Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | JORGE ARCANJO | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO MANOBRA DE ULTRAPASSAGEM MANOBRA DE MUDANÇA DE DIRECÇÃO PARA A ESQUERDA CRITÉRIO TEMPORAL RESPONSABILIDADE PELO ACIDENTE | ||
| Data do Acordão: | 11/13/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE – 1º JUÍZO CÍVEL | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTºS 20º, Nº 1; 35º, Nº 1; 38º, NºS 1 E 2; E 44º, Nº 1, DO CÓDIGO DA ESTRADA (NA VERSÃO DO D. L. Nº 265-A/2001, DE 28/09 E DA LEI Nº Nº 20/2002, DE 21/08). | ||
| Sumário: | 1) - Se o tribunal respondeu negativamente a um quesito da base instrutória e não tendo sido impugnada em recurso a matéria de facto, a Relação não pode alterar a resposta com base numa presunção judicial.
2) Quando ocorre um acidente de viação entre dois veículos automóveis no decurso de uma manobra de ultrapassagem e de uma manobra de mudança de direcção para a esquerda, circulando ambos no mesmo sentido, discute-se, na jurisprudência, qual o critério a adoptar para aferir da responsabilidade, rectius da culpa. 2) - Ocorrendo um acidente de viação em tais circunstâncias, para aferir da responsabilidade pelo acidente deve adoptar-se, como princípio geral de orientação, o chamado “critério temporal”, por ser o que melhor se adequa com o princípio da confiança, inerente ao tráfego rodoviário. 3) - Comprovando-se que já depois do condutor de um dos veículos haver sinalizado a manobra de mudança de direcção, com a antecedência de cerca de 30/40 metros do local, ter olhado para a frente e para a retaguarda e ter iniciado a manobra de direcção para a esquerda que assinalou é que surgiu o outro veículo a fazer a manobra de ultrapassagem, à velocidade de 100 Km/h, dentro de uma localidade, embatendo naquele, quando o dito já estava prestes a concluir a referida manobra de mudança de direcção, deve imputar-se ao segundo condutor a culpa exclusiva do acidente. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO 1.1. - O Autor – A... – instaurou na Comarca da Marinha Grande acção declarativa, com forma de processo sumário, contra a Ré – B.... Alegou, em resumo: No dia 26/6/2003, na localidade de Garcia, Marinha Grande, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos automóveis de matrícula 08-29-SQ, conduzido pelo Autor, seu proprietário, e o de matrícula 54-38-BS, conduzido por Ilídio Gaspar, cuja responsabilidade transferira para a Ré. Circulando ambos os veículos no mesmo sentido, numa recta com visibilidade, quando o Autor efectuava a manobra de ultrapassagem ao veículo BS, o condutor deste mudou bruscamente de direcção para a esquerda, sem qualquer sinalização, sendo o único culpado. Em consequência, o Autor sofreu danos patrimoniais. Pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 11.750,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação. Contestou a Ré, defendendo-se por impugnação, dizendo que o acidente foi provocado por culpa exclusiva do Autor, já que circulava com velocidade excessiva, efectuando a manobra de ultrapassagem em local proibido, concluindo pela improcedência da acção. No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância. 1.2. - Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que absolveu a Ré do pedido. 1.3. - Inconformado, o Autor recorreu de apelação, com as conclusões que se passam a resumir: 1º) - Apesar de reconhecer que também teve responsabilidade no acidente, entende que os factos provados apontam para uma situação de concorrência de culpas. 2º) – Considerando a dinâmica do acidente, o condutor do BS violou o disposto nos arts.3º, 35 e 44 do CE, concorrendo culposamente para a produção do acidente. 3º) – Partindo dos factos provados (local do embate, posicionamento dos veículos após o embate, as partes das viaturas atingidas, a velocidade do Autor) é legítimo concluir ter sido a viatura BS quem foi embater na lateral direita do veículo do Autor. 4º) – Segundo o critério do nº2 do art.487 do CC, a responsabilidade deve ser repartida na proporção de 1/3 para o Autor e 2/3 para o condutor do BS. 5º) – A Ré deve ser condenada a pagar a indemnização ao Autor, nessa proporção, ou seja, € 5.561,00 pelo valor da viatura, e € 499,50 pela privação do uso. 6º) – A sentença recorrido violou os arts.3º, 35 e 44 do CE, art.487 nº2 do CC e art.688 nº1 do CPC. Contra-alegou a Ré, preconizando a improcedência do recurso. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – Delimitação do objecto do recurso: A questão submetida a recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, consiste em saber se também o condutor do veículo BS, aquando a manobra de mudança de direcção para a esquerda, contribuiu culposamente para a produção do acidente, e, em caso afirmativo, qual a medida da responsabilidade. 2.2. – Os factos provados: 1) No dia 26 de Junho de 2003, pelas 18:30 horas, ocorreu um embate na Rua Principal, Garcia, Marinha Grande, estrada que liga Garcia a Marinha Grande, entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 08-29-SQ, conduzido pelo Autor, A..., e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 54-38-BS, conduzido por Ilídio Valdemar dos Santos Gaspar (Alínea A) dos Factos assentes). 2) Era de dia (Alínea B) dos Factos assentes). 3) A viatura conduzida pelo Autor ficou desgovernada, entrou em derrapagem e despistou-se contra um caixote do lixo que se encontrava à esquerda da via de trânsito que tomava (Alínea C) dos Factos assentes). 4) O condutor do BS pretendia mudar para a esquerda (Alínea D) dos Factos assentes). 5) O proprietário do veículo 54-38-BS havia transferido através da apólice nº 5070/10687835 a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação com a referida viatura para a B... (Alínea E) dos Factos assentes). 6) A viatura conduzida pelo Autor ficou amolgada na carroçaria, retorcida de ambos os lados e estragada na pintura e chapa ao nível interior e exterior (Alínea F) dos Factos assentes). 7) A reparação da viatura é desaconselhada em virtude de após a reparação não oferecer segurança para circular na via pública e o custo seria superior ao valor da mesma antes do embate, conforme carta que a Ré enviou ao Autor em 18 de Julho de 2003 (Alínea G) dos Factos assentes). 8) A Ré, através da carta referida na alínea anterior, atribuiu à viatura um valor de € 10.000,00, valendo os salvados € 2.500,00 e apontando um valor indemnizatório de € 7.500,00, ficando os salvados para o Autor (Alínea H) dos Factos assentes). 9) A viatura conduzida pelo Autor ficou incapacitada de circular (Alínea I) dos Factos assentes). 10) O Autor tinha-se incorporado na estrada onde ocorreu o embate, provindo da estrada que liga o lugar de Pedrianos ao lugar de Salgueiro (resposta ao facto 1º da Base Instrutória). 11) A aludida incorporação foi efectuada junto à Igreja da Garcia, que dista entre 500 a 600 metros do local do embate (resposta ao facto 2º da Base Instrutória). 12) O condutor do veículo 54-38-BS pretendia com a mudança de direcção referida em D) dos factos assentes incorporar-se no logradouro de uma oficina situada do lado esquerdo da faixa de rodagem, atento o seu sentido de trânsito (resposta ao facto 8º da Base Instrutória). 13) O valor venal da viatura SQ, à data do embate, era de, pelo menos, € 10.000,00 (resposta ao facto 10º da Base Instrutória). 14) Os salvados da viatura SQ, à data do embate, valiam, pelo menos, € 1.500,00 (resposta ao facto 11º da Base Instrutória). 15) O Autor ficou privado da viatura desde a data do embate – 26.06.2003 (resposta ao facto 12º da Base Instrutória). 16) Por carta datada de 18.07.2003, a Ré comunicou ao A. que não era aconselhável a reparação da viatura SQ e que esta tinha perda total (resposta ao facto 13º da Base Instrutória). 17) Em virtude do facto referido em 15 (correspondente ao artigo 12º da B.I.) o Autor teve de utilizar meios de transporte alternativos nas suas deslocações, como táxi (resposta ao facto 14º da Base Instrutória). 18) O Autor conduzia o veículo 08-29-SQ a cerca de 100km/hora (resposta ao facto 18º da Base Instrutória). 19) No local existe sinalização vertical (C13) de proibição de exceder a velocidade de 50 km/hora (resposta ao facto 19ºda Base Instrutória). 20) O condutor do veículo BS, cerca de 30 a 40 metros antes do local para onde pretendia mudar para a esquerda, accionou o sinal luminoso esquerdo (resposta ao facto 21º da Base Instrutória). 21) Olhou para a sua frente e retaguarda (resposta ao facto 22º da Base Instrutória). 22) E ao verificar que os veículos que circulavam atrás de si reduziam a marcha, aproximou-se do eixo da via, onde se imobilizou, e virou para a esquerda (resposta ao facto 23º da Base Instrutória). 23) No momento em que estava prestes a concluir a referida manobra com a frente do veículo próxima da linha da berma, surgiu o veículo SQ que ultrapassava as viaturas que transitavam à retaguarda do BS (resposta ao facto 24º da Base Instrutória). 24) E ocorreu o embate da parte dianteira do lado direito do SQ sobre a parte da frente do lado esquerdo (sobre o farol) do BS (resposta ao facto 25º da Base Instrutória). 25) Após o embate, o veículo conduzido pelo Autor ficou desgovernado, entrando por um aqueduto situado na berma do lado esquerdo da faixa de rodagem (atento o seu sentido de trânsito), indo colidir com o contentor do lixo referido em C) dos factos assentes, danificando o mesmo, vindo a imobilizar-se a cerca de 54 metros de distância (resposta ao facto 26º da Base Instrutória). 2.3. – O Direito: São pressupostos da obrigação de indemnização, o facto ilícito ligado ao condutor do veículo BS por nexo de imputação subjectiva (a culpa) e a existência de danos causados adequadamente por esse mesmo facto (art.483 e segs. do Código Civil). Incumbe ao autor, como facto constitutivo do seu direito a prova dos pressupostos do direito de indemnização ( arts.342 nº1 e 487 CC). O acidente ocorreu no decurso de duas manobras - a de ultrapassagem pelo veículo SQ e de mudança de direcção para a esquerda pelo veículo BS - as quais são particularmente perigosas, impondo uma especial atenção aos condutores que as executam. A sentença, na ponderação da dinâmica do acidente, concluiu pela culpa exclusiva do Autor, por haver iniciado de forma inopinada e imprudente a ultrapassagem, sem qualquer sinalização e com velocidade excessiva, já depois do veículo BS ter dado início à manobra de mudança de direcção para a esquerda, de forma regulamentar, ou seja, sem violação de qualquer regra estradal. Objecta o apelante com a culpa concorrente do condutor do BS, por violar os arts.3, 35 e 44 do CE, pois com base nos factos provados (local do embate, posicionamento dos veículos após o embate, as partes das viaturas atingidas, a velocidade do Autor ) é legítimo concluir ( presumir ) ter sido a viatura BS que foi embater na lateral direita do veículo do Autor. É conhecida a clássica distinção entre prova directa e prova indirecta ou indiciária, incidindo aquela directamente sobre o facto probando, enquanto esta – também chamada de prova “circunstancial”, “de presunções”, de “inferências” ou “aberta” – reporta-se sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar ( cf., por ex., MICHELE TARUFFO, La Prueba De Los Hechos, Editorial Trotta, pág.453 e segs. ). As presunções judiciais, também designadas materiais, de facto ou de experiência ( art.349 do CC ), não são, em rigor, verdadeiros meios de prova, mas antes “ meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência “ ( VAZ SERRA, RLJ ano 108, pág.352 ), ou, noutra formulação, “ operação de elaboração das provas alcançadas por outros meios “ ( ANTUNES VARELA, RLJ ano 123, pág.58 nota 2), reconduzindo-se, assim, a simples “ prova da primeira aparência “, baseada em juízos de probabilidade. Na definição legal, são ilações que o julgador tira de um facto conhecido ( facto base da presunção ) para afirmar um facto desconhecido ( facto presumido ), segundo as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas, ou da lógica. Considerando que o tribunal, aquando da decisão da matéria de facto ( art.653 do CPC ), julgou não provados os quesitos 4º e 9º, coloca-se a questão de saber, antes de mais, se, ao fazer a análise crítica da prova, nos termos do art.659 nº2 do CPC, poderia socorrer-se de uma presunção judicial para concluir precisamente pelo facto quesitado em 9º ( “ o condutor da viatura segura na Ré embateu com a frente esquerda do BS na lateral direita de trás do veículo do Autor? “). As provas cujo exame crítico deve o juiz fazer na sentença não são aquelas de livre apreciação a que se reporta o art.655 do CPC, quando decide a matéria de facto ( art.653 do CPC ), mas