Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
555/04.0GTAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
JUROS
Data do Acordão: 01/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 494º,496º,560º,562º,564º,566º,805º CC
Sumário: 1. No âmbito da indemnização pelo exercício da actividade profissional que que o lesado exercia e deixou de exercer e incapacidade futura de exercício dessa mesma actividade, ressarcidas em sede de acidente de trabalho, a autora, tendo optado por aquela indemnização, apenas poderá receber nova indemnização com base em pressupostos “novos” ou “diferentes” daquele em que assentou a indemnização por acidente de trabalho. Ou seja desde que demonstre a existência de prejuízos não contemplados naquela jurisdição, atento o referido princípio da complementaridade bem como a natureza da indemnização civil - reposição da situação patrimonial que o lesado teria se não fosse o acto ilícito. O mesmo é dizer desde que prove que exercia outra actividade, o ganhava mais ou exercia mais horas de trabalho do que estava coberto pela indemnização laboral.
2. Atendendo essencialmente à idade da demandante (51 anos à data do acidente) gravidade das lesões, tempo de doença e tratamentos médicos e hospitalares a que foi submetida, com todo o rol de sofrimento e angústia, incapacidade total para qualquer actividade de que ficou afectada, necessidade permanente do amparo de terceiros para as tarefas diárias, grau das dores inerente à gravidade das lesões, várias intervenções cirúrgicas a que foi submetida, tratamentos e sequelas definitivas, tendo-lhe sido extraído um rim, perspectivas de sofrimento futuro pelas limitações a autora que se verá condicionada, para toda a vida, padrão socio-económico da ofendida. ), entende-se ajustado arbitrar a quantia de € 45.000,00 euros (quarenta e cinco mil euros) de indemnização por danos não patrimoniais
3. No que toca à indemnização agora arbitrada relativas a bens danificados no acidente, não actualizada, haverá condenação em juros desde a data da citação, nos termos do art. 805º, n.º3 do C. Civil.Já quando ao dano patrimonial relativo à perda de capacidade aquisitiva e danos não patrimoniais, tendo a quantificação sido reportada ao momento mais recente atendível (encerramento da audiência em 1ª instância),, só haverá condenação em juros a partir daí.
Decisão Texto Integral: ACORDAM, EM AUDIÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

I.
O presente recurso é interposto pela demandante civil A..
E incide sobre a sentença mediante a qual o Tribunal recorrido decidiu:
- Condenar o arguido B.., pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, previsto e punido pelo artigo 148º, n.ºs 1 e 3 do Código Penal, ex vi do artigo 144º, al. b) e d), todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se suspende por um período de 1 (um) ano.
- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível, e, em consequência, condenar a demandada “Global - Companhia de Seguros, S.A.” a pagar à demandante, a título de indemnização por danos não patrimoniais o montante de € 12.250,00 (doze mil duzentos e cinquenta euros), absolvendo a demandada do restante montante peticionada.
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É motivado com as seguintes CONCLUSÕES:
1. O presente recurso tem por objecto a reapreciação da matéria cível, com a consequente alteração dos valores das indemnizações atribuídas à demandante.
2. A apreciação da gravidade do dano não patrimonial, deve assentar no circunstancialismo concreto envolvente dos autos, operando com critérios objectivos, num quadro de exclusão, tanto quanto possível inerente a sensibilidades particulares;
3. Justifica-se no caso dos autos a fixação da compensação à demandante/lesada por danos não patrimoniais no montante agora reduzido para o total de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros): € 50.000 (quantum doloris); € 75.000,00 (dano estético) e € 25.000,00 (Perda da alegria de viver, sentir-se amargurada e triste, não poder conviver, depender de outras pessoas para as necessidades e tarefas do dia a dia)
4. Na verdade, só este montante é equitativo e justo para compensar a demandante em razão do sofrimento físico-psíquico decorrente das gravíssimas lesões que sofreu no acidente, das múltiplas fracturas, da retirada da clavícula esquerda, do baço, (esplenectomia) de um rim por traumatismo do acidente, (nefrectomia), da lesão do plexo braquial, lesão das artérias e veia subclávica, com enxertos arteriais e venosos, isquémia aguda do membro superior esquerdo que ficou totalmente paralítico, flácido, obrigando ao uso de aparelho ortopédico, da paralisia da face (síndrome de Horner), dos traumatismos crânio encefálico, torácico e abdominal, da fractura das costelas, da eventração da cúpula diafragmática, das muitas cicatrizes, amiotrofia da coxa esquerda, síndrome cervical pós-traumático e encefálico, distrofia osteo-articular de toda a estrutura óssea da cintura escapular esquerda, das articulações escapulo-umeral, escapulotorácica, acromioclavicular e esternoclavicular, atrofia neurogénica das estruturas musculares e exérese dos músculos peitoral e subescapular, com desnervação activa e alterações vaso simpáticas, dispenia de esforço com insuficiências respiratórias agudas em actos simples como vestir-se, despir-se, sequelas de múltiplas cicatrizes, quadro sindromático de neurose post-traumática com sintomas de ansiedade e depressivos, perda do equilíbrio, vertigens, ansiedade aguda, constipações e febre quase constante, (sépsis por peumococos por ser esplenectomizada), manifestações desconexas e violentas, pânico sobre a evolução futura, dores, sobretudo cefaleias, que a obrigam a tomar analgésicos e ansiolíticos, não cedendo as dores à medicação, impedindo-a de dormir.
5. Por motivo do acidente, a demandante já foi submetida a cinco intervenções cirúrgicas, com anestesia geral e internamentos e tratamentos hospitalares e de fisioterapia, ficando com incapacidade absoluta permanente para todo e qualquer trabalho e necessitando da ajuda e assistência de terceira pessoa, pois, em consequência das sequelas permanentes está impossibilitada de executar, por si só, as tarefas quotidianas, designadamente, vestir-se, calçar-se, preparar alimentos e tratar da sua higiene pessoal.
6. A indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder a quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas e de harmonia com as circunstâncias especiais do caso dos autos, a demandante/lesada teria obtido não fora a acção lesiva do condutor Jorge dos Santos Dias de Carvalho, arguido nos presentes autos.
7. Justifica-se a fixação da indemnização de € 120.000,00 por danos patrimoniais futuros sofridos pela demandante, com 51 anos de idade na data do acidente, que auferia um salário mensal de € 455,00 e subsídio de alimentação de € 5,00, trabalhava ainda nas suas propriedades agrícolas, criava animais, donde auferia rendimentos significativos e as lesões que sofreu a impedem de exercer a sua actividade profissional e qualquer outra, implicando incapacidade permanente geral com total redução da capacidade futura de ganho, necessitando do auxilio de 3ª pessoa.
