Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
163-G/2000.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ROQUE
Descritores: FALÊNCIA
CUSTAS
RECLAMAÇÃO DA CONTA
Data do Acordão: 06/24/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OLIVEIRA DE FRADES
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTIGO 248º, Nº 2 E 249º, Nº 2 ; 249.º, N.º 2 DO CPEREF; ARTIGO 60, N.º 1 DO CCJ; ARTIGO 446.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Devem ficar a cargo do credor do falido as custas dos incidentes em que aquele decaiu, por não dizerem respeito ao processo de falência, propriamente dito, e os ter requerido ou lhes haver dado causa, por se não mostrarem necessários para a declaração ou defesa dos direitos da massa falida, como decorrência da aplicação do princípio da causalidade, estreitamente, relacionado com o incidente e não com o litígio.
O incidente da reclamação da conta é uma faculdade que visa erradicar o erro de contagem das custas, e não o erro de julgamento da decisão que as fixou, sob pena de violação do caso julgado, não sendo o meio idóneo de reagir contra a decisão que condenou, indevidamente, a parte, no pagamento de custas, mas antes o pedido de reforma da decisão ou a via do recurso
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


“A.....”, credor no processo de falência, em que é requerida “B.....”, e outro, e requerente o “C.....”, todos, suficientemente, identificados nos autos, interpôs recurso de agravo da decisão que indeferiu a reclamação à conta de custas, por si apresentada, terminando as alegações, com o pedido da sua revogação e a reforma da conta, decretando-se que as custas ficam a cargo da massa falida, formulando as seguintes conclusões:

1ª – A ora recorrente, credora nos autos de falência nº 163/2000, que correram termos na secção única do Tribunal Judicial de Oliveira de frades, foi notificada da conta de custas elaborada naquele processo.

2ª – Da referida conta de custas constava um total a pagar, de sua responsabilidade, no montante de €14329,54.

3ª - A recorrente reclamou da conta, defendendo que nos termos do artigo 249º, nº 2 do CPEREF “as custas do processo de falência são encargo da massa falida”.

4ª – O Mº Juiz a quo indeferiu a reclamação com o fundamento de inadmissibilidade legal.

5ª - Dispõe o nº 1 do artigo 60º do CCJ que “o juiz mandará reformar a conta se esta não estiver de acordo com as disposições legais”.

6ª – A ora recorrente demonstrou à evidência, na reclamação apresentada, a desconformidade entre a conta e a lei ao caso aplicável, não se compreendendo a decisão do tribunal a quo em indeferir tal reclamação por inadmissibilidade legal.

7ª – Ora, o artigo 248º, nº 2 do CPEREF dispõe que, para efeitos de tributação, o processo de falência abrange os incidentes, ainda que processados em separado, nele previstos, se as respectivas custas houverem de ficar a cargo da massa.

8ª – As custas são encargo da massa falida quando a falência houver sido decretada, o que in casu aconteceu.

9ª – O artigo 446º do CPC é regra geral em matéria de custas, cuja aplicação fica postergada pelos dispositivos legais constantes dos artigos 248º, nº 2 e 249º, nº 2 do CPEREF, enquanto lei especial aplicável aos processos de falência.
Não foram apresentadas contra-alegações. 
A Exª Juiz sustentou a decisão questionada, entendendo não ter sido causado qualquer agravo à recorrente.
Este Tribunal da Relação considera que se encontram provados, com interesse relevante para a decisão do mérito do agravo, os seguintes factos:

1 – A recorrente foi notificada, pela secretaria judicial, para pagamento da conta de custas de sua responsabilidade, no montante de €14329,54, no âmbito do processo de falência em que é credora.

2 – Por não concordar com o pagamento exigido, reclamou da mesma, entendendo ser da responsabilidade da massa falida e não sua o pagamento das custas, em processo de falência.

3 – O Sr. Escrivão pronunciou-se pela improcedência da reclamação apresentada pela recorrente, posição esta que o Ministério Público reiterou.

4 – As custas cujo pagamento é imputado à recorrente são devidas pelo decaimento em incidentes, não dizendo respeito ao processo de falência, propriamente dito.

  

                                                               *

Tudo visto e analisado, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

A única questão a decidir, no presente agravo, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), consiste em saber se existe fundamento legal, por parte da recorrente, para reclamar do pagamento da conta de custas em que foi condenada.

                 DA RECLAMAÇÃO DA CONTA COMO MEIO DE CORRIGIR O EVENTUAL ERRO DE JULGAMENTO DA DECISÃO

Dispõe o artigo 249º, nº 2, do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), aprovado pelo DL nº 132/93, de 23 de Abril, aplicável, ao caso em análise, por força do preceituado pelo artigo 13º, do DL nº 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que “as custas do processo de falência são encargo da massa falida”, sendo certo que, acrescenta o artigo 248º, do CPEREF, nos seus nºs 1 e 2, “para efeitos de tributação, o processo de falência abrange o processo principal,…e quaisquer incidentes, ainda que processados em separado, se as respectivas custas houverem de ficar a cargo da massa”.

