Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1208/08.6PEAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
PRISÃO POR DIAS LIVRES
Data do Acordão: 12/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 3º Nº 2 DO DL Nº 2/98 DE 3 DE JANEIRO, 45º;50º,70º DO CP; 487ºE 488º DO CPP.
Sumário: 1 Os factos apurados leva-nos a concluir que não se encontram preenchidos os pressupostos para uma suspensão de execução da pena, já que se tornou evidente que a simples censura do facto e a ameaça da pena não são suficientes para satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial.
2 A prisão por dias livres tem por finalidade limitar o mais possível os efeitos criminógenos da privação continuada da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado, nos casos em que não é possível renunciar à ideia de prevenção geral.
3.Atendendo a que o arguido encontra-se inserido profissional e socialmente, afigura -se -nos que a execução da pena de prisão por dias livres tem potencialidades para realizar a tutela do bem jurídico protegido pela norma que pune o crime em causa., assim satisfazendo as exigências de prevenção geral e facilitar a ressocialização do arguido, e sem provocar ruptura na sua rotina profissional e assim se evitando as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação para o crime em causa.
Decisão Texto Integral: 12

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No processo supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que condenou:
- O arguido M…, como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3º nº 2 do DL nº 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 1 (um) ano de prisão, a qual suspendeu na sua execução pelo período de um (1) ano.
- Absolveu o arguido do crime de condução perigosa que lhe era imputado.

Desta sentença interpôs recurso o Ministério Público, sendo do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso:
I - Discordamos da douta sentença proferida nos autos, no que tange à medida da pena aplicada, a qual reputamos por desadequada e desproporcional ao caso concreto, atendendo às circunstâncias em que o crime foi cometido, violando o art. 70° do Código Penal.
II - O Tribunal não valorou o comportamento, anterior e posterior aos factos, do arguido, à sua personalidade, nomeadamente ao facto de o mesmo ter já um percurso criminal revelador de uma forte tendência, por parte do mesmo, de viver "ao arrepio das normas".
III - Nada apontando para se fazer uma prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, antes pelo contrário.
IV - Ponderando os diferentes critérios de determinação da medida concreta da pena, maxime uma medida de culpa elevada e exigências inderrogáveis de tutela do Ordenamento Jurídico e dos bens jurídicos violados, ligados à segurança da circulação rodoviária, não julgamos adequada, proporcional e suficiente a mera pena de 01 ano de prisão suspensa na sua execução por igual período aplicada ao arguido, na douta sentença.
V- As circunstancias do facto, a natureza do crime e os bens jurídicos violados demandam uma medida mínima de defesa do Ordenamento Jurídico não compatível com a medida da pena escolhida.
Afigura-se-nos ajustado, adequado e proporcional ao caso em apreço a condenação do arguido em pena de prisão, suspensa na sua execução, mas sujeito a alguma das condições legais e/ou a regime de prova ou a pena de prisão efectiva, mas em regime de permanência na habitação, por dias livres ou em regime de semidetenção, tudo isto desde que os respectivos pressupostos se verifiquem.
Termos em que V. Exas revogando, nesta parte, a decisão recorrida e substituindo a pena aplicada ao arguido pela atrás proposta, farão como sempre JUSTIÇA!

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o arguido, referindo ser excessivo o cumprimento efectivo de nova pena de prisão mesmo que num dos regimes apontados pelo Mº Pº, mas que não repugna à defesa do arguido o condicionamento da suspensão da pena à obrigação sugerida pelo Mº Pº ou mesmo ao regime de prova.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.

