Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
850/03.6TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HEITOR VASQUES OSÓRIO
Descritores: ARGUIDO
DEFENSOR
RECURSO
Data do Acordão: 06/25/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEGISLAÇÃO: ARTIGOS 62.º E 63.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; 4.º E 5.º DO DECRETO-LEI N.º 28/92, DE 27.02
Sumário: I. - A obrigatoriedade de defensor em determinados actos do processo tem uma função de garantia, de controlo da legalidade dos actos e de assistência técnica ao arguido, possibilitando que este esteja perfeitamente informado dos seus direitos e deveres e das consequências dos seus actos no processo (Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. I, 4ª Ed., 308).
II. – Devendo a nomeação de defensor oficioso ser obrigatoriamente notificada ao arguido a lei não impõe, contudo, que essa notificação inclua a indicação da fase do processo, do acto que poderia ser praticado e do prazo em curso.
III. - Dispõe o art. 63º, nº 1, do C. Processo Penal, que o defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente a este podendo o arguido em qualquer altura retirar eficácia ao acto praticado em seu nome pelo defensor, desde que o faça por declaração expressa anterior á decisão relativa ao acto (nº 2)
III. - A obrigatoriedade de assistência por defensor assume particular relevância no âmbito do recurso, dadas as questões eminentemente técnicas que esta fase do processo suscita.
IV. - O requerimento de interposição de recurso não tem que ser subscrito pelo defensor, podendo sê-lo apenas pelo arguido devendo, no entanto, a motivação do recurso, por força do disposto no art. 32º, nº 1, c), do C. Processo Civil, aplicável ex vi, art. 4º do C. Processo Penal, ser, obrigatoriamente, subscrita por advogado.
V. – Tendo a motivação haja sido accionada sem que tenha sido subscrita pelo defensor pode a irregularidade ser sanada mediante a intervenção do defensor dentro do prazo estabelecido para a interposição do recurso.
VI. - O interveniente processual que envie um requerimento por correio electrónico simples – sem assinatura digital – ou sem validação cronológica, deve ser notificado pelo tribunal para exibir o original.
VII. - A ineficácia de acto processual praticado através de correio electrónico, por inobservância dos legais requisitos de forma, pressupõe a prévia notificação determinada pelo juiz para a exibição dos originais.
VIII. - A simples omissão do dever de apresentação dos originais não tem como efeito imediato a invalidade ou ineficácia do acto (cfr. Ac. da R. de Coimbra de 09/05/2006, proc. nº 1219/06, in http://www.dgsi.pt).
Decisão Texto Integral: Pelo 3º Juízo Criminal da comarca de Coimbra, sob acusação da assistente…, acompanhada pelo Ministério Público, que lhes imputava a prática, a cada uma, de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º, do C. Penal, foram submetidas a julgamento, em processo comum com intervenção do Tribunal singular, a arguida …, casada, professora, nascida a 16 …em Rio Tinto e residente em Baguim do Monte, e a arguida …, casada, professora, nascida …em Rio Tinto e residente em Ermesinde.
A assistente … deduziu pedido de indemnização contra as arguidas com vista à sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 1.669,81, acrescidos de juros legais desde a notificação do pedido e até integral pagamento. A Administração Regional de Saúde do Centro – Centro de Saúde de Mortágua peticionou o pagamento da quantia de € 30,80.
Na audiência de julgamento do dia 13 de Novembro de 2006 (fls. 343 e ss.), à qual não compareceu a arguida …, apesar de devidamente notificada, foi proferido despacho ordenando o desentranhamento de dois requerimentos subscritos pessoalmente pelas arguidas, suscitando questões de direito e contestando, quando tal já havia sido feito pela Ilustre Defensora Oficiosa, e condenadas as arguidas nas custas do incidente.
A 17 de Novembro de 2006 (fls. 360), a arguida …. requereu pessoalmente que lhe fosse notificado por escrito aquele despacho, a fim de o poder compreender e sendo disso caso, de dele interpor recurso.
No mesmo dia 17 de Novembro de 2006 (fls. 361), a arguida … requereu pessoalmente que fosse facultada cópia das gravações áudio relativas aos depoimentos prestados em audiência.
Também no mesmo dia 17 de Novembro de 2006 (fls. 362), a arguida … requereu pessoalmente a justificação da falta à audiência de 13 de Novembro, juntando atestado médico e invocando uma comunicação verbal.
Ainda no mesmo dia 17 de Novembro de 2006 (fls. 366 a 367), a arguida … requereu pessoalmente que lhe fosse notificado onde e como poderia efectuar a consulta do processo.
Na audiência de julgamento do dia 20 de Novembro de 2006 (fls. 368 e ss.), a que compareceram as arguidas, depois de assegurado o contraditório, foi proferido despacho que, além do mais:
- Indeferiu a requerida notificação por escrito à arguida …, do despacho proferido na anterior sessão da audiência, e a condenou nas custas do incidente;
- Indeferiu a requerida notificação da mesma arguida indicando como e onde poderia consultar o processo, e a condenou nas custas do incidente;
- Indeferiu a justificação da falta da arguida …por não satisfazer as exigências do art. 117º, nº 4, do C. Processo Penal, o atestado médico apresentado, e a condenou, pela falta injustificada, em 2 Ucs.
Na mesma audiência de julgamento do dia 20 de Novembro de 2006, a Ilustre Defensora Oficiosa das arguidas requereu, ao abrigo do disposto no art. 340º, do C. Processo Penal, a inquirição de seis testemunhas, todas presentes no tribunal.
Depois de assegurado o contraditório, foi proferido despacho que indeferiu o requerido por não estar demonstrado que as referidas testemunhas tinham conhecimento directo dos factos e não estar demonstrada a impossibilidade da sua indicação no prazo previsto no art. 315º do C. Processo Penal.
