Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4131/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE FIRMA COMERCIAL
PRINCÍPIO DA VERDADE DA CONSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 03/08/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA - 5º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS.10º, Nº 3; 32º, NºS 1 E 2, AL. A), DO D.L. 129/98, DE 13/5 .
Sumário: I – A firma constitui, a par do nome e insígnia do estabelecimento e da marca, um dos sinais distintivos do camércio .
II – Enquanto sinal distintivo e nominativo de uso obrigatório, identifica o comerciante (em nome individual ou as sociedades) na sua individualidade económica, podendo ser formada por um ou vários nomes completos ou abreviados (firma-nome), por uma expressão alusiva ao comércio exercido na empresa (firma-denominação) ou cumulativamente por ambos (firma-mista) .

III – Com a alteração do artº 10º do C.S.C., introduzida pelo DL nº 257/96, de 31/12, deixou de ser imperativo o uso dos dizeres em português, pelo que a firma das sociedades comerciais pode ser redigida em língua estrangeira, mesmo na parte em que se dê a conhecer o objecto da sociedade .

IV – A denominação particular integrante de uma firma deve dar a conhecer quanto possível o objecto da sociedade .

V – Por força do princípio da verdade da constituição das firmas, estas e suas denominações não podem conter palavras, expressões ou abreviaturas que induzam em erro quanto à caracterização dos respectivos titulares e não podem incluir elementos que sugiram actividades diversas daquelas que os respectivos titulares exercem ou pretendem exercer .

VI – As denominações “B... “ e “C... “ não respeitam o princípio da verdade da firma, por não assumirem suficiente e indispensável capacidade distintiva, dado o espectro genérico da sua designação, sendo susceptíveis de induzir em erro sobre a identificação e natureza da actividade de que a sociedade se propõe desenvolver .

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO

1.1. - A..., casado, residente na Rua Florbela Espanca, lote 2, Casal dos Matos, 2410-028 Leiria, com o intuito de constituir uma sociedade comercial por quotas, tendo por objecto a actividade de “ Consultoria de gestão”, requereu ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas um pedido de certificado de admissibilidade para uma das seguintes firmas, ao qual essa entidade atribuiu o n° 367613:
1ª - "B...",
2ª - "C..."

1.2. - O Registo Nacional de Pessoas indeferiu o pedido, tendo o requerente interposto recurso hierárquico deste despacho para o Senhor Director Geral dos Registos e Notariado, nos termos dos arts. 63 e segs. do RJRNPC (DL nº 129/98, de 15/5), que, por decisão de 18/5/04, julgou improcedente o recurso.

1.4. - Inconformado com o despacho do Senhor Director Geral dos Registos e Notariado, interpôs recurso contencioso, nos termos do art.66 e segs. do DL nº129/98 de 13/5, para o Tribunal da Comarca de Leiria, alegando, em resumo:
1º) – Qualquer das firmas indicadas satisfaz o requisito legal de dar a conhecer “ quanto possível “ o objecto da sociedade, quer porque aludem a esse objecto, quer porque nos tempos modernos a consultoria de gestão é de tal modo abrangente que constitui a consultoria por excelência, sendo certo que o elemento “TF”, presente em ambas as firmas representa as iniciais dos apelidos dos dois únicos sócios, respectivamente D... e A....
2º) – Por outro lado, a lei não impede a inclusão da expressão “ grupo “ ( ou na sua tradução de uso corrente em Portugal e na União Europeia, “ group” ) na firma de uma sociedade comercial por quotas, ou muito menos, a reserva para sociedades em relação de grupo, nem existe qualquer pessoa colectiva designada por “ grupo “.
3º) – De igual modo, o argumento de que a firma “ B... “ sugerirá tratar-se de uma sociedade portuguesa pertencente a um grupo estrangeiro, que não corresponde à verdade, é puramente gratuito e destituído de qualquer suporte legal, sendo certo, de resto, que apenas permitiria indeferir o recurso hierárquico quanto a essa firma.
4º) – O despacho impugnado violou o disposto no art.10 nº3 do CSC e art.32 do DL nº129/98 de 13/5, devendo ser revogado e ordenada a aprovação da firma “ B...”, ou se assim se não entender, da firma “C... “.
Respondeu o recorrido, preconizando a improcedência do recurso.

1.5. – Por sentença de 14/1/05 ( fls.62 a 72 ) decidiu-se:
Julgar procedente o recurso contencioso e revogar o despacho recorrido, determinando-se que seja certificada a admissibilidade da firma "B...".

