Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
33/05.0JBLSB-B
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO PIÇARRA
Descritores: SUBIDA DO RECURSO
PROCESSO PENAL
INUTILIDADE ABSOLUTA
Data do Acordão: 01/21/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º J CRIMINAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: DEFERIDA
Legislação Nacional: ARTIGO 407º, N.ºS 1 A 3 DO CÓD. PROC. PENAL
Sumário: 1. No que respeita ao momento da subida dos recursos dois sistemas se colocam: a imediata e a diferida

2. Ponderadas as vantagens e inconvenientes de cada um desses sistemas, o Cód. Proc. Penal optou por uma solução eclética: uns recursos sobem imediatamente e outros ficam retidos, para subirem em momento ulterior. A regra, contudo, é a subida diferida, pois os casos de subida imediata são apenas os taxativamente indicados na lei ou os que a retenção torne absolutamente inúteis.

3. A doutrina e jurisprudência entendem unanimemente que a referida absoluta inutilidade corresponde a situações em que a retenção do recurso retira, de todo em todo, qualquer eficácia ao provimento do mesmo, ou seja, nada aproveita o recorrente da decisão favorável do recurso, por a demora na sua apreciação tornar irreversíveis os efeitos da decisão impugnada, sendo certo que, para este efeito, não constitui inutilidade absoluta a eventual perturbação do desenrolar do processo ou a inutilização de actos já praticados em resultado do provimento do recurso.

Decisão Texto Integral: Reclamação n.º 33/05.0JBLSB-B

3º Juízo Criminal de Leiria

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I – No processo comum a correr termos no 3º Juízo Criminal de Leiria sob o n.º X..., o Ministério Público interpôs recurso, visando a revogação do despacho, proferido no inicio da audiência realizada no dia 10 de Outubro de 2007, que decidiu «não permitir o art.º 46º do RGIT a conexão antes operada entre crimes de natureza fiscal e crimes de natureza comum, fazendo-a consequentemente cessar e declarou a incompetência do Tribunal de Leiria para o julgamento dos primeiros bem como das contra-ordenações fiscais imputadas a alguns dos arguidos e do pedido de indemnização civil formulado pelo Estado Português, determinando a extracção de certidão do processo e a sua remessa ao Tribunal Criminal de Lisboa, por ser o competente para o julgamento de tais infracções fiscais e pedido indemnizatório».

A Mm.ª Juíza a quo admitiu o recurso, fixando-lhe subida diferida, com o que vier a ser interposto da decisão que puser termo à causa.

Irresignado com a retenção do recurso, apresentou a presente reclamação, visando obter a subida imediata do mesmo.

Não foi oferecida resposta à reclamação e a Mm.ª Juíza a quo manteve o despacho reclamado.

II - Há, agora, que apreciar da bondade da decisão de reter o recurso.

Como se sabe, no que respeita ao momento da subida dos recursos dois sistemas se colocam: a imediata e a diferida. A primeira ocorre, se o recurso subir ao tribunal ad quem logo após a interposição, o que implica, por vezes, a interrupção da marcha do processo e origina prejuízos, tanto mais que, em certos casos, a questão resolvida ao longo do processo e objecto da impugnação recursiva deixa de ter relevância ou eficácia, por virtude do que se vier a decidir a final. A segunda verifica-se sempre que o recurso subir com outro recurso interposto depois dele, ficando, assim, retido, o que, em determinadas hipóteses, também se torna prejudicial, na medida em que há toda a conveniência em que o tribunal ad quem decida a questão o mais cedo possível, porquanto a sua decisão pode repercutir-se na subsequente definição dos interesses dos diversos sujeitos processuais.

Ponderadas as vantagens e inconvenientes de cada um desses sistemas, o Cód. Proc. Penal optou por uma solução eclética: uns recursos sobem imediatamente e outros ficam retidos, para subirem em momento ulterior. A regra, contudo, é a subida diferida, pois os casos de subida imediata são apenas os taxativamente indicados na lei ou os que a retenção torne absolutamente inúteis (art.º 407º, n.ºs 1 a 3 do Cód. Proc. Penal).