O recurso abrange apenas matéria de direito sem prejuízo do conhecimento dos vícios constantes do art 410, nº 2 do CPP.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:
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1. No dia 23 de … de 2008, cerca das 17h00, o arguido seguia ao comando do veículo automóvel de matrícula ..ED, pela Rua Engenheiro Robert Erick Zipprich, em Aveiro, tendo nessa altura sido avistado pelas testemunhas J… e V…, agentes da PSP que circulavam na viatura policial, mas descaracterizada.
2. Porque as referidas testemunhas tinham conhecimento de que o arguido não era titular de carta de condução para veículos automóveis e quer, ainda, porque sobre o mesmo arguido pendia mandado de detenção, os referidos elementos policiais moveram perseguição ao arguido, com vista à sua intercepção.
3. Ao aperceber-se daquela perseguição, o arguido imprimiu aceleração ao seu veiculo, passando a circular a velocidade que chegou a atingir os 90 Km/hora, seguindo pela Rua da Crus, Rua da Bica e Rua da Azenha de Baixo.
4. Devido à velocidade que imprimia ao veículo que conduzia, o mesmo entrou em derrapagem nesta última rua, tendo o veículo, desgovernado, passado próximo de uns trabalhadores da construção civil que ali se encontravam a trabalhar.
5. Após ter logrado retomar o controle do veículo em causa, o arguido seguiu desta feita pela Rua da Azenha, entrando posteriormente de novo na referida Rua da Bica, altura em que o veiculo, circulando sempre a velocidade que chegou a rondar os 90 Km/hora, passou próximo de uns transeuntes que ali circulavam apeados.
6. Em virtude da descrita situação, aqueles elementos da PSP decidiram por termo à perseguição do arguido.
7. À data dos factos que acima se descreveram, o arguido não era titular de licença de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse a conduzir o mesmo, o que sabia ser obrigatório por lei.
8. O arguido conhecia as características do veículo e dos locais por onde o conduzia.
9. Sabia que circulava dentro de localidades e que, por isso, não podia circular a uma velocidade superior a 60 Km/hora.
10. Também sabia que, ao exercer a condução daquele veículo da forma como o fez, poderia colocar em perigo a vida e a integridade física das pessoas com que se viesse a cruzar.
11. Não ignorava que não estava legalmente habilitado a conduzir o veículo em causa.
12. Agiu sempre de modo livre, deliberado e consciente, não ignorando que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
13. O arguido aufere mensalmente cerca de €500.
14. Vive com seus pais.
15. Tem duas filhas menores que estão a viver com as respectivas mães.
16. Tem o 6° ano de escolaridade.
17. Do CRC do arguido consta que este tem as seguintes condenações:
- PCC nº …./02.3GBILH do 1º Juízo de Competência Criminal de Aveiro, Acórdão de …/…/...05, transitado em julgado em …/…/.05 por roubo, na pena de prisão por 3 anos suspensa por 3 anos com a condição de indemnizar o lesado PSumário nº …/07.GTAVR, do 2º Juízo Criminal de Aveiro, sentença de …/…/….07, transitada em julgado em …/…/….07, por condução sem habilitação legal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 5 €; Proc. Sumário na …/07.0GAVGS do Tribunal Judicial de Vagos, sentença de ../…/.01, transitada em …/…/..08, por condução sem habilitação legal, factos de …/…/...07, na pena de 7 meses de prisão efectiva; Proc. Comum ….PTAVR do 3º Juízo Criminal de Aveiro, sentença de …/…/:2007, transitada em julgado em …/…/ 2008, por crime de condução sem habilitação legal, na pena de 85 dias de multa á taxa diária de €5; Proc. Abreviado na …/0 5.3PEAVR do 3º Juízo Criminal de Aveiro, sentença de …/…./ 2006, transitada em julgado em …/…/2008, por crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €5; Proc. Comum