Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | TÁVORA VÍTOR | ||
| Descritores: | INSOLVÊNCIA REQUISITOS | ||
| Data do Acordão: | 03/06/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | COMARCA DE SOURE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 3º E 20 Nº1 DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE) | ||
| Sumário: | I. Considera-se insolvente o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações já vencidas. II. Estando-se face a uma pessoa colectiva ou património autónomo pelo qual nenhuma pessoa colectiva responda, a situação de insolvência ressalta quando o passivo é superior ao activo. III. Encontra-se numa situação de insolvência a empresa em que, para além do seu passivo ser manifestamente superior ao activo, é generalizada a suspensão do pagamento para com os seus principais credores. | ||
| Decisão Texto Integral: | 1. RELATÓRIO.
Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra. A...., com sede na X..., Albergaria-a-Velha, veio requerer a declaração de insolvência de B..., pessoa colectiva nº 500429014, com sede na Y..., Soure. Para tanto alegou, em síntese, que é credora da Requerida em montante que ascende a € 18.820,91, acrescidos de € 947,74 a título de juros já vencidos, a que acrescem os juros vincendos; apesar de ter interpelado extrajudicialmente e judicialmente a Requerida para proceder ao pagamento de tal quantia, até ao momento esta nada lhe pagou; os legais representantes da Requerida furtam-se ao contacto com a Requerente e ninguém atende sequer os telefones nas instalações desta; correm contra a Requerida várias acções para cobrança de créditos; como património somente lhe são conhecidas as instalações sociais, que se encontram já arrestadas; Juntou a requerente certidão de teor registral da matrícula comercial da requerida e respectivas inscrições em vigor; diversas facturas emitidas pela Requerente e endereçadas à Requerida. Regularmente citada, a Requerida ofereceu articulado, mediante o qual se opôs à pretensão da Requerentes, alegando que a quantia por esta reclamada não se encontra efectivamente em dívida, porquanto os serviços por ela prestados padecem de vícios. Alega ainda que possui vasto património, apesar de ter diversos credores, e tem vindo a solver as suas dívidas, cumprindo inclusivamente planos de pagamento acordados com credores; Mais alega que tem uma grande carteira de clientes e obras em curso, pelo que se afigura viável a manutenção da sua actividade; não tem dívidas à segurança social, fisco nem aos trabalhadores e goza de crédito na banca; para além disso, tem créditos a haver de várias entidades, incluindo do Estado; fez avultadas aquisições em existências e bens, que justificam as dificuldades financeiras que não nega ter vindo a passar, mas já há retorno desse investimento, tanto mais que obteve resultados líquidos dos últimos exercícios positivos. Nos termos do artigo 35º nº 1 do CIRE - Diploma ao qual pertencerão os restantes normativos a citar sem menção de origem - foi marcada audiência de discussão e julgamento à qual compareceram ambas as partes. Nos termos do nº 5 do mencionado preceito legal o Sr. Juiz seleccionou a matéria de facto relevante que considerou assente e elaborou a Base Instrutória, não se tendo registado reclamações. Produzida a prova – artigo 35º nº 7 - foi decidida a matéria de facto e de imediato proferida sentença que declarou insolvente a devedora B..., pessoa colectiva nº 500429014. Daí o presente recurso de apelação interposto pela requerida, a qual no termo da sua alegação pediu que se revogue a sentença por entender que se não encontram preenchidos os requisitos de que depende a declaração de insolvência. Foram para tanto apresentadas as seguintes, Conclusões. 1) Perante a factualidade dada como provada, não poderia concluir-se pela insolvência da requerida nos termos do artigo 3º do CIRE. 2) A requerida não se encontra impossibilitada de cumprir a generalidade das suas obrigações. 3) A sentença recorrida fez uma errada interpretação do artigo 3º do CIRE. 4) Ao considerar-se que a sociedade requerida se encontra impossibilitada de cumprir a generalidade das suas obrigações, não foram tidos em conta a totalidade dos factos dados como provados. 5) A requerida encontra-se solvente, dado que continua perante a factualidade dada como provada, a cumprir a generalidade das suas obrigações. Contra-alegou a apelada pugnando pela sem razão da requerida. Corridos os vistos legais cumpre decidir. * 2. FUNDAMENTOS. O Tribunal deu como provados os seguintes, 2.1. Factos. + 2.1.1. A requerente no exercício da sua actividade comercial de construção civil pintura e envernizamento forneceu materiais e executou diversos trabalhos designadamente de pintura a solicitação da requerida na empreitada denominada de “Construções das Instalações do Arquivo Municipal de oliveira de Azeméis”. 2.1.2. Tais trabalhos foram oportunamente facturados à requerida com especificação da sua identidade, quantidade e preço, nas datas das respectivas entregas, conforme se infere das seguintes facturas nº 289 de 27/06/2005 no montante de 67.497,00; nº 345 de 23/12/2005 no montante de € 4.319,70; nº 26020 de 13/06/2006 no montante de € 6.871,11. 