Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
321/05.6PAPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS PRÓPRIOS
JUROS
DANOS FUTUROS
Data do Acordão: 05/28/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 496º,566º, 2,805º,3,806,1 CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. É adequada a indemnização de 17 500 € por danos próprios de uma irmã de 84 anos de idade da qual a demandante vivia em completa dependência

2. No caso de a agressão ou lesão ser mortal, toda a indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio (iure próprio), nos termos e segundo a ordem do disposto no nº 2 do artº 496º do Código Civil.

3. Relativamente aos danos futuros há lugar a aplicação de taxa de juros a partir da data da notificação do pedido cível e não só apenas a partir da decisão que fixa o montante da indemnização.

Decisão Texto Integral: Processo Comum Singular nº 321/05.6PAPBL.C1, do 1º Juízo do Tribunal da Comarca de Pombal.
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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado, no qual é arguido:
A, filho de B e de C,.
E no qual são demandantes:
- D, na qualidade de assistente e herdeira da vítima;
- Centro Hospitalar de Coimbra;
E demandada:
- E
Foi proferida sentença que:
- Julgou o arguido A autor material de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, nº 1, do Código Penal, e o condenou na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, cuja execução se suspendeu pelo período de 18 (dezoito) meses;
- Julgou totalmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Centro Hospitalar de Coimbra e, em consequência, condenou a E a pagar-lhe a quantia de € 1.415,70 (mil quatrocentos e quinze euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
- Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente D e, em consequência, condenou a E a pagar-lhe a quantia de € 75.257,92 (setenta e cinco mil duzentos e cinquenta e sete euros e noventa e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
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Inconformada, da sentença e relativamente à parte cível, interpôs recurso a demandada E.
São do seguinte teor as conclusões, que delimitam o âmbito do recurso:
1. O Tribunal recorrido fixou a indemnização por dano não patrimonial próprio em € 25.000;
2. Não se pode sequer afirmar que, com recurso à equidade, poderíamos chegar ao alto montante arbitrado pelo Tribunal a quo, pois a equidade deve reger-se por critérios objectivos, dependendo dos limites que tiverem sido provados e que, como não foram atendidos nem ponderados, conduziram a uma decisão desprovida de razão.
3. Quanto aos danos não patrimoniais, o n° 3 do art. 493° do Código Civil manda fixar o montante da indemnização equitativamente, tendo em conta as circunstâncias referidas no art. 494° do mesmo código, entre as quais se contam, por exemplo, as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos;
4. Na determinação da indemnização por tais danos o Tribunal não se deve esquecer, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, dos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, das flutuações do valor da moeda e a realidade sócio-económica;
5. Donde, a verba de € 25.000 fixada em primeira instância mostra-se completamente desproporcionada e desfasada da realidade jurisprudencial e sócio-económica portuguesa, não devendo a mesma ser firmada em mais do que os € 15.000;
6. Quanto ao dano morte, e apesar de esta ser uma questão juridicamente muito interessante, o mesmo não podia ser arbitrado apenas à demandante, ou pelo menos na sua totalidade, porque apesar de esta ter morrido solteira, sem filhos nem pais vivos, terá mais duas irmãs vivas e sete sobrinhos;
7. Ocorre também que a D não é herdeira legitimaria da vitima (art. 2157° do CC), mas sua herdeira legitima (art. 2133°) e, mais concretamente, herdeira testamentária.
8. De harmonia com o nº 2 do art. 496° do C. Civil, a indemnização relativa a violação do direito à vida é devida, no caso concreto, "... aos irmãos e sobrinhos que os representem", sendo irrelevante se a G, por testamento, instituiu a sua irmã como única e universal herdeira.
9. Porquanto, a vontade testamentária não derroga a regra especial que estabelece várias ordens de precedências previstas no nº 2 do art. 496° do Código Civil, bem como porque está demonstrado nos autos que a assistente e demandante tem pelo menos uma sobrinha, filha de um terceiro irmão ou irmã, de seu nome F, com sinais nos autos e que depôs em audiência de discussão e julgamento, conforme melhor se retira de fls. 10 e 11 da sentença.
10. Ora, não existindo direito de acrescer, pelo menos em relação à demandante, (por manifesta inaplicabilidade a esta questão do direito sucessório) o Tribunal teria de relegar a atribuição do dano morte e seus quinhões para o momento em que a demandante fizesse prova de quem são os seus outros irmãos, se estes já faleceram ou não e qual a identidade dos filhos destes.
11. Esta questão é de tal modo cristalina se pensarmos que se assim não fosse decidido por este Venerando Tribunal a demandada arriscar-se-ia a ter de pagar, se lhe fosse reclamado, o mesmo dano mais uma ou até mais sete vezes, porque existem outros sobrinhos, e eventualmente mais uma irmã ou irmão, titulares de uma quota-parte do mesmo direito.
12. O Tribunal a quo não tendo apreciado esta questão, apesar de a mesma ser do seu conhecimento, cometeu OMISSÃO DE PRONÚNCIA, aliada a uma FALTA ABSOLUTA DE FUNDAMENTAÇÃO na fixação do direito à vida, o que gera a NULIDADE DA SENTENCA
13. Também a condenação da ora recorrente em juros de mora, desde a citação sobre a indemnização arbitrada por danos não patrimoniais, não tem qualquer razão de ser;
14. Porquanto o Tribunal a quo tendeu a aplicar a teoria da diferença que define como medida a diferença da situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos;
15. Por outro lado, a vetusta querela sobre a determinação do momento do início da contagem dos juros sobre os quantitativos da indemnização arbitrada a título de responsabilidade civil ou pelo risco, designadamente os respeitantes a não patrimoniais foi definitivamente decidida em Acórdão visando a uniformização de jurisprudência, em concreto na Revista ampliada nº 1508/01, 1ª Secção do STJ, Jurisprudência nº 4/2002 in D.R. I Série A. de 27 de Junho de 2002 que plasmou, de modo definitivo, o seguinte:
"Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do art. 566° do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805°, n° 3 (interpretado restritivamente), e 806, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação";
16. Porquanto, entendeu-se, na senda de anteriores Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça citados supra, que não era defensável e era até insustentável a cumulatividade de juros de mora desde a citação, em conformidade com o vertido no nº 3 do art. 805° do C.C., com a actualização da indemnização na medida em que "...ambas as providências influenciadoras do cálculo da indemnização devida obedecem à mesma finalidade, que consiste em fazer face à erosão do valor da moeda no período compreendido entre a localização no tempo do evento danoso e o da satisfação da obrigação indemnizatória";
17. Por último, é ainda mais incompreensível é a condenação em juros de mora sobre os danos patrimoniais na vertente pagamentos futuros por internamento da assistente e demandante no lar no valor de € 15.384.00, isto se atendermos a que estamos perante danos futuros, que por serem isso mesmo - FUTUROS - não faz qualquer sentido retroagi-los à data da citação, porque pela sua própria natureza a indemnização a arbitrar a este titulo destina-se a ressarcir danos que ainda não existem, que podem ser previsíveis mas que podem nem sequer ocorrer.
18. Assim, e sem mais delongas, sobre os danos patrimoniais referidos, apenas se vencem juros moratórios desde a prolação da sentença em primeira instância e não desde a citação;
19. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou por erro de interpretação e inaplicadas o disposto nos artigos 483°, 494°, 496° n° 1 e 3, 562°, 564°, 566° e 805° nº 3, todos do Código Civil, bem como o Ac. do STJ, Revista Ampliada n° 1508/01, da 1ª Secção do STJ, Jurisprudência nº 4/2002, in DR, I Série A, de 27 Junho de 2002, e ainda o constante dos artigos 496° nº 2, art. 2157° e art. 2133°, todos do CC, afora o que dispõe os art. 374°, n°. 1 al a) e 2, o art. 379° n°. 1 al a) e c) e o art. 410° do CPP.
Assim, deverá ser julgada procedente a apelação da ré, nos termos da presente minuta.
Respondeu o magistrado do Mº Pº, concluindo:
1. Pelo dever de indemnizar está abrangido não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que o lesado deixou de alcançar, em consequência da lesão, os danos patrimoniais e não patrimoniais (artigos 564° nº 1, 566° nº 2 e 496° do Código Civil).
2. Os danos peticionados pela assistente são de natureza patrimonial e não patrimonial, sendo que quanto a estes manda a lei ressarcir apenas aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, havendo o tribunal, em tais casos, que fixar ao lesado uma compensação em dinheiro em termos equitativos, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado e as demais circunstâncias do caso. (cfr. arts. 494°, 496° e 566°, nº 1, do C.C.).
3. No que concerne à titularidade do montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais, dispõe o n° 3 do artigo 496° do Código Civil que no caso de morte podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do n° anterior.
4. Foi dado como assente que a vítima era irmã da assistente, sendo esta a única e universal herdeira daquela conforme teor do testamento referido nos factos provados (artigo 496°, n° 2, do Código Civil).
5. Resultou ainda provado que a assistente vivia em completa dependência da vítima, sua irmã.
6. Pelo que, entendeu o Tribunal que a quantia de € 25.000,00 pedida pela assistente pela perda da sua irmã cabe dentro dos critérios seguidos pelos nossos mais altos tribunais na fixação desse dano.
7. Tal montante situa-se em valores razoáveis, fundamentando-se nos factos provados, pelo que se entende não se verificar preenchido o vício da falta de fundamentação e, consequentemente, da nulidade da sentença.
Pelo exposto, não deverá ser dado provimento ao recurso interposto.
Respondeu a demandante, concluindo:
A. O valor arbitrado de €25.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos pela demandante, não deve ser considerado excessivo, face ao sofrimento e às circunstâncias em que passou a viver após o falecimento da irmã, de acordo com convicção do tribunal de 1ª instância, bem fundamentada em factos dado como provados e que constam da decisão recorrida.
B. A indemnização pela perda do direito à vida, é um direito adquirido ainda em vida pela vitima e transmite-se via sucessória às pessoas indicadas no art.496°, nº 2, do C.C., logo a demandante, como única e universal herdeira da falecida, instituída por testamento, será a titular exclusiva do direito à indemnização pelo dano morte.
C. Os juros moratórios sobre os danos não patrimoniais vencem-se a partir da notificação do pedido de indemnização civil à demandada/recorrente, e não desde a decisão final, dado que a sentença recorrida não refere expressamente quaisquer critérios actualizadores dos montantes arbitrados, e como tal não será a este caso aplicável o disposto no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, com o n° 4/2002, de 09.05.2002, publicado no D.R. nº 146, 1ª série-A, em 27.06.2002.
D. Os juros de mora sobre os danos patrimoniais, mesmo que futuros, em caso de responsabilidade por facto ilícito, vencem-se a partir da citação da demandada para contestar o pedido de indemnização civil, e não desde a prolação da sentença.
E. A sentença recorrida não padece de qualquer vicio que afecte a sua validade, nos termos conjugados dos arts.374°, nº 1, al.a) e nº 2, do art.379° , nº 1, al.a) e c), e do art.410°, todos do Código de Processo Penal.
F. O tribunal de que se recorre fez uma correcta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 494°, 496°, nºs 2 e 3, 562°, 564°, 566° e 805°, nº 3, todos do Código Civil.
Nestes termos deve o recurso vir a ser julgado improcedente.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto não se pronunciou, por o recurso interposto incidir sobre a matéria cível.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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É do seguinte teor a matéria de facto apurada e fundamentação da mesma:

