Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
593/05.6TTAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: COMPETÊNCIA
TRIBUNAL DO TRABALHO
RECONVENÇÃO
CONEXÃO
RELAÇÃO DE TRABALHO
MÁ FÉ
PROCESSO
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
VONTADE
TRABALHADOR
Data do Acordão: 03/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 85º, ALS. O) E P), DA LOFTJ; 456º, Nº 2, DO CPC; 441º, Nº 2, E 443º, DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – A alínea p) do artº 85º da L.O.F.T.J. prescreve que os Tribunais do Trabalho são competentes, em matéria cível, para conhecer “das questões reconvencionais que com a acção tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior…”

II – A alínea o) do citado preceito refere-se a relações conexas com a relação de trabalho por acessoriedade, complementaridade ou dependência.

III – Tratam-se de questões de que os Tribunais do Trabalho não podem conhecer quando se apresentem isoladamente, mas que, em caso de reconvenção, a lei lhes possibilita o conhecimento quando se liguem à acção do modo assinalado, para a qual o Tribunal é directamente competente.

IV – Na acessoriedade a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal; na complementaridade ambas as relações são autónomas pelo seu objecto, mas uma delas é convertida, por vontade das partes, em complemento da outra; na dependência qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementaridade, simplesmente o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal.

V – A apreciação do comportamento de uma parte na acção quanto à litigância de má fé não é matéria de pronúncia obrigatória, sendo de presumir que o não uso de poder de apreciação e de condenação a tal título resulta da não verificação das circunstâncias da má fé.

VI – O regime geral da cessação do contrato de trabalho, por iniciativa do trabalhador, ocorrendo justa causa, configura duas situações de desvinculação: - a primeira reporta-se a fundamentos subjectivos por terem na sua base um comportamento culposo do empregador, dando lugar a indemnização – artºs 441º, nº 2, e 443º, do Código do Trabalho; - a segunda reporta-se a fundamentos objectivos por não terem na sua base um comportamento culposo do empregador.

VII – O artº 443º, nº 1, do Código do Trabalho refere-se à indemnização pelos danos havidos pelo credor lesado (o trabalhador), mas estabelece um mínimo sancionatório pelo qual o empregador sempre será responsável independentemente da existência ou da comprovação dos danos (15 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade).

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A autora intentou contra a ré acção declarativa de condenação, na forma comum, pedindo que seja declarada a licitude da resolução do contrato de trabalho pela verificação dos pressupostos da justa causa invocada e a condenação da Ré a pagar a quantia global de € 65.995,44 relativa à indemnização devida pela resolução do contrato e créditos laborais em dívida, acrescida de juros de mora desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Após audiência de partes, notificada para o efeito, contestou a ré alegando, em resumo, que a resolução do contrato de trabalho não é fundada em justa causa, não tendo a mesma direito à indemnização peticionada.
Pediu a improcedência da acção e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 2.414,44, correspondente a indemnização por incumprimento do prazo de aviso prévio para “denúncia” do contrato, bem como a quantia de € 50.000,00 por indemnização decorrente da violação do direito ao bom nome, crédito e imagem da ré. Pediu ainda que a autora fosse condenada como litigante de má fé.
A autora apresentou resposta à contestação, suscitando, designadamente, a questão da inadmissibilidade parcial da reconvenção (no que toca à indemnização decorrente da violação do direito ao bom nome, crédito e imagem da ré). Pediu, por sua vez, que a autora fosse condenada como litigante de má fé.
*
Prosseguindo o processo os seus regulares termos, foi proferido despacho saneador, na ocasião do qual o Sr. Juiz proferiu o seguinte despacho quanto ao pedido reconvencional deduzido pela ré (fls. 162):
Por se conter no âmbito e limites assinalados no art. 30°, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, admito o pedido reconvencional formulado pela Ré na parte em que peticiona a condenação da Autora no pagamento de indemnização no valor de € 2.414,44 correspondente ao alegado incumprimento do prazo de aviso prévio para denúncia do seu contrato de trabalho.
Quanto ao pedido de condenação da Autora no pagamento de uma indemnização de € 50.000 à Ré decorrente da alegada violação do seu direito ao bom nome, crédito e imagem, porque tal pedido não emerge do facto jurídico que serve de fundamento da acção, antes emerge de uma invocada conduta da Autora susceptível, na perspectiva da Ré, de integrar os pressupostos da responsabilidade civil contratual, não se admite o mesmo ­– artº 30°, nº 1 do Código de Processo do Trabalho a contrario - e, em conformidade, absolve-se a Autora da instância relativamente ao pedido de condenação no pagamento da indemnização de € 50.000”.
Deste despacho veio a ré interpor recurso de agravo, alegando e apresentando as seguintes conclusões:
l. Vem o presente recurso interposto do douto despacho de fls. 162 e ss., que não admitiu o pedido reconvencional deduzido pela R. nos artigos 179.° a 194.° da contestação por si apresentada nos presentes autos. Fundamentou o M.m.o Juiz a quo a decisão de não admissão do pedido reconvencional, com a consequente absolvição da A. da instância relativamente ao pedido de condenação no pagamento da indemnização no valor de € 50.000,00, no facto de tal pedido não emergir do facto jurídico que serve de fundamento da acção.
2. Nos termos conjugados dos artigos 30.°, nº 1 do Código de Processo do Trabalho e 85.°, alínea p) e o), da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, é admissível, em processo laboral, a dedução de pedido reconvencional, não apenas quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, mas ainda quando o mesmo tenha com o facto jurídico que serve de fundamento à acção uma relação de conexão por acessoríedade, complementaríedade ou dependência.
3. O facto jurídico de que emerge o fundamento da acção é o contrato de trabalho celebrado entre a A. e a R.. Mais especificamente, e de acordo com a douta p.i., os factos que, no entender da A., consubstanciaram violação dos seus direitos decorrentes da celebração do contrato de trabalho com a R., de tal forma graves que, preencheriam o conceito de justa causa para a resolução do contrato de trabalho.
4. A R. fundamenta o pedido reconvencional de ser indemnizada, por danos causados decorrentes da violação do seu direito ao bom nome, crédito e imagem, no facto de, no seu entender, a A ter transmitido a um terceiro (jornalista do Diário de Aveiro) os factos que articula na sua petição inicial como fundamento para a invocação de justa causa e que, no entender da R., por serem falsos, consubstanciam um acto ilícito e culposo da A, atentatório dos supra referidos direitos da R., e que lhe causou danos passíveis de indemnização.
5.Verífica-se, deste modo, que, para além dos factos em que a R. fundamenta o pedido reconvencional serem exactamente os mesmos em que a A fundamenta o seu pedido de condenação da R., mas que, por considerá-los falsos, e terem sido transmitidos a um jornalista, fundamentam o pedido reconvencional de indemnização decorrente de actuação ilícita e culposa da A,
6. A transmissão dos referidos factos pela A ao terceiro, ocorreu após, e no contexto, da revogação do contrato de trabalho que a vinculava à R. e, no entendimento desta, sem outro motivo que não fosse, afectar o seu bom nome, crédito e imagem, junto de um meio de comunicação social.
7. O pedido reconvencional apresenta, com o facto jurídico que serve de fundamento à acção, uma indiscutível relação de conexão por acessoriedade, pelo que, deveria o mesmo ter sido admitido.
8. Encontrando-se em discussão nos presentes autos, precisamente o apuramento sobre a licitude da actuação da R., é absolutamente pertinente que, na mesma acção, seja conhecido o pedido reconvencional por si deduzido, e cujo fundamento é nada mais, que a divulgação pela A. a um terceiro, dos factos sobre os quais a mesma A. fundamenta a presente acção.
9. Considera a Recorrente que foram violados os artigos 30.°, nº 1 do Código de Processo do Trabalho e 85.°, alínea p) e o), da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro.
***
Efectuada a audiência de julgamento, veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, nela se decidiu o seguinte: a) declarou-se que o contrato de trabalho celebrado entre a autora e a ré cessou em 20/6/2005 por rescisão operada, com justa causa, pela Autora; b) condenou-se a ré a pagar à autora o montante de € 7.796,62 a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos; c) condenou-se a ré a pagar à autora o montante global de € 4.577,32 a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal referentes ao trabalho prestado em 2004 e 2005; d) declarou-se que aos montantes a que a autora tem direito acrescem juros à taxa legal de 4%, desde a citação (27 de Setembro de 2005) e até efectivo e integral pagamento.