8.Tendo em conta as considerações acima expendidas, o tempo médio dos homens e o montante do salário mínimo nacional, justifica-se, num cômputo muito mitigado, a fixação no montante de € 264,00 por mês correspondente ao auxilio de terceira pessoa, já arbitrada no Tribunal de Trabalho, aceite e estando a ser paga pela demandada e pela qual a demandante opta.
9. Atendendo ao salário da demandante e à data do acidente (23/11/2004) e ao rendimento que a lesada obtinha no cultivo das terras e também na criação de animais, a lesada peticiona e deve ser fixado o montante de € 17.000,00 a titulo de rendimentos perdidos do salário e dos rendimentos da agricultura, desde a data do acidente até á presente data. (actualização do montante antes peticionado nos termos do art. 566º nº 2 do CC).
10. Devem ainda ser pagos à demandante € 300,00 pela perda do veículo, € 125,00 pelas roupas, sapatos, capacete danificados no acidente.
11. A Meritíssima Juiz a quo na sentença reclamada fez incorrecta interpretação dos factos provados, incorrendo em violação da lei por erro de interpretação e incorrecta aplicação das disposições constantes dos arts. 483º, 562º, 564º, 566º, 567º e 569º todos do CC e art. 17º e 31º da LAT ao não decidir fundamentadamente a indemnização por danos patrimoniais (rendimentos perdidos desde a data do acidente e danos futuros pela perda da capacidade de ganho) da lesada, decidindo que a demandante estava indemnizada e não tinha direito a outra indemnização além daquela que fora já fixada na acção especial emergente do acidente de trabalho nº 204/06.2TTAVR, 2ª Sec..
12. No caso dos autos, pode ser cumulada a indemnização que foi atribuída à lesada com base no acidente de trabalho com a que deve ser atribuída no acidente de viação, pois, não está provada no processo a duplicação e coincidência de indemnizações pelo mesmo dano nem os princípios e normas legais são as mesmas nos dois foros.
13. Deve a sentença julgar os pedidos formulados, podendo depois a demandante optar pela decisão que lhe for mais favorável, deduzindo os montantes que eventualmente tenha já recebido.
14. Não está provado nos autos que os montantes que a lesada recebeu no foro laboral visam ressarcir os mesmos danos que a acção cível compete reparar.
15.Os montantes da acção laboral foram pagos a título diferente da acção cível e obedecem a valores fixos, calculados segundo regras especificas estabelecidas no art. 16º da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro, ao passo que nesta acção a indemnização visa repor a situação que existiria se não tivesse havido facto ilícito, sendo a reconstituição integral o respectivo limite.
16. Nenhuma lei deste país impede a complementaridade de indemnizações fixadas no foro laboral e nos termos da lei geral, quando o acidente é simultaneamente de trabalho e de viação
1 7.A decisão recorrida, assim não decidindo, violou os arts 483º,562º, 564º.,566º.,567º e 569º todos do CC e art. 17º e 31º.daLAT.
18. Impugna a demandante a matéria de facto e o Tribunal Superior conhecerá e modificará a decisão recorrida, nos temos dos arts. 410º, nº.2 e 427º. e 431º. do CPP, nos pontos acima referidos como incorrectamente julgados ,dado que do processo constam todos os elementos de prova e a documentação da prova feita na audiência assim o permite.
19. A decisão recorrida, certamente por lapso, é omissa na condenação por juros que haviam sido peticionados. Nos termos do art.805º, nº.3 do C.C. nos casos de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação. Corno no processo-crime não há citação, temos de ler desde a notificação para contestar o pedido cível.
20. Dado que sobre os danos não patrimoniais há lugar a juros, pois, a lei não faz qualquer distinção entre danos patrimoniais e não patrimoniais (Cfr. Neste Ac. do S.T.J. de 14/10/87, Proc nº 485/97 in Sumários, de Gabinete de Assessoria, do Supremo Tribunal de Justiça, Vol. 1, nº.14/91), também sobre os danos não patrimoniais terá que haver juros.
21. Assim, a demandada deve ser condenada a pagar à ofendida juros calculados à taxa legal de 4% (art.805º, n.º 3 do CC. e art.559º. do mesmo diploma e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).
22. Deve assim ser revogada na parte cível a sentença ora recorrida, com os fundamentos que mais detalhadamente constam desta peça processual.
23. Por todas estas razões devem os valores indemnizatórios por danos patrimoniais e não patrimoniais ser fixados de acordo com os valores peticionados nestas alegações, os únicos que minoram o sofrimento da demandante e a podem ressarcir dos danos sofridos e a sofrer em consequência do acidente.
24. A demandada deve ser condenada a pagar á demandante os montantes por danos patrimoniais e não patrimoniais acima referidos.
25. A nossa lei (art.567ºº do CC) só permite a forma de indemnização em renda, quando o lesado o requerer, que não é o caso dos autos.
26. A lesada aceitou conciliar-se no foro laboral, bem sabendo que legalmente poderia optar pela indemnização por danos futuros que na acção cível lhe iria ser fixada segundo critérios mais favoráveis.
27. Não decidindo nesta conformidade, violou a sentença recorrida os preceitos legais supra referidos.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a sentença da 1ª Instância ser parcialmente revogada e, em consequência, reformulada nos termos expostos.
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Respondeu a demandada civil Global Companhia de Seguros, alegando, em síntese conclusiva:
1. A ora Apelada conforma-se com a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.
2. Porquanto fez a devida apreciação e valoração dos princípios de Direito aplicáveis.
3. A ideia subjacente à compensação por danos não patrimoniais ou morais é atenuar de algum modo os danos sofridos tão só, nunca causar um enriquecimento no património do lesado.
4. A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar deve operar sob um critério objectivo.
5. O dano deverá ser de tal maneira grave que justifique uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.
6. Quanto aos “gravíssimos danos” alegados, incumbe à A. o ónus de os provar, só na medida em que, tais danos sejam provados e que podem vir a ser ressarcidos, não bastando apenas tal alegação conclusiva.
7. Sucede que, efectivamente a recorrente não fez a prova, que lhe competia, dos danos que alegou.
8. Tendo em conta, os factos que foram dados como provados, a quantia de 12.250,00 € considera-se adequada e justa a compensação da A. pelos danos sofridos.
9. Quanto à alegada omissão de pronúncia sobre os danos patrimoniais sofridos pela A. a mesma não deve proceder.
10. Enquanto seguradora de acidentes de trabalho a ora Apelante pagou à recorrente, até à data da sentença, a quantia de € 21.129,79 (rectificação apresentada a fls. 493).