II – FUNDAMENTAÇÃO

– DE FACTO

Discutida a causa e produzida a prova, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 24 de Dezembro de 2005, cerca das 13h50, o arguido circulava na Rua do Louriçal, Pombal, no sentido Nascente-Poente, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula XX-XX-XX;
2. A via é constituída por uma faixa de rodagem de duplo sentido, com 5,7 metros de largura, apresentando-se como uma recta, com boa visibilidade e em bom estado de conservação;
3. No passeio, junto à residência com o nº 26, encontrava-se a falecida G a conversar com H;
4. Após o arguido passar junto da ofendida, esta iniciou o atravessamento da via, altura em que o arguido abranda a marcha e inicia manobra de marcha atrás, acabando por embater na ofendida H, após o veículo ter percorrido uns escassos metros;
5. O arguido veio a colher a ofendida, quando a mesma já se encontrava a cerca de 2,00 metros da berma do lado direito (sentido nascente/poente);
6. Em consequência de tal embate sofreu a ofendida G lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e torácicas, que foram causa necessária da morte;
7. O arguido efectuou a referida manobra de marcha atrás por simples comodidade, apesar de saber que a manobra de marcha atrás é uma manobra auxiliar ou de recurso;
8. Ao efectuar a referida manobra sem se acautelar da presença de peões na via, actuou o arguido sem o cuidado e a prudência que lhe eram exigidos;
9. Com tal comportamento, o arguido sabia que podia criar perigo para o trânsito automóvel em geral e, em particular, que poderia causar a morte ou lesões corporais graves nos transeuntes da via, agindo do modo descrito, confiando em que tal resultado não se produziria, não obstante poder e dever ter previsto o mesmo como consequência da sua conduta;
10. O arguido agiu livremente, sabendo da punibilidade da sua conduta;
11. No dia 24 de Dezembro de 2005 deu entrada no Centro Hospitalar de Coimbra, G, onde recebeu tratamento no serviço de urgência, com meios auxiliares de diagnóstico;
12. A assistência que lhe foi prestada foi originada pelos ferimentos apresentados em consequência do acidente de viação sofrido na Rua do Louriçal, 26, em Pombal;
13. Os encargos com a assistência prestada importaram na quantia de € 1.415,70;
14. À data do acidente a vítima contava 84 anos de idade;
15. A vítima era uma pessoa que gozava de boa disposição, vivia com a assistente, sua irmã, em casa arrendada por € 60,00;
16. A falecida G fazia as refeições, lavava roupa, limpava a casa sem a ajuda de outra pessoa;
17. A assistente, com problemas de visão e locomoção vivia em completa dependência da sua falecida irmã, sendo esta que dela cuidava, prestando-lhe os mais elementares cuidados de alimentação, higiene, vestuário e auxílio para efectuar as necessidades fisiológicas;
18. A vítima G morreu no estado civil de solteira, com pais já falecidos e sem nunca ter tido filhos;
19. Por testamento instituiu sua irmã, a ora assistente, como única e universal herdeira,
20. Na sequência da morte da irmã, a assistente viu-se obrigada a recorrer aos serviços do Lar Rainha Santa Isabel, por necessitar da ajuda de terceiras pessoas para poder sobreviver;
21. Passou a residir na referida Instituição desde o mês seguinte ao acidente;
22. Onde paga a quantia de € 240,84/mês,
23. A assistente, durante o ano de 2006 recebia a título de pensão mensal paga pela Segurança Social o montante de € 206,07, acrescido de complemento de dependência no montante de € 77,28;
24. Pelo internamento da assistente no Lar é devida uma quantia mensal de € 650,00,
25. Neste momento, a assistente encontra-se em dívida para com o lar em, pelo menos, € 4.909,92;
26. De dois em dois meses a autora paga uma média de € 86,00 em fraldas e resguardos;
27. A assistente sofreu muito com a morte da irmã;
28. Viviam juntas há muitos anos, desde sempre se amparando mutuamente;
29. Conviviam diariamente e todos os dias a assistente necessitava da irmã;
30. Sentiu um desgosto e uma tristeza que ainda hoje se mantêm;
31. A morte da vítima ocorreu cerca das 20h30 do dia 24 de Dezembro de 2005;
32. Deu entrada com vida no Hospital Distrital de Pombal, sendo transferida para o Centro Hospitalar de Coimbra (Hospital dos Covões), onde veio a falecer;
33. O arguido havia transferido para a Seguradora Allianz a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 001169021, válido e em vigor à data do acidente;
34. Trata-se de um seguro de garagista;
35. A vítima G foi projectada ao solo pela travessia do veículo, bateu com cabeça no chão e perdeu os sentidos, que não mais recuperou;
36. Momentos antes de efectuar a manobra de marcha atrás, o arguido havia passado pela falecida, quando esta se encontrava sobre o passeio a conversar com uma amiga;
37. O arguido apenas se apercebeu da presença da falecida na retaguarda da viatura aquando do embate, tendo imobilizado imediatamente a viatura;
38. A falecida tombou sobre o alcatrão, onde ficou deitada;
39. A falecida foi submetida a manobras de reanimação;
40. A assistente D passou a ser comparticipada pela Segurança Social a partir de Março de 2006, no montante mensal de € 330,25 (a partir de 1 de Janeiro de 2007);
41. O arguido é comerciante de automóveis em nome individual, auferindo, em média cerca de € 750,00 a € 1.000,00 por mês;
42. Vive em casa própria com uma companheira, pagando de empréstimo bancário pela aquisição da sua habitação a quantia de € 1.000,00;
43. A sua companheira é empregada de escritório e aufere o ordenado mínimo;
44. O arguido tem o 6º ano de escolaridade;
45. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.

