Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
973/05.7TBPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ROQUE
Descritores: EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
PETIÇÃO INICIAL
OPOSIÇÃO
NULIDADE DA DECISÃO
CONHECIMENTO NO SANEADOR
Data do Acordão: 10/16/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 45.º, 1; 467.º, 1, E); 668.º, 1, B)E C); 810.º; 817.º, N.º 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; 376.º, 1; 363.º,1, 2 E 3; 374.º 1 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Em caso de contestação da oposição à execução, embora a mesma deva ser notificada ao executado, este não dispõe de qualquer articulado suplementar onde possa responder à matéria da mesma.
2. O direito de crédito cambiário é cartular, pressupondo uma relação jurídica prévia, a relação subjacente ou fundamental, e tem, normalmente, o mesmo conteúdo económico de um dos direitos que decorre desta, de forma a que, sem esta última, não se explica a criação do título.
3. Não se está em presença de dois títulos executivos, mas apenas de um, o contrato de mútuo, enquanto relação fundamental, o qual, só por si, independentemente da livrança, se observados os demais requisitos legais, pode servir de título executivo bastante, sendo o título de crédito cambiário o instrumento da circulação de direitos, através do mecanismo do endosso.
4. A letra e assinatura constantes de um documento particular devem ser havidas como verdadeiras, por força da lei, independentemente de reconhecimento, expresso ou tácito, se, apesar de serem atribuídas ao executado, este declarou não saber se lhe pertencem.
5. A força probatória legal formal do documento particular só pode ser impugnada pelo incidente de falsidade, sob pena de fazer prova plena, quanto às declarações atribuídas ao seu autor, isto é, de revestir força probatória legal material
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