11. Tal quantia resulta do pontual pagamento das seguintes parcelas: pensão anual e vitalícia de 4.632,40€, subsídio de elevada incapacidade de 4.630,80 € e pensão mensal de 264,00€ correspondente ao auxílio e assistência a 3ª pessoa.
12. Os art. 10º, 17º e 23º da Lei 100/97 estabelecem que o direito à reparação compreende a indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho, indemnização correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, subsidio por elevada incapacidade permanente e prestação suplementar por assistência de 3ª pessoa.
13. Estando em causa uma incapacidade permanente e visando a pensão vitalícia atribuída à A. compensá-la do prejuízo económico decorrente da redução da sua capacidade de ganho ou de trabalho encontra-se esta completamente reparada.
14. Uma vez que a lesada já se encontra indemnizada pelos danos patrimoniais sofridos, já não tem o correspondente dano, pelo que a atribuição de qualquer quantia indemnizatória a esse nível corresponderia a um enriquecimento injustificado e ilegítimo da A.
15. Relativamente aos danos peticionados a título da perda de rendimentos da actividade agrícola, a A. durante todo o processado e em audiência de julgamento não provou que retirava da mesma qualquer retribuição.
16. Tal actividade não tinha relevância económica e assim não pode ser atendida para o cálculo de danos patrimoniais.
17. Quanto ao pedido dos danos pela perda total do motociclo e das roupas e artigos danificados no acidente a recorrente não fez prova dos mesmos, pelo que não podem ser ressarcidos.
18. Andou bem o tribunal a quo quando não condena a ora recorrida no pagamento de juros sobre a indemnização devida por danos não patrimoniais.
19. As quantias fixadas a título de danos não patrimoniais vencem juros a partir da data em que é proferida a sentença.
20. Quanto à questão suscitada sobre a matéria de facto dada como provada, a ora Apelante conforma-se com o teor das mesmas e entende que estão adequadas aos factos apurados e provados.
Nestes termos deve a douta sentença ser mantida na íntegra.
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Corridos os vistos, tendo-se procedido a julgamento com observância do formalismo legal, mantendo-se a validade e regularidade afirmadas no processo, cumpre decidir.
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II.

A decisão da matéria provada, com a respectiva motivação, é a seguinte:
A) Matéria provada
Da acusação provou-se que:
» No dia 23 de Novembro de 2004, cerca das 19 horas e 20 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, matrícula 59-47-RS, pela Estrada Nacional, n.º 230, no sentido de marcha Águeda -Aveiro.
» O arguido conduzia sob a influência de Tetrahidrocanabinol e imprimia ao seu veículo uma velocidade não concretamente apurada.
» O arguido circulava desatento ao trânsito que se processava, inseguro na sua condução e sem percepção dos limites exteriores da faixa de rodagem.
» Nesse sentido de marcha, ao Km 8,850 da Estrada Nacional n.º 230, em Eirol, Aveiro, o arguido iniciou a ultrapassagem de um veículo automóvel que o antecedia, invadindo parte da hemi-faixa de rodagem esquerda e assim a passou a descrever, muito embora aí existisse um sinal vertical “C14a”, impondo a proibição de ultrapassar.
» Ora, no sentido de marcha oposto (Aveiro- Águeda), circulava um ciclomotor, matrícula 1-AVR-96-94, conduzido por D.., na hemi-faixa de rodagem da estrada que lhe estava destinada.
» O arguido, em virtude de conduzir desatento e sem prestar atenção ao trânsito de veículos que por ali se processava, não se apercebeu da aproximação do referido ciclomotor.
» Por isso, o arguido continuou a circular ocupando inadvertidamente parte da hemi-faixa de rodagem esquerda—atento o sentido de marcha em que seguia - e foi embater com o ciclomotor conduzido pela D.., que caiu inanimada no solo.
» Como consequência do embate, D.. sofreu as lesões descritas a folhas 69 a 74, 96 a 98 e 111 a 114, conteúdo que aqui damos por integralmente reproduzido, designadamente perigo para a vida e, bem assim, afectação grave da possibilidade de utilização do corpo, as quais determinaram um período de doença de duzentos e doze (212) dias, duzentos e doze (212) com incapacidade para o trabalho geral e duzentos e dez (210) com incapacidade para o trabalho profissional.
» No local do embate, a estrada assume traçado recto, com boa visibilidade, bom piso, encontrando-se seco.
» A faixa de rodagem apresenta uma largura de 6,40 metros.
» O estado do tempo era bom.

Da matéria constante do pedido de indemnização civil, com interesse para a decisão da causa, provou-se que:
» A demandante nasceu a 12 de Setembro de 1953.
» Na sequência do acidente acima relatado, a demandante foi transportada para o Serviço de urgências do Hospital Infante D. Pedro, EPE, em Aveiro, onde foi submetida a esplenectomia.
» Após foi transferida para o Serviço de urgências dos Hospitais da Universidade de Coimbra, tendo aí ficado internada no Serviço de Cuidados Intensivos.
» Passados 8 dias foi transferida para o serviço de cirurgia dos HUC.
» A demandante teve alta para o domicílio no dia 23 de Dezembro de 2005, tendo sido orientada para a consulta externa de Cirurgia.
» Posteriormente a demandante passou a ser seguida pelos Serviços Clínicos da Companhia de Seguros Global, na Clíria em Aveiro e a realizar programa de fisioterapia na Clínica de Santa Joana, em Aveiro.
» A partir do dia em que se deu o embate acima descrito não mais trabalhou como antes fazia.
» A demandante sofreu e continua a sofrer dores com a produção do acidente.
» Antes do acidente, a demandante fazia todos os trabalhos do campo, preparava refeições, fazia todo o trabalho de casa, a limpeza, a lavagem de roupas, tinha animais domésticos, que tratava, semeava, plantava e colhia nas suas terras diversos produtos hortícolas.
» Após o acidente está impossibilitada de fazer todos estes trabalhos.
» A demandante necessita da ajuda constante de uma terceira pessoa.
» A demandante era uma pessoa saudável, trabalhadora.
» Tem sofrido muito com as operações e com os tratamentos.
» A demandante sente-se triste e desgostosa de se encontrar numa situação de dependente de outrem, sem se poder deslocar.
» Com a produção do acidente, o veículo conduzido pela demandante ficou danificado.
» A responsabilidade civil emergente de acidente de viação relativa ao veículo 59-47-RS, encontrava-se transferida para a demandada, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 201032418.