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Para além dos factos meramente conclusivos, que contenham matéria de direito ou que estejam em manifesta contradição com os dados como provados, não se provou que:

1. Após o arguido ter passado junto à vítima esta verificou que não circulava qualquer outra viatura na via;
2. Em medicamentos a assistente gasta, em média, € 17,00 por mês;
3. A vítima não perdeu de imediato os sentidos e teve consciência da gravidade dos ferimentos sofridos;
4. O arguido, antes de iniciar a manobra de marcha atrás, olhou para trás e não avistou ninguém;
5. A falecida G iniciou a travessia da via pública sem se certificar de que o poderia fazer sem perigo, não se tendo apercebido do ruído do motor do veículo e não tendo reparado na sua aproximação em recuo;
6. O peão, atravessando a via pública em passo apressado, colocou-se na trajectória da traseira do automóvel;
7. Quando o arguido estava a efectuar a manobra de marcha atrás, a falecida entrou repentinamente na faixa de rodagem, com o corpo em posição lateral olhando para a amiga de quem se estava a despedir;
8. Não tomou atenção ao trânsito nem olhou previamente para a rua;
9. O arguido estava a efectuar a manobra de marcha atrás, olhando pelos espelhos retrovisores;
10. A falecida embateu com a parte de trás da cabeça no alcatrão, ficando deitada com a parte superior do corpo voltada para o centro da rua e a parte inferior para o lado do passeio;
11. A queda da falecida deve-se ao movimento de deslocação lateral, sem equilíbrio adequado e protecção dos membros superiores e ao seu débil estado físico, derivado da idade;
12. A falecida tomava medicamentos para prevenir acidentes vasculares cerebrais e tromboses;
13. Tal medicação torna o sangue fluido e aumenta a possibilidade de hemorragias;
14. Dois a três por cento dos doentes que tomam “Varfine” sofrem hemorragias de grau moderado e grave durante um ano, sem agressão externa;
15. A hemorragia subsequente à contusão foi devida à fluidez sanguínea resultante da medicação;
16. Quanto às lesões no tórax, a fractura das costelas ocorreu devido à força mecânica exercida pelo pessoal médico no Hospital onde a falecida foi socorrida durante as manobras de reanimação;
17. A falecida deu entrada no Hospital com paragem respiratória, tendo sido reanimada;
18. As fracturas das costelas e consequente perfuração da pleura da vítima não resultaram do embate com a viatura conduzida pelo arguido;
19. A hemorragia cerebral foi provocada ou aumentada pela medicação.

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O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada com base nos documentos juntos aos autos a fls. 3 e 4, 42 a 48, 78, 159 a 161, 171, 176 a 182, 244, 283, 369 e 377, conjugados com a análise crítica e ponderada da prova produzida em audiência de discussão e julgamento.

O tribunal considerou as declarações do arguido que confirmou que no dia, hora e local referidos nos factos provados conduzia o veículo ali identificado, tendo efectuado uma manobra de marcha atrás depois de ter olhado pelos espelhos retrovisores, sendo que só se apercebeu da vítima quando lhe embateu. Relativamente à explicação para o sucedido, o arguido disse que ou a vítima entrou no ângulo morto dos espelhos retrovisores ou quando a falecida atravessou a rua estaria ele a virar-se de um espelho para o outro.

Por outro lado, o tribunal teve em conta o depoimento espontâneo e credível da testemunha H, única pessoa que assistiu na íntegra a toda a dinâmica do acidente. Com efeito, antes do acidente, esta testemunha estava a conversar com a vítima, G, no passeio à porta de sua casa. Referiu que passou um carro de repente, a vítima despediu-se da testemunha, e mete-se à estrada quando o carro começa a fazer marcha atrás e bate na falecida. Esclareceu que a manobra de marcha atrás foi feita de forma muito rápida, muito depressa e que a vítima caiu ao chão depois de ter sido projectada no ar. Acrescentou que a vítima era uma pessoa muito dinâmica, alegre e bem disposta, tratava da irmã mais velha, a qual teve que ir logo para o Lar. Mais disse que as irmãs eram muito amigas uma da outra, eram ambas solteiras, sendo que a assistente sofreu muito com a morte da irmã G, demonstrando ter conhecimento de tais factos uma vez que era muito amiga da falecida há muitos anos.

Por sua vez, foi importante o depoimento da testemunha H, agente da PSP de Pombal, que subscreveu a participação de acidente de viação e o croquis juntos aos autos cujo teor confirmou em julgamento. Referiu, também, que chegou a falar com o arguido, no local, o qual lhe disse que fez uma manobra de marcha-atrás quando atropelou inesperadamente a vítima.

J prestou um depoimento isento e imparcial, relatando ao tribunal que a vítima era uma pessoa muito activa e com muita energia, tratava da irmã D, que era doente, designadamente cuidando da sua alimentação, higiene e idas aos médicos, por forma a convencer o tribunal da veracidade das suas afirmações e revelando ter conhecimento de tais factos por ser vizinha das irmãs, a falecida G e a assistente D, há cerca de 40 anos.

Considerou-se, também, o depoimento da testemunha F, sobrinha da falecida e da assistente que, de forma espontânea e credível confirmou a relação que as suas tias tinham uma com a outra, esclarecendo que era a vítima G que cuidava da irmã ao nível de alimentação e higiene, fazendo sozinha todas as tarefas domésticas. Por outro lado, confirmou que a sua tia D teve que ir para o Lar por não ter mais ninguém para cuidar dela, não obstante a testemunha ainda ter tido a tia em sua casa cerca de duas semanas após a morte da tia G. Mais confirmou que ambas viviam numa casa arrendada, pagando de renda a quantia mensal de € 60,00. Acrescentou que quando a tia D entrou para o Lar pagava mensalmente a quantia de € 650,00, sendo que presentemente a mensalidade é de € 840,00, sendo que a pensão que recebe da Segurança Social não é suficiente para pagar a mensalidade do Lar. A referida testemunha acrescentou, ainda, o sofrimento que a sua tia, ora assistente, suportou com a morte da irmã, dizendo que a mesma se sente perdida, triste e sem carinho, demonstrando ter conhecimento de tais factos uma vez que vai todas as semanas visitar a tia ao Lar, descrevendo ao tribunal, de forma convincente que vem do lar “doente” por ver o sofrimento da tia.

Foi tido em conta o depoimento da testemunha K que, apesar de não ter assistido ao acidente, passou no local alguns minutos depois, referindo que o arguido lhe disse que fez manobra de marcha atrás e “apanhou” a senhora.

Por último, o tribunal teve em conta o depoimento da testemunha Fernando José Marques de Matos, médico no Hospital Distrital de Pombal, que referiu terem ido feitas manobras de reanimação à vítima G, demonstrando ter conhecimento de tal facto uma vez que estava presente no serviço de urgências daquele Hospital quando foi iniciado o processo de reanimação.

Relativamente às condições sócio-económicas do arguido foram consideradas as suas declarações, as quais se nos afiguraram espontâneas e credíveis.

No que se refere aos antecedentes criminais do arguido, foi considerado o C.R.C. junto aos autos.

Quanto aos factos não provados assim se consideraram por não ter sido produzida qualquer prova que directa ou circunstanciadamente nos permitisse formular um juízo de certeza quanto à sua verificação.