Inconformada, a ré interpôs a presente apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões:
(……….)
A autora fez apresentação de contra-alegações, nas quais propugna pela improcedência da apelação.
Interpôs, no entanto, recurso subordinado, no qual apresenta as seguintes conclusões:
(……..)
A ré veio, ao recurso subordinado, apresentar contra-alegações, nas quais propugna pela improcedência daquele.

Recebidos os recursos e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto no sentido de que não assiste razão à ré recorrente, quer quanto à matéria do agravo, quer quanto à nulidade da sentença, quer quanto à matéria da apelação.
A ré apresentou resposta a este parecer.
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II- OS FACTOS:
Do despacho que decidiu a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:
(……)
*

III. Direito
As conclusões das alegações dos recursos delimitam o seu objecto (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Temos, então, três distintos recursos, decorrendo do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver, no âmbito das conclusões, se podem equacionar basicamente da seguinte forma:

A. Recurso de agravo:
- a de saber se o despacho de fls. 162 e ss., que não admitiu o pedido reconvencional deduzido pela ré, foi correcto ou, se pelo contrário, aquele pedido deveria ter sido admitido.

B. Recurso de apelação da ré:
- se ocorreu nulidade da sentença recorrida, ao nela se não conhecer da questão da litigância de má fé, apresentada pela ré, nos termos do artigo 668°, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil;
- se a matéria de facto constante dos pontos 15°, 16° e 17° dos factos tidos como provados na sentença sob recurso, se encontra em manifesta contradição com os factos dados como provados nos pontos 23° a 32° igualmente da matéria de facto dada como provada, devendo aqueles ser dados como não provados;
- se ocorreu ou não justa causa para a resolução do contrato de trabalho declarada pela autora;
- se, no caso de se considerar não ter ocorrido justa causa, a resolução do contrato de trabalho confere à ré o direito a ser indemnizada;
- se, no caso de se entender que à autora assistia o direito a resolver o contrato de trabalho com justa causa, o valor da indemnização em que a ré foi condenada está ou não ajustado;
- se, em virtude do contrato de trabalho ter estado suspenso por impedimento temporário por facto não imputável à autora, prolongado por mais de um mês, a autora apenas tem direito a receber o valor da retribuição correspondente às férias, e respectivo subsídio, correspondente ao período compreendido entre 31 de Janeiro de 2005 e 20 de Junho de 2005, nada lhe sendo devido, relativamente a proporcionais de férias e subsídio de férias no ano de 2005, e, quanto ao subsídio de Natal, apenas terá direito ao proporcional correspondente ao período compreendido entre 31 de Janeiro de 2005 e 20 de Junho de 2005;
- se, quanto à condenação no pagamento de juros, os mesmos só poderiam incidir sobre as importâncias líquidas que a autora tivesse direito a receber e não sobre os valores ilíquidos das mesmas remunerações.

C. Recurso subordinado da autora:
- se o ponto 23 da matéria de facto foi incorrectamente julgado, devendo tal matéria deve ser dada como não provada ou substituída por outra do seguinte teor “a password da Autora foi desactivada por iniciativa da Ré”;
- se o artº 443°, n° 1 do Código do Trabalho deve merecer uma interpretação restritiva, de modo a permitir que os danos não patrimoniais possam ser autonomizados, desde que se justifiquem, e se nesse caso além da indemnização por antiguidade, a autora tem direito à indemnização que reclama de € 50.000,00, a título de dano não patrimonial.