» No âmbito da acção especial emergente de acidente de trabalho, n.º 204/06.2TTAVR, 2ª Secção do Tribunal de Trabalho de Aveiro, a demandante e a Companhia de Seguros Global, no decurso da fase conciliatória, acordaram que esta última pagaria à primeira €20,00 de gastos em transportes; a pensão anual vitalícia de €4.632,40, com inicio no dia 19/10/2006; a quantia de €4.630,80, correspondente ao subsidio de elevada incapacidade; e a quantia de € 264,00, por mês, correspondente ao auxilio / assistência a 3ª pessoa.
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B) Factos não provados
Nada mais resultou provada para além ou em contradição com o supra referido, designadamente que:
» O arguido circulasse a 100 km/h.
» O embate no ciclomotor fosse frontal.
» O ciclomotor acima descrito tivesse um valor de €300,00 (trezentos euros).
» As roupas e outros artigos utilizados pela demandante no dia do acidente tivessem um valor de €125,00 (cento e vinte e cinco).
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C) Motivação
Fundou o tribunal a sua convicção, quer no conjunto da prova produzida em julgamento, quer nos documentos juntos aos autos.
Assim, e no que concerne à convicção positiva, foram determinantes os documentos juntos aos autos, designadamente:
- participação de acidente de viação de folhas 13-14;
- resultado do exame que recaiu sobre a colheita de urina efectuada ao arguido de folhas 16;
- auto de exame directo ao local de folhas 18-19;
-fotografias do local e dos veículos de folhas 33-38.
Os documentos acima enumerados serviram para fundar a convicção do tribunal quanto à identificação dos condutores e dos veículos, descrição do local, posição dos veículos após o embate, determinação do local provável do embate e identificação dos vestígios deixados no local em virtude do embate.
Por outro lado, foram, ainda, determinantes a documentação clínica de folhas 102-107, proveniente do Hospital de Santa E..do Porto, referentes à ofendida D.. , bem como os relatórios médicos à mesma respeitantes, que se encontram juntos a folhas 70-74; 97-98 e 112-114.
Baseou-se o Tribunal no depoimento da ofendida D.., que depôs de forma isenta e rigorosa, descrevendo o local onde se deu o acidente.
Assumiu ainda relevância o depoimento da testemunha E.., que havia passado pela ofendida poucos minutos antes de se ter produzido o acidente e que constatou que a ofendida circulava na hemifaixa de rodagem que lhe era destinada, com as luzes acesas.
Foi ainda relevante o depoimento das testemunhas F.. e G.., agentes da GNR, que tomaram conta da ocorrência, cujo depoimento se debruçou, no essencial, quanto às condições climatéricas e da via e aos danos produzidos nos veículos e local onde os mesmos se encontravam.
Por seu lado, as declarações do arguido não lograram contrariar a dinâmica do acidente acima descrita, já que o próprio admite que invadiu parte da hemifaixa de rodagem contrária ( refere o arguido que “espreitou” no sentido de ver se podia ou não ultrapassar). Além do mais, pretendeu o arguido convencer o tribunal de que o ciclomotor circulava sem luzes e próximo do meio da estrada. Tais circunstâncias não lograram ser provadas, já que em primeiro lugar a ofendida as negou e em segundo lugar a testemunha, acima referenciada, H.., num depoimento que nos mereceu credibilidade, referiu que havia passado pela ofendida pouco tempo antes do acidente se ter dado ( como aliás era habitual) e confirmou que a mesma circulava com luzes, capacete e pela hemifaixa de rodagem que lhe estava adstrita.
Quanto aos antecedentes criminais, baseou-se o tribunal no certificado de registo criminal que se encontra junto aos autos.
Relativamente à sua situação económica nas declarações do arguido.
Quanto à matéria do pedido de indemnização cível relevou o depoimento da filha da ofendida I..e das sobrinhas e vizinhas J.. K.. L.. M.., as quais depuseram de forma isenta e rigorosa, nenhuma razão existindo para abalar a sua credibilidade.
A este propósito assumiu ainda relevância o depoimento do médico da companhia de seguros- N.., bem com do profissional de seguros O...
Esta ultima testemunha, quando inquirida, referiu que a companhia de seguros Global já pagou à demandante a quantia de € 49.207,07, por força do acordo a que chegaram a companhia e a demandante no âmbito da acção especial emergente de acidente de trabalho n.º 204/006.2TTAVR. A este nível foi ainda valorado o teor da certidão remetida pelo Tribunal de Trabalho de Aveiro que se encontra a folhas 376-379.
Já no que diz respeito à factualidade que não se provou, tal circunstancialismo ficou a dever-se à ausência de prova quanto aos mesmos efectuada em sede de audiência de discussão e julgamento.

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III.

1. O âmbito do recurso é definido pelas respectivas conclusões – Cfr. art. 412º, n.º1 do CPP, Germano Marques as Silva, Curso de processo Penal, 2ª ed., III, 335, Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74., jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196).
O presente recurso não incide sobre os pressupostos da acção penal. Pelo contrário, partindo da sua verificação pretende-se apenas obter a “alteração dos valores das indemnizações atribuídas à demandante” – cfr. síntese efectuada na conclusão n.º1.
Ainda que na motivação a recorrente se refira a determinados aspectos da decisão da matéria de facto não procede à impugnação da matéria de facto nos termos e para efeitos do disposto no art. 412º, n.º3 e 4 e 431º do CPP. Não especificando pontos de facto concretos – apreciados pela decisão recorrida – que devam ser julgados de modo diverso. Muito menos quais os meios concretos de prova que imponham outra decisão.
Limita-se a extrair ilações da matéria de facto provada no que diz respeito à descrição das lesões, sem que ponha em causa, em concreto, pontos específicos tidos por indevidamente apreciados – aliás invoca os vícios previstos no art. 410º, n.º 2 do CPP cujo regime pressupõe que o tribunal de recurso não conheça da matéria de facto – cfr. claramente o enunciado do corpo do preceito.
Procede a uma descrição mais pormenorizada das lesões sofridas (não incompatível com a descrição efectuada na sentença, como melhor se verá infra), questionando, com base nessa descrição, o valor das quantias arbitradas a título de indemnização com base na sua perspectiva sobre os danos causados.
A decisão da matéria de facto, com a motivação em que repousa, acabada de reproduzir, além de não impugnada nos termos e para efeitos dos arts. 412º n.º3 e 4 e do art. 431º do CPP, não enferma de qualquer dos vícios de conhecimento oficioso previstos no art. 410º n.º2 do CPP.
