Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1576/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: ÓNUS DA PROVA
DILIGÊNCIAS
ACÇÃO DE DIVÓRCIO
ARTICULADO SUPERVENIENTE
CONFISSÃO DOS FACTOS
NÃO ADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 06/20/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 265º, Nº 3, 506º, Nº 1, E 535º, Nº 1, DO CPC .
Sumário: I – Pelo facto de existir hoje o poder-dever de o tribunal diligenciar pela obtenção de informações necessárias ao esclarecimento da verdade – arts. 265º, nº 3, e 535º, nº 1, do CPC -, não deixa de competir à parte fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito, como resulta do artº 342º, nº 1, do C. Civ.
II – Só quando a parte demonstre que fez todas as diligências ao seu alcance para conseguir as informações e não as logrou obter por recusa de uma entidade, é que o tribunal deverá intervir no sentido dessa obtenção, de harmonia com as disposições legais aplicáveis .

III – Porém, antes de proceder à requisição de elementos de prova requeridos pela parte, deve o tribunal fazer um juízo prévio sobre a pertinência e conveniência dos dados a solicitar, ponderando-se não só o interesse dos elementos para efectuar a demonstração da realidade dos factos mas também se essa junção não contende com a intimidade da vida privada dos cidadãos .

IV – Em acção de divórcio instaurada com fundamento na violação de deveres conjugais, sendo apresentado um articulado superveniente pelo autor em audiência de julgamento, onde se pede o decretamento do divórcio com base na separação de facto dos cônjuges por um ano, entretanto verificada, não é de admitir tal articulado, nos termos do artº 506º, nº1, do CPC, caso não haja acordo das partes nesse sentido .

V – Em acção de divórcio não é legalmente admissível a confissão de factos alegados pela parte contrária, por se tratar de factos relativos a direitos indisponíveis .