tão só as que se impõe conhecer no momento da sentença, ou seja, as provas por presunção, as provas legais ainda não utilizadas (como as resultantes de documento autêntico, por exemplo junto posteriormente à elaboração da base instrutória), os factos admitidos por acordo na audiência de julgamento. Muito embora se entenda que a resposta negativa a um quesito não implique a prova do contrário, tudo se passando como se o respectivo facto não fosse alegado, o certo é que seria um contra-senso permitir a prova por presunção judicial de um facto expressamente quesitado, cuja resposta foi negativa ( cf. CALVÃO DA SILVA, RLJ ano 135, pág.125, Ac do STJ de 20/6/06, em www dgsi.pt ). E se o tribunal da 1ª instância deu (ou não) como provado certo quesito e se para o efeito ele pôde utilizar prova testemunhal e máximas da experiência, também a Relação não pode alterar essa resposta devido exclusivamente a uma presunção, na medida em que a sua força probatória pode ter sido arredada devido aos depoimentos orais prestados pelas testemunhas perante o tribunal. Por isso, a Relação não pode modificar a resposta dada pelo tribunal a quo com fundamento numa presunção, se não ocorrer qualquer das hipóteses do art.712 do CPC ( cf., por ex., ANTUNES VARELA, RLJ ano 123, pág.49, em anotação ao Ac STJ de 13/2/85; TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., pág.416; Ac STJ de 21/9/95, C.J. ano III, tomo III, pág.15). Ao fim e ao cabo o que o recorrente pretende é alterar as respostas aos respectivos quesitos 4º e 9º da base instrutória, mas sem qualquer fundamento legal. Quando ocorre um acidente de viação no decurso de uma manobra de ultrapassagem e de uma manobra de mudança de direcção para esquerda, discute-se qual o critério a doptar para aferir da responsabilidade, rectius, da culpa. A este propósito, conforme elucida EURICO CONSCIÊNCIA ( Sobre Acidentes de Viação e Seguro Automóvel, 3ª ed., pág.171 ), não se descortinando uma orientação dominante na jurisprudência, “costuma afirmar-se que a culpa será do condutor que começou a manobra depois de já ter sido encetada a manobra do outro: do que começa a ultrapassar o veículo que já se aproximara do eixo da faixa de rodagem e ligara os “ pisca-pisca” esquerdos, ou do que virou para a esquerda quando o outro condutor já acendera os pisca-pisca esquerdos e/ou já rodava pela metade esquerda da faixa de rodagem, próximo do veículo que mudou de direcção”. O “critério temporal”, como princípio geral de orientação, é o que se extrai da conjugação de diversas normas do Código da Estrada ( na versão do DL nº 265-A/2001, de 28/9 e da Lei nº20/2002, de 21/8, vigentes à data do acidente ) e o que melhor se adequa com o princípio da confiança, inerente ao tráfego rodoviário. Desde logo, pressupondo ambas as manobras a prévia sinalização, ela deve ser feita com a “necessária antecedência”, antes mesmo do início da execução, de modo a revelar a pertinente “intenção “ ( art.20 nº1 do CE ). Por outro lado, também ambas exigem a prévia certificação do perigo ou embaraço para o trânsito ( art.35 nº1 do CE ), sendo que este dever geral de cuidado é concretizado em face da especificidade de cada uma delas ( arts.38 nº1 e 2, art.44 nº1 do CE ). Mudar de direcção é tomar uma via confluente daquela em que se segue e o condutor deve fazer o sinal regulamentar com a necessária antecipação, bem visível e significativo, de modo a não deixar dúvidas sobre a sua intenção aos restantes utentes da estrada, aproximar-se do eixo da via e realizar a manobra em sentido perpendicular aquele em que seguia. Em caso algum deve iniciar tal manobra sem previamente se assegurar que da sua realização não resulta perigo ou embaraço para o trânsito ( arts.20,, 35 e 44 do CE). Considerando a factualidade apurada ( cf.pontos 20 a 23 ), é por demais evidente que o condutor do BS efectuou de forma regulamentar a manobra de mudança de direcção para a esquerda. Acontece que, já depois do condutor do BS haver iniciado a manobra de mudança de direcção e estando prestes a concluí-la, é que surgiu o Autor a fazer a manobra de ultrapassagem a outras viaturas, circulando, dentro de uma localidade, à velocidade de 100 Km/h, acabando por embater no veículo segurado