Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1100/04.3TBVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ROQUE
Descritores: HABILITAÇÃO
SOCIEDADE
EXTINÇÃO
PASSIVO
Data do Acordão: 02/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - 1º J. CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 270º A), 371º E SS DO CPC E 163º Nº1 DO CSC
Sumário: 1. A habilitação incidental que acontece, por via de regra, quando, na pendência da causa, falece ou se extingue alguma das partes, pode, também, ocorrer por falecimento ou extinção anteriores à propositura da acção, certificadas no decurso das diligências efectuadas para a sua citação, sendo o meio idóneo de obter o levantamento da suspensão da instância.

2. Consagrada na lei a responsabilidade dos sócios pelo passivo superveniente não incluído na liquidação, ou seja, não satisfeito ou acautelado, os débitos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados nos sócios, pela via da sucessão.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

A... e marido, B..., nos autos de habilitação de sucessores da sociedade “C...”, contra si instaurados por “D...”, todos, suficientemente, identificados, interpuseram recurso de agravo da decisão que julgou procedente o incidente de habilitação e, em consequência, admitiu a intervenção dos recorrentes A... e marido, B..., em substituição da sociedade extinta “C...”, terminando as suas alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões:

1ª – Quando a presente acção foi proposta - 15/4/2004 - já a Sociedade C..., se encontrava extinta por escritura pública de 18/12/2003.

2ª - Tendo esse facto sido levado imediatamente ao registo comercial, não poderia ser ignorado por parte da autora.

3ª - Quando a acção foi proposta a Sociedade C..., já não tinha personalidade jurídica, pelo que não poderia ser demandada.

4ª - Não podia assim promover-se a habilitação dos sucessores da sociedade, não tendo aplicação no caso concreto o disposto no art° 371°

n°3 do CPC, com aplicação apenas às pessoas físicas ou singulares,

como resulta da respectiva letra, preceito esse, que terá sido violado pelo

despacho recorrido.

5ª - O despacho recorrido dá como provado não se ter apurado que, tenham sido distribuídos bens da sociedade, no momento da dissolução.

6ª - Da escritura de dissolução consta expressamente que não existia activo nem passivo, e que as contas foram encerradas.

7ª - Esta escritura não foi impugnada na sua validade e conteúdo.

8ª – Para que os recorrentes pudessem ser habilitados como sucessores da sociedade, não bastaria terem sido antigos sócios.

9ª - É essencial é que tenham recebido na liquidação da sociedade, bens da mesma.

10ª - Só tal facto pode estender aos sócios a responsabilidade por dívidas da sociedade, nos termos do art° 163° do C. Sociedades Comerciais, que terá sido violado pelo despacho recorrido.

11ª - Competia ao requerente da habilitação fazer a prova, da existência de bens da sociedade partilhados entre os sócios, o que não fez, sendo certo

que lhe cabia o ónus da prova, nos termos do art° 342° n°1 do C. Civil, que igualmente terá sido violado.

12ª - A sucessão, tal como foi decidida, viola a excepcionalidade prevista no art° 163°, relativo aos princípios da extinção das sociedades comerciais.

13ª - Este artigo, só prevê a sucessão no caso de se provar a partilha de

bens da sociedade pelos sócios, o que não foi o caso presente.

14ª – Não faria qualquer sentido julgar-se os sócios habilitados como

sucessores da sociedade sem que fosse para os fazer responder pelas

respectivas dívidas, como excepcionalmente prevê o referido art° 163° do

C. Sociedades Comerciais.

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Exª Juiz sustentou a decisão questionada, entendendo não ter causado qualquer agravo aos recorrentes.

Este Tribunal da Relação considera que se encontram provados, com interesse relevante para a decisão do mérito do agravo, os seguintes factos:

1 - A petição inicial do processo principal deu entrada em juízo, no dia 15 de Abril de 2004.