No dia 29 de Novembro de 2006 (fls. 387), a arguida …, alegando que a sua Defensora Oficiosa se havia recusado a defender as pretensões que expressou nos diversos requerimentos que subscreveu e que foram indeferidos, porque pretendia impugnar tais indeferimentos e aquela a informou de que ia pedir escusa e por isso, perdeu a necessária confiança, requereu pessoalmente (fls. 391) a nomeação de novo defensor.
No mesmo dia 29 de Novembro de 2006 (fls. 389), a Ilustre Defensora Oficiosa das arguidas solicitou escusa do cargo, anexando envelope dirigido ao Presidente do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados.
No dia 30 de Novembro foi proferido despacho (fls. 390), convidando a arguida … a indicar defensor da sua preferência, e a manter a Ilustre Defensora nomeada em funções até à sua substituição.
A 4 de Dezembro de 2006 (fls. 392), a arguida … requereu pessoalmente, pelos mesmos fundamentos da co-arguida, a nomeação de um novo defensor.
A 6 de Dezembro de 2006, por correio electrónico (fls. 400 e ss.), a arguida … interpôs recurso do despacho que lhe injustificou a falta dada à audiência do dia 13 de Novembro, encontrando-se o original da motivação (fls. 406 e ss.) subscrito pela arguida.
A 20 de Dezembro de 2006 (fls. 418), a arguida …., em requerimento não assinado, veio renunciar ao direito de estar presente no acto da leitura da sentença.
Também no dia 20 de Dezembro de 2006 (fls. 419), a arguida …, igualmente em requerimento não assinado, invocando o dever de cooperação e princípio da economia processual juntou o que designou por teor escrito das suas declarações para facilitar a passagem da certidão requerida.
No dia 21 de Dezembro de 2006 (fls. 422), a arguida…, invocando ter sofrido um acidente em serviço no dia anterior, em requerimento não assinado, veio renunciar ao direito de estar presente no acto da leitura da sentença.
Na audiência do dia 21 de Dezembro de 2006 (fls. 429 e ss.), à qual não compareceram as arguidas, foi proferido despacho que:
- Não admitiu o recurso interposto pela arguida …a fls. 400 e ss. e 406 e ss. por a respectiva motivação não se encontrar subscrita pela sua Ilustre Defensora Oficiosa, condenando-a nas custas do incidente;
- Condenou cada uma das arguidas em 2 Ucs, caso não justificassem a falta respectiva nos termos e prazos legais;
- Ordenou o desentranhamento do documento junto pela arguida …, com o requerimento de fls. 419, condenando-a nas custas do incidente.
Seguidamente, foi proferida a sentença de fls. 424 e ss., que condenou cada uma das arguidas, pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º, nº 1, do C. Penal, na pena de 75 dias de multa à taxa diária de € 12, o que perfaz a multa global de € 900 ou, subsidiariamente, 50 dias de prisão e condenou ainda cada uma das arguidas no pagamento da quantia de € 500 à assistente.
A sentença e despacho proferido na audiência de 21 de Dezembro de 2006 foram notificados, em 6 de Janeiro de 2007, à arguida …(fls. 464), e em 23 de Janeiro de 2007, à arguida … (fls. 469).
A 4 de Janeiro de 2007 (fls. 447), a arguida … veio pessoalmente requerer que lhe fosse facultada a confiança do processo em prazo a fixar e renovou o pedido de cópia dos registos áudio, a fim de poder fundamentar o recurso em matéria de facto.
Também a 4 de Janeiro de 2007 (fls. 448), a arguida … veio arguir pessoalmente a irregularidade da notificação que lhe foi feita para proceder ao pagamento da taxa de justiça da sua responsabilidade, pela condenação de fls. 370 a 371, sem que lhe tenha sido enviada tal decisão e a data do respectivo transito, e ainda que lhe fosse entregue cópia dos registos áudio, a fim de poder impugnar a matéria de facto.
Em 5 de Janeiro de 2007 (fls. 449), o Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados informa nada ter a opor à dispensa do patrocínio apresentada pela Ilustre Defensora Oficiosa das arguidas.
A 9 de Janeiro de 2007 (fls. 451), a arguida …, em requerimento não assinado, informa não ter logrado encontrar defensor que aceite representá-la, renova a perda de confiança na Defensora Oficiosa nomeada, e requer de novo a nomeação de outro defensor.
Também a 9 de Janeiro de 2007 (fls. 453), a arguida …veio pessoalmente requerer a justificação da falta à audiência do dia 21 de Dezembro de 2006, invocando uma comunicação verbal e juntando atestado médico, e ainda juntar o original devidamente assinado por si, do requerimento de fls. 419.
A 10 de Janeiro de 2007 (fls. 458), a arguida …veio pessoalmente, além do mais, requerer a justificação da falta à audiência do dia 21 de Dezembro de 2006, invocando uma comunicação verbal e juntando atestado médico, e ainda juntar o original devidamente assinado por si, do requerimento de fls. 422
A 6 de Fevereiro de 2007 (fls. 470), a arguida …veio, em requerimento não assinado, mais uma vez, e invocando agora o justo impedimento, por nada ter feita a Defensora Oficiosa nomeada, requerer a nomeação de novo defensor, a fim de poder impugnar os actos de indeferimento.
A 6 de Fevereiro de 2007, por correio electrónico (fls. 473), a arguida…, requer também, em requerimento não assinado, a nomeação de novo defensor, para os mesmos fins.
Também a 6 de Fevereiro de 2007, por correio electrónico (fls. 476 e ss.), a arguida …interpôs recurso do despacho proferido na audiência de 21 de Dezembro de 2006, bem como da sentença condenatória na mesma audiência publicitada, encontrando-se o original da motivação (fls. 485 e ss.) subscrito apenas pela arguida.
A 13 de Fevereiro de 2007 (fls. 483), a arguida …requereu pessoalmente a nomeação de novo defensor a fim de impugnar os actos de indeferimento.
Por despacho de 21 de Fevereiro de 2007 (fls. 493) foi, além do mais, determinado que se solicitasse à Ordem dos Advogados defensor às arguidas, ficando desde logo nomeado o indicado.
A 6 de Março de 2007 (fls. 503), o Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados informa ter nomeado defensora às arguidas a Sra. Dra. ….
A 7 de Março de 2007 (fls. 504 e v.) foi proferido despacho, nomeando defensora às arguidas a Sra. Dra. … e declarando cessadas as funções da Sra. Dra. …, indeferindo o requerimento da arguida … de fls. 448, onde solicitava a notificação por escrito da decisão que a havia condenado no pagamento de taxa de justiça, por a decisão ter sido proferida na presença da requerente e por já se encontrar paga a quantia em questão, e indeferindo as justificações das faltas das arguidas à audiência de 21 de Dezembro de 2006, por extemporaneidade da junção dos atestados médicos.
No mesmo despacho não foi admitido o recurso interposto pela arguida … a fls. 476 e ss e 485 e ss. por a respectiva motivação não se encontrar subscrita pela sua Ilustre Defensora Oficiosa, condenando-a nas custas do incidente.
A Ilustre Defensora Oficiosa nomeada e as arguidas foram notificadas deste despacho, presumidamente, no dia 14 de Março de 2007 (fls. 505, 507 e 508).
A 13 de Março de 2007 foram enviadas à arguida … (fls. 510), quatro cassetes áudio com cópia dos depoimentos prestados nas audiências de julgamento.
A 21 de Março de 2007 (fls. 515) a arguida … veio invocar a nulidade da notificação do despacho de fls. 504, por a mesma não se fazer acompanhar das folhas do processo referidas naquele, e ainda que, apesar de lhe ser notificada a nomeação de nova Defensora, não se indicar o seu domicílio profissional e contactos.
Em 23 de Março de 2007 a secção rectificou oficiosamente o lapso relativo à omissão dos elementos de contacto da Defensora nomeada, tendo as arguidas sido notificadas, presumidamente, no dia 28 de Março de 2007 (fls. 519 e 520).
Em 24 de Abril de 2007 (fls. 535), a Ilustre Defensora nomeada, Sra. Dra. …, requereu escusa do cargo, por no dia anterior – 23 de Abril de 2007 – ter sofrido uma entorse no tornozelo direito (fls. 536).
Também a 24 de Abril de 2007, por correio electrónico (fls. 538), a arguida …, em requerimento não assinado, alegando que a Defensora nomeada, por razões alheias à sua vontade, estava impedida de interpor recursos o que constituía justo impedimento, e porque pediu já escusa, fazendo perder a necessária confiança, requereu a nomeação de novo defensor.
Por despacho de 30 de Abril de 2007 (fls. 540), foi solicitada a designação de novo defensor.
Também a 30 de Abril de 2007 (fls. 541), o Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados indicou para Defensora das arguidas a Sra. Dra. ….
A 7 de Maio de 2007 (fls. 545 e 547), as arguidas, em requerimentos não assinados, requereram a nomeação de novo defensor, a fim de impugnarem a notificação para pagamento de custas e multas.
A Ilustre Defensora Oficiosa nomeada, Sra. Dra. …, e as arguidas foram notificadas da designação da primeira, presumidamente, no dia 11 de Maio de 2007 (fls. 549, 550 e 551).
A 28 de Maio de 2007 (fls. 558), a Ilustre Defensora nomeada, alegando que nunca tendo sido contactada pelas arguidas para elaboração de recurso devidamente fundamentado, pediu escusa do cargo.
Por despacho de 29 de Maio de 2007 (fls. 559), foi solicitado à Ordem dos Advogados que se pronunciasse sobre o pedido de escusa, e ordenada a notificação da Ilustre Defensora no sentido de que se mantinha em funções até ser substituída.
A 15 de Junho de 2007 (fls. 568), a Ordem dos Advogados informou nada ter a opor ao pedido de escusa, e em 20 de Junho de 2007 (fls. 574), designou para defensor o Sr. Dr. ….
O Ilustre Defensor Oficioso nomeado e as arguidas foram notificadas da designação do primeiro, presumidamente, no dia 28 de Junho de 2007 (fls. 575, 576 e 577).
A 26 de Junho de 2007 (fls. 580), por correio electrónico, a arguida …, em requerimento não assinado, veio requerer, ainda relativamente à Sra. Dra. …, a nomeação de novo defensor, pois pretende interpor recurso.
A 10 de Julho de 2007 (fls. 588 e 590), as arguidas …, … por correio electrónico, e em requerimentos não assinados, vieram requerer que lhes fosse notificado o endereço profissional do defensor nomeado, Sr. Dr. … porque o mesmo terá mudado de endereço, não sendo já o que constava da notificação para o efeito feita.
A 8 de Agosto de 2007 (fls. 592), o Ilustre Defensor nomeado, Sr. Dr. …, invocando divergências com as arguidas relativamente à condução da defesa, pediu dispensa do patrocínio, por entender já não ser possível interpor recurso, quer da sentença, quer dos despachos proferidos nos autos, contrariamente ao entendimento das arguidas.
A 3 de Setembro de 2007, por correio electrónico (fls. 593), a arguida …, em requerimento não assinado, invocando a recusa do defensor em defender as suas pretensões, requereu a nomeação de novo defensor.
