Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3910/02
Nº Convencional: JTRC 05599
Relator: BARRETO DO CARMO
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Data do Acordão: 02/26/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Área Temática: DIREITO PENAL
Legislação Nacional: ARTS. 172º Nº3 AL. D) E 178º Nº2 DO C.P
Sumário: I - Com as Leis nºs 65/98 e 99/2001, o artigo 178º do Código Penal, passou a integrar a expressão interesse da vítima para legitimar a intervenção do Ministério Público, para dar início ao procedimento criminal.
II - Os crimes contra a autodeterminação sexual (artigos 172º a 176º) visam diferentes graus de protecção do menor consoante a idade.
III - O bem jurídico protegido é a autodeterminação sexual, mas de uma forma muito particular - não face a condutas que representem a extorsão de contactos sexuais por forma coactiva ou análoga, mas face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade.
IV - O crime previsto no artigo 172º constitui um crime de perigo abstracto, na medida em que a possibilidade de um crime concreto para o livre desenvolvimento, físico ou psíquico, do menor ou o dano correspondente podem vir a não ter lugar, sem que com isto a integração pela conduta no tipo objectivo de ilícito fique afastada.
V - O conteúdo do acto, sendo o elemento decisivo do tipo objectivo de ilícito é, no caso do nº1 pode ser de diversa natureza consoante os diversos números e alíneas em que o artigo se divide; integram os actos a utilização do menor - alínea c) - servindo, tal menor como modelo, actor ou participante a qualquer título, em acto ou como instrumento do mundo do libido, bem como o tráfico ou exproração de suportes pornográficos com menores de 14 anos.
VI - A criança em si mesmo é na protecção da sua formação como pessoa; daí que a mera exposição da criança a estímulos libidinosos ou para despertar apetite lascivo no adulto se passou a considerar criminosa.
VII - O interesse tutelado neste tipo de crime é consequentemente o interesse do menor, e não o interesse dos menores como bem público.
VIII - Para se aferir do interesse da vítima, como se inscreveu no artigo 172º do Código Penal, para legitimar a intervenção do Ministério Público, não há que socorrermo-nos de qualquer paralelismo com o interesse público, mas tão somente, como aponta o preceito, na análise do caso concreto o interesse da protecção do menor através do procedimento criminal seja superior ao interesse no segredo. E uma situação clara da predominância do interesse do procedimento criminal sobre o do segredo é aquela em que a divulgação da situação é tão extensa que já não há segredo a preservar.
IX - As fitografias dos menores colocadas em site da Internet, vindo portanto divulgados a nível mundial, de tal modo que foram vistas na Alemanha, donde veio a notícia da divulgação de material pedófilo, no circuito de frequência pedófila, determina que o interesse do segredo que a reserva do direito de queixa visa tutelar, como acima se expôs, dilui-se.
X - Por outro lado, as crianças estão perfeitamente identificadas através das fotografias, sabendo-se que é esta a forma de os divulgar nos circuitos da pedofilia, ficando por isso aqueles menores, nesta concreta situação, sujeitas ao perigo de molestação pedófila, pois que tal como apontam as organizações internacionais, que acima se citam, a interacção entre pedófilos cibernéticos faz-se, para a busca de vítimas, através de chats e fóruns, a partir de milhares de fotos, filmes e vídeos na Internet. É pois, evidente, que o interesse da vítima impõe a intervenção do Ministério Público.
XI - A prova da idade, em direito penal, na impossibilidade de se juntar certificado do registo criminal, ou porque este não existe ou porque o nascimento não tenha sido registado ou porque não é possível recolher dados que tornem o registo localizável, pode ser feito com recurso a perícias (arts. 151º e ss), já que o Tribunal tem poderes de investigação na audiência de julgamento (art. 340º do Código de Processo Penal).
Decisão Texto Integral: