Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2561/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
RECURSO
PRESUNÇÃO REGISTRAL
Data do Acordão: 11/22/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 706º, Nº 1, DO CPC 0; 7º DO C. R. PREDIAL .
Sumário: I – A junção de documentos, na fase de recurso, deve obedecer ao disposto no artº 706º, nº 1, do CPC, isto é, apenas é admissível nos casos excepcionais a que se refere o artº 524º, ou seja, em relação aos documentos cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão em 1ª instância e aos documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, ou, ainda, aqueles cuja junção apenas se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância .
II – O mero facto de a sentença ter sido desfavorável aos apelantes não é motivo, por si só, para se admitir a junção de documentos com as alegações de recurso .

III – Na senda da jurisprudência maioritária, a presunção do registo emergente do artº 7º do C. R. Predial não abrange as circunstâncias descritivas (tais como confrontações e áreas) não percepcionadas oficiosamente pela autoridade .

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- A... e B..., residentes na Estrada Nacional, nº10- Edifício Cinema, 5º B- Alverca do Ribatejo e C... e D..., residentes em 21 Rue de Paris, 78230- Le Peqo, intentaram contra E... e F..., residentes na Rua Conselheiro Pequito, nº11, 1º- Amadora, a presente acção declarativa sob a forma sumária, pedindo que os RR. sejam condenados a reconhecer a propriedade deles, AA., sobre o prédio que identificam, a restituir-lhes a porção de terreno de 9.698, 07 m2, e a proceder à demarcação entre os dois prédios a efectuar de acordo com o levantamento topográfico que o A., A..., mandou efectuar.
Fundamentam este seu pedido, em síntese, alegando que são donos e legítimos possuidores do prédio identificado nos autos, sendo os RR. donos de um prédio que confina com o seu. Sucede que as áreas dos prédios de uns e outros são aquelas que os AA. referem e não aquelas que os RR. sustentam.
Concluem pela procedência da acção
1-2- Os RR. contestaram invocando a ineptidão da petição inicial, a sua ilegitimidade, bem como a excepção do caso julgado.
Defendem-se ainda por impugnação referindo serem falsos os factos alegados pelos AA., sustentando que a área do seu terreno não é de 4.200 m2, mas antes de 13.898,07 m2, conforme levantamento topográfico efectuado pelo anterior proprietário, Armando Lameiras e constante da inscrição matricial na Repartição de Finanças.
Deduzem pedido reconvencional, pedindo a condenação dos AA. no pagamento, a título de indemnização pelos danos sofridos devido à sua conduta, no montante de 4348 euros.
1-3- Os AA. responderam às excepções, sustentando a sua não verificação.
Mais contestam o pedido reconvencional, concluindo pela improcedência deste, mantendo, em resumo, a posição que assumiram na petição inicial.
1-4- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, em que foram julgadas improcedentes as excepções invocadas pelos RR., após o que se fixaram os factos assentes e se elaborou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu a esta base e se proferiu a sentença.
1-5- Nesta decidiu-se julgar a presente acção procedente e a reconvenção improcedente e, em consequência, condenou-se os RR. a reconhecerem a propriedade dos AA. sobre o prédio rústico denominado de Campeiro ou Tapada da Rocha, composto de terra de pinhal, sito na freguesia dos Trinta, concelho da Guarda, descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o nº15 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 564, com a área de 13.785 m2 e a restituírem aos AA. a porção de terreno do identificado prédio, com a área de 9.698,07 m2 e absolveu-se os AA. do pedido reconvencional.
1-6- Não se conformando com esta sentença, dela vieram recorrer os RR., recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.
1-8- Os recorrentes alegaram, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- Há insuficiência da matéria de facto para a boa decisão da causa, pois recorrente, só após o encerramento da audiência de discussão e julgamento, teve conhecimento de factos importantes que são de manifesta importância para a boa decisão da causa.
2ª- Tal deve-se ao facto de trabalhar e residir na Amadora e ainda porque só agora testemunhas suas e outros vizinhos lhe transmitirem tais factos, pois destes, ninguém se apercebeu da importância dos mesmos.
3ª- Os recorridos faltam à verdade ao tribunal que são do seu conhecimento directo e pessoal.
4ª- As áreas do prédio dos recorridos, tem vindo a ser sucessivamente alterada por eles e pelos anteriores proprietários com loteamento e desanexação para armazém ( docs. 1 a 6 )
5ª- Todas estas áreas pertenciam ao prédio que o Abílio e Armindo adquiriram ao Dr. Adelino e sem área definida ( cfr. escrituras públicas de compra e venda ).
6ª- Por outro lado, as confrontações do prédio nunca foram alteradas, sendo desde sempre as mesmas.
7ª- E as confrontações dos prédios vizinhos correspondem com a área e limites que os recorrentes dizem ser a sua ( docs. 9 e 10 ).
8ª- Sabem agora os recorrentes que o Abílio residiu mais de 20 anos na localidade de Trinta, pelo que não podia desconhecer o que agora diz não conhecer.
9ª- Os recorridos não fizeram prova de que fossem possuidores da parcela em litígio há mais de 15 anos.
10ª- A soma das áreas inscritas na matriz de ambos os prédios, não corresponde com o que existe na realidade.
11ª- Violaram os recorridos os arts. 566º nº 1 e 519º do C.P.Civil.
12ª- O recorrente não pôde aproveitar a aplicação do art. 506º nº 2 do C.P.Civil, em virtude de só após a data da audiência de julgamento ter tido conhecimento de factos que alteram a decisão proferida na 1ª instância.
13ª- Na realidade estes documentos juntos, não existiam para os recorrentes, uma vez que não tinham conhecimento dos mesmos.
14ª- Em nome do princípio da economia processual, devem ser atendidos os documentos ora juntos, uma vez que os mesmos abalam a posição dos recorridos e a douta sentença, a qual tem em conta factos que interessavam aos recorridos e que, por desconhecimento involuntário por parte dos recorrentes, foram dado como verdadeiros, quando, na realidade, são falsos.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, com revogação da decisão recorrida.
1-7- A parte contrária respondeu a estas alegações, sustentando o não provimento do recurso e a confirmação da decisão recorrida.
Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivos dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º nº 3 do C.P.Civil ).
2-2- Após a resposta à base instrutória, ficou assente a seguinte matéria de facto:
1- Por escritura pública de 19 de Agosto de 1991, outorgada no Cartório Notarial da Guarda, em que figuram como outorgantes Abílio Mendes e esposa, Armindo Mendes Oliveira e esposa e segundos outorgantes os AA. A... e C..., os primeiros outorgantes declararam vender aos AA., em comum e partes iguais, um prédio rústico composto por pinhal, sito no lugar do Campeiro ou Tapada da Rocha, freguesia dos Trinta, concelho da Guarda, com a área de treze mil, setecentos e oitenta e cinco metros quadrados, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 29, com o valor patrimoniais de oito mil, seiscentos e noventa e quatro escudos, descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho da Guarda sob o nº15, da freguesia dos Trinta e lá inscrito a favor dos vendedores pela inscrição G-1 (alínea A) dos Factos Assentes).
2- Tal prédio encontra-se inscrito em nome dos AA. na Conservatória do Registo Predial da Guarda, por inscrição de 12 de Abril de 1996 ( alínea B) dos Factos Assentes ).
3- Os referidos Abílio Mendes Oliveira e Armindo Oliveira haviam adquirido o prédio rústico a Adelino Lopes e esposa Emília da Fonseca Tavares Lopes, por contrato de compra e venda celebrado por escritura pública em 22 de Outubro de 1975, outorgada no Cartório Notarial da Guarda ( alínea C) dos Factos Assentes ).
4- Os RR. são donos do prédio rústico denominado Campino, composto de terra de pinhal, sito na freguesia dos Trinta, concelho da Guarda, descrito na 1ª Conservatória dos Registo Predial da Guarda, sob o nº4 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 543 e que confina com o prédio descrito em A) dos factos assentes (alínea D) dos Factos Assentes ).
5ª- Os RR. adquiriram o prédio rústico referido por compra a Armando Lameiras. através de escritura pública outorgada no dia 28/06/2001, no 5º Cartório Notarial de Lisboa ( alínea E) dos Factos Assentes ).
6- E registaram a aquisição na Conservatória do Registo Predial da Guarda por apresentação nº 10 em 31/07/2001 ( alínea F) dos Factos Assentes ).
7- O Armando Lameiras, por seu turno, adquiriu o prédio descrito na alínea D) dos factos assentes por compra a Maria Luciana Panóias e seus filhos José Manuel Panóias Diogo e João Filipe Panóias Diogo Aguiar ( alínea G) dos Factos Assentes ).
8- António Diogo Aguiar e Maria Luciana Panóias celebraram a 03/12/1980, no Cartório Notarial da Guarda escritura de justificação notarial, tendo os mesmo declarado nessa escritura que “...são donos e legítimos possuidores com exclusão de outrem de uma terra de pinhal no sítio de Campeiro... inscrita na matriz predial respectiva em nome do primeiro outorgante-marido e sob o artigo quinhentos e quarenta e três(...) Que eles primeiros outorgantes possuem este prédio como próprio há mais de trinta anos, ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém (...) adquiriram-no por usucapião(...)” ( alínea H) dos Factos Assentes ).
9- Tendo registado o prédio a seu favor, na Conservatória do Registo Predial da Guarda em 19/06/1985 ( alínea I) dos Factos Assentes ).
10- João Diogo Tavares e Ana Maria Aguiar Sequeira intentaram acção judicial de impugnação da escritura de justificação notarial lavrada em 03/12/1980, acção esta que com o nº 59/93, que correu termos pelo 2º juízo , 2ª secção do Tribunal Judicial da Guarda, na qual pediram a declaração de nulidade da escritura de justificação notarial referida e consequente cancelamento do registo efectuado pelo António Diogo Aguiar e Maria Luciana Panóias ( alínea J) dos factos Assentes ).
11- Por sentença de 21/12/1994, transitada em julgado, foi julgada a acção procedente, declarando-se “(...) sem efeito a escritura de justificação em causa, por a ré Maria Luciana e seu falecido marido António Diogo Aguiar não serem donos do prédio à data da justificação ordenando-se o cancelamento do registo efectuado pelos mesmos sobre o prédio em causa(...)” ( alínea L) dos actos Assentes ).
12- Maria Luciana Panóias registou o prédio rústico supra referido designada por Campino com o artigo matricial nº 543, na Conservatória do Registo Predial da Guarda em 15/10/1996, a seu favor e dos filhos José Manuel Panóias Diogo, casado com Esmeralda Gonçalves Lameiras Diogo e João Filipe Panóias Diogo Aguiar, casado com Maria Amélia Mendes da Costa, tendo por causa a dissolução conjugal (alínea M) dos Factos Assentes ).
13- O Abílio Mendes esculpiu duas cruzes em duas pedras existentes no terreno dos ora AA., que ficaram a delimitar o terreno deste com o dos RR. ( alínea N) dos Factos Assentes ).
14- Os RR. venderam a José Joaquim dos Santos, 250 pinhos pelo preço de 10500 euros cortados na parcela de terreno em discussão nestes autos ( alínea O) dos Factos Assentes).
15- Foram posteriormente cortados 44 pinhos pelos RR. os quais ainda se encontravam no local ( alínea P)dos Factos Assentes ).
16- Cada pinho vale 42 euros ( alínea Q) dos Factos Assentes ).
17- O prédio dos RR. pertenceu a António Diogo já falecido ( resposta ao facto 1º da Base Instrutória ).
18- Junto ao terreno dos RR. o António Diogo tinha do outro lado da estrada um outro pinhal onde actualmente se encontra uma fábrica de confecções (resposta ao facto 2º da Base Instrutória ).
19- Quando o Abílio Mendes Oliveira e Armindo Mendes Oliveira adquiriram o “Campeiro” em 22/10/1975, o primeiro foi informado pelo vendedor que desconhecia a estrema que o mesmo possuía com o prédio dos RR. ( resposta ao facto 4º da Base Instrutória ).
20- Este disse a Abílio Mendes Oliveira que deveria falar com Maria Luciana Panóias para que lhe indicasse a estrema do prédio ( resposta ao facto 5º da Base Instrutória ).
21- Abílio Mendes solicitou a Luciana Panóias que lhe indicasse a estrema entre o seu prédio e o prédio dos herdeiros do António Diogo ( resposta ao facto 6º da Base Instrutória ).
22- A Maria Luciana Panóias sabia que Abílio Oliveira e Armindo Oliveira não eram dos Trinta e que desconheciam as estremas dos prédios ( resposta ao facto 8º da Base Instrutória ).
23- Abílio Oliveira aceitou a delimitação tal como lhe foi indicada por Maria Luciana Panóias porque desconhecia as estremas dos prédios ( resposta ao facto 9º da Base Instrutória ).
24- Não existiam então quaisquer marcos entre os terrenos aqui em questão ( resposta ao facto 10º da Base Instrutória ).
25- Algum tempo depois a Maria Luciana Panóias disse ao Abílio Oliveira que aqueles limites que lhe tinha indicado não estavam correctos e queria nova delimitação ( resposta ao facto 11º da Base Instrutória ).
26- O Abílio Mendes acedeu em fazer nova delimitação de acordo com o que lhe foi referido por Maria Luciana Panóias ( resposta ao facto 12º da Base Instrutória ).
17- Em face de tal acordo esculpiu as cruzes referidas em N) dos Factos Assentes ( resposta ao facto 13º da Base Instrutória ).
18- Foi com base nessa delimitação que foi mandado efectuar por Armando Lameiras um levantamento topográfico do prédio dos RR. ( resposta ao facto 15º da Base Instrutória ).
19- E tendo apenas por suporte o levantamento topográfico assim feito, o Armando Lameiras requereu a rectificação da área do prédio rústico com o artigo matricial nº 543, ao Chefe da Repartição de Finanças, passando a área de 4200 m2 para 13898,07 m2 ( resposta ao facto 16º da Base Instrutória ).
20- Sem qualquer declaração dos proprietários dos prédios confinantes, que desconheciam a apresentação de tal requerimento junto da Repartição de Finanças (resposta ao facto 17º da Base Instrutória ).
21- Os AA. logo que tiveram conhecimento das estremas, confrontaram a Maria Luciana Panóias dizendo-lhe que não aceitavam a delimitação da estrema tal como estava porque o terreno não tinha aquela área ( resposta ao facto 18º da Base Instrutória).
22- O A. A... falou com a Maria Luciana Panóias para que a estrema fosse colocada noutro sítio ( resposta ao facto 19º da Base Instrutória).
23- A Maria Luciana Panóias impediu a colocação das estremas no sítio pretendido pelo A. ( resposta ao facto 20º da base instrutória).
24- Há mais de 10 anos que a Maria Luciana Panóias e os filhos cortaram mais de 30 pinhos do mesmo local onde agora o fizeram os RR. ( resposta ao facto 23º da Base Instrutória ).
25- Os pinhos cortados estão à chuva e ao vento, pelo que irão acabar por apodrecer ( resposta ao facto 24º da Base Instrutória ).
26- O comprador dos pinhos teve despesas com deslocações de máquinas e pessoal ( resposta ao facto 25º da Base Instrutória ).
27- O R. marido deslocou-se várias vezes de Lisboa à Guarda, onde necessitou de permanecer e de estadia durante essas deslocações ( resposta ao facto 26º da Base Instrutória ).-----------------------------------
Questão Prévia:
2-3- Com as suas alegações de recurso, vieram os recorrentes juntar os documentos de fls. 282 a 319, com o fundamento de que “após o encerramento da audiência de discussão e julgamento surgiram novos elementos de prova e novas testemunhas ( que apesar de não poderem ser ouvidas, são identificadas a final ) e que por si só abalam a prova em que a decisão assentou”.
Como se sabe, a junção de documentos na fase de recurso, deve obedecer ao disposto no art. 706º do C.P.Civil. Refere esta disposição legal no seu nº 1 que as partes podem juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o art. 524º, ou seja, em relação aos documentos cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão em 1ª instância e aos documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior. Podem ainda ser juntos às alegações, segundo o referido art. 706º nº 1, os documentos cuja junção apenas se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. Evidentemente que os dois primeiros casos excepcionais não se verificam no caso vertente. Com efeito, é absolutamente claro que a impossibilidade de junção até ao encerramento da discussão em 1ª instância não está demonstrada ( note-se que os documentos são de 1986 e anteriores a este ano, sendo que um deles é mera repetição do documento junto pelos AA. ao processo de procedimento cautelar apenso, a fls. 12 e segs.), sendo também certo que a superveniência da ocorrência de factos ou a necessidade de junção por evento posterior, estão daqui, patentemente, ausentes.