na …./07.0PTPRT, 20 Juízo, 3a Secção dos Juízos Criminais do Porto, sentença …/…/ 2008, transitada em julgado em …/…/2008, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €3,50, por crime de condução sem habilitação legal; Pro c. Comum na …/07.5GTAVR, do 2º Juízo Criminal de Aveiro, sentença de …/…/2008, transitada em julgado em …/…/2008, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €6, por crime de condução sem habilitação legal; Proc. Comum na …/03.2PTAVR, do 20 Juízo Criminal de Aveiro, sentença de …/…/../2006, transitada em julgado em …/…/2008, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de €5, por crime de condução sem habilitação legal; Proc. Comum na …/06.1 GTAVR, do 20 Juízo do Tribunal Judicial de Ílhavo, sentença de …/…/2009, transitada em julgado em …/…/ 2009, na pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, por crime de condução sem habilitação legal.
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Não se provaram outros factos constantes da acusação que estejam em contradição com os assentes e que tenham relevância para a decisão da causa, designadamente:
- que as testemunhas J.. e V…, agentes da PSP, estivessem devidamente uniformizados;
- que o arguido tivesse circulado sempre a uma velocidade superior a 90 Km/hora;
- que o veículo do arguido tivesse passado muito próximo de uns transeuntes que circulavam apeados;
- que o arguido tivesse colocado em perigo trabalhadores da construção civil ou transeuntes das ruas por onde circulou.
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lndicação probatória.
O tribunal, num juízo crítico de apreciação da prova produzida, formulou a sua convicção quanto aos factos dados como provados, tendo por base nos seguintes elementos:
a) nas declarações do arguido que confirmou a condução do veículo em causa no contexto espaço-temporal apurado, admitindo como possível que tivesse circulado a 70 Km/hora (embora negando ter criado perigo para quem quer que fosse). Confirmou ainda não ser titular de carta de condução. Igualmente foram tidas em conta as suas declarações quanto à sua situação económica, familiar e habilitações literárias.
b) no depoimento das testemunhas J.. e V… (agentes da PSP de Aveiro), os quais seguiam num veículo descaracterizado que perseguiu o veículo do arguido (viatura aquela que era conduzida pela testemunha J…) e relataram, de forma clara, pormenorizada, sem discrepâncias e com sentido de isenção, toda apurada conduta do arguido, pessoa que já bem conheciam por não ser titular de carta de condução e de também terem uns mandados pendentes contra o mesmos, referindo que naquela perseguição levam o rotativo acesso e a sirene ligada e que desistiram da perseguição para que da mesma não resultasse perigo para terceiros, sendo que por algumas vezes o conta quilómetros de veículo onde iam as testemunhas passou os 90 Km/hora;
c) no teor dos seguintes documentos: informação do IMTT de fls.
8, bem como no teor do CRC de fls. 108 a 114.
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Quanto aos factos dados como não provados não foi feita prova segura, consistente ou convincente dos mesmos por forma a que, pela positiva, pudessem ser dados como assentes. Com efeito, e para além da negação deles por p arte do arguido, pelos agentes da PSP J…e V… foi dito, que apesar do arguido por vezes ter ultrapassado os 90Km/hora, não ocorreu concreto perigo para quem quer que fosse. Por estas razões, e tendo também em conta o princípio do in dúbio pro reo o Tribunal não pode dar como assentes os restantes factos da acusação que extravasam dos apurados.
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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questões a decidir:
- Qual a pena a aplicar?