A.., residente na Rua Nova, nº 22, Alqueidão de Arrimal, Arrimal, Porto de Mós, executado nos autos de oposição à execução comum, em que é exequente a B... interpôs recurso de apelação da decisão que julgou, totalmente, improcedente, por não provada, a oposição deduzida e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução, terminando as alegações, com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões:
1ª – Não se procedeu à notificação do recorrente da contestação apresentada por parte da exequente no processo de oposição à execução;
2ª - Proferiu-se logo sentença, sem dar prazo ao oponente para se pronunciar sobre a contestação apresentada, nomeadamente sobre as
eventuais excepções deduzidas pela exequente em sede de
contestação à oposição;
3ª - Cometeu-se assim uma nulidade, por violação do disposto dos artigos 785° do CPC "ex vi" do n°2 do artigo 817° do CPC e ainda nos termos do disposto nos artigos 194°, 195° n°1, a) do CPC - que desde já
aqui se invoca e se requer a sua apreciação (art. 202° do CPC);
4ª - Tendo em conta a matéria alegada em sede de oposição, nunca o Tribunal "a quo" poderia decidir do modo como decidiu, nomeadamente sem que houvesse lugar a audiência de julgamento;
5ª - Basta analisar o processo, para verificar que existe matéria controvertida a qual necessitava de ser comprovada, não sendo por isso, possível decidir-se já sobre estes autos;
6ª - Face à matéria alegada em sede de oposição, o Tribunal não estava em condições de poder proferir decisão de mérito, conforme sucedeu com a sentença recorrida;
7ª - O oponente impugnou as assinaturas constantes dos "títulos
executivos" apresentados pela exequente. Trata-se de matéria de facto alegada na oposição à execução, controvertida em relação ao requerimento executivo e em relação à contestação apresentada pela exequente;
8ª - Não consta dos autos nenhum elemento que permitisse ao Tribunal (nesta fase) concluir e decidir sobre as impugnações apresentadas pelo oponente;
9ª - Na decisão recorrida, o Tribunal "a quo" reconhece no ponto 3.: "...O executado (...) impugna o teor dos documentos dados à execução (...)
bem como a(s) assinatura(s) atribuída(s) como sendo do executado nos
mesmos." (sublinhado nosso);
10ª – Nunca se podia decidir pela improcedência da oposição, sem se apresentarem elementos concretos para se decidir sobre esta questão de facto;
11ª - Antes de se decidir e dado tratar-se de matéria de facto controvertida, sempre podia o Tribunal notificar a parte para esclarecer a sua posição ou os seus articulados, nos termos do disposto no artigo 508° do CPC;
12ª - Decidiu-se. Apesar de se reconhecer haver impugnação da matéria de facto, apesar de existir matéria controvertida que necessitava de ser factualmente comprovada em sede de audiência de julgamento;
13ª - A decisão recorrida não faz uma correcta interpretação do disposto no artigo 45°, n°1 e 810o n°4, ambos do CPC;
14ª - É inequívoco que a exequente, na presente execução, apresentou dois títulos executivos. A própria exequente o confirma em sede de contestação, quando refere que: "...são, pois, dois os títulos executivos a instruir os presentes autos de execução...";
15ª - Devia então o Tribunal "a quo" aplicar a Lei perante tal alegação, nomeadamente, e no modesto entender do recorrente, decidindo que pode a execução subsistir com base em dois títulos executivos cujo alcance e efeitos são diferentes;
16ª - A Lei é inequívoca quando se refere que na execução deve ser junto (apenas) um título executivo (cfr. artigos 45°, n°1 e 810°, n°4 ambos do CPC) - verificando-se assim e em consequência a nulidade do requerimento executivo - conforme invocado em sede de oposição;
17ª - Nulidade que desde já também aqui se invoca e se requer a sua apreciação;
18ª - Verifica-se a nulidade do requerimento executivo quanto à violação do disposto no artigo 810° n°3 do CPC - nulidade que também aqui se invoca e se requer a sua apreciação;
19ª - A norma do artigo 810°, n°3 do CPC impõe que o requerimento executivo deve conter os elementos referidos nas alíneas b), c), e) e f) do n°1 do artigo 467° do CPC. Sendo que a al. e) do citado n°1 do artigo 467º do CPC dispõe que: Na petição com que se propõe a acção deve o autor: formular o pedido;
20ª - Basta analisar o requerimento executivo para verificar que, nele, não consta qualquer pedido, conforme impõe a norma do art. 467°, n°1, e) "ex vi" do art. 810°, n°3 do CPC;
21ª – Existe, assim, no requerimento executivo, uma clara violação do disposto na al. e) do n°1 do artigo 467° do CPC "ex vi" do artigo 810°, n°3 do mesmo diploma;
22ª - Mas, na decisão diz-se que se encontram reunidos todos os elementos exigidos pelas disposições supra referidas - mas não explica em que termos considera cumprido o disposto no artigo 810° n°3 do CPC;
23ª - Não basta invocar o modelo do requerimento executivo para sanar a falta do cumprimento da norma do artigo 810° do CPC supra indicada. Pois, tecnicamente, face ao que dispõe a Lei Processual Civil, é imposto que o exequente dê cumprimento total ao disposto no artigo 810°, n°3 do CPC;
24ª - O nível de exigência da Lei é tal que, em caso de incumprimento do n°3 do artigo 810° a consequência é apenas uma, a saber: a recusa do requerimento executivo por parte da secretaria (conforme impõe o artigo 810° n°1, a) do CPC);
25ª - Não se efectuou assim na decisão recorrida uma correcta interpretação dos elementos constantes dos autos, bem como se efectuou uma incorrecta aplicação das normas jurídicas (nomeadamente as supra indicadas) ao presente caso em concreto.
26ª - A sentença recorrida sofre de nulidade, por violação do disposto no artigo 668°, n°1, b) e d) do CPC.
A exequente não apresentou contra-alegações.

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I – A questão da nulidade da decisão.
II – A questão da nulidade do requerimento executivo.
III – A questão da extemporaneidade do conhecimento do mérito no saneador.