Com efeito os vícios do art. 410º, n.º2 incidem sobre a decisão da matéria de facto, tendo o seu âmbito delimitado, desde logo, pelo texto do mesmo preceito: “desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência”.
Tratando-se de “vícios ao nível da lógica jurídica da matéria de facto, da confecção técnica do decidido, apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão” – cfr. Ac. STJ de 07.12.2005, CJ-STJ, tomo III/2005, p. 224.
Daí que tais vícios sejam de conhecimento oficioso – cfr. acórdão para uniformização de jurisprudência do STJ de 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95.
No quer toca às lesões sofridas pela recorrente, a descrição a que procede (e está em causa prova pericial, de apreciação vinculada) não é incompatível com a decisão recorrida desde logo porque esta remete para a prova pericial que dá por reproduzida. Com efeito refere, textualmente que a ofendida “sofreu as lesões descritas a folhas 69 a 74, 96 a 98 e 111 a 114, cujo conteúdo que aqui damos por integralmente reproduzido”.
A motivação apresentada pela recorrente não se enquadra na perspectiva exigida pelo corpo do art. 410 n.º2 (vício que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência). E da sentença recorrida não resultam vícios de raciocínio lógico que apontem para qualquer dos referidos vícios – erro notório na apreciação da prova, insuficiência da matéria de facto para a decisão ou contradição insanável.
Sendo pois em função da matéria de facto provada, nos termos acima reproduzidos, que devem ser decididas as questões suscitadas, relativas ao valor da indemnização.
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2. Danos patrimoniais – bens danificados por efeito do embate
Pediu a demandante o pagamento de € 300,00 pela danificação do ciclomotor; € 125,00 pelas roupas e artigos danificados no acidente.
Relativamente a tais danos considerou a sentença recorrida que o pedido tinha que improceder, atenta a ausência de prova de tais factos.
Quanto às roupas e artigos danificados no acidente resulta provado que “a demandante seguia num ciclomotor e que, por efeito do embate foi projectada ao chão, sofrendo lesões corporais que, além do mais, puseram a sua vida em perigo”.
Ora dada a natureza do acidente (queda do ciclomotor/projecção/arrastamento do corpo) e suas consequências (gravíssimas lesões corporais) e tratamentos hospitalares a que foi submetida com urgência, as roupas da autora tiveram que ficar, necessariamente, inutilizadas.
Pelo que tratando-se de um dano efectivo, importa proceder à respectiva reparação, dentro do critério legal da reposição natural ou, quando essa reposição não seja possível, bastante, ou idónea, a indemnização em dinheiro, de acordo com a “teoria da diferença” – cfr. artigos 562º e 566º, n.º 1 do C. Civil.

A indemnização tem como medida a diferença entre a situação patrimonial real do lesado, na data mais recente atendível, e a sua situação patrimonial hipotética ou em que presumivelmente se encontraria se o acto ilícito se não tivesse verificado – art. e 566º, n.º2 do C. Civil. Abrangendo não só o prejuízo ou despesas causadas em consequência do facto danoso (dano emergente), como ainda os benefícios que o lesado deixou de obter por força do mesmo (lucros cessantes) – cfr. art. 564º, n.º1 do C. Civil.

A circunstância de não se ter apurado o valor exacto de tal dano não impede que deva ser ressarcido. Com efeito, nos termos do art. 566º, nº3 do C. Civil, “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados”.
Sufragando-se neste aspecto a doutrina de que apenas deve ser relegada para execução de sentença a quantificação da indemnização quando seja de prever que, situado o âmbito dos prejuízos surjam melhores elementos de prova relativamente à sua quantificação em si. É esta, lias, a orientação dominante na doutrina e jurisprudência – cfr., por todos, ANTÓNIO GERALDES, in Temas da Reforma do Processo Civil, Ed. Almedina, I vol., p. 167.
Assim, sabendo-se a existência do dano, ainda que não se sabendo o seu valor exacto, sendo certo que não se vislumbra a produção de melhores elementos de prova, pode e deve a indemnização ser arbitrada em juízo de equidade. Pelo que em face dos valores de mercado correntes, não é exagerado o valor de 125 euros (equivalente a 25 contos) reclamado para o conjunto das roupas e objectos de uso corporal inutilizados por efeito do acidente.

Relativamente ao ciclomotor resulta provado que “o veículo conduzido pela demandante ficou danificadoainda que não se tenha apurado o respectivo valor.
Pelo que sendo o dano inquestionável (danificação do ciclomotor por efeito do embate e queda/arrastamento pelo chão) importa também ressarci-lo dentro do critério supra referido.
E, seguindo o entendimento traçado, sendo viável quanto ao ciclomotor a avaliação do dano – desde logo pela marca, modelo, natureza dos estragos sofridos – importa remeter a respectiva liquidação para execução de sentença.
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3. Danos patrimoniais - perda de capacidade aquisitiva.
A este respeito, entendeu a sentença recorrida que o pedido não podia proceder porquanto a Global, Companhia de Seguros, S.A., enquanto seguradora da entidade patronal, já pagou à demandante e continua a pagar a quantia definida no Tribunal de Trabalho de Aveiro, no âmbito da acção especial emergente de acidente de trabalho n.º 204/06.2TTAVR, da 2ª secção. Considerou para tanto, em conformidade com o acórdão da Relação de Coimbra de 5/07/2005, que cita, que as indemnizações por acidente que seja simultaneamente de trabalho e de viação não são cumuláveis, mas sim complementares até ao ressarcimento total do prejuízo sofrido.
Neste âmbito o art. 18º do DL 522/85, de 31.12 remeteu para a Base XXXVII da Lei 2127 de 03.08.1965 (ao contrário do que sucedia com o primeiro diploma relativo ao seguro obrigatório). Com efeito o DL 522/85 revogou o art. 21º do DL 408/79, que, continha disposições especiais sobre esta questão – no seu n.º2, mandava intervir, obrigatoriamente, na acção contra o civilmente responsável, também o lesado responsável pelo acidente de trabalho, com a vantagem de, no mesmo processo, ser possível saber quanto o lesado recebeu de um ou de outro lado.
Passando a constituir jurisprudência uniforme que a indemnização por acidente de viação não é acumulável com a emergente de acidente de trabalho, sendo antes complementares. De onde que só na medida em que uma delas seja superior à outra é que o titular da indemnização tem o direito à diferença. – v. por todos CRUZ DE CARVALHO, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, anotação à Base XXXVII da Lei 2127 de 03.08.65, onde são citados vários arestos neste sentido e ANTUNES VARELA, Das Obrigações Em Geral, 7ª ed., II vol., 695..