No que toca ao terceiro caso, diga-se que, pelo facto de a sentença ter sido desfavorável aos apelantes, isso não é motivo, só por si, suficiente, para se admitir a junção dos documentos. É que a necessidade de junção por via do julgamento efectuado, só se verifica, quando pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se torne necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes da decisão ser proferida, significando o advérbio «apenas» inserto no indicado normativo, que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes da prolacção da decisão de 1ª instância ( vide Ac. do STJ de 12-1-94, BMJ 433, pág. 467 ), situação que, igualmente, se não verifica no caso vertente.
Além disso, somos em crer que tais documentos são irrelevantes para os fins pretendidos pela apelante, isto é, impugnar a decisão sobre a matéria de facto dada como assente. Com efeito, para além de os apelantes não impugnarem correctamente a matéria de facto ( já que não especificam, como deviam, os factos da base instrutória que querem atacar - art. 690º A nº 1 al. a) do C.P.Civil -), nunca qualquer alteração se poderia concretizar, visto que existem outras elementos de prova a ponderar, sendo que esses documentos não são, por si só, determinantes no sentido de qualquer alteração.
Mostrando-se os documentos desnecessários para os fins em vista, também por este prisma a junção não é de aceitar ( arts. 706º nº 3 e 543º nº 1 do C.P.Civil ).
De resto, não tendo incidido o contraditório sobre os documentos, dificilmente o seu conteúdo poderia ser aceite sem qualquer juízo crítico.
Por isso, não se admite a sua junção, indo-se ordenar o seu desentranhamento e a sua entrega à parte.
2-4- Como se vê, o objecto do presente litígio entre os AA. e os RR. diz respeito à área de cada um dos seus prédios. Tanto os AA. como os RR. defendem que o seu prédio, tem uma área superior à dos outros. Nenhuma das partes, porém, coloca em dúvida que a outra seja proprietária do prédio que referem como seu. Por isso, a questão da propriedade dos bens, está fora do objecto da demanda. Aliás, tanto AA. e RR. beneficiam da presunção de propriedade derivada do registo, a seu favor, dos prédios em questão ( art. 7º do C.R.Predial ). No que existe forte divergência entre eles, é na área que cada um dos prédios ( que confrontam entre si ) tem. Segundo os AA., o seu prédio possui a área de 13.785 m2 e o dos RR. tem uma área de cerca de 4.000 m2 ( vide p.i. ). Por sua vez os RR. sustentam que o seu prédio tem a área de 13.898,07 m2 e não a área de 4.200 m2 ( cfr. contestação ).
O Mº Juiz decidiu a questão debatida, através da presunção derivada do registo, dizendo, em síntese: “o artigo 7º do Registo Predial estabelece que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define ( cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 14/01/1993, in CJ, Ano XVIII, Tomo I, p. 105). Adequadamente analisada, esta norma contém uma presunção juris tantum de que o direito registado: a) existe e emerge do facto registado; b) pertence ao titular inscrito; c) tem determinada substância ( a que o registo define ). É certo que esta presunção como fica caracterizada, é ilidível mediante prova em contrário (cf. artigo 350º, nº 2, do Código Civil ). Todavia, na presente acção, como resulta da factualidade provada, não lograram os réus fazer tal prova, ou seja, ilidir a presunção, pelo que o prédio que os autores reivindicam, com as dimensões constantes da respectiva descrição predial, terá de se presumir ser pertença destes”.
Assim, definiu que o prédio dos AA. tem a dimensão por eles reivindicada, até porque “os réus também têm o registo a seu favor, mas relativo ao prédio apenas com a área de 4200 m2 ( tal como sustentam os autores ) teriam de ilidir a presunção derivada do registo, no que respeita ao prédio aí inscrito em nome dos autores, ou seja, provar que, pese embora os autores tenham a seu favor a presunção de que aquele prédio com a área de 13.785 m2 não lhes pertence, mas antes que parte daquele prédio é propriedade dos réus”.
Julgou assim procedente a acção e improcedente o pedido reconvencional, nos termos acima referenciados.
Não nos parece que aceitável esta posição do Mº Juiz. Isto porque, como temos vindo a entender, aliás na senda da jurisprudência que consideramos maioritária, a presunção do registo emergente do art. 7º do C.R.Predial, não abrange as circunstâncias descritivas ( tais como confrontações e áreas ) não percepcionadas oficiosamente pela autoridade. E percebe-se que assim seja, já que tais elementos são declarados pelo interessado. Assim seria algo de inexplicável que se tivessem esses elementos como factos presumidos. Como se refere lapidarmente no Ac. do S.T.J. de 29-10-92 ( in BMJ 420, 598 ) “mal se compreenderia, de resto, que, destinando-se o registo a dar sobretudo a publicidade à verificação de certos «factos jurídicos» e não a garantir os elementos de identificação dos prédios descritos, bastasse a simples indicação da área e confrontações constantes de uma descrição para, sem mais, as mesmas terem de se aceitar como factos presumidos”.