I. DA NULIDADE DA DECISÃO

Invoca o executado a nulidade decorrente da prolação da sentença, não precedida de notificação ao apelante da contestação apresentada pelo exequente.
Estipula o artigo 817º, nº 2, do CPC, que “se for recebida a oposição, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo sumário de declaração”, ou seja, o despacho saneador, eventualmente, sob a forma se saneador-sentença, a produção de prova, a audiência de discussão e julgamento e a sentença.
Por outro lado, dispõe o artigo 229º-A, nº 1, do CPC, que “nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, todos os articulados…que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do artigo 260º-A”, acrescentando o nº 2, deste último normativo legal, que “o mandatário judicial notificante juntará aos autos documento comprovativo da data da notificação à contraparte”.
Quer isto dizer que, nos autos de oposição à execução, em caso de apresentação de contestação pelo exequente, embora esta deva ser notificada ao executado, não se segue qualquer outro articulado, e a notificação daquela, tendo as partes constituído mandatário judicial, é efectuada por este ao mandatário do executado, não se operando mediante acto da secretaria.
Com efeito, a mandatária judicial da exequente notificou o mandatário do executado, a propósito da junção aos autos do articulado da contestação à oposição à execução, consoante decorre do teor do documento de folhas 33 e seguintes.
Assim sendo, ao contrário do sustentado pelo executado, este não dispunha de qualquer articulado suplementar onde pudesse responder à matéria da contestação apresentada pela exequente.
Não ocorre, assim, a nulidade arguida, não se mostrando violadas as disposições legais mencionadas pelo executado ou outras de que importe conhecer.