na Ré. O Autor não poderia ter iniciado tal manobra sem previamente se assegurar que da sua realização não resultava perigo ou embaraço para o trânsito, mesmo que se tratasse de mero embaraço parcial ( art.35 do CE ), e, por outro lado, fê-la sem observância da regra do art.38 do CE, de forma repentina, sem qualquer sinalização, indiferente ao trânsito, nem sequer curando de se certificar do perigo resultante. Ora, o condutor que pretende efectuar a ultrapassagem só deve iniciá-la quando se tenha assegurado de que dispõe do espaço suficiente para o fazer e de que a visibilidade para diante o permite, sem perigo, devendo prever todos os riscos que se podem dar durante a manobra e tomar as medidas adequadas a evitá-los. Por outro lado, sabendo-se o limite máximo de velocidades dentro da localidade ( 50 Km/h ) e devendo ela ser “especialmente moderada”, ou seja, a que não excedendo os limites legais permita ao condutor executar qualquer manobra a fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente de forma a prevenir os perigos inerentes à circulação, a verdade é que o Autor circulava à velocidade de 100 Km/h, com clara violação dos arts 24 nº1, 25 nº1 c), 27 do CE. Por conseguinte, seguindo o “critério temporal “ verifica-se que o condutor do BS já havia sinalizado e iniciado a manobra de mudança de direcção para a esquerda, de forma regulamentar, quando o veículo do Autor iniciou a ultrapassagem, dando-se o embate no momento em aquele estava prestes a concluí-la. Acresce competir ao condutor de um automóvel que circula atrás de um outro atentar no que vai fazer o condutor do veículo que segue à sua frente, concretamente nas manobras que este sinalizou, de modo a averiguar previamente se o pode ou não ultrapassar em condições de segurança, como ressalta das diversas alíneas do nº2 do art.38 do CE ( cf., Ac do STJ de 21/6/07, disponível em wwwdgsi.pt, e, para a idêntica norma anterior, OLIVEIRA MATOS, Código da Estrada Anotado, 1998, pág.65 e 66 ). Neste contexto, temos por correcto o juízo valorativo expresso na sentença ao imputar a culpa exclusiva do acidente ao Autor, por ostensiva violação dos arts.20 nº1, 24 nº1, 25 nº1 c), 27, 35 e 38 do CE), pois, conforme entendimento jurisprudencial uniforme, a infracção às regras de circulação rodoviária fazem presumir a culpa, segundo a chamada “ prova da primeira aparência “. E porque o acidente é exclusivamente imputável ao próprio lesado, está excluída a responsabilidade da Ré, nos termos do art.505 do CC. O apelante limitou-se a invocar a violação do art.668 nº1 do CPC, mas não concretizou qualquer erro de construção ou de actividade de modo a precisar a nulidade da sentença, que obviamente não existe, em quaisquer das modalidades previstas. Em resumo, improcede a apelação, confirmando-se a bem elaborada sentença recorrida. 2.4. - Síntese conclusiva: 1) - Se o tribunal respondeu negativamente a um quesito da base instrutória e não tendo sido impugnada em recurso a matéria de facto, a Relação não pode alterar a resposta com base numa presunção judicial. 2) - Ocorrendo um acidente de viação entre dois veículos automóveis no decurso de uma manobra de ultrapassagem e de uma manobra de mudança de direcção para esquerda, quando ambos circulavam no mesmo sentido, para aferir da responsabilidade, deve adoptar-se, como princípio geral de orientação, o “critério temporal”, por ser o que melhor se adequa com o princípio da confiança, inerente ao tráfego rodoviário. 3) - Comprovando-se que, já depois do condutor do BS haver sinalizado, com a antecedência de cerca de 30/40 metros do local e, após ter olhado para a frente e retaguarda, iniciou a manobra de direcção para a esquerda, é que surgiu o veículo do Autor a fazer a manobra de ultrapassagem, à velocidade de 100 Km/h, dentro de uma localidade, embatendo naquele, quando já estava prestes a concluir a referida manobra de mudança de direcção, deve imputar-se ao Autor a culpa exclusiva do acidente. III – DECISÃO Pelo exposto, decidem: 1) Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.2) Condenar o apelante nas custas, sem prejuízo do apoio judiciário.3) Remunerar o Ex.mo advogado, patrono oficioso do Autor, com 9 UR.+++ Coimbra, 13 de Novembro de 2007. |