1.6. – O Senhor Director Geral dos Registos e Notariado, recorreu de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1º) - Em causa no presente processo, está a apreciação da viabilidade da denominação “B...” para uma sociedade de direito português que prosseguirá a actividade de "consultoria de gestão".
2º) - Que "consulting" é o equivalente na língua inglesa do vocábulo português "consultoria" nunca esteve em causa no presente processo. Aliás o ora apelante nas suas alegações referia-o expressamente (cfr. art° 11 ° das alegações apresentadas).
3º) - O que se discutia no recurso contencioso interposto no 5° Juízo Cível de Leiria era se o termo inglês "consulting" seria adequado para traduzir uma actividade de "consultoria de gestão".
4º) Ao contrário do que defende a douta sentença ora impugnada, afigura-se-nos que a denominação “B...” é mais ampla do que o objecto declarado, que se restringia a um tipo específico de consultoria, a consultoria de gestão, que o vocábulo inglês "consulting" não traduz adequadamente.
Mas, com o devido respeito, o cerne da questão da admissibilidade (ou não) da denominação “B...”, não está no vocábulo "consulting", como fez a douta sentença, mas no facto, irrefutável, de que a denominação é, quando globalmente entendida, enganadora, sugerindo uma realidade distinta da que lhe está subjacente, sendo inclusive essa a pretensão assumidamente confessada pelo requerente do pedido de certificado de admissibilidade.
6º) - Efectivamente, não podemos partilhar da opinião expressa na sentença de que a utilização - injustificada - da expressão "Group" não é enganadora, inculcando apenas a ideia de que se trata de um grupo de consultoria, que pode ser meramente jurídico, ou seja, uma sociedade.
7º) - Um "grupo", no sentido económico-jurídico do termo, não é uma sociedade, não é um grupo de pessoas, é um conjunto de sociedades coligadas por algumas das formas previstas no art.481° e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
8º) - Parece-nos assim que, ao contrário do que expressamente refere a sentença em causa, a expressão "grupo" só poderá ter por fim traduzir esta ideia de pertencer a um grupo de empresas mais vasto.
9º) - Aliás, diga-se em abono da verdade que tal desiderato nunca foi ocultado pelo recorrente, que afirmou expressamente "que num espaço económico como é a União Europeia [...] as empresas ou têm designações anglo saxónicas ou escusam de iniciar a actividade" (cfr. § 3° da pág. 10 da petição inicial) e que "marca a diferença candidatar-se a B... ou a Manuel Maria Consultoria de Gestão" (cfr. §6° da mesma pág. 10).
10º) - Efectivamente, o uso da expressão inglesa "group" não tem outro objectivo que não o de sugerir que a referida empresa está integrada num grupo económico, não sendo inócua, como, erradamente, entendeu o juiz "a quo".
11º) - Acresce que a própria utilização do topónimo "Portugal", no fim da denominação, colocado entre parêntesis, é igualmente indiciadora desta vontade, de a tornar enganadora, sugerindo claramente que a empresa em causa estará inserida num grupo económico mais vasto, sendo a sua representante em Portugal, seja ao nível de sucursal ou ao nível de sociedade de direito português.
12º) - E, ao contrário do que entendeu o Tribunal "a quo" afigura-se-nos que o homem médio, que use da normal diligência que põe nos seus actos, seja ele de nacionalidade portuguesa, inglesa ou de outro país da União Europeia, quando confrontado com a denominação “B...”, julgará que se trata da representação ou sucursal portuguesa de uma sociedade estrangeira integrada num grupo económico, ou, caso se consiga aperceber de que se trata de uma sociedade de direito português - e isto certamente só pelo aditamento legal "LDA" - pensará provavelmente que a mesma é directa ou indirectamente participada por sociedade estrangeira.
13º) - A denominação “B... “não dá a conhecer quanto possível o objecto e parece-nos claramente enganadora por sugerir a existência e pertença a um grupo no sentido económico-jurídico do termo, pelo que é inadmissível face à legislação em vigor, maxime art° 32°, n° 1 e n° 4, al. b) do Decreto-Lei n° 129/98, de 13 de Maio.
Face ao exposto, mais o que se espera do douto suprimento, deve o presente recurso merecer provimento, com a consequência legal de revogar a decisão que determinou a emissão do certificado de admissibilidade da denominação B....

1.7. - Contra-alegou o apelado, ampliando o objecto do recurso, em síntese:
1º) - A firma B..., satisfaz o requisito legal de dar a conhecer "quanto possível" o objecto da sociedade, atento o disposto, maxime, nos arts. 10°, n° 3, do C.S.C., e art° 32°, n°s. 1 e 2, do D.L. ri 129/98, de 13/5, quer porque alude a esse objecto, quer porque, nos tempos modernos, a consultoria de gestão é de tal modo abrangente que constitui a consultoria por excelência, sendo certo, de resto, que o elemento "TF", presente em ambas as firmas, representa as iniciais dos apelidos dos dois únicos sócios, respectivamente D... e A....
2º) - À luz do disposto, sobretudo, nas als. a) e b) do n° 4 do art. 32° do D.L. n° /98, de 13/5, a referida firma não pode considerar-se enganadora, quer porque não estabelece qualquer confusão concreta com realidades falsas, já porque a primeira dessas normas não se reporta à expressão "grupo" ou, na versão inglesa, "group", quer ainda porque o último dos aludidos preceitos, tendo um âmbito que não se reporta ao presente caso, exige a verificação de situações escandalosamente enganadoras, como sem equívoco se conclui da expressão «manifestamente desproporcionados».
3º) - Assim, a douta sentença em crise não infringiu qualquer norma legal, devendo o presente recurso improceder e ser mantida aquela decisão.
4º) - Subsidiariamente, requer-se a ampliação do âmbito deste recurso, de modo a que, caso o mesmo proceda, seja considerado procedente o recurso contencioso relativamente à firma C..., uma vez que esta jamais poderá levar «o cidadão médio» (não obstante estarmos a falar de uma sociedade destinada à prestação de serviços de consultadoria a empresas) a julgar «que se trata da representação ou sucursal portuguesa de uma sociedade estrangeira».
Deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, ou, se assim se não entender, proceder o recurso contencioso relativamente à firma C...
II FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto do recurso:
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões, a questão essencial consiste em saber se é legalmente admissível o registo das firmas propostas para a identificação de uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto a consultoria de gestão.

2.2. – Os factos provados descritos na sentença:
1) - Com o intuito de constituir uma sociedade comercial por quotas cujo objecto é a consultoria de gestão, o ora recorrente formulou ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas um pedido de certificado de admissibilidade de firma ou denominação, a que foi atribuído o n° 367613, indicando que a firma ou denominação pretendida era, por ordem decrescente de preferência,
1ª - "B...";
2ª - "C..."
2) - Sobre tal pedido proferiu o R.N.P.C. despacho de indeferimento que foi notificado ao ora recorrente por ofício n° 007353, de 31/3/2004.
3) Os fundamentos para tal indeferimento foram os seguintes:
a) - As denominações não dão a conhecer quanto possível o objecto (art° 10°, n° 3, do C.S.C.), devendo referir-se na denominação a actividade exercida;
b) - As denominações não são verdadeiras/induzem em errosobre a identificação, natureza ou actividades do seu titular (art° 32°,n°s. 1 e 2, al. a), do D.L. n° 129/98, de 13/5); a 1ª denominação
sugere a apropriação de firma ou marca estrangeira com a designação E..., o que não foi provado; ambas as denominações sugerem tratar-se de grupo no sentido jurídico económico do termo, o que também não foi provado;
c) - As denominações induzem em erro sobre a titularidade da marca "F...", que assinala produtos das classes 35, 38 e 42 (art° 33°, n° 5, do D.L. n°129/98, de 13/5).
4) - Desse despacho de indeferimento interpôs o ora recorrente, no dia 27/3/2004, recurso hierárquico para o aqui recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto nos art°s. 63° e segs. do RJRNPC (D.L. n° 129/98, de 15/5).
5) - Sobre tal recurso hierárquico foi proferida, em 13/5/2004, informação pelo Exm°. Sr. Conservador-auxiliar do R.N.P.C., propondo "a reparação parcial do despacho no que se refere ao fundamento de confundibilidade com a marca F..., e a sua manutenção quanto aos restantes fundamentos.
6) A Exma. Sra. Conservadora do R.N.P.C. proferiu, em 14/5/2004, relativamente à aludida informação, um parecer com o seguinte teor: "Concordo".
7) - E despacho de igual teor foi proferido pela Exma. Sra. Directora do R.N.P.C. a 18/5/2004.
8) - Por despacho proferido pelo Exm°. Sr. Director-Geral dos Registos e do Notariado a 18/5/2004, foi referido o seguinte: "Concordo".