II. DA NULIDADE DO REQUERIMENTO EXECUTIVO

Invoca, também, o executado a nulidade do requerimento executivo, por inexistir pedido formulado e por ter subjacente uma duplicidade de títulos, em vez de um só.
A propósito dos elementos que devem figurar no requerimento executivo, dispõe o artigo 810º, nº 2, do CPC, que o mesmo “…consta de modelo aprovado por decreto-lei”, devendo conter, prossegue o respectivo nº 3, “…, além dos referidos nas alíneas b), c), e) e f) do nº 1 do artigo 467º, bem como na alínea c) do nº 1 do artigo 806º”, ainda outros que, com respeito à questão decidenda, não interessa agora considerar.
Por outro lado, estipula o artigo 467º, nº 1, e), que “na petição, com que se propõe a acção, deve o autor: formular o pedido”, enquanto que o artigo 806º, nº 1, d), ambos do CPC, preceitua que “o registo informático de execuções contém o rol dos processos de execução pendentes e, relativamente a cada um deles, a seguinte informação: pedido”.
Revertendo ao caso em apreço, importa considerar que, no âmbito da exposição dos factos, a exequente afirma que “…permanece em dívida, a título de capital, a quantia de 13893,84€…a dívida vence juros à taxa de 13.10% ao ano acrescida de 4% a título de cláusula penal, ou seja à taxa de 17.10%, a contar da data do seu vencimento, em 15.10.04, até integral e efectivo pagamento liquidando-se os juros contratuais moratórios vencidos nesta data a quantia de 1165,15€, perfazendo o capital, os juros contratuais compensatórios e os juros contratuais moratórios a quantia de 15842,24€”, em quanto foi liquidada a obrigação, correspondente ao total do valor do pedido executivo.
Assim sendo, o requerimento executivo não padece da invocada nulidade decorrente da falta de formulação do pedido.
Por seu turno, a exequente alicerça o pedido numa livrança e numa proposta de crédito, que funcionam como os respectivos títulos executivos.
Na livrança, datada de 15 de Julho de 2007, o executado declara que pagará à exequente, ou à sua ordem, na data do vencimento, ou seja, em 15 de Outubro de 2004, 15000,00€, enquanto que, na denominada “proposta de crédito”, o executado declara que solicita à exequente um empréstimo, no montante de 15000,00€, pelo prazo de dois anos, pagável em 24 prestações mensais, sendo a primeira, em 15 de Agosto de 2004.
Dispõe o artigo 45º, nº 1, do CPC, que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
Efectivamente, a acção executiva supõe um título executivo, isto é, um título com força legal suficiente para servir de base à execução, que lhe determina os limites, ou seja, a extensão e o conteúdo da obrigação do devedor e, consequentemente, a amplitude da acção do credor.
Por isso, a extensão do pedido encontra no texto do título a base necessária e suficiente para o exercício do direito de acção executória, emergindo ou nascendo do mesmo, porque fonte autónoma e imediata desta, com eficácia constitutiva, o direito do credor e a obrigação do devedor, o poder de executar daquele e a responsabilidade executiva deste .
Tendo o título executivo esta eficácia, importa que a extensão da demanda executiva se ache bem definida, quanto ao direito do credor e à obrigação ou responsabilidade executiva do devedor, isto é, que entre a causa de pedir, o título, com a respectiva factualidade obrigacional nele reflectida, e o pedido de satisfação da quantia nele contida, exista harmonia ou conformidade .
Assim, a parte da execução que exceda o contido no título, não é conforme com o mesmo, e, na medida em que houver divergência, tudo se passa como se não houvesse título, não se fundando, neste particular, em título executivo, pelo que lhe falta a respectiva causa de pedir .
A relação que se verifica entre um direito e um documento, como acontece nos títulos de crédito, entre os quais figura a livrança, ajuda a compreender o significado do termo incorporação, uma das características congénitas que aqueles, habitualmente, costuma ser apontada pela doutrina, que qualifica o direito constante do título como direito cartular, passando a existir, a partir do direito inicial, um novo direito, sujeito a um regime especial.
Efectivamente, o direito cartular pressupõe uma relação jurídica prévia, a relação subjacente ou fundamental, e tem, normalmente, o mesmo conteúdo económico de um dos direitos que decorre desta, por forma a que, sem esta última, não se explica a criação do título, como acontece com a situação de quem subscreve uma livrança, a favor de outrem, por ser devedor da mesma quantia, em consequência de um contrato de mútuo .
O direito de crédito cambiário é, pois, cartular, porquanto está compenetrado com o documento, sendo a titularidade deste que decide da titularidade daquele, encontrando-se, assim, a sua transferência ou exercício condicionados pela posse legítima do mesmo.
E a livrança, que aqui interessa considerar, é um título comprovativo de dívida, susceptível de servir de base à execução, nos termos do preceituado pelo artigo 46º, nº 1, c), do CPC.
Porém, o possuidor da livrança, não necessitando de fazer prova do seu direito causal para se cobrar do crédito cambiário titulado pela mesma, invocando a relação causal, a mesma passa a constituir a verdadeira causa de pedir da acção, e, consequentemente, pode ser considerada pelo Tribunal.
De todo o modo, não se está em presença de dois títulos executivos, mas apenas de um, ou seja, o contrato de mútuo, enquanto relação fundamental, o qual, só por si, independentemente da livrança, se observados os demais requisitos legais, pode servir de título executivo bastante, sendo o título de crédito cambiário o instrumento de circulação de direitos, através do mecanismo do endosso.
O que importa, no essencial, para além da existência de um hipotético concurso aparente de títulos executivos, é que os mesmos se não contradigam, entre si, como, manifestamente, resulta da factualidade já registada, observados que sejam os requisitos consagrados pelo artigo 45º, nºs 1 e 2, do CPC, já analisados.

