999, pags. 345 ss. Diéz Picazo  "Fundamentos del Derecho Civil Patrimonial" I Tecnos, 1983 pags. 200 ss. Menezes Cordeiro "Da Boa-Fé no Direito Civil", I, 546 ss.
     [6] Saliente-se Oliveira Ascensão "Direito Civil Teoria Geral" Coimbra Editora, 1999, pags. 374 e Galvão Telles "Direito das Obrigações", para quem o interesse positivo seria o que se traduziria em que o negócio validamente celebrado fosse cumprido.

            Na Jurisprudência Cfr. Acs. da RE de 27-2-1992 in Col. Jur. 1992, Tomo I, pags. 172; da Rel. do Porto de 6-4-2006 (R. 1600/2006) in Col. de Jur., 2006, II, 181; da Rel. de Lisboa de 27-2-1992 (R. 5161) in Col. de Jur., 1992, 172. Já Vaz Serra Tem uma posição mais curiosa dando a possibilidade de a indemnização vir a ser determinada pelo interesse positivo, "quando caso se houvesse procedido regularmente o contrato tivesse chegado a aperfeiçoar-se pois nesta hipótese a não perfeição do contrato resulta de culpa in contrahendo pelo que a contraparte deve ter o direito de reclamar aquilo que teria se o contrato tivesse sido aperfeiçoado" – apud Eva Sónia Moreira da Silva in "Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação", Almedina, Coimbra, 2003, pags. 212.


     [7] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela "Código Civil Anotado" I, Coimbra Editora, 4ª Edição, 1987, pags. 215 ss. Sinde Monteiro in Responsabilidade por Conselhos Recomendações" pags. 377 e 378, vai até ao ponto de sustentar que "até onde for legítimo utilizar este instituto, [responsabilidade pré-contratual] perde interesse o recurso a uma autónoma obrigação de indemnização".
     No sentido de que a indemnização não poderá quedar-se dentro do conceito estrito do interesse negativo da contratação entendido nos termos restritos preconizados por Ihering da mera anulação do negócio (que é aliás a tese da sentença e da Ré) Cfr. Ana Prata "Notas Sobre a Responsabilidade Civil Pré-Contratual", Almedina 2002, Reimpressão pags. 166, com citação alargada a Jurisprudência e Doutrina Alemã pondo em evidência a impossibilidade de colmatar neste caso a plena indemnização do lesado sem a consideração dos danos da fase pré-contratual que a restrita consideração do interesse negativo da contratação é incapaz de abranger.
     [8] Correspondente ao prejuízo de mais 5 dias de encerramento.