2 – Trata-se da acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra “C...”, pedindo que se declare resolvido o contrato-promessa indicado na petição inicial, por recusa da ré no cumprimento do mesmo, devendo esta ser condenada a restituir à autora, em dobro, a quantia recebida, a título de sinal, no valor de 40000,00€.

3 – Por escritura pública, celebrada em 18 de Dezembro de 2003, a sociedade “C...”, foi dissolvida e liquidada.

4 - A... e marido, B..., eram os únicos sócios da sociedade “C...”.

5 - A dissolução e liquidação da sociedade “C...”, encontram-se registadas, na Conservatória do Registo Comercial de Penalva do Castelo, e bem assim como a qualidade dos agravantes como sócios desta.

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

A única questão a decidir no presente agravo, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), consiste em saber se é admissível a habilitação dos sócios de sociedade, de cuja dissolução e extinção apenas houve conhecimento no processo quando se procedia à sua citação.

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DA HABILITAÇÃO DOS SÓCIOS DE SOCIEDADE CUJA LIQUIDAÇÃO E EXTINÇÃO FOI CONHECIDA COM A TENTATIVA DA SUA CITAÇÃO

Uma das causas de modificação subjectiva da instância resulta da substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por acto inter vivos, na relação substantiva em litígio, em conformidade com o estipulado pelo artigo 270º, a), do CPC.

Porém, a expressão “sucessão”, a que se reporta o normativo legal acabado de citar, está utilizada em sentido amplo, abrangendo a sucessão «mortis causa», bem assim como aquela que deriva da extinção de uma pessoa colectiva ou de uma sociedade, consoante decorre do preceituado pelos artigos 276º, nº 1, a) e 374º, nº 3, ambos do CPC1.

No caso de morte ou extinção da parte, a modificação subjectiva da instância opera-se mediante o incidente da habilitação, a que alude o artigo 371º e seguintes do CPC, substituindo as pessoas habilitadas, dentro da demanda pendente, a parte falecida ou extinta, ocupando na causa a mesma posição da pessoa que vão substituir.

A habilitação consiste, fundamentalmente, na prova da aquisição, por sucessão ou transmissão, da titularidade de um direito ou de um complexo de direitos ou de uma situação jurídica ou complexo de situações jurídicas2.

A habilitação incidental, a que se reportam os artigos 371º a 377º, do CPC, que aqui interessa considerar, destina-se a colocar o sucessor da parte falecida ou extinta na posição desta, para que, assim, a demanda possa prosseguir, porquanto, de contrário, a instância terá de continuar suspensa, como deriva do estipulado pelos artigos 276º, nº 1, a) e 284º, nº 1, a), do CPC.

Com efeito, se a extinção de uma das partes, que é a hipótese que agora importa referir, uma vez que a sociedade “C...” é uma pessoa colectiva, e a morte se refere às pessoas físicas, tornar impossível ou inútil a continuação da lide, a causa termina por extinção da instância, inexistindo lugar para a suspensão da instância e, consequentemente, para a habilitação, nos termos do preceituado pelo artigo 276º, nº 3, do CPC.

Porém, a habilitação incidental acontece, por via de regra, quando, na pendência da causa, falece ou se extingue alguma das partes, conforme resulta do preceituado pelos artigos 276º, nº 1, a) e 371, nº 1, do CPC, mas, também, pode ocorrer, por falecimento ou extinção anteriores à propositura da acção se, em consequência das diligências efectuadas para a sua citação, resultar certificado o facto, ainda que anterior à instauração do pleito, atento o disposto pelo nº 2, do artigo 371º, citado, sem necessidade de se alegar e provar que o mesmo não era do conhecimento do autor, contemporaneamente, à proposição da acção, por não haver razões justificativas bastantes para distinguir a situação da morte da situação da extinção, devendo imputar-se a um «deficit» de previsão legislativa a referência ao “falecimento”, omitindo a “extinção”, suprível dentro dos quadros do próprio instituto da habilitação, por força do previsto nos artigos 374º, nº 3, do CPC, e 10º, nº 1, do Código Civil.