Apreciando, seguiremos a ordem dos recursos

1. Quanto ao recurso de agravo:
Como ficou dito, o Sr. juiz indeferiu o pedido, deduzido em reconvenção pela ré, relativo a pedido de condenação da autora no pagamento de uma indemnização de € 50.000 decorrente da alegada violação do seu direito ao bom nome, crédito e imagem.
Defendeu que tal pedido não emerge do facto jurídico que serve de fundamento da acção, antes emerge de uma invocada conduta da autora susceptível, na perspectiva da ré, de integrar os pressupostos da responsabilidade civil contratual.
A ré pretende que a reconvenção nessa parte era admissível, porquanto nos termos conjugados dos artigos 30.°, nº 1 do Código de Processo do Trabalho e 85.°, alínea p) e o), da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, é admissível, em processo laboral, a dedução de pedido reconvencional, não apenas quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, mas ainda quando o mesmo tenha com o facto jurídico que serve de fundamento à acção uma relação de conexão por acessoriedade, complementaríedade ou dependência.
Segundo a ré o pedido reconvencional apresentava, com o facto jurídico que serve de fundamento à acção, uma indiscutível relação de conexão por acessoriedade, pelo que, deveria ter sido admitido.
Vejamos:
A alínea p) do art. 85º da L.O.F.T.J. prescreve que os tribunais do trabalho são competentes, em matéria cível, para conhecer “das questões reconvencionais que com a acção tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior (….)”. E a alínea anterior, a alínea o), refere-se a relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementariedade ou dependência. Tratam-se de questões de que os tribunais do trabalho não podem conhecer quando se apresentem isoladamente, mas que, em caso de reconvenção, a lei lhes possibilita o conhecimento quando se liguem à acção do modo assinalado, para a qual o tribunal é directamente competente.
Na presente acção, a autora formulou pedidos de pagamento de remunerações e indemnização pela cessação do contrato de trabalho. Não há dúvidas nenhumas acerca da competência do tribunal para deles conhecer, competência que advém do disposto na alínea b) do art. 85.º da LOTJ. Trata-se de uma competência directa.
A questão está em estabelecer a relação de conexão da referida questão reconvencional com a acção.
Diz-se que duas causas são conexas quando estejam interligadas por alguns dos seus elementos (sujeitos, causa de pedir e pedido). Todavia, como diz Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho, Coimbra Editora, 1989, pag. 71 e seguintes), para que a extensão de competência prevista na referida alínea o) tenha lugar não basta uma qualquer conexão.
A tal respeito escreveu aquele autor: “a alínea o) nenhuma referência faz à conexão subjectiva com origem na identidade dos sujeitos ou coincidência das partes, o que equivale a dizer que a conexão subjectiva não é factor determinativo da extensão da competência nos tribunais do trabalho. E com razão, pois que a competência especializada dos tribunais do trabalho define-se em função da real diversidade de acções e não em função da qualidade dos sujeitos que nelas intervêm - trabalhador, entidade patronal, organismos sindicais, etc. Resta a conexão objectiva que, num sentido lato, pode provir: a) da unidade da causa de pedir; b) da relacionação dos diversos pedidos. Só que do mesmo facto jurídico, como causa de pedir - Cód. Proc. Civil, art. 498.º, n.º 4 - pode brotar uma pluralidade de relações jurídicas a cada uma das quais corresponda, paralelamente, efeitos jurídicos distintos. Sempre que isso aconteça não poderá dizer-se, sem mais, que se está perante uma multiplicidade da acções conexas. Se dum mesmo facto nasce uma acção penal e uma acção civil não há conexão. O tribunal do trabalho apenas conhecerá delas se para isso tiver competência directa.(...) A unidade da causa de pedir não chega, pois, para, por si só, caracterizar a competência por conexão dos tribunais do trabalho.
Perante uma pluralidade de acções emergentes da mesma causa de pedir, os tribunais de trabalho apenas poderão conhecer daquelas para que sejam directamente competentes. (...). De maneira que, para efeitos de competência, apenas tem relevância a conexão objectiva no seu sentido estrito, isto é, a conexão que emana da interligação dos diversos pedidos /sublinhado nosso/.
Essa conexão, segundo o mesmo, pode resultar duma relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência, pressupondo a conexão objectiva, em qualquer dos casos, uma causa dependente de outra. Na acessoriedade a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal; na complementariedade, ambas as relações são autónomas pelo seu objecto, mas uma delas é convertida, por vontade das partes, em complemento da outra; na dependência, qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementariedade, simplesmente, o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal.
Revertendo ao caso em apreço e tendo presente as considerações expostas, importa concluir que não há qualquer conexão objectiva entre os pedidos da autora e o pedido da ré.
A ré fundamentou o pedido reconvencional de indemnização, por alegados danos causados decorrentes da violação do seu direito ao bom nome, crédito e imagem, no facto de, no seu entender, a autora ter transmitido a um terceiro (jornalista) os factos que articula na sua petição inicial como fundamento para a invocação de justa causa e que, no entender da ré, por serem falsos, consubstanciam um acto ilícito e culposo da autora. A transmissão dos referidos factos pela autora ao terceiro, terá alegadamente (segundo a ré) ocorrido após a declaração de resolução do contrato de trabalho efectuada pela autora.
Ou seja, no momento em que a ré pratica os factos alegados pela ré, já tinha cessado o contrato de trabalho. Não há, então, qualquer violação de dever acessório de conduta que emergisse de um contrato que chegou ao seu termo. A eventual responsabilidade da autora não teria, assim, origem contratual, mas antes extracontratual.
Por isso a causa subordinada - a da reconvenção - não era objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal (acessoriedade). Nem se pode afirmar que, sendo ambas relações autónomas pelo seu objecto, uma delas teria sido convertida, por vontade das partes, em complemento da outra (complementaridade). Nem que o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal (dependência); ambas são rigorosamente independentes e um pedido não depende do outro.
Deste modo, não existindo conexão entre os pedidos (única conexão relevante para efeitos da extensão da competência), tendo o da ré fonte em factos autónomos ocorridos após o termo da relação laboral, importaria concluir pela incompetência do tribunal do trabalho para conhecer do pedido reconvencional e daí, naturalmente, da inadmissibilidade da reconvenção, nos termos do disposto no artigo 30º do C. P. Trabalho.
Por isso, o despacho agravado não merece censura.
Improcede, assim, embora com diferentes fundamentos, o recurso de agravo interposto pela ré.

2. Quanto ao recurso de apelação da ré:
2.1. Comecemos pela questão de saber se ocorreu nulidade da sentença recorrida, ao nela se não conhecer da questão da litigância de má fé, apresentada pela ré, nos termos do artigo 668°, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil
A ré, logo na contestação, requereu a condenação da autora como litigante má fé (o mesmo, desta feita em relação à ré, requereu a autora na resposta à contestação).
A nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do art° 668° do CPC ­(omissão de pronúncia) liga-se à imposição que recai sobre o juiz de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, conforme obriga o art° 660° nº 2 daquele diploma.
A litigância de má fé configura, essencialmente, a violação pela parte, com dolo ou negligência grave, do dever de agir de boa fé e de cooperar na condução e intervenção no processo, para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
Assim, o que está em causa, na litigância de má fé, é a ofensa aos valores públicos da celeridade e eficácia da administração da Justiça e só indirectamente o interesse da parte lesada.
Daí que, ao não apreciar o comportamento da autora quanto à litigância de má fé, se possa considerar que o tribunal recorrido não se encontrava perante matéria de pronúncia obrigatória. Assim concluiu o Ac. do STJ de 12-6-1986, in BMJ 358-333, quando refere que tendo tal matéria como ponto de partida um poder de iniciativa do tribunal, o não uso do poder de condenação (e apreciação) faz presumir que ele não verificou as circunstâncias da má fé.
De facto, tal pedido de condenação não constitui o objecto próprio da acção e está fora do âmbito da controvérsia, emergindo, unicamente, como consequência da dedução de pedido ou de oposição cuja falta de fundamento se conhece, da alteração consciente da verdade dos factos ou da omissão de factos relevantes para a decisão da causa e do uso reprovável, do processo ou dos meios processuais, para alcançar um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar o trânsito em julgado da decisão (artigo 456.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia resulta, sobretudo, da falta de conhecimento de questões essenciais, ou seja, daquelas que integram o objecto do litígio, o que não é o caso, como se disse da questão da condenação em litigância de má fé requerida por uma das partes.
Neste sentido se compreendem a posição dos acórdãos da Relação de Lisboa de 11-3-1999, processo n° 0065376 (in www.dgsi.pt.) – “a jurisprudência tem vindo a decidir de forma uniforme que, requerida a condenação de uma das partes como litigante de má fé, o silêncio do julgador sobre tal matéria implica, só por si, que decidiu sobre a ausência de má fé, não se verificando, portanto, a nulidade da omissão de pronúncia" – e desta Relação de 9-2-99, processo nº 1164/98 (www.dgsi.pt.), citados pelo Exmo. Procurador Geral Adjunto, no seu parecer.
Daí que pelos fundamentos expostos se não verifique a nulidade arguida pela ré.