Têm assim os lesados que optar por uma delas, embora dessa opção fiquem excluídas as indemnizações por danos não patrimoniais, visto que não entram no cômputo da indemnização por acidente de trabalho – cfr. entre outros o Ac STA de 30.05.78, comentado favoravelmente por VAZ SERRA na RLJ, Ano 111º, 327.
Doutrina que não sofreu alteração com a publicação da Lei 100/97 de 13.09 e Decreto 143/99 de 30.04 que procedeu à sua regulamentação, designadamente porque não foi introduzida qualquer norma que contrarie aquele entendimento.
Assim, tendo a recorrente optado pela indemnização por acidente de trabalho, não pode receber outra indemnização com base no dano contemplado pela legislação de acidentes de trabalho - indemnização por incapacidade absoluta ou parcial, indemnização correspondente à redução na capacidade de ganho – cfr. n.º 2 do art. 10º da Lei 100/97. O mesmo sucedendo quanto às prestações de natureza médico-cirúrgica e necessárias ao restabelecimento e capacidade de ganho do sinistrado e sua recuperação para a vida activa também ressarcidas no âmbito da indemnização por acidente de trabalho - cfr. art. 10º, n.º 1 da Lei 100/97. Tal como com a prestação complementar para assistência de terceira pessoa, se dela carecer prevista (e recebida, no caso) pelo art. 19º da Lei 100/97.
No âmbito dos danos patrimoniais com base em perda de remunerações e capacidade aquisitiva, no futuro, a autora apenas terá direito a indemnização para além da já atribuída, caso seja provada a existência de danos não previstos na indemnização pelo acidente de trabalho. Por exemplo caso recebesse salário superior aquele com base no qual foi calculada a indemnização ou daquele com base no qual foi celebrado o contrato de seguro, ou caso exercesse outra actividade para além daquela com base na qual foi calculada a indemnização.
Por outras palavras, no âmbito da indemnização pelo exercício da actividade profissional que exercia e deixou de exercer e incapacidade futura de exercício dessa mesma actividade, ressarcidas em sede de acidente de trabalho, a autora, tendo optado por aquela indemnização, apenas poderá receber nova indemnização com base em pressupostos “novos” ou “diferentes” daquele em que assentou a indemnização por acidente de trabalho. Ou seja desde que demonstre a existência de prejuízos não contemplados naquela jurisdição, atento o referido princípio da complementaridade bem como a natureza da indemnização civil - reposição da situação patrimonial que o lesado teria se não fosse o acto ilícito. O mesmo é dizer desde que prove que exercia outra actividade, o ganhava mais ou exercia mais horas de trabalho do que estava coberto pela indemnização laboral.
Ora neste âmbito resulta provado que “Antes do acidente, a demandante fazia todos os trabalhos do campo, preparava refeições, fazia todo o trabalho de casa, a limpeza, a lavagem de roupas, tinha animais domésticos, que tratava, semeava, plantava e colhia nas suas terras diversos produtos hortícolas. Após o acidente está impossibilitada de fazer todos estes trabalhos”.
Assim, ainda que não de tenha provado o valor económico concreto de tal actividade – de prova muito difícil, uma vez que se trata de uma activada diversa dos padrões normais numa economia de mercado - é incontornável que se trata de uma actividade valiosa, para a subsistência de quem a pratica e do respectivo agregado familiar, pelos produtos que proporciona, em espécie. Tanto que uma franja significativa da população, nomeadamente nos meios rurais, continua a dedicar-se a este tipo de trabalho depois do horário normal de trabalho e aos fins-de-semana assim complementando as necessidades da economia doméstica.
Tanto mais quando, como sucede no caso dos autos, resulta provado que a demandante “fazia todos os trabalhos do campo, preparava refeições, fazia todo o trabalho de casa (…) tinha animais domésticos, semeava, plantava e colhia nas suas terras diversos produtos hortícolas”.
E se é certo que o trabalho de casa que exercia pode considerar-se compensado, em parte, pela atribuição, no foro laboral, da “quantia mensal de € 264,00 correspondente ao auxilio / assistência de 3ª pessoa”, já o mesmo não sucede no que toca à actividade complementar que exercia na agricultura das suas terras e criação de animais.
Assim, também aqui - actividade complementar, inequivocamente valiosa – se impõe o recurso a critérios de equidade, nos termos supra referidos.
Ora, ocupando-se a autora em tal actividade aos sábados e diariamente algumas horas diárias depois de terminado o horário de trabalho por conta de outrem, é equitativo arbitrar-lhe a quantia correspondente a 1/6 do SMN pela impossibilidade de exercício de tal actividade.
Procedendo ao cálculo com base no SMN actual (DL 2/2007 - € 403,00) fica actualizada a indemnização, por referência ao encerramento da discussão – cfr. art. 663º, n.º1 do CPC.
Como não se trata de actividade por conta de outrem mas, antes, de actividade exercida por conta própria tem-se por referente o salário correspondente aos 12 meses do ano, sem os subsídios existentes no trabalho por conta de outrem.
Temos assim como referente do rendimento anual deixado de perceber neste âmbito: 403,00X12:6= € 806,00.
Tem-se entendido que deve ser arbitrado um capital que proporcione o rendimento mensal deixado de perceber de forma que se mostre extinto no final da vida activa.
No cálculo, como critério objectivo de aproximação ao juízo de equidade tem-se lançado mão das tabelas financeiras, ainda que apenas como método auxiliar de cálculo e tendo por referência sempre o critério da equidade – v., por todos, o Ac STJ de 15.12.98, na CJ–STJ, 98, III, 155-159 que partiu, como base de cálculo do rendimento do capital, da taxa de juro de 5%, por entender que aquela época era a que melhor se coadunava com as perspectivas de evolução do mercado.
Outro critério para encontrar o capital capaz de gerar o rendimento deixado de perceber por forma a que se mostre esgotado no final do período de vida activa do lesado é o utilizado pela jurisprudência francesa, propugnado pelo Conselheiro Sousa Dinis no estudo publicado na CJ/STJ, 1997, tomo II, pag. 11 e segs., actualizado na CJ/STJ, 2001, Tomo I, p 1 a 12: com base numa regar de três simples encontra-se o capital necessário para gerar o rendimento deixado de perceber, a uma taxa de juro razoável para o momento; depois corrige-se esse montante, deduzindo-lhe 1/3 ou ¼ consoante a idade do beneficiário, para compensar o enriquecimento resultante da antecipação do capital e conseguir a extinção do capital no fim do período para que foi cálculo.