Assim consideramos que a presunção emergente do art. 7º mencionado, abrangendo o direito inscrito e a sua pertença do respectivo titular, não engloba as circunstâncias descritas não percepcionadas oficiosamente, mas apenas declaradas pelo interessado ( neste sentido, entre outros e para além do já mencionado, os Acórdãos do STJ de 23-9-2004 in Col. Jur. 2004, tomo III, pág. 23, de 11-3-99 in Col. Jur. 1999, tomo I, pág. 150, de 10-5-95 in Col. Jur. 1995, tomo II, pág. 75 ).
Nesta conformidade o decidido na sentença sobre o assunto, não se poderá manter.
Por outro lado, os factos dados como assentes, não são de molde a definir a questão das áreas dos prédios. Por isso, à falta de elementos concretos e relevantes no sentido dessa definição, tanto a acção ( na sua parte útil ) como a reconvenção terão que improceder.
De sublinhar também que, nem os AA. nem os RR., provam factos donde se possa concluir que adquiriram a propriedade sobre a área do prédio que indicam. Por outras palavras, as partes não lograram provar qualquer modo de aquisição da propriedade, em relação à área que reivindicam como sendo dos prédios que indicam.
No que toca ao pedido reconvencional, haverá a dizer que este não tem a ver, directamente, com a questão da área dos prédios. Porém, a apreciação do mesmo implica uma decisão sobre essas áreas, mais concretamente, sobre se os pinheiros alienados, se encontravam dentro da propriedade deles, RR. ou, se no interior da propriedade dos AA., questão não definida no presente processo.
Evidentemente que a parte do pedido dos AA., em que solicita que se reconheça a sua propriedade sobre o prédio identificado na al. A) dos Factos Assentes, procederá. Mas como acima se assinalou, sobre essa questão não existe contenda entre as partes, pelo que esse direito se deve reconhecer sem controvérsia e pelas razões aduzidas na douta sentença recorrida.
Apesar de isto já sair fora do âmbito do recurso, diremos que se nos afigura que existe, essencialmente, uma indefinição de estremas entre os prédios e, por isso, é que há uma divergência ( tão grande ) sobre as suas áreas. Talvez fosse bom, antes de tudo, as partes, através de elementos que porventura tenham e outros que venham a conseguir, partirem para uma delimitação de estremas11 Conferir, a propósito da delimitação ou demarcação, o disposto nos arts. 1353º e 1354º do C.Civil., podendo, assim, ficarem cientes e determinar, a área que cada um dos prédios possui. É certo que os AA. deduzem no presente processo o pedido de demarcação de estremas. Todavia, consideramos que não arquitectaram a acção dessa forma, pelo que é correcto o entendimento da douta sentença, segundo o qual, não está propriamente em causa uma qualquer demarcação mas antes uma acção de reivindicação “em que as consequências que os autores pretendem, afinal, com esta acção é que aquela parte do seu prédio seja restituído à sua posse e propriedade, sendo reconhecidos proprietários do prédio com aquela área, ficando prejudicada a demarcação das estremas”. Mas mesmo que assim não fosse, por evidente carência de elementos factuais nesse sentido, nunca os presentes autos poderiam permitir proceder a essa definição de estremas.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, dá-se parcial provimento ao recurso, revoga-se parcialmente a decisão recorrida e em consequência:
a) Condena-se os RR. a reconhecerem a propriedade dos AA. sobre o prédio rústico denominado de Campeiro ou Tapada da Rocha, composto de terra de pinhal, sito na freguesia dos Trinta, concelho da Guarda, descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o nº15 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 564.
b) Julga-se improcedentes por não provados os restantes pedidos da acção e da reconvenção, absolvendo-se deles, os RR. e os AA..
Desentranhe-se e entregue-se à parte os documentos juntos com as alegações.
Custas na apelação pelos apelantes e apelados em partes iguais e na acção por AA. e RR. na proporção do respectivo vencimento.