Mas a ré, independentemente da questão da nulidade, insurge-se, igualmente, quanto à não condenação da autora como litigante de má fé, nos termos do artigo 456º do Código de Processo Civil.
Alega, para tanto, que quando da resposta da aos documentos juntos pela ré, a fls. 123 e segs., a autora veio impugnar os mesmos com fundamento em não saber se a letra e assinatura dos mesmos era verdadeira, entre outros, os docs. 3 e 5, no último dos quais constava a própria assinatura da autora e o primeiro que fora ela própria que juntara aos autos com a petição inicial.
A verdade é que a autora impugnou de forma genérica tais documentos, referindo-se ao conjunto dos documentos juntos pela ré (não especificamente àqueles), do seguinte modo sucinto “a A. impugna-os expressamente, por contrários à verdade material constante da p.i; além disso, não sabe se a letra e a assinatura dos mesmos é verdadeira”.
Quanto ao chamado documento nº 3 (uma vez que a própria autora o juntara), a impugnação apenas tem o sentido de impugnar a sua interpretação, como refere (por contrários à verdade material constante da p.i”). Quanto ao segundo, a verdade, para além do mais, é que se não provou que a assinatura nele constante fosse da autora…
Daí que seja excessivo considerar que com essa conduta a autora “faltou à verdade, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, praticando dolosamente violação grave do dever de cooperação e fazendo dos meios processuais um uso manifestamente reprovável”, tal como a ré sustenta.
Por isso, não se vislumbra ter, por isso, a autora litigado de má fé, não se justificando a sua condenação como a ré pretende.

2.2. Vejamos agora se a matéria de facto constante dos pontos 15°, 16° e 17° dos factos tidos como provados na sentença sob recurso, se encontra em manifesta contradição com os factos dados como provados nos pontos 23° a 32° igualmente da matéria de facto dada como provada, devendo aqueles ser dados como não provados.
Diga-se, desde já, que os depoimentos prestados não foram gravados, pelo que esta Relação não dispõe de todos os elementos de prova que serviram a decisão de facto, de forma a poder alterá-la (712º nº 1 do CPC).
No entanto, sucintamente, observando os fundamentos invocados pela ré, quanto à contradição na decisão de facto, devemos dizer que não lhe assiste razão.
Os pontos 15º, 16º e 17º, da matéria de facto, tem que ser ligados cronologicamente com a data de 3 de Junho referida no ponto 12º. E referem os seguintes factos: a Ré nunca manifestara anteriormente (sublinhado nosso) qualquer falta de confiança ou desapontamento com o desempenho profissional da Autora (15º); trabalhava há mais de 6 anos para a R. sem nunca ter sofrido qualquer reparo, tampouco qualquer sanção disciplinar (16º); sempre foi trabalhadora zelosa e dedicada, e não via razões para mudar de emprego, até pelo facto de precisar naturalmente do salário para prover ao sustento da família, tendo 3 filhos menores a seu cargo, o mais novo bebé de colo (17º).
O que significa que os factos em causa têm a sua validade circunscrita a data anterior àquele dia 3 de Junho, pelo que os pontos 15 e 16 não sofrem de contradição com outros (segundo a fundamentação de facto foram provados com base em prova testemunhal). E os mesmo sucede com o ponto 17, mesmo no segmento “sempre foi trabalhadora zelosa e dedicada”, pois se refere a comportamento laboral anterior à fase conflitual que resultou na cessação do contrato, nada havendo de contraditório com outros factos provados que consubstanciem comportamentos tão graves que inquinem aquela apreciação de facto (provados com base em prova testemunhal não gravada, repete-se).
Por isso, não há motivos para alterar a decisão de facto, como pretende a ré, improcedendo as conclusões do recurso, nesta parte.

2.3. Prosseguindo, vejamos agora as questões de saber se ocorreu ou não justa causa para a resolução do contrato de trabalho declarada pela autora e se, no caso de se considerar não ter ocorrido justa causa, a resolução do contrato de trabalho confere à ré o direito a ser indemnizada.
O contrato de trabalho pode cessar, entre outras causas, por resolução com justa causa, por iniciativa do trabalhador (441º do Código do Trabalho).
O regime geral da cessação do contrato de trabalho configura duas situações de desvinculação, por iniciativa do trabalhador, ocorrendo justa causa, respeitando ambas a situações anormais e particularmente graves em que deixa de ser exigível que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo. A primeira reporta-se a fundamentos subjectivos por terem na sua base um comportamento culposo do empregador, dando lugar a indemnização (441º nº 2 e 443º do Código do Trabalho). A segunda reporta-se a fundamentos objectivos por não terem na sua base um comportamento culposo do empregador.
Embora o nº 2 do artigo 441º do Código do Trabalho apenas estabeleça a título exemplificativo os comportamentos do empregador susceptíveis de integrar a justa causa de resolução, a sentença que a declarou lícita fundou-se na sua alínea b), ou seja, na violação culposa das garantias legais ou convencionais da trabalhadora autora. Trata-se aqui duma chamada justa causa subjectiva.
Em qualquer das apontadas situações está subjacente ao conceito de justa causa, que o artigo 441º não define, mas que a doutrina e a jurisprudência têm considerado, a impossibilidade definitiva da subsistência do contrato de trabalho, tal como é empregue no âmbito do despedimento promovido pela empregador (v., por todos, Albino Mendes Baptista, Estudos sobre o Código do Trabalho, 2ª edição, pag. 25 e segs.).
Por outro lado, nos termos do n.º 4 do artigo 441º, a justa causa será apreciada pelo tribunal em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 396º do Código do Trabalho, com as necessárias adaptações: ou seja, deverá o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
Todavia, como se refere na obra citada antes, na apreciação da impossibilidade de manutenção da relação laboral, não pode esquecer-se que enquanto o empregador dispõe de sanções intermédias para responder a situação de incumprimento do trabalhador, este não tem modos (extrajudiciais) de reacção alternativos para censurar incumprimento do empregador – daí que devam haver diferentes patamares de exigência, num e noutro caso, para o esforço de conservação da relação laboral.
Tal como explicitou a sentença da 1ª instância, na carta que remeteu à ré a comunicar a resolução do contrato foram os seguintes os fundamentos invocados pela autora: no regresso ao trabalho, em 1 de Junho de 2005, após licença de parto, no seu local de trabalho estava outra pessoa usurpando as suas funções e sentada na sua secretária; a ré desactivou a password de acesso ao computador da autora; a ré mandou desligar o telemóvel da autora com fundamento em furto e apresentou-lhe para pagar uma conta de telefone por alegada utilização abusiva; a ré colocou-a a trabalhar num sítio esconso, a separar e organizar Diários da República por ordem crescente, desde 1998 até ao mais recente; a ré obrigou a Autora a picar ponto, com expressa proibição de circular pela fábrica, ou de se ausentar do seu posto de trabalho, excepto para ir à casa de banho ou para entrar ou sair da empresa; a autora é licenciada e quadro da empresa, sendo chefe de departamento, e era responsável não só pelo Museu, mas sobretudo pelo Centro de Visitas da Vista Alegre, que criou de raiz e desenvolveu; antes de 1 de Junho de 2005 o seu local de trabalho era limpo e arejado e dispunha de secretária com computador ligado à rede, apoio de uma técnica administrativa, telemóvel para uso pessoal e profissional sem “plafond” e dispensa de picar o ponto.
A sentença desvalorizou (não lhes atribuiu relevo) os comportamentos da ré no que toca à “questão do telemóvel”, à “questão da desactivação da password de acesso ao computador” e à “questão da substituição da autora durante a sua ausência em licença de maternidade”, considerando-as lícitas.
Acabou por valorizar decisiva e negativamente a conduta da ré, após o regresso da autora, depois da ausência em licença de maternidade, com base nos factos referidos supra e ainda no e-mail, com ordens, que enviou àquela no dia seguinte a ter-lhe proposto a rescisão amigável do contrato.
E-mail dado como reproduzido no ponto 10º da matéria de facto, mas que convém transcrever, e é do seguinte teor:

Dr.a A...
Como é do seu conhecimento, a R está a desenvolver uma profunda reestruturação, em todos os sectores da organização. Esta reorganização tem igualmente consequências no funcionamento do Centro de Visitas. As modificações no Centro de visitas, quando foram iniciadas, foram-lhe de imediato comunicadas pelo Director de Recursos Humanos e mais tarde por insistência sua, confirmadas por um Administrador.
Assim e na sequencia dessa mudanças, passará por decisão da Exma. Administração, provisoriamente, a depender directamente do Director de Recursos Humanos cessando toda a actividade, ligada ao centro de visitas.
Ficará provisoriamente instalada no gabinete que lhe foi indicado pela Sr.a Dª C..., devendo cumprir o horário normal em vigor no estabelecimento da R. (A saber, entrada 8 h saída 17 h e intervalo de almoço das 12,30 ás 13,30 horas).
Deverá comprovar a sua presença, através da marcação de cartão de ponto, que se encontra no porta cartões que lhe foi indicado pela DaC....
Com intuito de não perturbar a organização dos outros serviços, deverá limitar a sua circulação aos percursos de entrada e saída, ás áreas sociais e sanitários. Qualquer outra deslocação ou ausência do seu posto de trabalho deverá ser precedida da devida autorização por pessoa que lhe seja hierarquicamente superior. A prestação de trabalho suplementar ou a permanência na empresa após a prestação de trabalho só será possível através de decisão expressa do DRH.
Até indicações em contrário, deverá executar as tarefas que lhe foram indicadas, sob minhas ordens directas, pela Dª C....
Qualquer incumprimento destas decisões será considerado ilícito disciplinar, com as legais consequências
O Director de Recursos Humanos
D...

