Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4321/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. BARRETO DO CARMO
Descritores: MEDIDA DE COAÇÃO
ADESÃO À PROMOÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Data do Acordão: 02/11/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ART. 118º E 120º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário:

1 - A medida de coacção prisão preventiva é decisão do juiz, não devendo a fundamentação vir no arrasto da promoção do Ministério Público, e não seja, o Juiz, ele próprio a enunciar os motivos de facto e de direito da sua decisão.
2 - A adesão há promoção do Ministério Público constitui uma forma de fundamentação, porém revestida de irregularidade face á necessidade de enumerar no próprio despacho os fundamentos de facto e de direito.
3 - Tal irregularidade fica sanada nos termos do artigo 123º/1 do Código de Processo Penal

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da Secção Criminal da Relação de Coimbra:

______ O RECURSO:


O presente recurso vem interposto pelo arguido

A

e refere-se à decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial de Viseu, que lhe aplicou a prisão preventiva, como medida de coacção.

Na motivação, diz nas conclusões:

(Transcrição via scanner)

1. A decisão recorrida é nula e ilegal.
2. Ao recorrente não foram indicados os factos e as provas em que se baseou a aplicação, da medida de coacção de prisão preventiva, nomeadamente no despacho recorrido.
3. Tal facto viola os seus direitos de defesa, previstos no art0 32º n0 1 da Constituição Política da Republica Portuguesa, que assegura ao arguido todas as garantias de defesa.
4. Não conhecendo os factos e as provas em que se baseia a decisão, não poderá contraditá-las e deste modo não poderá defender-se.
5. Aliás, verifica-se a violação também, do disposto no art0 141º n0 1 do C.P. Penal, ao não serem indicados os motivos e as provas em que a detenção se baseia. Aliás,
6. O despacho que ordenou a prisão preventiva é nulo, desde logo porque não se pronuncia sobre a validade ou invalidade da detenção, não tendo verificado se no caso concreto ocorreriam os fundamentos legais previstos nos art0s 254º, 255º e 257º do C. P. Penal, que deste modo foram violados.
7. Por outro lado, a decisão recorrida não contém qualquer fundamentação, de facto ou de direito, violando o disposto no art0 97º n0 4 do C. P. Penal.
8. Nem a simples remissão para a promoção do Ministério Público — que o defensor do arguido subscritor desconhece, por da certidão passada e junta com estas alegações não constar, embora requerida — será fundamentação bastante ilegal, dado que, a fundamentação da decisão judicial, não se basta com a adesão aos fundamentos do requerido por uma parte, como resulta do disposto no art0 158º n0 2 do C. P. Civil.
9. Aplicável em processo penal por maioria de razão, dados os altos valores, como a liberdade, que estão em causa e tal aplicação se fundamentar, também no art0 4º do C. P. Penal.
10. A medida de coacção aplicada é excessiva e inadequada.
11. Violando-se assim o disposto no art0 193º n0 1 e 2 do C. P. Penal.
12. As razões invocadas no despacho recorrido, limitam-se ao alarme social e à possibilidade de continuação de actividade criminosa, sem que se justifique no despacho recorrido, através de factos, tal suposição e invertendo-se as razões.
13. Pois parte-se do principio de que a liberdade significa um não” arrepiar caminho” quando se devia fundamentar a prisão, com factos que levassem a concluir que, o arguido iria praticar novos delitos.
14. O arguido nunca respondeu por crime doloso, tem apenas 22 anos de idade, é feirante, negócio de que vive, sustentando 3 filhos, cujo mais velho tem apenas 3 anos de idade.
15. Perante tal situação, é um elementar dever da Justiça, restitui-lo à liberdade, já que a prisão preventiva só deve ser aplicada, em último caso.
16. Alarme social — diariamente manifestado nos vários sectores sociais do País - existe sim, no abuso desmesurado da aplicação da prisão preventiva.
17. O presente caso parece exemplar da situação a que se chegou, manifestamente contrária ao espírito da Lei Processual Penal vigente.
18. Deverá pois, revogar-se a medida de coacção de prisão preventiva, aplicando-se ao recorrente simples termo de identidade, acompanhado da obrigação de apresentação periódica perante a autoridade policial.

___ A RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA COMARCA

O Senhor Procurador adjunto, considera que o recurso não merece provimento.