Como já referi, o recurso interposto pelo reclamante visa impugnar o despacho, proferido no início da audiência, que decidiu por fazer cessar a conexão entre as infracções de natureza fiscal (crimes e contra-ordenações) e os crimes de natureza comum, prosseguindo a audiência para o julgamento apenas dos últimos, e declarou a incompetência do Tribunal de Leiria para o julgamento dos primeiros bem como do pedido indemnizatório formulado pelo Estado Português, ordenando a extracção de certidão do processo e a sua remessa ao Tribunal de Criminal de Lisboa, por ser o competente. Tal decisão não se enquadra em qualquer das alíneas do n.º 1 (agora n.º 2, na versão da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto) do art.º 407º do Cód. Proc. Penal, não envolvendo, por essa via, a sua subida imediata. Tão óbvio isso é que nem sequer o reclamante nelas se estriba. A sua âncora cai no n.º 2 (agora n.º 1, na versão da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto) desse mesmo artigo, que fixa também a subida imediata dos recursos cuja retenção os torne absolutamente inúteis.

A doutrina e jurisprudência entendem unanimemente que a referida absoluta inutilidade corresponde a situações em que a retenção do recurso retira, de todo em todo, qualquer eficácia ao provimento do mesmo, ou seja, nada aproveita o recorrente da decisão favorável do recurso, por a demora na sua apreciação tornar irreversíveis os efeitos da decisão impugnada, sendo certo que, para este efeito, não constitui inutilidade absoluta a eventual perturbação do desenrolar do processo ou a inutilização de actos já praticados em resultado do provimento do recurso.

Ora, ponderando que o recurso tem por objecto a decisão, proferida no início da audiência, que fez cessar a conexão entre as infracções de natureza fiscal (crimes e contra-ordenações) e os crimes de natureza comum e declarou a incompetência do Tribunal de Leiria para o julgamento dos primeiros bem como do pedido indemnizatório formulado pelo Estado Português, ordenando a extracção de certidão do processo e a sua remessa ao Tribunal de Criminal de Lisboa, por ser o competente, parece, à primeira vista, à luz do apontado entendimento sobre a absoluta inutilidade, que a retenção do mesmo não o torna absolutamente inútil, na medida em que, se este obtiver provimento, a tramitação subsequente ao despacho recorrido será eventualmente anulada e o julgamento será repetido, de modo a abarcar a totalidade do objecto do processo definido na pronúncia.

Todavia, se é verdade que a retenção do recurso não impede, em princípio, que o reclamante dele se venha a aproveitar, no caso de provimento, o certo é que não se poderá deixar de ter em conta que a não subida imediata do recurso, de molde a definir de imediato se o julgamento que está a ser realizado pelo Tribunal de Leiria deve ou não abarcar a totalidade do objecto do processo ou apenas os crimes comuns. É que subindo o mesmo apenas com o que vier a ser interposto da decisão que puser termo ao processo, o julgamento no Tribunal de Leiria quedará restrito aos crimes comuns, proceder-se-á, de imediato, à extracção de certidão de todo o volumoso processo, com eventual realização de outro julgamento em Lisboa, no qual irão intervir as mesmas pessoas, e todo esse labor corre o risco de se tornar não só inútil, como até desprestigiante para a Justiça em geral, se a final vier a ser decidido que o julgamento deveria ser conjunto e realizado apenas pelo Tribunal de Leiria.

Neste contexto e ponderando ainda que está em causa a própria competência do tribunal, propendo por reconhecer que, até mesmo por razões que se prendem com a economia de meios e racionalidade da sua utilização, é do maior pragmatismo avançar, à cautela, para a subida imediata do recurso, de modo a permitir que este Tribunal, através de órgão colegial, mais amadurecidamente aprecie e decida tal problemática.

III – Decisão

Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, defiro a reclamação e, em consequência, determino que o despacho reclamado seja substituído por outro que ordene a subida imediata do recurso.

Não é devida taxa de justiça.

Notifique.

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Coimbra, 21 de Janeiro de 2008