Por despacho de 6 de Setembro de 2007 (fls. 591), foi solicitada à Ordem dos Advogados a designação de novo defensor, que desde logo se nomeou.
A 17 de Setembro de 2007 (fls. 598), a Ordem dos Advogados designou a Sra. Dra. …como defensora das arguidas.
A Ilustre Defensora Oficiosa nomeada e as arguidas foram notificadas da designação da primeira, presumidamente, no dia 24 de Setembro de 2007 (fls. 599, 600 e 602).
A 9 de Outubro de 2007, por correio electrónico (fls. 608), a arguida …, em requerimento não assinado, invocando a recusa da defensora, Dra. …, em defender as suas pretensões, requereu a nomeação de novo defensor.
Por despacho de 24 de Outubro de 2007 (fls. 623) foi ordenado que a secção informasse se haviam sido remetidos pelo correio os originais dos requerimentos que chegaram por correio electrónico.
A 30 de Outubro de 2007 a secção informou negativamente, tendo de imediato (fls. 625) sido proferido o despacho que se transcreve:
Considerando:
1 – A situação decorrente das diversas substituições de defensores nomeados às arguidas;
2 – Os diversos requerimentos que chegaram ao processo, por correio electrónico sem junção dos respectivos originais devidamente assinados;
3 – Contabilizando o tempo decorrido desde a leitura da sentença, depósito e notificação da mesma.
Por forma a evitar decisões surpresa e assegurar, efectivamente, o contraditório:
- Notifique o Ilustre Mandatário da assistente e a Ilustre Defensora Oficiosa das arguidas para, querendo, em dez dias, se pronunciarem acerca do trânsito em julgado da sentença proferida nos presentes autos e bem assim da admissibilidade/inadmissibilidade dos aludidos requerimentos cujos originais, devidamente assinados, não foram remetidos a este tribunal.
Para o mesmo efeito, abra vista ao Ministério Público.
(…)”.
Depois de a assistente, as arguidas e o Ministério Público se terem pronunciado, foi em 28 de Novembro de 2007 proferido o despacho que se transcreve:
Fls 640:
Notificada nos termos ordenados a fls 640, a Ilustre Defensora Oficiosa veio sustentar que a sentença proferida nos presentes autos não transitou em julgado em consequência, entende que:
- deverá notificar-se a actual defensora oficiosa das arguidas da fase processual em que se encontra o processo e do prazo para interposição de recurso;
- ou, caso assim se não entenda, deverá ordenar-se a notificação da defensora oficiosa agora nomeada, fixando-lhe prazo, para ratificar o processado (o recurso apenas assinado pela arguida), com a cominação de, se nada disser ou fizer, o recurso não ser admitido.
Mais acrescenta que deverá proceder-se à notificação para junção dos originais dos requerimentos enviados pelas arguidas por correio electrónico.
Tendo em conta a data em que foi efectuado o deposito da sentença proferida nos presentes autos, ponderadas as diversas vicissitudes e demais substituições de sucessivos defensores nomeados, o certo é que o prazo para interposição de recurso da sentença se mostra ultrapassado.
No entanto, tal questão não se discute neste despacho.
Com efeito, caso as arguidas, representadas pela Ilustre Defensora Oficiosa, entendam que ainda estão em tempo devem apresentar o respectivo recurso e então será proferido despacho em conformidade.
No que respeita à pretendida notificação da actual defensora oficiosa das arguidas da fase processual em que se encontra o processo e do prazo para interposição de recurso tal pretensão não tem suporte legal nem justificação objectiva; além disso, é suposto que a Distinta Advogada o tenha percebido ao consultar o processo.
Quanto à clamada notificação para a Ilustre Defensora ratificar o processado não se vê razão legal para tanto e, caso a mesma entendesse que o poderia fazer, poderia tê-lo feito sem necessidade de notificação para tanto.
Relativamente à notificação para a junção dos originais dos requerimentos enviados em nome das arguidas (e diz-se "em nome" porque nada demonstra que os requerimentos tenham sido enviados pelas mesmas, já que do dito correio electrónico não há certificação nem indicação credível de origem) não há qualquer fundamento para que o tribunal o deva fazer e o invocado DL nº 28/92, não se aplica a esta situação concreta.
Em suma, indefiro as requeridas notificações.
Notifique.
(…)”.
Inconformadas com esta decisão, as arguidas dela interpuseram recurso, subscrito pela Ilustre Defensora nomeada, formulando no termo da respectiva motivação, as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“ (…).
1) O Mmo. Juiz indeferiu o requerimento formulado pelas ora recorrentes, apenas referindo que: " (…) pretensão não tem suporte legal nem justificação objectiva (…) não se vê razão legal para tanto. "
2) Ora, dispõe o nº 5 do art. 97º, do Código Processo Penal, que "Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão."
3) No mesmo sentido, o art. 205º Constituição da República Portuguesa estatui que: "As decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei."
4) Deste modo, o douto despacho encontra-se sujeito ao dever geral de fundamentação que onera o Mmo. Juiz e que constitui "garantia integrante do próprio conceito de Estado de Direito Democrático (…), como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso" como referem Vital Moreira e Gomes Canotilho, in CRP Anotada, 2ª Edição, 798-9.
5) Qualquer interpretação em sentido diverso das referidas normas está ferida de inconstitucionalidade.
6) Mais a mais, no douto despacho, refere-se que: "No que respeita à pretendida notificação da defensora oficiosa das arguidas da fase processual em que se encontra o processo e do prazo para interposição de recurso tal pretensão não tem suporte legal nem justificação objectiva."
7) Uma vez mais, não existe qualquer argumentação animada do intuito de justificar ou demonstrar a irrazoabilidade do requerido pelas arguidas, apenas se proferindo uma decisão meramente tabelar.