III. DA EXTEMPORANEIDADE DO CONHECIMENTO DO MÉRITO

Defende ainda o executado que, tendo impugnado as assinaturas constantes dos títulos executivos apresentados pela exequente, tratando-se de matéria de facto controvertida, o Tribunal "a quo" não poderia decidir, sem que houvesse lugar a uma prévia audiência de julgamento.
Efectivamente, neste particular, o executado alega, na oposição à execução, que “…não se recorda de ter assinado qualquer documento, nomeadamente os títulos referidos nos presentes autos” (21º), “pelo que se impugna o teor dos documentos dados à execução pela exequente como títulos executivos, bem como a(s) assinatura(s) atribuída(s) como sendo do executado nos mesmos” (22º).
Dispõe o artigo 376º, nº 1, do Código Civil (CC), que “o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento”.
Por seu turno, prescreve o artigo 374º, nº 1, do CC, que “a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou…”.
Com efeito, a letra e a assinatura, ou a assinatura de um documento particular só se consideram como verdadeiras, se forem, expressa ou tacitamente, reconhecidas pela parte contra quem o documento é exibido ou se, legal ou judicialmente, forem havidas como tais.
Na verdade, muito embora não se trate de uma situação de reconhecimento expresso ou tácito da letra ou da assinatura da livrança e da proposta de crédito, que constituem inequívocos documentos particulares, como resulta do estipulado pelo artigo 363º, nºs 1, 2 e 3, atendendo à posição processual assumida pelo executado, devem as respectivas letra e assinatura ser havidas como verdadeiras, por força da lei, isto é, do preceituado pelo artigo 374º, nº 1, ambos do CC, porquanto, apesar de atribuídas ao executado, este declarou não saber se lhe pertencem.
A isto acresce que a força probatória legal formal do documento particular só pode ser impugnada pelo incidente de falsidade, sendo certo que esta consiste, tão-só, na falsidade material e não na falsidade ideológica, isto é, apenas relevam falsidades do tipo viciação do documento, defeitos externos, não, devidamente ressalvados, como acontece, na hipótese contemplada pelo artigo 376º, nº 3, do CC.
Ora, não tendo o executado impugnado a força probatória legal formal do documento particular, através do incidente de falsidade, limitando-se a afastar a sua autoria, pela via da impugnação pelo desconhecimento, o mesmo faz prova plena, quanto às declarações atribuídas ao seu autor, isto é, reveste força probatória legal material .
Aliás, a falsidade do documento particular é, normalmente, posterior à data da sua assinatura, como acontece quando nele se introduzem entrelinhas ou se substituem ou riscam palavras, embora possa resultar, outrossim, do reconhecimento notarial ou ser contemporânea da sua feitura .
Nestes termos, conhecendo do mérito do pedido, no despacho saneador, independentemente de realização prévia da audiência de discussão e julgamento, em conformidade com o disposto pelos artigos 510, nº 1, b), 787º, nºs 1 e 2 e 817º, n 2, todos do CPC, o Tribunal «a quo» não proferiu decisão prematura que se mostrasse carecida de produção de prova.
Não se mostram, pois, violadas as disposições legais invocadas pelo apelante ou outras de que importe conhecer, razão pela qual improcedem, com o devido respeito, as conclusões constantes das suas alegações.

CONCLUSÕES:

I - Em caso de contestação da oposição à execução, embora a mesma deva ser notificada ao executado, este não dispõe de qualquer articulado suplementar onde possa responder à matéria da mesma.
II - O direito de crédito cambiário é cartular, pressupondo uma relação jurídica prévia, a relação subjacente ou fundamental, e tem, normalmente, o mesmo conteúdo económico de um dos direitos que decorre desta, de forma a que, sem esta última, não se explica a criação do título.
III - Não se está em presença de dois títulos executivos, mas apenas de um, o contrato de mútuo, enquanto relação fundamental, o qual, só por si, independentemente da livrança, se observados os demais requisitos legais, pode servir de título executivo bastante, sendo o título de crédito cambiário o instrumento da circulação de direitos, através do mecanismo do endosso.
IV - A letra e assinatura constantes de um documento particular devem ser havidas como verdadeiras, por força da lei, independentemente de reconhecimento, expresso ou tácito, se, apesar de serem atribuídas ao executado, este declarou não saber se lhe pertencem.
V - A força probatória legal formal do documento particular só pode ser impugnada pelo incidente de falsidade, sob pena de fazer prova plena, quanto às declarações atribuídas ao seu autor, isto é, de revestir força probatória legal material.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar, inteiramente, o douto saneador-sentença recorrido.

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Custas, a cargo do executado-apelante.