2.1.3. Requerente e Requerida acordaram que o pagamento seria efectuado 30 dias contados da data de emissão de cada factura. 2.1.4. A requerente executou trabalhos de reparação, nomeadamente de pintura, a solicitação da Requerida, num apartamento sito em Oliveira de Azeméis, e emitiu a correspondente factura n.º 318 datada de 20/09/2005, que deveria ser paga em 30/09/2005, no montante de € 150. 2.1.5. A requerida por falta de meios financeiros parou a obra na empreitada denominada de “Construções das Instalações do Arquivo Municipal de Oliveira de Azeméis” que estava a seu cargo. 2.1.6. A requerida não tem pago os débitos já vencidos que tem para com outros agentes económicos e seus fornecedores designadamente “José Luís Castro, Lda.”, “Gessi Pinheiro, Lda.”, “Luís Maia Alumínios, Lda.”, “Vítor Frias Lda.”, “Ibertfer, S.A”, “Ommitrade - Revestimentos Metálicos, Lda.”, entre as quais já instauraram acções contra a requerida nos quais peticionam os seus créditos. 2.1.7. A requerida não obstante algumas dificuldades financeiras que está a atravessar, tem procurado honrar sempre todos os seus compromissos, cumprindo acordos com os seus credores, de que são exemplos os acordos com Hortirelva Lda., Tibério e César Lda., Santos Gomes e Camarinha, Sondagens Rodio Lda., e Iberfer - Equipamentos Construções Técnicas S.A. 2.1.8. A requerida continua a laboral, com uma única funcionária ao seu serviço desde Março corrente ano. 2.1.9. Encontra-se registado na competente Conservatória do Registo Comercial, que em 2 de Maio de 2006 foi deliberado que o Conselho de Administração passaria a ter três novos membros: C..., D..., e E.... 2.1.10. A requerida tem a seu cargo a empreitada da obra denominada Museu do Sal sendo o dono da obra a Câmara Municipal da Figueira da Foz. 2.1.11. A requerida tem em vista a celebração de um contrato de empreitada para a execução de 29 moradias. 2.1.12. Antigos credores da requerente viram as suas dívidas ressarcidas e existem outros para quem a requerida tem vindo a cumprir como Horta e Relva Lda., Tibério César Lda., entre outros. 2.1.13. A requerida não tem dívidas fiscais. 2.1.14. Tem dívidas para com a Segurança Social que rondam os 5.000,00 € e são posteriores a 19 de Abril de 2006. 2.1.15. No exercício de 2005 declarou a requerida para efeito fiscais um resultado líquido do exercício de 1.170,40 €, e no ano de 2004 um resultado líquido do exercício 4.631,33 €. 2.1.16. Para efeitos fiscais declarou ainda a requerida ter imobilizações corpóreas 904.214,85 € e a título de amortizações 472.592,87 €, declarando, assim, um activo líquido 431.621,88 €, 2.1.17. Mais declarou a título de activo bruto 1.164.346,45 €, 2.1.18. A título de dividas a terceiros, 872.862,93 € 2.1.19. A título de títulos negociáveis 63.458,21 € 2.1.20. A requerida tem um depósito a prazo que ascende a cerca de 115.000,00 €. 2.1.21. Declarou ainda para o mesmo efeito, a título de dividas a terceiros a médio e longo prazo 1.136.260,49 €. 2.1.22. A curto prazo 1.182.478,12 €. 2.1.23. A requerida tinha 15 trabalhadores até 15 de Março de 2006, sendo que 14 deles rescindiram os seus contratos de trabalho por terem salários em atraso. 2.1.24. A única trabalhadora da requerida actualmente, F..., tem salários em atraso desde Janeiro de 2006, que importam em não menos de 11.000,00 € a que acrescem os respectivos juros. 2.1.25. A requerida tem débitos para com a empresa Alumínios Luís Maia, que rondam os 40.000,00 €, tem igualmente débitos para com empresas S J Pinheiro Lda. que ascendem cerca de 4.000,00 € e para com José Luís Castro em cerca de 6.000,00 €. 2.1.26. Tem ainda débitos para com a empresa Vítor Frias Lda. que rondam os 40.000.00 €. 2.1.27. Todas estas dívidas encontram-se vencidas há largos meses, algumas das quais há anos e apesar de os seus titulares as reclamarem, a Requerida nada pagou até à data. 2.1.28. A requerida tem a receber um crédito da Câmara Municipal da Figueira da Foz em processo litigioso. + 2.2. O Direito. Sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal – artigos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil. Assim e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos: - A requerida está impossibilitada de cumprir as suas obrigações? + 2.2.1. A requerida está impossibilitada de cumprir as suas obrigações? Insurge-se a requerida contra a sentença apelada que decretou a sua insolvência, desde logo com o fundamento de que a mesma, face aos elementos constantes dos autos, não está impossibilitada de cumprir as suas obrigações. Estatui a este respeito o artigo 3º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – doravante designado por CIRE – “1 – É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. 