8) O mesmo vício – insuficiência de fundamentação – torna-se também evidente quando no douto despacho se indeferem as notificações da Defensora Oficiosa das arguidas para ratificação do processado bem como da junção dos originais dos requerimentos enviados pelas mesmas, através de correio electrónico, já que, por uma outra vez, não se ensaia qualquer motivação jurídica que alicerce a decisão.
9) Ou seja, é patente a violação pela decisão recorrida das normas convocadas, designadamente o n.º 5 do art. 97º do CPP, bem como o art. 205º da CRP.
10) Por outro lado, o douto despacho sustenta o indeferimento das notificações das arguidas invocando a falta de pretensão legal;
11) Discorda-se veementemente desta posição, uma vez que as referidas notificações têm como fundamento legal e objectivo as garantias de defesa das arguidas, consagradas no art. 32º, nº 1 da CRP, que dispõe: "O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso."
12) Ora, o único intuito das arguidas foi salvaguardar o seu direito de recurso, uma vez que à data se encontravam entre nomeações de defensores oficiosos.
13) No entendimento das recorrentes, o Tribunal, ao proceder à notificação da nomeação oficiosa, deveria simultaneamente notificar o defensor para o prazo que estava a decorrer, bem como do acto que poderia praticar, sob pena de imolar o sobredito preceito constitucional.
14) Por outro lado, segundo o disposto no art. 98º, nº 1 do CPP, "O arguido, ainda que em liberdade, pode apresentar exposições, memoriais e requerimentos em qualquer fase do processo, embora não assinados pelo defensor, desde que se contenham dentro do objecto do processo ou tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais. As exposições, memoriais e requerimentos do arguido são sempre integradas nos autos. "
15) Deste modo, ainda que se entendesse que a arguida não poderia subscrever o recurso, haveria sempre lugar à regularização do acto, em conformidade com os arts. 33º e 40º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 4º do CPP, dado que se está perante uma falta ou irregularidade de mandato que pode, e deve, ser suprida.
16) Por fim, relativamente aos requerimentos devidamente assinados, cujos originais não foram remetidos ao Tribunal, tal configura uma mera irregularidade processual que não afecta a validade dos mesmos.
17) Por isso, o art. 4º, nº 5, do Decreto-Lei n" 28/92, de 27 de Fevereiro, aplicável ex vi Portaria nº 642/2004 de 16 de Junho "Não aproveita à parte o acto praticado através de telecópia quando aquela, apesar de notificada para exibir os originais, o não fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos ou o confronto a que alude o art. 385. o do Código Civil." (itálico e sublinhado da signatária), encontra-se violado, atenta a inexistência do convite a que o respectivo texto alude.
18) De todo o modo, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 64º, alínea d) e art. 98º, nº 1 do CPP, as arguidas entendem ter legitimidade para subscrever o recurso.
19) As arguidas sublinham ainda, face a todo o exposto, que a sentença proferida nos autos, não transitou em julgado.
Nestes termos, e na procedência do presente recurso, deve ser revogado o douto despacho recorrido e proferido Acórdão que acolha a orientação dimanada das conclusões elaboradas, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
(…)”.
Por requerimento de fls. 662 a 663 a Ilustre Defensora Oficiosa veio aos autos dizer ter havido lapso na interposição do recurso em nome das duas arguidas, já que apenas o pretendia fazer relativamente à arguida…, requerendo que o recurso fosse apenas admitido em relação a esta arguida.
A assistente não respondeu ao recurso.
A Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso, alegando que o despacho recorrido se mostra fundamentado e que não têm fundamento legal as pretensões das arguidas, concluindo pelo não provimento do recurso.
O Mmo. Juiz recorrido sustentou o seu despacho, e admitiu o recurso em relação à arguida.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu visto nos autos.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).
Assim, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, as questões que urge decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:
- A falta de fundamentação do despacho recorrido, em violação do art. 97º, nº 5, do C. Processo Penal e do art. 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa;
- A falta de notificação aos sucessivos defensores nomeados, da fase processual e prazos em curso consubstancia uma violação das garantias de defesa, consagradas no art. 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa;
- A possibilidade de ser suprida a irregularidade do recurso interposto pessoalmente pela arguida …, por ratificação do processado do defensor oficioso que para tal efeito, deverá ser notificado;
- A aplicação do art. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro, por força do art. 10º, da Portaria nº 642/2004, de 16 de Junho, aos requerimentos apresentados por correio electrónico, e a consequente notificação das arguidas para apresentarem os originais assinados.
Da falta de fundamentação do despacho recorrido
1. Pretende a recorrente que o despacho recorrido carece de fundamentação, assim se mostrando violados os arts. 97º, nº 5, do C. Processo Penal e 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Dispõe o art. 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Trata-se de uma garantia do Estado de Direito democrático, pois é através da fundamentação que, por um lado, se alcança o efectivo controlo da legalidade do acto, e por outro, o convencimento dos seus destinatários e da comunidade, em geral, sobre a sua bondade e conformidade com o direito, e por outro ainda, através da ponderação que a elaboração da fundamentação exige, o auto-controlo do julgador (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª Ed., 19 e ss.).
No entanto, a Lei Fundamental relegou para a lei ordinária a fixação da amplitude do dever de fundamentação (parte final do nº 1 do art. 205º).
Os actos decisórios dos juízes revestem a forma de sentença quando conhecem a final do objecto do processo, e revestem a forma de despacho, quando conhecem de quaisquer questões interlocutórias ou põem termo ao processo sem, contudo, conhecerem do seu objecto (art. 97º, nº 1, a) e b), do C. Processo Penal).