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Conhecendo:
Questiona a demandada os montantes da indemnização em que foi condenada, nas vertentes:
- Indemnização à demandante por danos próprios;
- Dano morte arbitrado à demandante;
- Juros sobre os danos morais e patrimoniais futuros.
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Embora o recurso respeite em exclusivo à matéria cível, nos termos do art. 403, nº 1 e 2 do CPP, tal não quer dizer que não possa ser questionada a matéria de facto inerente ao conhecimento da matéria do pedido cível e fixação da indemnização.
- Indemnização à demandante por danos próprios:
Em causa os danos patrimoniais sofridos pela demandante.
A indemnização nesta sede baseia-se nos factos provados sob os pontos nº 17, 20 e 27 a 30, nomeadamente.
Na sentença recorrida se considerou: “A vida da pessoa que morre faz mais falta quanto mais necessária for aos familiares.
No caso dos autos, resultou provado que a assistente vivia em completa dependência da vítima, sua irmã.
Entendo, assim, que a quantia de € 25.000,00 pedida pela assistente pela perda da sua irmã cabe dentro dos critérios seguidos pelos nossos mais altos tribunais na fixação desse dano”.
Como resulta da matéria de facto provada e supra transcrita, o dano não patrimonial da demandante é relevante e merecedor da tutela do direito.
Sendo cidadãos de um país evoluído, até em matéria de prémios de seguros, temos de nos abster de aplicar critérios miserabilistas e dar uma valoração condigna –cfr. Ac. Rel. Lx de 15-12-1994, in Col. Jurisp. tomo V, pág. 135.
Respaldando estes factos provados verifica-se que a demandante sofreu a perda de uma irmã (vítima de acidente estradal), que lhe era chegada e era o seu amparo e a sua companhia.
Porém, temos que valorizar mais as situações em que os danos morais próprios são peticionados pelas próprias vítimas dos acidentes.
Estes danos morais peticionados são merecedores da tutela do direito, art. 496 nº 1 do Cód. Civil, sendo que o nº 3 aponta para que a indemnização nesta sede seja fixada equitativamente pelo Tribunal.
E, é apenas o juízo de equidade que é tido em conta, com o seu grau de subjectividade, atendendo aos factores referidos na lei e a todas as circunstâncias emergentes da factualidade apurada, seguindo também os critérios orientadores de jurisprudência.
“Na quantificação da indemnização por danos morais, com recurso à equidade, devem ponderar-se, além do mais, os valores fixados noutras decisões jurisprudenciais” –Ac. do STJ de 25-06-2002 in Col. Jurisp. (S) tomo II, pág. 128. Aqui se atribuiu a indemnização de 5.500.000$00 à vítima que na força da vida ficou a sofrer “de significativa e permanente limitação funcional” e com afectação da sua qualidade de vida.
Também a título de exemplo se indica o Ac. do STJ de 26-01-2002 in Col. Jurisp. (S) tomo I, pág. 62 no qual se considerou ajustada a indemnização (nesta sede) de 4.000.000$00 a cada um dos pais pela perda de uma filha única, havendo convivência e laços afectivos muito fortes entre todos.
Há que ponderar o lapso de tempo já decorrido, assim como há que ter em conta o grau de parentesco (naquele caso tratava-se da perda de uma filha única) e até a idade das vítimas (no caso em apreço, a vítima tinha 84 anos).
Não se entendendo quais os “critérios objectivos” a que a recorrente se agarra, “e os limites que tiverem sido provados” para que a indemnização à demandante, nesta sede, “não deve exceder os 15.000,00€”.
Visando a indemnização compensar a dor pessoal sofrida pela demandante e como refere o prof. Vaz Serra in RLJ Ano 103-181, citado pela recorrente, “como, todavia, o juiz não poderá, muitas vezes, calcular com precisão o montante da reparação ou compensação a atribuir ao lesado por danos não patrimoniais, afigura-se-nos então que se fixe equitativamente essa compensação”.
Tendo em conta o que ficou exposto e com base na equidade, temos como ajustado fixar a indemnização nesta sede, em 17.500,00€.
Assim que, nos termos expostos, se altera e se fixa a indemnização.
-Dano morte arbitrado à demandante:
Na sentença entendeu-se que a indemnização pelo dano privação da vida “se transmite aos sucessores referidos no art. 496, nº 2 do CC, neste caso, à assistente”.
Recorre a demandada alegando que a indemnização nesta sede é direito próprio dos indicados no nº 2 do referido art. 496.
Refere o preceito que,”por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem”.
A questão foi e é debatida, quer na doutrina quer na jurisprudência.
Das duas posições mais seguidas, uma entende que a indemnização se adquire por direito próprio e a outra entende que se adquire por via sucessória do falecido.
A sentença encontra-se bem fundamentada, perfilhando a tese da aquisição por via sucessória, a tese contrária à que entendemos mais correcta.
Na sentença se justifica: “Nas palavras do Prof. Galvão Teles, o momento da morte é o último momento da vida. A morte aparece assim como o derradeiro vestígio de um dano antes produzido (...) daí não ser correcto dizer-se que o direito à reparação pelo dano resultante da lesão do direito à vida já não se verifica na esfera jurídica do seu titular ou de que o lesado já não teve tempo de adquirir o correspondente direito à reparação. Na verdade, o que vem a coincidir é que a morte é a obrigação de indemnizar, pois aquele direito já precede esta obrigação.