Como comportamentos ilícitos e culposos da ré, a sentença recorrida seleccionou os seguintes:
- a circunstância de, a partir de 2 de Junho, a ré ter ordenado à autora que comprovasse a sua presença através da marcação de cartão de ponto, quando antes o não fazia e depois de lhe ter proposto a rescisão amigável do contrato, conduta essa que, no contexto referido e tendo em conta que as funções exercidas pela autora eram, antes, funções de responsabilidade, que abrangiam a direcção, orientação e fiscalização dos trabalhadores, com uma posição de destaque na organização afectava a dignidade profissional da autora e o seu “status” na estrutura da empresa (“com esta ordem, a autora passou de uma situação de chefia, de direcção, orientação e fiscalização de trabalhadores, para uma situação em que perdeu os seus poderes de chefia e além do mais, passou a ver o seu estatuto na empresa nivelado por baixo, passando a ter que picar o ponto”).
- a proibição de se ausentar do local de trabalho, excepto para ir à casa de banho ou para entrar ou sair da empresa, no mesmo contexto (“sendo a autora uma trabalhadora zelosa e dedicada, à qual a Ré nunca fizera qualquer reparo, a ordem expressa de não se ausentar do local de trabalho, excepto para ir à casa de banho ou para entrar ou sair da empresa encerra em si mesma uma insinuação de desconfiança acerca da seriedade e competência da autora e constitui uma humilhação absolutamente desnecessária da autora perante os restantes trabalhadores da empresa, designadamente perante os trabalhadores que até então haviam trabalhado sobre as suas ordens e orientação”).
- o afastamento definitivo da autora das funções que desempenhava, após o regresso ao trabalho, após ausência em licença de maternidade, sendo-lhe atribuída a tarefa de separar e organizar Diários da República guardados em caixotes, tendo sido colocada em gabinete descrito no ponto 36 dos factos assentes.
Vejamos:
É o último dos pontos indicados, o essencial para se relevar da actuação ilícita e culposa da ré. Os demais, configurados na falta de respeito culposa pela dignidade da autora são em relação àquele instrumentais, e só com ele podem ser compreendidos.
A sentença considerou aplicável, ao contrato de trabalho que vigorava entre as partes, o CCT para a actividade cerâmica publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, n.º 8, de 29/2/2000. E destacou dele a cláusula 16ª (que tem por epígrafe Deveres da entidade patronal) que dispõe que “a entidade patronal deve (…) g) Não deslocar nenhum trabalhador para serviços que não sejam exclusivamente da sua profissão ou que não estejam de acordo com a sua categoria, salvo quando o interesse da empresa o exija e desde que tal mudança não implique diminuição na retribuição nem modificação substancial da posição dos trabalhadores”.
A ré no recurso, contesta a aplicabilidade deste CCT.
Sem razão, contudo.
O CCT entre a APICER e a Federação dos Sindicatos da Indústria de Cerâmica, Cimento Vidro de Portugal, publicado no BTE I Série, nº 8, de 29 de Fevereiro de 2000, tal como a própria ré reconhece, foi objecto de Portaria de Extensão, publicada no BTE I Série, nº 21, de 8 de Junho de 2000.
E não é pelo facto de o mesmo fazer expressa referência a que a aplicação do referido CCT se limitou às relações de trabalho entre entidades patronais do sector e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções, que se não aplica ao contrato de trabalho dos autos.
É certo que no CCT referido não consta a categoria de “Gestor de Produto” que a ré teria identificado para as funções da autora (ponto 1º dos factos provados).
Mas a cláusula 1ª do CCT estendido refere que o mesmo se aplica a todos os trabalhadores ao serviço das empresas abrangidas, sendo certo que as cláusulas 3ª e 4ª obrigam as empresas à integração de todos os trabalhadores ao serviço numa das categorias previstas no Anexo ao CCT, de acordo com as funções efectivamente desempenhadas.
Portanto, se a ré não cumpriu a classificação correcta da autora de acordo com as categorias previstas no CCT, deveria tê-lo feito, mas não é certamente por isso (por causa desse incumprimento imputável à ré) que o CCT não é estendido ao contrato de trabalho dos autos – estaria descoberta a maneira de, numa absurda operação, desaplicar generalizadamente a Portaria de Extensão.
Independentemente do CCT, podemos dizer que, no caso dos autos, aquela cláusula 16º referida na sentença corresponde ao artigo 313º do Código do Trabalho (mudança de categoria), esta uma norma de carácter imperativo que se impõe independentemente do acordo das partes ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Mas o que estará em causa, antes de mais, é uma questão de mobilidade funcional e não propriamente, desde já, uma questão de mudança definitiva de categoria (embora esta não estando assumida, possa estar pressentida). A própria sentença da 1ª instância, a fls. 366, acaba por reconhecer que a tarefa para a qual a autora foi deslocada se trataria de tarefa provisória.
Neste caso, a norma a convocar será a do art° 314° nº1 do Código do Trabalho “o empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar temporariamente o trabalhador de funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador”.
Nos termos do nº 4 do mesmo diploma, a ordem teria de ser justificada, com indicação do tempo previsível.
Como se sabe, no que toca à mobilidade funcional, os requisitos estabelecidos no art° 314°, que prevê o denominado ius variandi (direito de variação do trabalho) assumem carácter excepcional, revestindo restrição “anormal” ao direito do trabalhador à delimitação do conteúdo funcional da sua prestação em conformidade com o previsto no artigo 122º al. e) do Código do Trabalho.
As funções exercidas pela autora, de acordo com o que ficou provado (ponto 2º), integravam um feixe especializado (direcção, orientação e fiscalização do pessoal e planeamento das actividades do Centro de Visitas da ré). A execução do contrato desde 1999 até 2005 mostram a estabilização funcional da natureza da sua prestação laboral, pelo que se pode dali retirar que as mesmas (com descrição funcional bastante rica) caracterizavam uma “categoria-função”, entendendo estas “como as funções a que no essencial o trabalhador se obrigou a prestar, por contrato de trabalho ou pelas alterações decorrentes da sua dinâmica” (v. Menezes Cordeiro, Manual do Direito do Trabalho, pag. 665 e segs.)
Já as funções que desempenhou nos dias 2 e 3 de Junho de 2005 não tinham qualquer relação com o seu anterior estatuto funcional (a ré no e-mail acima reproduzido comunicava-lhe que cessava toda a actividade ligada ao centro de visitas e passava a ser enquadrada de forma bem diferente) e degradavam-no claramente.
A ré no já referido e-mail justificava a atribuição de diferentes tarefas à autora com uma profunda reestruturação, com consequências no funcionamento do Centro de Visitas, indicando-lhe que a sua situação seria provisória.
Contudo, o que os factos mostram é que a autora foi substituída no posto de trabalho. O posto de trabalho até então ocupado pela autora não foi extinto, mas antes a autora foi nele substituída por outra trabalhadora durante a sua ausência por baixa médica, seguida de licença de maternidade.
Não vem demonstrado que essa situação se ligasse ao interesse da empresa, designadamente com a alegada reestruturação.
Não surge assim evidenciada a situação excepcional a que se refere o art° 314° do Código do Trabalho.
Por outro lado, a ré teve muito tempo (desde a substituição da autora, no início de 2005, a qual, naturalmente, teve de ser pensada nos interesses da empresa) para elaborar um plano de reafectação funcional que permitisse integrar a autora com o mesmo estatuto de funções, quando esta regressasse da licença de maternidade.
O que fez neste caso? Quando a autora regressou propôs-lhe a rescisão do contrato de trabalho (ponto 9º) e, de seguida (no dia seguinte), perante o pedido da autora para que lhe fossem dadas ordens por escrito acerca das novas funções (ponto 10º), evidenciando assim que não aceitaria a rescisão proposta, foi colocada num quadro bem mais “desconfortável” no ambiente de prestação do trabalho (factos 10º - incluindo as ordens transmitidas pelo e-mail assinalado -, 11º e 12º), situação que a sentença recorrida considerou – e bem –humilhante e como tal foi percepcionado pela autora (facto 19º)
Ora toda esta situação mostra que a ré pretendia passar a não contar com a trabalhadora para o desenvolver da sua actividade empresarial, mesmo que noutras funções.
A motivação no interesse orgânico da empresa para a alteração de funções não é a justificação que se pode aceitar, nem a ré sequer, em todo esse processo (que deveria estar pensado, como se disse, desde Janeiro de 2005, altura da substituição da autora), conseguiu, como podia tê-lo feito, organizar funcionalmente a empresa para integrar a autora noutras funções compatíveis – nem nos dias seguintes ao regresso ao serviço da autora pôde, sequer, proceder à indicação do tempo previsível para a alteração funcional a que procedeu, o que só por si acarretaria a violação do artigo 314º (nº 4).
Pode concluir-se, assim, que ocorreu modificação substancial da posição da trabalhadora autora, consumada no momento em que ocorreu uma alteração legalmente não consentida da actividade contratada, sendo indiferente, ao contrário do que a ré sustenta, que se prolongasse mais no tempo para que se possa considerar ilícita
Ou seja, esta conduta viola o disposto no artigo 122º al. e) do Código do Trabalho. E associado a esse processo, tal como reconheceu a sentença, manifestou-se uma conduta lateral da ré que afectou a dignidade da autora e o respeito que lhe era devido, violando a ré o dever previsto no artigo 120º al. a) do Código do Trabalho.
Não tem, assim, a ré razão no recurso, quando defende a licitude da sua conduta. Apoiada até em factos que descreve nas conclusões do recurso (sob os nº 14º, 15º, 22º, 25º, 29º, 30º, 31º) que não constam dos factos provados.
Assim, tendo em conta que importa concluir que comportamento da ré é culposo, importa também retirar da situação que o mesmo pela sua gravidade torna imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho. Não era exigível à autora que mantivesse a relação laboral, sujeitando-se a um ambiente hostil e de grave falta de confiança entre as partes.
Pelo que à autora assistia justa causa para a resolução imediata do contrato, como concluiu a sentença da 1ª instância.
Ficando, assim, prejudicada a questão de saber se, não tendo ocorrido justa causa, a resolução conferiria à ré o direito a ser indemnizada, por falta de aviso prévio.
Pelo que, improcederá o recurso nesta parte.