No que toca à taxa de juro a ponderar, se é certo que após a entrada na CEE e depois com a introdução da moeda única sofreram reduções significativas, não é menos certo que presentemente se assiste, de novo, à sua subida, com sucessivas actualizações das taxas de referência do Banco Central Europeu.
Por outro lado, visando a indemnização proporcionar o rendimento que o lesado perceberia ao longo da sua vida activa (no caso 65-51=14 anos), afigura-se que o falado juízo de equidade e verosimilhança não deve ter por referência, sem mais, a taxa de juro dos depósitos a prazo. Porque se trata da atribuição de um capital que pudesse gerar o rendimento previsível durante um horizonte temporal alargado e não na perspectiva imediata de permanente disponibilidade, subjacente ao depósito à ordem.
Não fazendo sentido proporcionar um capital previsto para um horizonte temporal alargado uma taxa de juro para depósitos a prazo que supõe a disponibilidade permanente do capital.
Assim, tendo por referência, por exemplo as taxas de juro dos certificados de aforro com permanência de 5 anos (na ordem dos 4% ao ano) ou a taxa de fundos de investimento imobiliário a 5 anos (acima de 5%) – cfr. Revista “Dinheiro e Direitos” (edição Deco/Proteste) n.º 75 Maio/Junho de 2006, p. 21 e 22; Ou as taxas de juro dos planos Poupança reforma, a própria Euribor que subiu 2% desde 2005 – cfr “Dinheiro e Direitos” (edição Deco/Proteste) n.º 79 Janeiro/Fevereiro de 2007, p. 22 e 24, respectivamente, afigura-se curial a partir de uma taxa de juros de 5% ao ano.
Recorrendo às tabelas financeiras como referente ao período de 14 anos (=65-51) de vida activa e à taxa de juro de 5%, encontramos o índice de capitalização de 9,898641. E, aplicando o referido índice ao rendimento encontrado (806,00) encontramos a quantia de € 7.978,30.
Com base no método da regra de 3, deduzindo 1/3 para compensar a antecipação do capital encontramos a quantia de € 10.746,70.
Sendo os referidos critérios meramente orientadores, em juízo de equidade arbitra-se neste âmbito, reportando-a ao encerramento da discussão em 1ª instância (art. 663. n.º do CPC), a quantia de € 10.000,00.
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4. Danos não patrimoniais
Neste âmbito a decisão recorrida arbitrou a quantia de €12.250,00. Não sendo discutido o direito à indemnização (os danos não patrimoniais não são contemplados na legislação sobre acidentes de trabalho, a não ser em caso de culpa grave da entidade patronal, que não se verifica manifestamente no caso em apreço) mas apenas o respectivo valor.
Para efeito de apuramento da gravidade do dano moral temos como circunstâncias do caso mais relevantes:
««« A demandante nasceu a 12 de Setembro de 1953.
Na sequência do acidente acima relatado, a demandante foi transportada para o Serviço de urgências do Hospital Infante D. Pedro, EPE, em Aveiro, onde foi submetida a esplenectomia.
Após foi transferida para o Serviço de urgências dos Hospitais da Universidade de Coimbra, tendo aí ficado internada no Serviço de Cuidados Intensivos.
Passados 8 dias foi transferida para o serviço de cirurgia dos HUC.
Teve alta para o domicílio no dia 23 de Dezembro de 2005, tendo sido orientada para a consulta externa de Cirurgia.
Posteriormente passou a ser seguida pelos Serviços Clínicos da Companhia de Seguros Global, na Clíria em Aveiro e a realizar programa de fisioterapia na Clínica de Santa Joana, em Aveiro.
Sofreu as lesões descritas nos autos a folhas 69 a 74, 96 a 98 e 111 a 114 [onde se destaca os seguintes aspectos não reproduzidos na sentença, resultantes da prova pericial para que remete: múltiplas fracturas, retirada da clavícula esquerda, do baço (esplenectomia) e de um rim (nefrectomia), lesão do plexo braquial, lesão das artérias e veia subclávica, com enxertos arteriais e venosos, isquémia aguda do membro superior esquerdo que ficou totalmente paralítico (…), manifestações desconexas e violentas, pânico sobre a evolução futura, dores, sobretudo cefaleias, que a obrigam a tomar analgésicos e ansiolíticos, não cedendo as dores à medicação, impedindo-a de dormir (…) foi submetida a cinco intervenções cirúrgicas].
De que resultou designadamente perigo para a vida e, bem assim, afectação grave da possibilidade de utilização do corpo, as quais determinaram um período de doença de duzentos e doze (212) dias, duzentos e doze (212) com incapacidade para o trabalho geral e duzentos e dez (210) com incapacidade para o trabalho profissional.
Sofreu e continua a sofrer dores com a produção do acidente.
Antes do acidente, a demandante fazia todos os trabalhos do campo, preparava refeições, fazia todo o trabalho de casa, a limpeza, a lavagem de roupas, tinha animais domésticos, que tratava, semeava, plantava e colhia nas suas terras diversos produtos hortícolas.
Ficou impossibilitada de fazer todos estes trabalhos.
Necessita da ajuda constante de uma terceira pessoa.
Era uma pessoa saudável, trabalhadora.
Tem sofrido muito com as operações e com os tratamentos.
Sente-se triste e desgostosa de se encontrar numa situação de dependente de outrem, sem se poder deslocar .»»».

A respeito da indemnização – no caso relativa apenas a danos não patrimoniais - estabelece o art. 496º, n.º1 do C. Civil: Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Postulando, no n.º4 que “O montante será fixado equitativamente tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º”.
Sendo as circunstâncias referidas no art. 494º “o grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem”.
Da conjugação do art. 496º com o 494 para que remete, verifica-se que a indemnização deve antes de mais ser ajustada à gravidade da ofensa (dentro do critério geral da restauração, quanto possível, da situação que existiria se não fosse a ofensa) e o grau de culpa do agente. E só depois a situação económica e outras circunstâncias do caso.
Como escreveu Vaz Serra (BMJ 38º, p. 83) “a satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão. Trata-se de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que esta, sendo ofensa moral, não é susceptível de equivalente”.
Não visando a indemnização o enriquecimento do lesado à custa do autor do facto ilícito nem a restauração natural da situação anterior à lesão, impossível, pela natureza das coisas, mas apenas proporcionar comodidades ou uma compensação que permita neutralizar o sofrimento causado.
“O julgador deve ter em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer que semelhante reparação tem natureza mista, já que visa reparar o dano e também punir a conduta” – cfr. Acórdão do STJ de 10.08.98 na CJ-STJ, I, 65 e referências doutrinais e jurisprudenciais ali enunciadas.