Não são actos decisórios os actos de mero expediente nem os actos que não corporizam a solução de qualquer questão.
A decisão recorrida é, não carecendo a afirmação de demonstração, um acto decisório, que reveste a forma de despacho, devendo por isso ser fundamentada (art. 97º, nº 5, do C. Processo Penal).
E adiantando a resposta à questão suscitada, entendemos que o despacho em crise se encontra fundamentado, ainda que de forma sintética.
Com efeito, o dever de fundamentação das decisões judiciais não apresenta sempre o mesmo nível de exigência para todos os actos decisórios, antes variando em função da respectiva natureza e complexidade. Bem se compreende que assim seja, bastando para tanto pensar que o nível de exigência de fundamentação que razoavelmente se impõe a uma sentença, enquanto acto que decide a causa, não pode ser o mesmo o nível de exigência imposto a um despacho que conhece apenas de questões secundárias, ainda que de importância relativa.
Ora, no despacho em crise, verificamos que o Mmo Juiz indeferiu as notificações que as arguidas pretendiam que lhes fossem feitas, entenda-se, à sua Ilustre Defensora Oficiosa, fundamentando a decisão expressando o entendimento de que as mesmas não têm suporte legal nem justificação objectiva sendo suposto que a Ilustre Defensora Oficiosa tenha percebido o estado do processo, e que não é sequer aplicável à pretendida notificação para a junção dos originais dos requerimentos enviados por correio electrónico, o disposto no Dec. Lei nº 28/92).
Não é, obviamente, uma fundamentação extensa, mas é a bastante para os destinatários da decisão perceberem o seu sentido e razão ou seja, o que se decidiu e por que assim se decidiu.
Questão diferente, é a de se concordar ou não com a decisão.
Concluindo, o despacho recorrido mostra-se fundamentado, pelo que não enferma da irregularidade (arts. 118º, nº 2 e 123º, do C. Processo Penal) de falta de fundamentação, nem se mostram violados os arts. 32º, nº 1, e 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Da falta de notificação da fase processual e prazos em curso aos sucessivos defensores oficiosos nomeados
2. Pretende a recorrente que a não notificação aos defensores oficiosos da fase processual e prazos em curso, a quando da respectiva nomeação, consubstancia uma violação das garantias de defesa, consagradas no art. 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Como é sabido, no art. 32º da Lei Fundamental está contida a constituição processual criminal.
E é certo que no seu nº 1 se dispõe que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. Mas como doutrinam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4º Ed., Revista, 516) “A fórmula do nº 1 é, sobretudo, uma expressão condensada de todas as normas restantes deste artigo, que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. Todavia, este preceito introdutório serve também de cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal.”.
No nº 3 do art. 32º citado dispõe-se que o arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória. E é no âmbito desta garantia constitucional que a questão se perspectiva.
Estabelece o art. 62º, do C. Processo Penal que o arguido pode constituir advogado em qualquer altura do processo (nº 1). Nos casos em que a lei impõe a assistência do defensor, é obrigatória a sua nomeação, se o arguido não tiver advogado constituído nem defensor já nomeado (art. 64º do C. Processo Penal).
A obrigatoriedade de defensor em determinados actos do processo tem uma função de garantia, de controlo da legalidade dos actos e de assistência técnica ao arguido, possibilitando que este esteja perfeitamente informado dos seus direitos e deveres e das consequências dos seus actos no processo (Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. I, 4ª Ed., 308).
Na verdade, enquanto a defesa pessoal é exercida pessoalmente pelo arguido, a defesa técnica é actuada pelo defensor, onde a preparação técnica deste assume papel de primordial importância.
Por isso, o arguido só pode constituir como defensor um advogado (art. 62º, nº 1, do C. Processo Penal), bem como só um advogado ou um advogado estagiário lhe pode ser nomeado como defensor (art. 39º e ss. da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho).
A nomeação de defensor é notificada ao arguido e ao defensor quando não estiverem presentes no acto (art. 66º, nº 1, do C. Processo Penal).
Em lado algum se prevê, nesta notificação, a indicação da fase em que se encontra o processo, do acto que poderia ser praticado, e do prazo em curso. E a verdade é que, se a lei previsse tal notificação, isso significaria necessariamente, um atestado de menoridade profissional a todo e qualquer defensor nomeado pois os advogados são técnicos de direito, seguramente competentes e por isso, habilitados a, pela simples consulta do processo, determinarem a fase em que se encontra o processo, os actos que podem ser praticados pela defesa e o prazo que para tanto ainda dispõem.
Naturalmente que aquela consulta pode traduzir-se numa tarefa mais ou menos árdua e complexa, em função da própria complexidade do processo. E será esse, certamente, o caso dos autos, onde se lamenta a situação de, por razões que aqui não cabe discutir, as arguidas terem já tido, desde a instrução, seis defensores oficiosos nomeados situação que, atento o teor do requerimento de fls. 608, parece que irá persistir.
Mas em qualquer, como dissemos, um advogado, mesmo que estagiário, porque técnico de direito devidamente habilitado, sempre conseguirá apurar aqueles elementos.
Assim, não só não está prevista na lei a pretendida notificação, como não se aceita, pelas razões que se deixaram alinhadas, que a sua não realização tenha privado as arguidas das suas garantias de defesa.
Aliás, o que as arguidas, ao que parece, pretendem com a referida notificação, é dispor de novo prazo interposição do recurso pela simples nomeação de novo defensor, sem cuidarem de saber se, à luz das normas aplicáveis, existiram causas de interrupção de tal prazo e se este se extinguiu já ou não.
Sucede porém, que nunca deixaram de ter defensor, apesar das sucessivas nomeações.