____ A DECISÃO RECORRIDA E OS DADOS DO PROCESSO

Da decisão recorrida, retira-se:

(Transcrição via scanner)
DESPACHO
A detenção dos arguidos A e B e a apreensão dos objectos foi válida porquanto efectuada em flagrante delito, pela autoridade policial competente.
Pelo que as valido.
Concordamos na integra com a douta promoção que antecede.
Após esta autêntica maratona de 4 interrogatórios de arguidos detidos criamos a convicção de que efectivamente os mesmos actuaram de forma concertada e planeada, estudando com antecedência o plano que iriam aplicar, de forma a extorquir dinheiro às vítimas, dinheiro este que lhe permite sobreviver e fazer face aos luxos que pretendem ter, como por exemplo o que fez referência o arguido B play station 2, na realidade como bem referiu o Sr0 Procurador não lhe são conhecidos quaisquer rendimentos vivendo à custa de familiares, que apenas lhe podem ceder algum dinheiro para gastos essenciais, mas não para os gastos supérfluos que os arguidos pretendem.
Além do mais a actuação dos mesmos, cria nesta cidade alarido social, receio e medo, pelo menos na classe estudantil atenta a qualidade da maior parte dos queixosos.
Nada nos leva a crer que caso os arguidos se mantenham em liberdade arrepiarão caminho deixando a vida delituosa, não se verificando qualquer circunstância que nos permitam concluir que se afastarão do crime.
Assim sendo consideramos que existe forte possibilidade de continuação da actividade criminosa, não se mostrando adequada qualquer medida de coacção não privativa da liberdade, pelo que apenas a prisão preventiva evitará que os arguidos prossigam a actividade delituosa que vinham exercendo, e lucrativamente, e possa haver tranquilidade social.
Pelo exposto ao abrigo do disposto nos art0s 191, 193, 195, 202, n0 1, aí. a>, e 204, al. c), do CPP, determino que os arguidos aguardem os ulteriores termos processuais sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva.

___ PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO NESTE TRIBUNAL

Expõe o Senhor Procurador Geral Adjunto:

(Transcrição via scanner)
O Recorrente pugna pela substituição da prisão preventiva por outra medida de coacção não detentiva.
Sustenta, em primeiro lugar. que a decisão recorrida é nula e ilegal porque não lhe foram indicados os factos c as provas em que se baseou a aplicação da prisão preventiva.
Cremos que não lhe assiste razão.
Consta da certidão do auto de interrogatório que foram expostos os factos imputados ao arguido.
Embora esta menção conste do começo do auto e não da parte específica do interrogatório deste, crê-se que tal facto se deve á circunstância de se reportar a todos os arguidos ouvidos no mesmo auto, o que não constitui qualquer violação da lei.
Concebe-se mal que o arguido tenha prestado declarações sobre a matéria que lhe era imputada. se não tivesse tido conhecimento dos factos e motivos da sua detenção, naturalmente por lhe haverem sido dados a conhecer.
A existir a falia apontada pelo recorrente, não se trata de vicio cominado com a sanção de nulidade, constituindo antes mera irregularidade, nos termos dos artigos 118º. n0 2.
Independentemente, porém, da natureza do vício, devia o mesmo ter sido arguido até ao termo do acto de declarações (artigo 119º, n0 3, al. a) e 123º n0 1 do CPP), o que não consta que tenha sido feito.
Sustenta o recorrente, por outro lado. que o despacho recorrido é nulo porque não se pronuncia sobre a validade ou invalidade da detenção, não tendo verificado se no caso concreto ocorriam os fundamentos legais previstos nos artigos 254º, 255º e 257º do CPP.
Afigura-se-nos que não assiste razão ao recorrente também quanto a este aspecto. pois o despacho recorrido, começa precisamente. pela afirmação de que a detenção dos arguidos A e B foi válida porque efectuada em flagrante delito pela entidade competente.
Ainda que assim não fosse e ocorresse omissão da indicada formalidade — ou irregularidade no cumprimento da mesma — não se trata de vício que a lei comine com nulidade.
Também aqui. independentemente da natureza do vício, devia o mesmo ter sido arguido até ao termo do acto de declarações (artigo 119º. n0 3, al. a) e 123º n0 1 do CPP), o que não consta que tenha sido feito.
Sustenta o recorrente, por outro lado ainda, que o despacho que ordenou a prisão preventiva é nulo porque não contém qualquer fundamentação de facto ou de direito. violando o disposto no artigo 97º nº. 4 do CPP.
Apesar de se reconhecer que o despacho não é perfeito. quanto a este aspecto. afigura-se-nos que não assiste razão ao recorrente.
Não estando o despacho recorrido impedido de integrar na sua fundamentação, as razões de facto e de direito invocadas no Ministério Público na sua promoção. sem necessidade de as repetir/reproduzir, uma vez que constam do mesmo auto, não se nos afigura exacto que o despacho recorrido se tenha bastado com a adesão aos fundamentos afirmados pelo Ministério Público.
Para além de aderir aos fundamentos da promoção do Ministério Público, o despacho recorrido faz uma avaliação autónoma das razões pelas quais entende aplicar a prisão preventiva, nomeadamente verificar-se uma situação de perigo concreto justificadora da aplicação desta medida.
Concedemos que em si mesmo o despacho recorrido não indica, e justificava-se que indicasse expressamente o ‘nomen juris” e ‘as disposições legais que punem os crimes imputados ao arguido que se consideram fortemente indiciados, com referência aos quais é aplicada a prisão preventiva.
Não se está, porém, perante uma verdadeira ausência de fundamentação quanto a este aspecto. uma vez que da promoção do Ministério Público com a qual o despacho recorrido afirma declarar na integra, consta expressamente o tipo de crime e as normas que punem as condutas imputadas aos arguidos.
A fundamentação dos actos “permite o controlo da legalidade do acto (.4 e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça (...), mas é ainda um importante meio para obrigar ou autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso, como meio de autocolantes’ - Germano Marques da Silva, in Curso de Processo. II. Verbo, Lisboa 1993. pág. 16 e 17.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23/04/2002, não estabelecendo a Lei, pormenorizadamente - como sucede, v.g.. em relação à sentença -. os requisitos da fundamentação do despacho que impõe uma medida de coacção, haverá de aceitar-se que é suficiente qualquer fórmula, resumida ou sumária, da qual, em conjugação lógica e cronológica com outros actos processuais anteriores, se possa concluir que:
a) o julgador ponderou os motivos de facto e de direito da sua decisão - isto é, não agiu discricionariamente;
b) a decisão tem virtualidade para convencer os interessados e os cidadãos em geral da sua correcção e justiça; e,
e) o controlo da sua legalidade, nomeadamente por via de recurso, não é impedido ou prejudicado pela forma como é proferida’.
A nosso ver, o despacho recorrido satisfaz minimamente estas finalidade pelo que entendemos que não ocorre o apontado vicio na fundamentação do despacho recorrido.
Mas ainda que se entendesse diversamente, tratar-se-ia de uma mera irregularidade que devia ter sido arguida no próprio acto, uma vez que o recorrente a ele assistiu (artigo 123º nº 1 do CPP).
Em termos substantivos, sustenta o recorrente que a medida de coacção é excessiva e inadequada.
Discordamos da afirmação do recorrente que o despacho recorrido lhe uma inversão das razões, partindo-se de uma suposição em vez de se fundamentar com factos o perigo de continuação da actividade criminosa.
Os factos indiciariamente apurados apontam para situações que não são isoladas, esporádicas ou ocasionais, antes se inserem num modo de conduzir-se do arguido que tende a repeti-las quando ocorram situações favoráveis.
Não se nos afigura possível escamotear a avaliação da conduta do arguido pela mera contraposição de que tem apenas 22 anos, é feirante e tem 3 filhos, pois relativamente ao passado criminal do recorrente. contrariamente ao afirmado por este, não á exacto que nunca tenha respondido por crime doloso, conforme se constata do respectivo registo criminal.
Afinal, estas circunstâncias já se verificavam à data da prática dos factos e não se mostraram dissuasoras da(s) conduta(s) do arguido.
A nosso ver, a prisão preventiva não é inadequada para prevenir os perigos referidos no despacho recorrido.
Pelo contrário, inadequada afigura-se-nos sim ser a pretensão do arguido ficar sujeito a mero termo de identidade e residência e obrigação de apresentação periódica perante a autoridade policial.
A circunstância do arguido ser feirante não só fazer antever muito incerto o cumprimento desta obrigação, como não permitir um adequado acompanhamento desse cumprimento pela autoridade policial.
Em função do exposto e ainda que se afirma na resposta à motivação do Ministério Público na primeira instância, é nosso parecer que o recurso não deve merecer provimento.