Perfilhamos, pois, o entendimento expresso pelo Prof. Leite de Campos, no ensaio sobre a indemnização do dano morte de 1974, no sentido de tal crédito nascer na própria vítima, transmitindo-se por via sucessória ao grupo de pessoas enumeradas no artigo 496º, nº 2, do Código Civil, conjuntamente e pela ordem aí estabelecida.
Sendo assim, a vítima adquiriu ainda em vida o direito a ser reparada pelo dano morte, cujo direito à reparação pecuniária entra, por aquisição, iure proprio no património da vítima e transmite-se ao grupo de pessoas indicadas no normativo acima citado”.
A tese que seguimos é sustentada, nos seguintes termos: Os Profs. Pires de Lima e A. Varela em anotação ao art. 496 do Código Civil anotado refere “no caso de a agressão ou lesão ser mortal, toda a indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio (iure próprio), nos termos e segundo a ordem do disposto no nº 2”. Aí se refere que tinha entendimento diferente o Prof. Vaz Serra expresso na RLJ Ano 107 140 e ss. e Ano 109-44.
Tese desenvolvida in Direito das Obrigações, Almedina, 10ª edição de 2000, vol. I, pág. 608 e seguintes defendendo que no anteprojecto Vaz Serra incluiu que a indemnização por morte se transmitia aos herdeiros da vítima, sendo que essa expressão foi eliminada. “Eliminou-se muito significativamente a disposição que consagrava a transmissão aos herdeiros do direito de indemnização por danos não patrimoniais, quando o facto lesivo tivesse causado a morte imediata da vítima”, acrescentando, “o facto de se atribuir como direito próprio às pessoas discriminadas no nº 2 do art. 496 a faculdade de exigir a reparação por um dano relativo a um bem pertencente a outra pessoa nada tem de anómalo”.
Também in Direito das Obrigações, os Drs. Sousa Ribeiro, Sinde Monteiro, Almeno de Sá e J. C. Proença, com base nas lições do Prof. Rui de Alarcão, a pág. 277 entendem que “no nº 2 do art. 496 e na 2ª parte do nº 3, o Código refere-se à hipótese de o facto ter provocado a morte da vítima para designar os titulares do direito à indemnização.
De forma mais concreta se pronuncia o Prof. Jorge Leite Areias Ribeiro de Faria in Direito das Obrigações, apontamentos da lições proferidas na UC-Porto /Almedina) Iº vol., referindo a pág. 493 “o nº 2 do art.496 diz as pessoas que, no caso da morte da vítima, têm direito à indemnização por danos não patrimoniais. Esta disposição tem gerado acesa controvérsia de interpretação. Em suma, toda a questão radica em saber se o direito de indemnização a que ela se refere é um direito que radica na vítima, de onde deriva depois, por via sucessória, para as pessoas nela indicadas; ou se, diferentemente, a morte da vítima é, em si, um facto susceptível de gerar directamente um dano moral nessas mesmas pessoas. Razões de índole legal e da própria história da disposição apontam para a segunda hipótese”.
Na jurisprudência, e por todos, citamos o Ac. do STJ de 16-01-2002 in Col. Jurisp. (S) tomo I, pág. 165. Aí se refere que e reportando-se ao nº 2 do art. 496 do CC, “ toda a indemnização por «danos morais» prevista nesta disposição legal cabe, não aos herdeiros da vítima, por via sucessória, mas, por direito próprio, em conjunto aos familiares aí indicados”.
É esta a solução que temos como adequada, a indemnização pelo dano privação da vida, cabe aos indicados no nº 2 do art. 496 do CC, por direito próprio e não por via sucessória.
No caso em apreço, a demandante foi instituída por testamento única e universal herdeira da vítima.
A recorrente põe em causa ser a demandante a única irmã da vítima. Pelo menos é certo que foi tido em conta na fundamentação da matéria de facto “o depoimento da testemunha F, sobrinha da falecida e da assistente”, o mesmo se constatando da acta de julgamento a fls. 364.
Alega a recorrente que “a sinistrada morreu solteira, sem filhos nem pais vivos, mas terá duas irmãs vivas e sete sobrinhos, desconhecendo a ré de quem são filhos e quais as suas identidades, nem mesmo se são filhos de irmão ou irmã pré-falecidos”.
Entende a doutrina e jurisprudência que estamos perante uma situação de litisconsórcio voluntário e não necessário. Os Profs. Pires de Lima e A. Varela, in Código Civil anotado, anotação 7 ao art. 496 referem que, “o facto de a lei afirmar (no nº 2) que a indemnização cabe, em conjunto, ao cônjuge e aos descendentes da vítima, não significa que o tribunal não deva discriminar a parte que concretamente cabe a cada um dos beneficiários”.
Assim, caso se conhecesse o número e a identidade dos titulares do direito, a indemnização poderia ser discriminada em relação a cada um dos titulares, e in casu se discriminaria a cota-parte da demandante.
A impossibilidade de individualização da quota-parte da demandante não acarreta absolvição da instância cível, mas antes constitui, e porque no âmbito do processo penal, o vício da insuficiência, previsto no art. 410 nº 2 do CPP.
É que apurando-se o número e identidade dos titulares do direito é possível proferir decisão que produza efeito útil em relação à demandante.
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando há lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito;
- Lacuna ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar;