2.4. Vejamos, agora, se o valor da indemnização em que a ré foi condenada está ou não ajustado:
No caso de resolução com justa causa do contrato de trabalho, por iniciativa do trabalhador, o artigo 443º, nº1 do Código do Trabalho estabelece que aquele tem direito “a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade”.
A sentença da 1ª instância considerou que os factos, relacionados com a gravidade da conduta da ré e os resultados que a mesma produziu na autora, justificavam fixar a indemnização no seu máximo legal, ou seja, em 45 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade (abrangendo já indemnização pelos danos de natureza não patrimonial).
A ré entende que, perante os factos que ficaram provados, deveria ter­-se em conta que a autora nunca permitiu à ré que apresentasse qualquer solução para o seu contrato de trabalho. Assim, segundo a mesma, o valor da indemnização deveria ter sido ficado num valor abaixo do máximo que a lei prevê.
A lei, neste caso, fixa mais do que uma regra de indemnização, uma sanção contratual ope legis, semelhante à cláusula penal convencional referida no artigo 810º do Código Civil. O artigo 443º nº1 do Código do Trabalho refere-se à indemnização pelos danos havidos pelo credor lesado (o trabalhador), mas estabelece um mínimo sancionatório pelo qual o empregador sempre será responsável independentemente da existência ou da comprovação dos danos (15 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade). E fixa um tecto máximo para além do qual o trabalhador lesado não pode exigir indemnização pelo dano excedente.
Ao contrário do artigo 439º nº1 do mesmo Código, para o caso da indemnização por despedimento ilícito promovido pelo empregador, não explicita critérios para a fixação da indemnização/sanção. Nem se pode dizer que esse critério seja apenas a medida dos danos patrimoniais ou não patrimoniais efectivamente sofridos, tal como resultaria da simplicidade do disposto no artigo 562º do Código Civil. No caso do artigo 439 nº1, a chamada “indemnização” tem características de pena contratual, pelo que a ponderação para a sua fixação tem que associar ingredientes de maior ou menor censura do acto ilícito.
A lei remete o julgador para uma graduação de uma verdadeira indemnização/sanção, a qual terá, portanto, de ser aferida de acordo com a gravidade da ilicitude e da culpa do lesante, bem como dos danos causados.
Neste caso, a sentença da 1ª instância poderia, como o fez, graduar a indemnização em função também do grau da ilicitude da conduta da ré.
É certo, também, que a ré pode reclamar a atenuação na graduação em função da conduta culposa da autora, relevante desde logo para a fixação da indemnização em termos normais (570º nº 1 do Código Civil), para reconfigurar a gravidade da ilicitude e da culpa na ocorrência da justa causa. Contudo, a questão que a ré levanta não produz este efeito. Se se tivesse entendido que a autora deveria ter dado mais tempo à ré para que apresentasse solução para o seu contrato de trabalho, não se teria concluído, como se concluiu, pela impossibilidade imediata da continuação da relação laboral. Ou seja, esse argumento já foi consumido pela apreciação efectuada quanto à justa causa e não pode agora servir, com lógica, para atenuar a indemnização.
Por isso, considerando todo o quadro de anormalidade contratual que justificou a resolução, bem como a ponderação em equidade dos danos - no quadro previsto no artigo 566º nº 2 do Código Civil - patrimoniais e não patrimoniais, sendo estes os que se relacionam com a perda da estabilidade da fonte de proventos salariais e os que se traduziram para a autora nos pontos 17º, 18º e 19º da matéria de facto, não podemos deixar de estar de acordo com a decisão da 1ª instância.
Pelo que improcede o recurso nesta parte.

2.5. Como já se disse, a ré levanta no recurso a questão da incorrecção do cálculo da retribuição correspondente às férias, e respectivo subsídio, e a subsídio de Natal, consideradas na sentença em recurso.
Defendeu que em virtude do contrato de trabalho ter estado suspenso por impedimento temporário por facto não imputável à autora, prolongado por mais de um mês, a autora apenas teria direito a receber o valor da retribuição correspondente às férias, e respectivo subsídio, correspondente ao período compreendido entre 31 de Janeiro de 2005 e 20 de Junho de 2005, nada lhe sendo devido, relativamente a proporcionais de férias e subsídio de férias no ano de 2005, e, quanto ao subsídio de Natal, apenas terá direito ao proporcional correspondente ao período compreendido entre 31 de Janeiro de 2005 e 20 de Junho de 2005.
Salvo devido respeito, nesta parte a ré não tem qualquer suporte técnico para o recurso, parecendo-nos haver alguma confusão, mesmo tendo em conta os pressupostos contidos nas suas alegações. É que quando se refere ao valor da retribuição correspondente às férias, e respectivo subsídio, correspondente ao período compreendido entre 31 de Janeiro de 2005 e 20 de Junho de 2005, fala necessariamente nos proporcionais de férias e subsídio de férias no ano de 2005, não tendo qualquer sentido, a nosso ver, dizer que tem direito àqueles e não a estes – uma e outra das situações são a mesma situação.
A decisão da 1ª instância está nesta parte correcta e exemplarmente fundamentada. Refere o seguinte, que transcrevemos:

“Além da indemnização pela rescisão do contrato de trabalho, peticiona a Autora a condenação da Ré no pagamento da retribuições em falta, a saber, férias e subsídio de férias vencidas em 1/1/2005 e proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal referentes ao trabalho prestado em 2005.
Com interesse para esta questão resultou provado que a Autora engravidou do seu 3º filho em Maio de 2004, gravidez essa considerada de risco, cujo período (de gravidez de risco) decorreu de 14/10/04 até à data do parto, isto é, até 31/01/05. Após o parto, a Autora gozou o período normal de licença de maternidade, que decorreu de 31/01/05 a 31/05/05 (4 meses, portanto). Anteriormente a Autora havia-se encontrado de baixa médica no período compreendido entre 14 de Outubro de 2004 a 31 de Janeiro de 2005. A Autora regressou ao trabalho em 1 de Junho de 2005 – pontos 4 a 7 dos factos assentes.
Uma vez que a Autora esteve em situação de baixa médica de 14 de Outubro de 2004 a 31 de Janeiro de 2005, este impedimento temporário da Autora, que não lhe era imputável, determinou a suspensão do contrato de trabalho a partir de 14 de Novembro – e não antes porque a baixa, embora relacionada com a gravidez, não tem necessariamente de durar até ao termo da mesma, pelo que, antes de decorrido o prazo de um mês, não é possível concluir ser previsível que a baixa vai durar mais de um mês - - fr. art.º 333º, n.º1 e 2 a contrario do Código do Trabalho.
Assim, por referência ao trabalho prestado em 2004, a Autora tinha direito a dois dias de férias e respectivo subsídio por cada mês de duração do contrato, no montante global de € 2.112,63 (dois mil cento e doze euros e sessenta e três cêntimos) - artigos 220º, n.º2 e 212º, n.º 2 do Código do Trabalho.
Quanto ao subsídio de Natal de 2004, no ano da suspensão do contrato a Autora tem direito ao subsídio proporcional ao tempo de serviço prestado, o que no caso em apreço corresponde a € 1.056,31 (mil e cinquenta e seis euros e trinta e um cêntimos).
Quanto ao ano de 2005, a Autora tem direito a um montante a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado desde o fim da suspensão do contrato até à data da cessação – artigos 221º, n.º1 e 254º, n.º2, al. b) do Código do Trabalho. A suspensão do contrato de trabalho cessou no dia do parto, em 31 de Janeiro de 2005, iniciando-se a partir dessa data o período de licença de maternidade. A licença de maternidade não constitui fundamento para a suspensão do contrato de trabalho. Por seu turno, a baixa médica a que a Autora esteve sujeita desde 4 a 17 de Junho de 2005 não determinou a suspensão do contrato de trabalho por ter tido duração inferior a um mês.
Assim, o período de trabalho a ter em atenção em 2005 é de 4 meses e 20 dias.
A título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2005 a Autora tem direito ao montante global de € 1.408,38 (mil quatrocentos e oito euros e trinta e oito cêntimos).

A apreciação do direito à retribuição de férias, subsídio de férias de Natal, ponderando a suspensão do contrato e a sua cessação está correcta e a ela aderimos inteiramente.
Pelo que nesta parte nada há a censurar, por via do recurso, improcedendo este.