Sustenta o recorrente que a pena de prisão aplicada devia ser suspensa na sua execução mas condicionada a alguma das obrigações estipuladas no artº 52º do CPenal, nomeadamente, de o arguido, nesse mesmo período, inscrever-se numa escola de condução e obter a respectiva licença para conduzir ou, sujeita a regime de prova nos termos do artº 53º do CPenal, ou em pena de prisão efectiva, ainda que em qualquer dos regimes consagrados no artº 44º, 45º e 46º do CPenal, desde que verificados em concreto os respectivos pressupostos.
Na decisão recorrida foram ponderados, devidamente, todos os factos que atenuam ou agravam a responsabilidade criminal do arguido.
Contra o arguido há a considerar a gravidade objectiva e subjectiva do facto; a ilicitude e a intensidade do dolo que é directo.
As necessidades de prevenção especial são prementes, como são as necessidades de prevenção geral.
O recorrente foi condenado como autor de um crime de condução sem habilitação legal na pena de um ano de prisão.
Optou bem o Tribunal a quo pela aplicação de pena efectiva de prisão em detrimento de pena não detentiva da liberdade, pois face ao quadro factico apurado, só a primeira pode realizar as finalidades da punição, nomeadamente tendo em atenção que o arguido fora já condenado sete vezes pelo mesmo ilícito.
O arguido já teve tempo, atendendo ao seu passado criminal de interiorizar, pelas anteriores condenações, que não pode conduzir veículos automóveis sem que para tal, esteja devidamente habilitado. O facto de o arguido estar inserido a trabalhar, não o tem impedido de praticar este ilícito de forma reiterada sendo certo que as penas de multa que lhe foram aplicadas bem como a suspensão da pena de prisão (roubo) e a pena de prisão que lhe foi aplicada não foram suficientes para o afastar da respectiva prática, pelo que a pena efectiva de prisão é a única que responde à violação das normas legais vigentes.
Tendo em consideração a moldura penal abstracta aplicável, a pena concreta encontrada, de um ano, mostra-se adequada.
Os factos apurados leva-nos a concluir que não se encontram preenchidos os pressupostos para uma suspensão de execução da pena, já que se tornou evidente que a simples censura do facto e a ameaça da pena não são suficientes para satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial.
Na verdade, em concreto nada nos permite concluir por um prognóstico de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para satisfazer os fins de prevenção geral e especial e a necessidade de punição, ou seja, permite uma esperança fundamentada quanto ao futuro bom comportamento do arguido. Portanto, permite concluir que o arguido ainda será merecedor de confiança, que há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, pautando-se por uma vida ordenada e conforme à lei.
Também, não se encontram preenchidos os pressupostos para aplicação do regime de permanência na habitação ou, em regime de semi-detenção, nomeadamente, o consentimento do arguido.
No entanto, tal não significa que a pena imposta deva ser executada de forma contínua.
A prisão por dias livres tem por finalidade limitar o mais possível os efeitos criminógenos da privação continuada da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado, nos casos em que não é possível renunciar à ideia de prevenção geral.
Como refere o Juiz Conselheiro Maia Gonçalves:
(...) o que no fundo se pretende com a prisão por dias livres é adaptar a pena à vida familiar e profissional do condenado e criar um regime intermédio entre a prisão contínua e o tratamento em meio aberto, mas a ideia apoia-se também em considerações que transcendem o delinquente. É, antes de mais, indesejável que se projectem sobre a família do condenado consequências económicas desastrosas, a ponto de se dizer que “une peine de prison cloclochodise la famille”, sendo ainda indesejável a ruptura prolongada com o meio profissional e social (...).
E o Supremo Tribunal de Justiça, considerou:
(...) Sem afastar de todo o conteúdo de sofrimento inerente a toda a prisão e, deste modo, o seu carácter intimidativo, a prisão por dias livres é uma forma de reagir contra os perigos que se contêm nas normais penas de curta duração e de, ao mesmo tempo, manter, em grande parte, as ligações do condenado à sua família e à sua vida profissional (...).
Do exposto e atendendo a que o arguido encontra-se inserido profissional e socialmente afigura-se-nos que a execução da pena de prisão por dias livres tem potencialidades para realizar a tutela do bem jurídico protegido pela norma que pune o crime em causa, assim satisfazendo as exigências de prevenção geral e facilitar a ressocialização do arguido, e sem provocar ruptura na sua rotina profissional, assim se evitando as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação para o crime em causa.
De acordo com o disposto no nº 1 do art 45 do CPenal “a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie, é cumprida em dias livres sempre que o tribunal concluir que, no caso, essa forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, o que manifestamente acontece no caso “sub judice”, em que a vertente da mera advertência individual é, de entre as dimensões da prevenção especial, a determinante.
Assim, aquela pena de 1 (um) ano de prisão deve ser cumprida, de acordo com a citada disposição legal e os arts 487º e 488º do CPP, em 72 (setenta e dois) períodos correspondentes a fins-de-semana, cada um deles com a duração máxima de 48 horas, equivalendo cada um a 5 dias de prisão contínua.

Do exposto julga-se procedente o recurso determinando que a pena de um (1) ano de prisão que foi aplicada ao arguido seja cumprida em 72 (setenta e dois) períodos correspondentes a fins-de-semana, cada um deles com a duração máxima de 48 horas, equivalendo cada um a 5 dias de prisão contínua.

Sem custas.


Coimbra,