A suspensão da instância é, assim, uma consequência inevitável da junção aos autos do documento comprovativo da extinção jurídica da sociedade, ainda que este facto tenha ocorrido já na pendência da causa em que esta é demandada, que permanece até que se notifique a decisão que considere habilitado o sucessor ou sucessores da pessoa extinta, sendo, por isso, a habilitação o meio idóneo de obter o levantamento da suspensão da instância3.

Trata-se, de todo o modo, de uma situação anómala ou aberrante que, no fundo, releva o accionamento de uma pessoa sem personalidade jurídica e, consequentemente, sem personalidade judiciária, na qual não há, em rigor, modificação subjectiva da relação processual, porque ela se constitui, «ab initio», com os sucessores do réu falecido ou da pessoa colectiva extinta4.

Entendem ainda os recorrentes que a sucessão só é possível, no caso de se provar a partilha de bens da sociedade pelos sócios, por não fazer qualquer sentido julgar-se os sócios habilitados como sucessores da sociedade, sem que fosse para os fazer responder pelas respectivas dividas.

No que respeita aos débitos supervenientes, estipula o artigo 163º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, que “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada”.

Este normativo legal pressupõe que a liquidação esteja encerrada, o saldo partilhado e extinta a sociedade, sendo certo que, findo o período de liquidação de uma sociedade dissolvida, nos termos legais, ela terá, forçosamente, de ser considerada extinta, o que significa que o passivo superveniente não conduz a uma reabertura da liquidação, recaindo a responsabilidade do seu pagamento sobre os antigos sócios, ou seja, sobre aqueles que tinham essa qualidade, no momento da extinção da sociedade.

Consagrada na lei a responsabilidade dos sócios pelo passivo superveniente não incluído na liquidação, ou seja, não satisfeito ou acautelado, esses débitos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados nos sócios, pela via da sucessão, porquanto antes de operada a extinção da sociedade o respectivo passivo não pertencia aqueles, sendo certo que só estes podem agora ser os novos titulares desse passivo.

Com efeito, os sócios têm direito ao saldo da liquidação, distribuído pela partilha, sendo certo que, se tiverem recebido mais do que lhes cabia por direito, havendo débitos sociais insatisfeitos, terão de os pagar, enquanto que se tiverem recebido menos, porque não foram partilhados bens sociais, terão direito a estes5.

Quer o montante recebido pelo sócio corresponda à sua fracção do capital social ou constitua lucro, só se separam no activo com vista à realização das operações de partilha, pertencendo aquela fracção à sociedade, estendendo-se a responsabilidade do sócio, até ao montante da sua subscrição, sendo indiferente que a mesma se perca durante a vida activa da sociedade, durante a fase de liquidação ou por causa do passivo superveniente.

Assim sendo, são válidos os actos extintivos da sociedade, constituindo esta validade o pressuposto necessário das disposições legais que ordenam a referida sucessão, a favor dos sócios, ou melhor, dos ex-sócios6.

Não merecem provimento, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações dos recorrentes.

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CONCLUSÕES:

I - A habilitação incidental que acontece, por via de regra, quando, na pendência da causa, falece ou se extingue alguma das partes, pode, também, ocorrer, por falecimento ou extinção anteriores à propositura da acção, certificadas no decurso das diligências efectuadas para a sua citação, sendo o meio idóneo de obter o levantamento da suspensão da instância.

II - Consagrada na lei a responsabilidade dos sócios pelo passivo superveniente não incluído na liquidação, ou seja, não satisfeito ou acautelado, os débitos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados nos sócios, pela via da sucessão.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar não provido o agravo e, em consequência, em confirmar, inteiramente, a douta decisão recorrida.

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Custas, a cargo dos agravantes.