- Por haver lacunas no apuramento da matéria de facto necessária e possível para a decisão. Se não há essas lacunas, há uma errada subsunção dos factos ao direito - erro de julgamento - (Germano Marques da Silva).
Esta insuficiência manifesta-se, pelo menos tendo em conta as regras da experiência, a levar em conta na formação da convicção.
Como se refere no Ac. do STJ in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 6º, Fasc. 4, pág. 557, "se se verificar que o Tribunal investigou o que devia investigar e fixou -dentro dessas possibilidades de investigação- matéria de facto suficiente para a decisão de direito, tal vício não existirá". "Apenas existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que tal matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz" (sublinhado nosso).
Pelo que, se verifica, in casu, lacuna no apuramento de matéria de facto necessária para a decisão.
Também o art. 340 do CPP manda que, mesmo oficiosamente se produzam todos os meios de prova necessários à descoberta da verdade e boa decisão da causa.
Assim que e verificando-se o vício da insuficiência, mais não resta que o reenvio do processo para apuramento desta questão concreta, nos termos do art. 426 nº 1 do CPP.
Há apenas que apurar os beneficiários nos termos do art. 496 do Código Civil, uma vez que o montante da indemnização não foi questionado, antes foi julgado pela recorrente como fixado de “de harmonia com a jurisprudência corrente e mais recente”.
- Juros:
Na sentença se fixa a indemnização global e se acrescenta: “acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento”.
O Acórdão nº 4/2002, destinado à uniformização de jurisprudência, veio a adoptar a seguinte interpretação:
“Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de calculo actualizado, nos termos do nº 2 do art. 566 do CC, vence juros de mora, por efeito do disposto nos arts. 805 nº 3 (interpretado restritivamente) e 806 nº 1, também do CC, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
Na sentença nada se diz relativamente à actualização, depreendendo-se, no entanto que tal actualização não se operou, os quantitativos indemnizatórios atribuídos não tiveram em linha de conta o critério actualista definido no art. 566 nº 2 do Cód. Civil.
Pelo que devem ser actualizados, através do vencimento dos juros legais, no que respeita aos danos patrimoniais já verificados, quantia de 4.909,92€.
Relativamente aos danos futuros, fixados no montante de 15.384,00€, refere a recorrente, “não faz sentido retroagi-los (os juros) à data da citação, porque, pela sua própria natureza a indemnização a arbitrar a este título destina-se a ressarcir danos que ainda não existem”.
Aparentemente tem razão a recorrente, os danos só ocorrerão no futuro, só que esquece que a indemnização por tais danos foi calculada com base nos elementos existentes à data formulação do pedido cível.
A quantia mensal do internamento tida em conta no cálculo da indemnização era o valor à data da formulação de tal pedido, pelo que tendo em conta a inflação entretanto verificada, deveria ter havido actualização, que não houve.
Daí a necessidade de actualização através do vencimento de juros à taxa legal.
Entendemos assim, haver lugar a aplicação de taxa de juros a partir da data da notificação do pedido cível e não só apenas a partir da decisão que fixa o montante da indemnização.
As quantias apuradas, as respeitantes a danos patrimoniais vencem juros desde a interpelação para o pagamento, assim não acontecendo com a quantia arbitrada a titulo de danos não patrimoniais, uma vez que, nesta sede, os valores encontrados o são nesta data, são fixados com a decisão, respeitam ao presente, encontrando-se actualizados.
Relativamente aos danos morais, estes vencem juros somente após a data da decisão, e serão calculados, se necessário, à taxa legal.
Seguimos a orientação do Ac. da Rel. do Co. de 22-4-93, in CJ, tomo II, pág. 69, o qual conclui que “a indemnização por danos não patrimoniais só vence juros a partir da decisão da 1ª instância que a fixou”.
Como a indemnização é nessa altura fixada, calculada em valores actualizados até essa decisão, o valor dessa indemnização já engloba os prejuízos que os juros moratórios visam ressarcir.
Por isso vencerá juros a partir dessa decisão da 1ª instância, que fixou a indemnização.
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Decisão:
Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra em, julgar o recurso da demandada E parcialmente procedentes, nos termos supra expostos e, em consequência:
- Fixa-se a indemnização à demandante D, por danos morais próprios, no montante de 17.500,00€.
- Ordena-se o reenvio parcial dos autos, apenas para apuramento dos beneficiários, nos termos do art. 496 nº 2 do Código Civil, e aos quais é atribuída, em conjunto, a indemnização de 30.000,00€.
- Juros nos termos acima referidos, sendo calculados sobre a quantia de danos patrimoniais a contar da notificação à demandada do pedido cível e, sobre a quantia dos danos morais a partir da sentença em 1ª instância que os fixou com base na equidade e nessa data.
- No mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas, em ambas as instâncias, por demandante e demandada, não proporção do decaimento.
Coimbra,
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