Por outro lado, o artigo 248º, nº 2, do CPEREF, determina quais os trâmites do processo de falência e seus incidentes, quer estes corram por apenso ou em separado, cujas custas hajam de ser suportadas pela massa falida.

E quando é que as custas do processo de falência constituem encargo da massa falida?

Para tanto, o já citado nº 2, do artigo 248º, do CPEREF, preceitua que o “…, o processo de falência abrange o processo principal, as propostas de concordata particular, a apreensão dos bens, os embargos do falido, ou do seu cônjuge, descendentes, herdeiros, legatários ou representantes, a liquidação do activo, a verificação do passivo, o pagamento aos credores, as contas de administração, os arrestos decretados antes de ser declarada a falência, se não tiver havido oposição de pessoa diferente das indicadas, e quaisquer incidentes, ainda que processados em separado, se as respectivas custas houverem de ficar a cargo da massa”.

Efectivamente, preceitua o artigo 446º, do CPC, no seu nº 1, que “a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento na acção, quem do processo tirou proveito”, acrescentando o respectivo nº 2 que se entende “…que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for”.

Interessando considerar a situação dos incidentes em que a recorrente decaiu, mas que não dizem respeito ao processo de falência, propriamente dito, conforme ficou demonstrado, devem os mesmos ficar a cargo de quem os tiver requerido ou lhes deu causa, por se não mostrarem necessários para a declaração ou defesa dos direitos da massa falida, solução que deriva da aplicação do princípio da causalidade, estreitamente, relacionado com o incidente e não com o litígio[1].

Assim sendo, a recorrente foi condenada no pagamento das custas relativas aos incidentes em que decaiu, por decisão que transitou em julgado.

A propósito da reclamação e reforma da conta, estipula o artigo 60º, nº 1, do Código das Custas Judiciais (CCJ), que “oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou dos interessados, o juiz mandará reformar a conta se esta não estiver de harmonia com as disposições legais”.

O incidente nominado contemplado pelo normativo acabado se transcrever, consagra a oportunidade da reclamação com a consequente correcção do acto de contagem, prevendo a possibilidade da reforma, por via da modificação ou alteração, do acto de contagem que se não conforma com a lei, nomeadamente, com o conteúdo da decisão judicial que se deve limitar a executar.

Com efeito, trata-se de uma faculdade que visa erradicar o erro de contagem das custas, e não o erro de julgamento da decisão que as fixou, porquanto o Juiz não pode, uma vez que se esgotou o poder jurisdicional, determinar a reforma da conta elaborada, nos termos da decisão prevista pelo artigo 58º, nº 1, do CCJ, atento o preceituado pelo artigo 666º, nºs 1 e 3, do CPC.

Uma vez efectuada a conta, de harmonia com a sentença ou com o despacho de condenação respectivo, o Juiz não pode mandar modificá-la, visto que isso importava a alteração do caso julgado, sendo certo que o erro, se o houver, proveio da decisão que sustenta a conta e não desta[2].

É que o incidente da reclamação da conta não é o meio idóneo para reagir contra a decisão que condenou, indevidamente, a parte no pagamento de custas, mas antes o pedido de reforma da decisão, a que alude o artigo 669º, nº 1, b), do CPC, ou a via do recurso[3].

Não colhem, assim, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações da recorrente.

                                                    *

CONCLUSÕES:

I – Devem ficar a cargo do credor do falido as custas dos incidentes em que aquele decaiu, por não dizerem respeito ao processo de falência, propriamente dito, e os ter requerido ou lhes haver dado causa, por se não mostrarem necessários para a declaração ou defesa dos direitos da massa falida, como decorrência da aplicação do princípio da causalidade, estreitamente, relacionado com o incidente e não com o litígio.

II - O incidente da reclamação da conta é uma faculdade que visa erradicar o erro de contagem das custas, e não o erro de julgamento da decisão que as fixou, sob pena de violação do caso julgado, não sendo o meio idóneo de reagir contra a decisão que condenou, indevidamente, a parte, no pagamento de custas, mas antes o pedido de reforma da decisão ou a via do recurso.

                                                               *

DECISÃO:


Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar não provido o agravo e, em consequência, em confirmar, inteiramente, a douta decisão recorrida.

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Custas, a cargo da agravante.


[1] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, II, 1981, 211.
[2] STJ, de 6-2-1990, AJ, Ano 2, nº 6, 23.
[3] Salvador da Costa, Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado, 1997, 2ª edição, 260 a 262; Tribunal Central Administrativo, de 27-4-2000, BMJ nº 496, 321.