2 – As pessoas colectivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis. 3 – Cessa o disposto no número anterior, quando o activo seja superior ao passivo, avaliados em conformidade com as seguintes regras: a) Consideram-se no activo e no passivo os elementos identificáveis, mesmo que não constantes do balanço, pelo seu justo valor; b) Quando o devedor seja titular de uma empresa, a valorização baseia-se numa perspectiva de continuidade ou de liquidação, consoante o que se afigure mais provável, mas em qualquer caso com exclusão da rubrica de trespasse; c) Não se incluem no passivo dívidas que apenas hajam de ser pagas à custa de fundos distribuíveis ou do activo restante depois de satisfeitos ou acautelados os direitos dos demais credores do devedor. 4 – Equipara-se à situação de insolvência actual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência”. Por seu turno e precisando factos índices da declaração de insolvência, o artigo 20 nº 1 dispõe que “A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos: a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas; b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo; d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos; e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor; f) Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do nº 1 e no nº 2 do artigo 218º; g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos: i) Tributárias; ii) De contribuições e quotizações para a segurança social; iii) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato; iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência; h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no nº 2 do artigo 3º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado. 2 – O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de representação das entidades públicas nos termos do artigo 13º. Resulta do exposto que os normativos supracitados consideram a impossibilidade de cumprimento das obrigações como o elemento fundamental de aferição da impossibilidade de cumprimento das obrigações por parte do devedor, mais adiantando que estando-se face a uma pessoa colectiva ou património autónomo pelo qual nenhuma pessoa colectiva responda, são também considerados insolventes quando o passivo seja superior ao activo. Da cotejo do novo CIRE com os Diplomas que o antecederam, nomeadamente o CPEREF e o Código de Processo Civil, resulta acentuada a protecção que se pretende dar aos credores, bem patenteada desde logo no citado artigo 3º1. Verificados os pressupostos a que se reportam os nsº 1 e 2 do referido preceito, haverá que decretar a insolvência do devedor. Esta regra regista apenas a excepção do nº 3, mas dentro dos apertados limites a que as alíneas a), b) e c) do mesmo se reportam, cujos factos integradores serão na sua maioria impeditivos do direito do Autor requerente e a provar pelo devedor. A requerida é uma sociedade anónima, pelo que lhe é aplicável directamente o condicionalismo do artigo 2º nº 2 do artigo 3º. A Sra. Juiz decretou a insolvência da requerida fundamentando-a essencialmente com o facto de o seu passivo ser manifestamente superior ao activo e ser generalizada a suspensão do pagamento das suas obrigações para com a Segurança Social e com os próprios trabalhadores. Tem razão a sentença apelada. Na verdade, a simples análise aritmética da factualidade provada, demonstra-nos que o passivo da sociedade é francamente superior ao activo. A mesma continua a laborar, mas o certo é que se indicia estar irremediavelmente perdida. Na vida das empresas e sociedades há certos elementos índices que aferem da sua vitalidade2; é o que se passa com as dívidas aos principais credores e a organismos de Segurança Social - artigo 20º alíneas do CIRE; e são consideráveis tais débitos, como se vê dos factos provados nomeadamente para com esta última. Numa empresa com 15 trabalhadores as dívidas para com aquela entidade só posteriormente a 18 de Abril de 2006, rondam os € 5 000,00. E não deixa de ser relevante in casu o facto de restar apenas na empresa uma trabalhadora daqueles 15 que ali laboravam; os outros rescindiram os respectivos contratos em virtude de lhes não ser pago o respectivo salário, sendo de presumir conhecerem que a má situação económico-financeira da empresa não era meramente conjuntural passageira e superável. Isto é desde logo patente pela manifesta superioridade do passivo da empresa sobre o activo ainda que tomando em linha de conta apenas os dados constantes da última declaração fiscal apresentada – artigo 20º alínea h) e 3º nº 2 do CIRE. Sobre a requerida recairia o ónus de contradizer os factos impeditivos do direito do requerente, designadamente os das alíneas a) a c) do nº 3 do artigo 3º, o que não fez. É bem certo que dos factos provados constam algumas empreitadas que a requerida tem em carteira… e tem cumprido alguns compromissos. Há ainda expectativa de outros contratos… mas fica-se para já com uma realidade cujo balanço é negativo para a requerida à face do CIRE, nomeadamente do seu artigo 3º e como tal foi e bem valorizada pela sentença apelada que assim irá confirmada. * 2. DECISÃO. Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação improcedente confirmando a sentença apelada. Custas pela apelante. |