2.6. Finalmente, levanta a ré a questão de que os juros de mora em que foi condenada só poderiam incidir sobre as importâncias líquidas que a autora tivesse direito a receber e não sobre os valores ilíquidos das mesmas remunerações.
Também, nesta parte, não reconhecemos à ré razão.
Supomos que a ré (embora o não diga) distingue “quantias líquidas” e “quantias ilíquidas” referindo-se às primeiras como as que são devidas ao trabalhador após os descontos para as instituições de segurança social.
A sentença da 1ª instância condenou a ré no pagamento de quantias determinadas.
Dessas quantias é a autora que é a credora, como é evidente, independentemente de sobre as mesmas incidirem taxas ou impostos.
E se, assim é, estando as obrigações pecuniárias vencidas, sobre as correspondentes quantias incidem juros de mora emergentes de distinta (embora dependente) obrigação de indemnização, tabelarmente fixada no artigo 806º do Código Civil.
Ou seja, essa obrigação de indemnização, que se concretiza, por força de lei, na obrigação de pagar juros de mora, tem um credor. O qual é apenas a autora.
Tem causa bem definida, pelo que a invocação de que ocorreria “enriquecimento sem causa” não pode, salvo melhor opinião, ter acolhimento.
Por isso, improcedendo os argumentos da ré, importa concluir finalmente que improcede na totalidade o recurso de apelação que interpôs.

3. Quanto ao recurso subordinado da autora:
Cumpre agora apreciar o recurso subordinado, seguindo as questões nele colocadas:

3.1. A primeira delas é a de saber se o ponto 23 da matéria de facto foi (in)correctamente julgado.
Repete-se, o que acima já se disse, que os depoimentos prestados em julgamento não foram gravados pelo que esta Relação não dispõe de todos os elementos de prova que serviram a decisão de facto, de forma a poder alterá-la (712º nº 1 do CPC).
A autora pretende que aquela matéria seja considerada não provada, afirmando que nada nos autos permite concluir que pretendia aceder ao disco rígido do computador, a fim de obter um back-up. E que do bilhete manuscrito de fls. 313, apenas se extrai que a autora pretendia aceder ao computador para gravar 6 pastas zipadas de “os meus documentos”, pelo que o depoimento da testemunha E... ou se enganou, ou foi levada ao engano.
O ponto 23 da matéria de facto (que corresponde ao artigo 41º da contestação) diz o seguinte: “a “password” da autora foi desactivada por iniciativa da ré para evitar que a autora obtivesse um Back-up do disco rígido do computador, o que a autora já havia solicitado a uma sua colaboradora”.
Ora, a fundamentação da decisão de facto refere expressamente que tal facto (o último segmento) foi estabelecido não só pelo referido bilhete manuscrito, como também pelo depoimento da testemunha Maria de Fátima que o confirmou. Assim sendo, não tendo o depoimento desta sido gravado, não dispomos de todos os elementos de prova que serviram a decisão.
Por isso, não havendo documento – como não há - que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou, não é possível criticar a convicção formada pelo julgador e alterar a matéria de facto nesta parte (712º nº 1 do CPC).
Improcede, por conseguinte e nesta parte, o recurso.

3.2. O segundo passo do recurso reporta-se à questão de saber se o artº 443°, n° 1 do Código do Trabalho deve merecer uma interpretação restritiva, de modo a permitir que os danos não patrimoniais possam ser autonomizados da mera “indemnização por antiguidade”.
Como já se disse, a 1ª instância incluiu no montante arbitrado para a indemnização, pela resolução do contrato, os danos de natureza não patrimonial.
Perante a posição agora defendida no recurso, considerou que a redacção do artº 443º, nº1 do Código do Trabalho é clara ao estabelecer que a indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos deve ser fixada entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
A posição no recurso é defendida por Albino Mendes Baptista, in A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, pág. 540 e Estudos Sobre o Código do Trabalho, 2ª edição, da mesma editora. Este autor sustenta que a regra na indemnização das situações de incumprimento contratual deve ser aberta em conformidade com o artigo 562 do Código Civil e 363º do Código do Trabalho (todos os danos são indemnizáveis). E que ocorrem, se bem percebemos e no caso do artigo 443 nº1, divergências significativas entre a norma e o fim para que foi ordenada, se aplicada sem restrições. Sobretudo se em confronto com o regime previsto para o despedimento ilícito promovido pelo empregador, nos artigos 436º e 439º, no qual se admite a indemnização por todos os danos, para além das outras consequências previstas. Parece impressioná-lo, sobretudo, a limitação da reparação dos danos não patrimoniais, os quais, segundo as suas palavras são “insusceptíveis de sujeição a um espartilho legislativo”.
A verdade é que, tal como referiu a sentença da 1º instância, é difícil aceitar a interpretação restritiva proposta, tendo em conta os limites interpretativos fixados no art.º 9º, n.º 2 do Código Civil. Ela estaria em manifesta oposição com o texto da norma.
Não encontramos explicitado na Constituição nenhum princípio da justa indemnização, em matéria de responsabilidade contratual, que imponha uma interpretação conforme à Constituição, como aquele autor (e no recurso) defende sem maior explicação. São vários os casos em que a lei estabelece quadros limitativos da indemnização (e da responsabilidade) em matéria de responsabilidade contratual e extracontratual, sem que, com isso, se questione a sua correcção por via interpretativa – assinale-se até que, quanto aos danos não patrimoniais, a lei impõe mesmo algum “espartilho” ao limitar os danos indemnizáveis aos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (496º nº1 do Código Civil).
E existe talvez algum fundamento racional para distinguir a indemnização nos casos de despedimento ilícito por iniciativa do empregador e da resolução com justa causa pelo trabalhador. O legislador para prosseguir objectivos de garantir a estabilidade do emprego pode pretender sancionar mais gravemente a parte lesante no primeiro dos casos e menos no segundo (não estimulando as cessações dos contratos por iniciativa do trabalhador – se é certo em que nas situações de justa causa não lhes é exigível manterem o vínculo laboral, também é certo que, conservando-o, poderão recorrer a tribunal para reintegrarem os direitos ofendidos no quadro de execução do contrato, o que não sucede tantas vezes como seria desejável…). A clareza da letra da lei parece mostrar que o legislador quis limitar o montante indemnizatório nos exactos termos em que, neste caso, o fez. Como acima se disse, num quadro em que fixou mais do que uma regra de indemnização, uma sanção contratual ope legis, semelhante à cláusula penal convencional referida no artigo 810º do Código Civil.
Por isso, não vemos motivos para, com a segurança e a prudência que sempre se deve exigir ao intérprete da lei, fazer a interpretação restritiva proposta pela autora recorrente.
E por essa razão, nada havendo a censurar na sentença da 1ª instância, improcederá na totalidade o recurso da autora.
*
III- DECISÃO
Termos em que se delibera confirmar as decisões impugnadas, negando provimento aos recursos de agravo, de apelação e subordinado.
Custas a cargo de cada recorrente em relação aos respectivos recursos em que decaíram.