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Correram os vistos.
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____________ DECIDINDO

As conclusões fixam o objecto do recurso – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/10/92, no Proc. nº. 40528 e, face ás conclusões acima transcritas,

discute-se neste recurso:
· A falta de validação da detenção
· Da validade formal e substancial do despacho que aplicou a medida de coacção.
· Falta de indicação de factos

Quanto ao primeiro aspecto, nenhum fundamento tem o recurso já que, como acima se transcreve, o despacho começa com tal validação.

Quanto ao segundo, alteramos a posição que vínhamos defendendo, face á publicação do Acórdão 396çº/2003, de 30 de Julho de 2003, no DR nº. 29º, II S, de 4/2/2004.

Com efeito, até agora, vínhamos considerando, que num despacho que determinasse a prisão preventiva haveria que distinguir os aspectos substanciais, dos formais, do despacho.

Assim,
argumentávamos:
Estando a aplicação da medida de prisão preventiva normatizada pelo art. 202º do Código Processo Penal, isto no seguimento do art. 29º/2 da Constituição da República Portuguesa, cuja filosofia está hoje realçada, a todos os níveis da consciência jurídico-forense – a prisão preventiva é medida excepcional e a sua aplicação só se pode verificar por inadequação ou insuficiência das outras medidas de coacção, catalogadas no Código Processo Penal - aos requisitos específicos para a aplicação da prisão preventiva e aos carácter geral, para a aplicação de qualquer medida, como são as previstas no art. 204º do Código Processo Penal, com as resultantes dos princípios contidos nos arts. 192º e 193º, do mesmo Código, terá o despacho que determina a aplicação da medida de coacção terá de obedecer aos requisitos do art. 194º/3 do Código Processo Penal; por tal o despacho terá de enunciar os motivos de facto da decisão (art. 194º/3, citado), quer isto em sede de aplicação quer na de reapreciação, quer esta reapreciação resulte da imposição legal do art. 213º do Código Processo Penal quer de requerimento do arguido, isto conforme o art. 213º/2 e 194º do Código Processo Penal. .
Esta exigência é expressa no preceito, e dele constam, diz-se no citado art. 193º/3:
Em consequência, considerávamos que tal não se coadunava com a remessa para a promoção do Ministério Público, quanto aos fundamentos, e tal omissão torna defeituoso, por defeito, o despacho, acrescentando que o mesmo acontece, com a fundamentação de facto nem de direito, a sua decisão, em apreciação crítica dos fundamentos dos pressupostos que determinaram a aplicação da medida.
Considerámos que essa falta não constituía nulidade, já que não está elencada nos arts. 118º a 120º do Código de Processo Penal, configura irregularidade e esta, tinha reparação oficiosamente, por, referindo-se a direitos, liberdades e garantias do cidadão, põe em crise o valor do acto praticado – art. 123º/2 do Código de Processo Penal.

É aqui que o citado Acórdão do Tribunal Constitucional diverge da nossa posição, passando nós a aderir à jurisprudência deste Tribunal, pelo que, do expresso neste Acórdão, sendo o dever de fundamentar uma imposição constitucional, artigo 205º/1 da Constituição da República Portuguesa, está inscrito nos arts. 97º/4 e 194º/3 do Código de Processo Penal.
Sendo a determinação da medida de coacção prisão preventiva, decisão do juiz, não é jurídico-processualmente salutar que essa decisão pessoal, venha no arrasto da promoção do Ministério Público, e não seja, o Juiz, ele próprio a enunciar os motivos de facto e de direito da sua decisão.
Porém, a remessa para a promoção não significa falta ao dever de fundamentar, pois não há preceito que proscreva tal atitude.
A adesão há promoção do Ministério Público constitui uma forma de fundamentação, porém revestida de irregularidade face á necessidade de enumerar no próprio despacho os fundamentos de facto e de direito.
Tal irregularidade fica sanada nos termos do artigo 123º/1 do Código de Processo Penal.

Resta apreciar a validade substancial do despacho

Resulta que está indiciada a prática de um crime de roubo, que os arguidos foram perseguidos para se poder obter a sua detenção, que o arguido agiu em grupo e de forma concertada com o demais co-arguidos, que não se conhece formas de aquisição de rendimentos.
Tal como se refere o despacho é legítimo concluir que existe forte possibilidade de continuação da actividade criminosa, não se mostrando adequada qualquer medida de coacção não privativa da liberdade, pelo que apenas a prisão preventiva evitará que os arguidos prossigam a actividade delituosa que vinham exercendo, e lucrativamente, e possa haver tranquilidade social, como consta do despacho recorrido, e acima transcrito.

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Nestes termos,
acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pelo recorrente com 10 Ucs.