É de ter em conta, além do grau de sofrimento inerente à lesão, a condição económica dos titulares do direito, a desvalorização da moeda desde os danos até ao encerramento da discussão (momento mais recente atendível) e ainda ao padrões seguidos pela jurisprudência para casos idênticos – cfr. Antunes Varela, Obrigações, ed. de 1970, 499 e o Ac S.T.J. de 27.05.79, in BMJ 287º, 292.
Assistindo-se ainda à tendência da jurisprudência em arbitrar indemnizações ajustadas aos padrões da vida actual – cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ de 16.12.93, na CJ-STJ, 1993, III, p. 181 e de 06.02.96, no BMJ 454º, 690.
A indemnização a fixar procurará ser justa e equitativa, e não com um alcance meramente simbólico, uma vez que se destina a viabilizar um lenitivo ao lesado pelos padecimentos que tenha sofrido e que já não podem ser retirados por quem quer que seja, devendo a indemnização ter uma expressão monetária elevada se o dano não patrimonial for muito grave (entre outros os Acs. do S.T.J. de 16/12/1993, CJ, T3-181; 11/10/1994, CJ, T3-89; 06.02.96, no BMJ 454º, 690; 18/03/1997, CJ, T1-163, de 13/01/2000, BMJ 493º-354; 09/05/2002, DR, 1ª S; 27/06/2002, págs. 5057 e ss.)
Sendo de valorar a circunstância de, no caso, o titular da indemnização ser a própria vítima que ficou a sofrer, pessoalmente, os efeitos do acidente que a indemnização visa compensar e que terá que suportar para toda a vida. Ao contrário da indemnização em caso de morte em que quem dela beneficia são os herdeiros da vítima que não sofreram o dano e têm direito a indemnização por danos próprios.
Dentro do critério apontado, atendendo essencialmente à idade da demandante (51 anos à data do acidente) gravidade das lesões, tempo de doença e tratamentos médicos e hospitalares a que foi submetida, com todo o rol de sofrimento e angústia, incapacidade total para qualquer actividade de que ficou afectada, necessidade permanente do amparo de terceiros para as tarefas diárias, grau das dores inerente à gravidade das lesões, várias intervenções cirúrgicas a que foi submetida, tratamentos e sequelas definitivas, tendo-lhe sido extraído um rim, perspectivas de sofrimento futuro pelas limitações a autora que se verá condicionada, para toda a vida, padrão socio-económico da ofendida.
Dada a ausência de padrões objectivos, enquanto não for estabelecida a “baremização” do dano, surgem como muito relevantes os padrões seguidos pela jurisprudência em casos semelhantes no sentido da aproximação da uniformidade de valores, ainda que salvaguardando sempre a especificidade de cada caso concreto.
Assim, tudo ponderado, tendo por referência as gravíssimas lesões sofridas e as respectivas sequelas, onde se destaca a total dependência de terceiros, bem como os padrões da jurisprudência do Supremo Tribunal [cfr. designadamente compilação de decisões do STJ sobre danos não patrimoniais, acessível em http://ww.stj.pt, no “link” jurisprudência temática onde se destacam as seguintes decisões proferidas do último ano: 27.04.2006, Revista 872/06, 4ª Secção; 27.04.2006, Revista 914/06, 6ª Secção; 18.05.2006, revista 1144/06; 23.05.2006, Revista 1122/06, 6ª Secção; 08.06.2006, Revista 1479/06, 7ª Secção; 27.06.2006, Revista 1770/06, 6ª Secção; 2.11.2006, Revista 3326/06, 2ª secção; 16.11.2006, Revista 3708/06, 7ª Secção; 21.11.2006, Revista 3724/06, 1ª Secção; 19.12.2006, Revista 4204/06, 2ª Secção; - todas elas relativas a danos não patrimoniais por acidentes de que resultaram lesões corporais com sequelas de menor gravidade que no caso dos autos e em que foram arbitradas indemnizações de 30.000,00 a 40.000 euros] reportando ainda a actualização à data do encerramento da audiência em 1ª instância (art. 663º n.º1 do CPC), entende-se ajustado arbitrar a quantia de € 45.000,00 euros (quarenta e cinco mil euros).
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5. Juros de mora
Questiona ainda a recorrente a decisão recorrida põe não ter procedido à condenação em juros (danos não patrimoniais, únicos atendidos na decisão recorrida).
A questão da articulação dos comandos do art. 566º, n.º2 e do art. 805º, n.º3 do C. Civil, este ultimo na redacção dada pelo DL 262/83 de 16.06, transformou-se numa fonte de divergência na jurisprudência dos tribunais superiores.
Daí que o STJ, pelo Acórdão de 09.05.2002, publicado no DR I Série-A de 27.06.2002, tendo em vista a uniformização de jurisprudência, pôs termo às dúvidas que se vinham suscitando neste âmbito, decidindo que: "sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos temos do art. 566º, n.º2 do C. Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto no art. 805º, n.º3 (interpretado restritivamente) e 806º, n.º1 também do C. Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação" (sublinhados nossos).
No que toca à indemnização agora arbitrada relativas a bens danificados no acidente, não actualizada, haverá condenação em juros desde a data da citação, nos termos do art. 805º, n.º3 do C. Civil.
Já quando ao dano patrimonial relativo à perda de capacidade aquisitiva e danos não patrimoniais, tendo a quantificação sido reportada ao momento mais recente atendível (encerramento da audiência em 1ª instância), dentro do entendimento referido, só haverá condenação em juros a partir daí.

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IV. Nestes termos decide-se julgar parcialmente procedente o recurso, na forma sobredita e assim:
1 – Fixar a indemnização relativa a danos não patrimoniais na quantia de 45.000,00 euros (quarenta e cinco mil euros) acrescida de juros legais vencidos e vincendos desde a data do encerramento da audiência em 1ª instância até efectivo pagamento. ---------
2 – Alterar a decisão recorrida na parte relativa à indemnização por danos patrimoniais, arbitrando-se as seguintes quantias: -----------
a) a quantia de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros) a título de indemnização pela inutilização das roupas e objectos pessoais que lesada trazia no momento do acidente, acrescida de juros legais desde a data da citação; ---------------
b) quantia a liquidar em execução de sentença pelos estragos causados no ciclomotor acrescida de juros legais vencidos e vincendos desde a data da citação até efectivo pagamento. -
c) a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) pela perda de capacidade aquisitiva no âmbito da actividade complementar da agricultura e criação de animais que a autora exercia, acrescida de juros legais vencidos e vincendos desde a data do encerramento da audiência em 1ª instância até efectivo pagamento. ----------
Custas pela recorrente e pela demandada na proporção do decaimento.