2.3. – O Direito:
A pretensão recursiva assente em dois fundamentos:
a) - As denominações não dão a conhecer quanto possível o objecto (art° 10 nº3 do C.S.C.), devendo referir-se na denominação a actividade exercida;
b) - As denominações não são verdadeiras/induzem em erro sobre a identificação, natureza ou actividades do seu titular (art. 32, n°s. 1 e 2, al. a), do D.L. n° 129/98, de 13/5); a denominação sugere a apropriação de firma ou marca estrangeira com a designação E..., o que não foi provado; ambas as denominações sugerem tratar-se de grupo no sentido jurídico económico do termo, o que também não foi provado.
Ambos os fundamentos contendem com o chamado princípio da verdade da constituição das firmas ( em sentido amplo ).
Como é sabido, a firma constitui, a par do nome e insígnia do estabelecimento e da marca, um dos “sinais distintivos do comércio”.
Enquanto sinal distintivo e nominativo de uso obrigatório, identifica o comerciante ( em nome individual ou as sociedades ) na sua individualidade económica, podendo ser formada por um vários nomes completos ou abreviados ( firma-nome ), por uma expressão alusiva ao comércio exercido na empresa ( firma-denominação ) ou cumulativamente por ambos ( firma-mista ).
A composição da firma, em qualquer destas modalidades, obedece a regras previstas no Código das Sociedades Comerciais e no Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas ( aprovado pelo DL nº129/98 de 13/5 ), as quais foram convocadas na sentença recorrida.
Com a alteração do art.10 do CSC, introduzida pelo DL nº257/96 de 31/12, deixou de ser imperativo o uso dos dizeres em português, pelo que a firma das sociedades comerciais pode ser redigida em língua estrangeira, mesmo na parte em que se dê a conhecer o objecto da sociedade ( cf., por ex., Ac do STJ de 11/3/99, C.J. ano VII, tomo I, pág.155 ).
Para as sociedades por quotas, importa destacar o art.200 do CSC, devendo a Firma ser formada, com ou sem sigla ( vocábulo constituído pelas iniciais ou outras letras de um nome ou expressão ) ou pelo nome completo ou abreviado, ou firma de todos, algum ou alguns dos sócios ou por uma denominação particular ou pela reunião de ambos os elementos, sendo em qualquer dos casos o aditamento obrigatório de “Limitada” ou “Lda” .
Mas a denominação particular integrante de uma firma ( firma denominação ou firma mista ) “deve dar a conhecer quanto possível o objecto da sociedade”, por imperativo não só do regime geral do art.10 nº3, como do nº2 do art.200 ( específico para as sociedades por quotas ) ambos do CSC, ao prescrever “ Na firma não podem ser incluídas ou mantidas expressões indicativas de um objecto social que não esteja especificamente previsto na respectiva cláusula do contrato de sociedade “.
Com a restrição “ quanto possível “ constante da norma do art.10 nº3 do CSC, o legislador procurou dispensar uma referência completa ao objecto da social, mas apenas naqueles casos em que sendo de diversa natureza as actividades compreendidas num objecto se torne impossível abrangê-las a todas numa designação genérica ( cf. FERRER CORREIA, Lições de Direito Comercial, 1973, pág. 272, RAUL VENTURA, Sociedade Por Quotas, vol.1º, pág.93 ).
O princípio da verdade da firma está expressamente previsto no art.32 do DL nº129/98, dispondo o nº1 que “ os elementos componentes das firmas e denominações devem ser verdadeiros e não induzir em erro sobre a identificação, natureza ou actividade do titular “ e o nº2 estabelece que “ os elementos característicos das firmas e denominações, ainda quando constitutivos por designações de fantasia, sigla ou composições, não podem sugerir actividade diferente da que constitui o objecto social “.
Para FERRER CORREIA, este princípio determina que “ a firma deve corresponder à situação real a que respeita, não podendo conter elementos susceptíveis de falsear ou provocar confusão, quer quanto à identidade do empresário ( comerciante em nome individual ) quer quanto à identidade dos sócios ( pessoa colectiva ). Quer ainda quanto à natureza da sociedade e à índole ou ao âmbito do próprio estabelecimento “ ( Lições de Direito Comercial, 1973, pág.263 ).