Concluindo, a notificação da nomeação de defensor, a este e ao arguido, não tem que incluir informação sobre a fase em que o processo se encontra, o acto que pode ser praticado e o prazo em curso para o efeito, nem esta interpretação do art. 66º, nº 1, do C. Processo Penal viola o art. 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
Da notificação da Ilustre Defensora nomeada para ratificar o acto de interposição de recurso pessoalmente praticado pela recorrente
3. Pretende a recorrente que, a não se entender que, nos termos do art. 98º, nº 1, do C. Processo Penal, poderia subscrever o recurso que interpôs, sempre deveria ter sido notificada a sua Ilustre Defensora oficiosa para, em prazo a fixar, ratificar o recurso com a cominação de que, se nada disser, o mesmo não será admitido.
Como ponto prévio, cabe dizer que não é exacta a afirmação da recorrente, constante da motivação do recurso, de que “não foi sequer proferido despacho quanto à admissão do recurso interposto pela arguida M…, em 13 de Fevereiro de 2007.”.
Com efeito, a 13 de Fevereiro de 2007 (fls. 485 e ss.) – talvez melhor dito fora, a 6 de Fevereiro de 2007, data em que foi apresentado por correio electrónico (fls. 476 e ss.) – a arguida … interpôs recurso, por si subscrito, tendo por objecto vários despachos que a condenaram em custas e a sentença proferida nos autos.
Por despacho de 7 de Março de 2007 (fls. 504 e v.), notificado às arguidas e sua Ilustre Defensora oficiosa (Sra. Dra. …) a 14 de Março de 2007 (fls. 505, 507 e 508), não foi admitido o recurso interposto pela arguida … a fls. 476 e ss. e 485 e ss. isto é, não foi admitido o recurso interposto, além do mais, da sentença condenatória.
3.1. A Constituição da República Portuguesa consagra no seu art. 52º, nº 1, o direito de petição. Trata-se de um direito político através do qual os cidadãos podem dirigir-se aos órgãos de soberania ou a qualquer outra autoridade pública, para defesa de direitos pessoais, da própria Constituição, das leis ou de interesses gerais (Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, Vol. I, 4ª Ed., Revista, 693 e ss.).
O art. 98º do C. Processo Penal veio concretizar, ao nível do processo, o exercício deste direito, no sentido de que o arguido pode apresentar exposições, memoriais e requerimentos, em qualquer fase do processo, embora não assinados pelo defensor, desde que se contenham dentro do objecto daquele ou tenham por fim a salvaguarda dos seus direitos fundamentais (nº 1).
No entanto, o requerimento de interposição de recurso não se inclui nos requerimentos previstos neste artigo, pois tratando-se de um específico direito do arguido, a regulamentação própria que tem noutros preceitos do C. Processo Penal, determina a intervenção obrigatória do defensor na peça recursória, como adiante veremos.
3.2. O art. 61º, do C. Processo Penal contém o que podemos designar, grosso modo, pelo estatuto do arguido isto é, o conjunto dos principais direitos e deveres processuais que lhe assistem.
E entre outros, assiste ao arguido o direito de recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis (nº 1, i), do artigo citado).
Mas um outro direito que lhe assiste é o de constituir advogado ou solicitar a nomeação de defensor (art. 61º, nº 1, e), do C. Processo Penal), prevendo a lei uma série de situações em que é obrigatória a assistência de defensor, entre elas, nos recursos ordinários ou extraordinários (art. 64º, nº 1, d), do C. Processo Penal).
Por sua vez, dispõe o art. 63º, nº 1, do C. Processo Penal, que o defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente a este. Mas o arguido pode sempre retirar eficácia ao acto praticado em seu nome pelo defensor, desde que o faça por declaração expressa anterior á decisão relativa ao acto (nº 2).
A obrigatoriedade de assistência por defensor prende-se com a necessidade de assegurar que o arguido, além do mais, tem uma defesa eficaz, exigência que se torna particularmente notada no âmbito do recurso, dadas as questões eminentemente técnicas que esta fase do processo suscita.
A este respeito, entende o Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, Vol. I, 4ª Ed., 315), que o recurso pode ser interposto pelo próprio arguido e sendo-o, não tendo aquele defensor, deve ser-lhe nomeado um, dadas as questões eminentemente técnicas que esta fase processual comporta.
Por nossa parte, entendemos que o simples requerimento de interposição de recurso não tem que ser subscrito pelo defensor, podendo sê-lo apenas pelo arguido. Mas a motivação do recurso, por força do disposto no art. 32º, nº 1, c), do C. Processo Civil, aplicável ex vi, art. 4º do C. Processo Penal, tem que obrigatoriamente, ser subscrita por advogado.
Desta forma, podendo o recurso ser interposto sem motivação – declaração em acta – pode sê-lo pessoalmente pelo arguido, ainda que a motivação posteriormente apresentada tenha que ser subscrita por advogado. Nos outros caso, o requerimento de interposição do recurso pode ser subscrito pelo arguido mas a motivação que necessariamente o acompanha, tem que ser subscrita por advogado. Ou seja, onde é imprescindível a intervenção de advogado é na motivação do recurso, devendo entender-se o art. 64º, nº 1, d), do C. Processo Penal, no sentido que fica exposto.
Assim, o arguido não pode recorrer sozinho das decisões que lhe são desfavoráveis, tendo que constituir advogado ou fazer-se assistir do seu defensor, que interporá e acompanhará o recurso em seu nome (Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 96).
