Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
224/05.4TATNV-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: RECTIFICAÇÃO DE SENTENÇA
ALEGAÇÕES
Data do Acordão: 02/07/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 380º, N.º 1, AL. B), DO C. P. PENAL
Sumário: Procedendo o juiz à rectificação da sentença, depois das alegações e antes da subida dos autos em recurso, é legítimo ao recorrente apresentar alegações relativamente à rectificação
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

O arguido, A..., não se conformando com o despacho proferido pelo Mmo Juiz em 22/6/2006, vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:
1. O despacho recorrido "desconhece a existência de qualquer norma que permita ao recorrente apresentar aditamentos às alegações de recurso " e ordena o desentranhamento das alegações apresentadas em aditamento pelo arguido.
2. Tais alegações apresentadas "em aditamento" pelo arguido, são consequência de uma "rectificação" que o Senhor Juiz a quo mandou introduzir no texto da sentença, em momento posterior à interposição de recurso e à apresentação da respectiva motivação pelo arguido.
3. A "rectificação" diz respeito à alteração da sentença em matéria objecto de recurso, cuja ilegalidade era suscitada na motivação.
Precisando: a sentença condenava o arguido pela prática do crime previsto na al a) do art. 348º nº 1do Código Penal, quando o arguido estava acusado da prática do crime previsto na al. b).
Em recurso, o arguido alegou a ilegalidade de tal decisão, nomeadamente por não se ter dado cumprimento ao disposto no art. 358º do Código de Processo Penal. E, pugnou pela não verificação dos pressupostos do crime por que foi condenado - o previsto na al a).
Tendo, posteriormente, sido proferido despacho que, alterando a sentença, condena o arguido pela prática do crime previsto na al. b), e a admitir-se esta alteração - com o que não nos conformamos, e sem prejuízo do alegado quanto à inadmissibilidade da mesma, nas alegações apresentadas "em aditamento" - necessariamente há-de ser dado ao recorrente o direito de alegar em sede de recurso, perante este Tribunal Superior, o que tem por conveniente, quanto à aludida "rectificação".
4. O direito de o recorrente alegar "em aditamento" às alegações já por si apresentadas, quando confrontado com a posterior alteração da sentença, resulta designadamente dos arts. 2º e 32º da Constituição da República Portuguesa, 98º e 61º al. h) do Código de Processo Penal e 667º nº 2 do Código de Processo Civil ex vi do art. 4º do Código de Processo Penal.
5. O despacho recorrido nega ao arguido a possibilidade de exercer um direito fundamental - o de recorrer, de uma decisão penal que o condena -, ignorando os supra referidos dispositivos legais que deveria ter aplicado.
6. A injustiça e a falta de fundamento legal da decisão recorrida estão espelhados no seu próprio vazio, já que nenhuma norma ou princípio refere, para justificar que o Tribunal possa alterar a sentença, depois de proferida, de interposto recurso da mesma e de apresentada a motivação - em violação do art. 414º nº 4 do Código de Processo Penal- , que o arguido não se possa pronunciar (recorrer!) daquela alteração.
7. A alteração superveniente da sentença diz respeito a matéria fundamental - o tipo legal de crime por que o arguido é condenado - e impõe o reconhecimento do direito a, quanto a tal alteração, o arguido poder alegar o que tiver por conveniente, em aditamento às alegações já por si apresentadas, sempre que, como sucedeu, a alteração da sentença seja posterior ao oferecimento da motivação do recurso.
8. O arguido, nas suas alegações apresentadas "em aditamento", limitou-se a versar sobre a matéria "rectificada", tendo agido de forma processual adequada.
9. A decisão contida no despacho recorrido impede o "due process of law", assegurado não apenas pela Constituição da República Portuguesa, mas também pela própria Declaração Universal dos Direitos do Homem (arts. 8º, 10º e 11º nº 1).
Termos em que, e nos demais de direito, concedendo provimento ao recurso, farão Vªs Exªs Justiça.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

É este o despacho recorrido:

Desconhece-se a existência de qualquer norma que permita ao recorrente apresentar aditamentos às alegações de recurso.
Consequentemente, desentranhe o aditamento às alegações de recurso apresentado pelo arguido A... de fls. 134 a 141, na medida em que o mesmo é legalmente inadmissível. Após devolva esse aditamento ao arguido.
Após, e em virtude de já ter sido junta aos autos a resposta do Ministério Público às alegações do recurso interposto pelo arguido A..., proceda à expedição para o Tribunal da Relação de Coimbra, dos presentes autos, para efeito de julgamento daquele recurso.

Por sentença proferida nos presentes autos foi o arguido condenado pela prática, em autoria mediata e na forma consumada, de um crime de desobediência simples, p. e p. pelo art 348º, nº 1 al a) do CodPenal, na pena de sete (7) meses de prisão efectiva.
Inconformado com esta decisão o arguido interpôs recurso, apresentando a sua motivação.
Após a interposição do recurso, o Sr Juiz por despacho proferido em 10/5/2006, procedeu à rectificação da sentença por a mesma padecer de erro material manifesto. Assim condenou o arguido pela prática em autoria mediata e na forma consumada, de um crime de desobediência simples, p. e p. pelo art 348º, nº 1 al b) do CodPenal, na pena de sete (7) meses de prisão efectiva.
Perante este despacho o arguido veio com um requerimento dirigido ao Tribunal da Relação de Coimbra, em aditamento às alegações de recurso já apresentadas. Nesse aditamento o recorrente alega quanto à rectificação introduzida na sentença.
O tribunal “ a quo” ordenou o desentranhamento do aditamento às alegações de recurso já apresentadas por entender que o mesmo é legalmente inadmissível.

Entendemos que não tem razão o Sr Juiz.
Vejamos:
Dispõe o art 380 nº 1 al b) do CPP que “O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando a sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial”.
Prevê-se neste artigo um processo de correcção da sentença quando esta contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.
Portanto, podemos concluir que o Sr juiz podia proceder á correcção uma vez que entendeu, bem ou mal, que a mesma estava ferida de um erro material.
Na verdade, já o STJ se pronunciou no sentido de que é legal a correcção de lapso existente na sentença, feito depois da motivação do recurso, mas antes da sua subida ( ac. do STJ de 12/12/90 no processo nº 41 185). A questão que se levanta é a de saber se é possível aditar alegações ao recurso já interposto com fundamento na rectificação efectuada.
O Código de Processo Penal não tem qualquer norma que nos elucide a este respeito. Assim, e ao abrigo do que dispõe o art 4º do CPP, temos que nos socorrer do que dispõe o art 667, nº 2 do CPP.
Em caso de recurso, a rectificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à rectificação...”
Ora, no caso vertente o Sr juiz procedeu à rectificação da sentença após a interposição do recurso e antes deste subir.
Assim as partes e no que respeita à rectificação podem alegar perante o tribunal superior e tal só pode ser efectuado de dois modos :
- Ou, interpondo recurso do despacho de rectificação, na hipótese de não ter sido interposto recurso da decisão final.
- Ou, através de um aditamento ao recurso já interposto. Portanto, no caso de já ter sido interposto recurso da decisão final.
Nesta última hipótese e por uma questão de economia processual e com o fim de o recurso ser visto como um todo, as partes, se não concordarem com o despacho rectificativo, devem por aditamento, alegar perante o tribunal superior.
Assim, o Sr juiz deveria ter admitido o aditamento ao recurso já interposto.

Do exposto julgo procedente o recurso interposto e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que admita o requerimento de aditamento ás alegações de recurso já apresentadas.
Sem custas.