Daí que, por força deste princípio, as firmas e denominações não podem conter palavras, expressões abreviaturas que induzem em erro quanto à caracterização dos respectivos titulares ( arts.32 nº4 a) do RRNPC e art.10 nº5 a) do CSC ) e não podem incluir elementos que sugiram actividades diversas daquelas que os respectivos titulares exercem ou pretendem exercer ( art.32 nº2 do RRNPC e arts.10 nº1, 200 nº2 e 3 do CSC ).
A propósito do que designa por princípio da capacidade distintiva, observa COUTINHO DE ABREU que “ sob pena de incapacidade distintiva, a referência ao objecto não se basta com designações genéricas (...), nem com vocábulos de uso corrente, topónimos ou indicações de proveniência ( Curso de Direito Comercial, vol.1º, 2ª ed., pág.149 ).
O princípio da verdade da firma, que numa sociedade de mercado, visa essencialmente uma dupla finalidade, a protecção do consumidor e a defesa da concorrência, exige por conseguinte uma adequação genética da firma ao objecto social, ou seja, com a actividade económica a desenvolver.
Pois bem, se a expressão “ Portugal “ não levanta problemas de maior, como se evidenciou na sentença, por não gozar de qualquer eficácia distintiva, nem ser de uso exclusivo ( cf., por ex., Ac do STJ de 10/1/95, www dgsi.pt/jstj, e de 9/2/99, C.J. ano VII, tomo I, pág.93 ), o mesmo não sucede quanto aos restantes elementos, individualmente ou considerados no seu conjunto.
Tal como objectou o apelante, parece que a denominação “ B...“ é sem dúvida mais ampla que o objecto declarado para a sociedade, visto que o termo “ Consulting “ é muito mais abrangente, não se restringindo a um ramo específico da consultoria ( Consultoria de Gestão ).
A sentença recorrida, muito embora reconheça que tal expressão não é absolutamente precisa, refere, contudo, que não sugere actividade diferente da prevista no objecto social da sociedade.
Mas tal argumento, com o devido respeito, padece de insuficiência, pois não há uma ligação directa ao objecto do contrato de sociedade, à sua concreta e individualizada actividade económica, tanto mais que se trata de uma única actividade, impondo-se, por isso, um relacionamento positivo da firma com o objecto social.
Contudo, a objecção mais pertinente situa-se no vocábulo “ GROUP “, como de resto se argumentou nas doutas alegações.
A denominação, na sua globalidade, ou intuição sintética, utilizando o vocábulo GROUP é claramente enganadora, induzindo em erro, visto traduzir a ideia de integração num grupo económico.
Não nos parece que deva acolher-se a interpretação feita na sentença, no sentido de que tal expressão apenas inculca a ideia de que se trata de um grupo de consultoria, podendo ser meramente jurídico, como uma sociedade.
Como bem adverte o apelante, um “grupo” no sentido económico-jurídico do termo, não é uma sociedade, não é um grupo de pessoas, é um conjunto de sociedades coligadas por algumas das formas previstas no art.481 e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
Os modelos de concentração económica originaram uma plasticidade da normatividade jurídica, onde o grupo de sociedades assume um papel determinante.
No plano doutrinário não há uma noção unívoca e o termo “ grupo de sociedades “ vem sendo utilizado tanto numa acepção restrita ou própria, como numa acepção ampla.
Na sua acepção restrita é designado por “ todo o conjunto mais ou menos vasto de sociedades comerciais que, conservando embora as respectivas personalidades jurídicas próprias e distintas, se encontram subordinadas a uma direcção económica unitária comum “, existindo, assim, independência jurídica das entidades agrupadas e dependência económica. Na acepção ampla, reporta-se aos fenómenos de controlo intersocietário e das relações de coligação ( cf. JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Os Grupos de Sociedades, 2ª ed., pág.52 e segs. ).
Neste contexto, ambas as denominações “B...”, e “C... “ não respeitam o princípio da verdade da firma, por não assumirem suficiente e indispensável capacidade distintiva, dado o espectro genérico da sua designação, sendo susceptíveis de induzir em erro sobre a identificação e natureza da actividade que a sociedade se propõe desenvolver.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, confirmando-se a decisão do Senhor Director Geral dos Registos e Notariado a indeferir o certificado de admissibilidade das denominações “B... “ e “C...”.
2)
Condenar o apelado nas custas.
+++
Coimbra, 8 de Março de 2006.