E a este respeito, o Tribunal Constitucional, no acórdão 461/2004 (in http://wwwtribunalconstitucional.pt) pronunciou-se no sentido de não ser inconstitucional a obrigatoriedade de patrocínio na apresentação da motivação do recurso, nele se podendo ler, “A norma em causa (art. 32, nº 1, c), do C. Processo Civil), ao exigir patrocínio por advogado para a subscrição da motivação de recurso em processo penal, visa garantir a intervenção (no caso, perante um tribunal de recurso) de profissionais devidamente qualificados, assegurando a devida preparação técnica e o respeito pelos princípios deontológicos da profissão, cujo cumprimento cabe à Ordem dos Advogados assegurar, bem como, por outro lado, assegurar no recurso uma defesa, além de tecnicamente preparada, desapaixonada, serena e desinteressada do arguido, não contendo, pois, qualquer ofensa ou restrição inconstitucional às garantias de defesa ou a outras normas ou princípios constitucionais.”.
Recorrendo o arguido sem que a motivação se mostre subscrita pelo seu defensor, não temos dúvidas de que a situação pode ser regularizada, através da intervenção deste, dentro do prazo estabelecido para a interposição do recurso.
E podê-lo-á ser depois e passado este prazo, ou a falta de patrocínio terá neste caso, efeito preclusivo imediato?
Ainda que a questão não seja completamente líquida – pois a recorrente teve sempre, atento o disposto no art. 66º, nº 4, do C. processo Penal, defensor em exercício – aceitamos que, por aplicação do princípio decorrente do disposto no art. 33º do C. Processo Civil, aplicável ex vi, art. 4º do C. Processo Penal, possa ser ordenada a notificação do arguido recorrente para fazer intervir no recurso o seu defensor. E só no caso de não vir a ser regularizada a situação, no seguimento da notificação feita, deverá ser considerada a motivação como inexistente e o recurso não admitido.
Mas já nos parece que não deve ser notificado o defensor para tal efeito, quando o mesmo tem conhecimento da situação e não vem aos autos subscrever a motivação apresentada pelo seu defendido.
Em todo o caso, a notificação pretendida pela recorrente não se mostra processualmente viável pois, como atrás deixámos dito, o recurso motivado apresentado pessoalmente pela recorrente não foi admitido por despacho devidamente notificado às arguidas e à sua Ilustre Defensora oficiosa, despacho este contra o qual não foi deduzida reclamação, nos termos do art. 405º, do C. Processo Penal.
Concluindo, ainda que por razões não coincidentes com as aduzidas no despacho recorrido, improcede esta questão.
Da aplicação do art. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro, por força do art. 10º, da Portaria nº 642/2004, de 16 de Junho, aos requerimentos apresentados por correio electrónico
4. Pretende a recorrente que deve ser ordenada a sua notificação, para juntar os originais dos requerimentos que apresentou por correio electrónico, nos termos do disposto nos arts. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro e 10º, da Portaria nº 642/2004, de 16 de Junho.
Nos termos da alínea c), do nº 2, do art. 150º, do C. Processo Civil, ex vi, art. 4º do C. Processo Penal, os articulados, requerimentos e peças referentes a quaisquer actos que devam ser praticados por escrito pelos intervenientes, podem ser enviados através de correio electrónico, sendo necessária a aposição da assinatura digital do seu signatário, valendo como data da prática do acto processual a da sua expedição.
Por sua vez, a Portaria nº 642/2004, de 16 de Junho, que regulamenta a forma de apresentação a juízo dos actos processuais enviados através de correio electrónico, estabelece no seu § 10º o seguinte:
À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia.”.
Dispõe o art. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro que não aproveita à parte o acto praticado através de telecópia quando aquela apesar de notificada para exibir os originais, o não fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos ou o confronto a que alude o art. 385º do C. Civil.
Assim, o interveniente processual que envie requerimento a juízo por correio electrónico simples – sem assinatura digital – ou sem validação cronológica, deve ser notificado pelo tribunal para exibir o original. E só no caso de não o fazer, é que não pode prevalecer-se do acto praticado.
A ineficácia de acto processual praticado através de correio electrónico, por inobservância dos legais requisitos de forma, pressupõe sempre a prévia notificação determinada pelo juiz para a exibição dos originais. A simples omissão do dever de apresentação dos originais não tem como efeito imediato, a invalidade ou ineficácia do acto (cfr. Ac. da R. de Coimbra de 09/05/2006, proc. nº 1219/06, in http://www.dgsi.pt, citado aliás pela recorrente).
Aqui chegados, cabe dizer que enquanto o tribunal, em cumprimento do disposto no art. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro, não notificar a recorrente – e sua co-arguida – para proceder à exibição dos originais dos requerimentos enviados por correio electrónico simples, tais requerimentos mantêm-se eficazes produzindo portanto, os efeitos a que se destinaram.
Mas se assim é, pouco sentido faz que, conhecendo a recorrente o dever que sobre si recai de apresentar os originais em juízo, e não podendo deixar de conhecer os requerimentos que enviou a juízo por correio electrónico simples, em vez de os juntar, venha solicitar ao tribunal a sua notificação para tal efeito, e que vendo indeferida esta pretensão, dela recorra.
Em conclusão, reconhecendo-se que alguns requerimentos, que o tribunal a quo identificará, foram enviados por correio electrónico simples, deve aquele tribunal, em cumprimento do disposto no art. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro, conjugado com o § 10º da Portaria nº 642/2004, de 16 de Junho, e o art. 150º, do C. Processo Civil – uma vez que não o fez no despacho recorrido – notificar a recorrente – bem como a co-arguida – para, em prazo a fixar, exibir e juntar os originais respectivos.
III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso. Consequentemente, decidem:
A) Determinar que a 1ª instância proceda à notificação prevista nas disposições conjugadas do art. 4º, nº 5, do Dec. Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro, e § 10º da Portaria nº 642/2004, de 16 de Junho, nos termos que se deixaram apontados.
B) Confirmar quanto ao mais, o despacho recorrido.