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- A..., residente na Rua Dr. António José de Almeida, 214, 2º em Coimbra, propõe contra B..., residente na Rua Dr. António José de Almeida, 214, 2º em Coimbra, a presente acção de divórcio litigioso, pedindo que seja decretado o divórcio entre os dois, com culpa exclusiva do R., com condenação deste a pagar-lhe uma indemnização de 25.000 euros pelos danos morais que ela sofreu em razão da dissolução do casamento e ainda 15.000 euros pelos danos morais sofridos por ela pelas agressões verbais, vexames e humilhações que o R. lhe causou, devendo, outrossim, ser-lhe atribuída casa de morada da família.
Fundamenta o seu pedido, em síntese, em virtude de violação, por parte do R., dos deveres de fidelidade e de respeito.
1-2- Foi realizada, sem êxito, a tentativa de conciliação a que alude o art. 1407º nº 1 do C.P.Civil, tendo o R. contestado, referindo, também em síntese, factos denunciadores da violação do dever de respeito, por banda da A..
Com base nessa violação, deduz o R. reconvenção terminando, pedindo que a acção seja julgada improcedente e o divórcio decretado com culpa exclusiva da A.
1-3- A A. respondeu à reconvenção, mantendo a posição assumida na p.i., impugnando a generalidade dos factos alegados pelo R.
Termina pedindo a improcedência do pedido reconvencional.
1-4- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e a base instrutória, tendo as partes oferecido prova.
1-6- A A. requereu, para prova dos quesitos 2º, 12º, 14º, 15º, 16º e 17º, que o tribunal oficiasse à gerência do Hotel Vila Rica, em Lisboa, à Vodafone Portugal, em Lisboa, à Optimus Telecomunicações, em Lisboa, ao Credibanco, em Lisboa, à Via verde, em S. Domingos de Rana e para prova dos quesitos 25º, 26º e 28º se oficiasse aos Hospitais da Universidade de Coimbra, Serviço de Pessoal, e à Clínica Universitária de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.
1-7- Com o fundamento de que compete à parte que invoca os factos, a prova dos mesmos, sendo que só em casos especiais o tribunal se deve substituir ao interessado, o que se não verifica no caso e ainda por se não ver utilidade, em parte, nas informações solicitadas, a Mª Juíza indeferiu o requerido.
1-6- Não se conformando com esta decisão, dela veio recorrer a A., recurso que foi admitido como agravo, com subida deferida, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
1-7- A A. alegou, tendo retirado as seguintes conclusões, que se resumem:
1ª- Contrariamente ao alegado pela Mª Juíza, não se encontra ao alcance da A. a obtenção, por si própria, dos elementos/informações em causa, já que as entidades nunca facultariam tais informações à recorrente, porquanto se trata de informações potencialmente invasoras da privacidade do R. e das pessoas que com ele privam e porque se encontram vinculadas por uma obrigação de confidencialidade para com as pessoas que consigo contratam.
2ª- Após a notificação do despacho recorrido, diligenciou a recorrente pela obtenção das informações em causa, não tendo logrado obter qualquer resposta.
3ª- A Mª Juíza deveria ter deferido as diligências, de harmonia com o disposto nos arts. 265º nº 3 e 535º nº 1 do C.P.Civil.
4ª- Deve ser concedido provimento ao recurso e revogado o despacho recorrido, deferindo-se o requerido pela A..
1-8- A parte contrária respondeu a estas alegações sustentando o não provimento do recurso e a confirmação da decisão recorrida.
1-9- Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.
No decurso de tal audiência, a A. requereu a admissão de um articulado superveniente, requerimento que foi indeferido pelo despacho de fls. 367, com o fundamento, em resumo, de que existe, nesse articulado, uma alteração da causa de pedir, formalmente, inadmissível.
1-10- Não se conformando com esta decisão, dela veio recorrer a A., recurso que foi admitido como agravo, com subida deferida, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
1-11- A A. alegou, tendo retirado as seguintes conclusões, que se resumem:
(…)
1-12- O Tribunal respondeu ao questionário, após o que a Mª Juíza proferiu a sentença.
1-13- Nesta considerou-se improcedente por não provada a acção e, em consequência, absolveu-se a R. dos pedidos formulados pela A.. Julgou-se, porém, procedente por provada a reconvenção e, em consequência, considerou-se o casamento, celebrado pela A. e pelo R., dissolvido por divórcio, declarando-se a A./reconvinda como culpada pelo divórcio.
1-14- Não se conformando com esta sentença, dela veio recorrer a A., recurso que foi admitido como apelação e com efeito suspensivo.
1-15- A recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões que se resumem:
(…)
1-16- A parte contrária respondeu a estas alegações sustentando o não provimento do recurso e a confirmação da decisão recorrida.
1-17- Já depois de o presente processo ter entrado neste Tribunal da Relação, foi junto um parecer elaborado pelo Centro de Direito de Família da Faculdade de Direito de Coimbra.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivos dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º nº 3 do C.P.Civil ).
2-2- Após as respostas à matéria de facto da base instrutória, ficaram assentes os seguintes factos:
(…)
2-3- Nas suas alegações da apelação, a recorrente A. declarou, nos termos do art. 748º nº 1 do C.P.Civil, que mantinha o interesse na apreciação dos agravos que interpôs.
Assim, temos para apreciação os dois agravos acima mencionados e a apelação.
Nos termos do art. 710º nº 1 do mesmo diploma, os agravos e a apelação deverão ser julgados pela ordem da sua interposição. Daí que começaremos por apreciar o agravo referenciado em 1-6, depois o mencionado em 1-10 e, por fim, a apelação.
A) 1º Agravo:
2-4- No seu requerimento de indicação de prova, a fls.133 e 134 dos autos, a A. solicitou ao tribunal que oficiasse à gerência do Hotel Vila Rica, em Lisboa, à Vodafone Portugal, em Lisboa, à Optimus Telecomunicações, em Lisboa, ao Credibanco, em Lisboa, à Via verde, em S.Domingos de Rana, para prova dos quesitos 2º, 12º, 14º, 15º, 16º e 17º e que oficiasse aos Hospitais da Universidade de Coimbra, Serviço de Pessoal, e à Clínica Universitária de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, para prova dos quesitos 25º, 26º e 28º.
A Mª Juíza e para o que aqui interessa, em resposta a tal requerimento, disse:
A prova de todos os factos enumerados e que constam nos pontos 2º, 12º, 14º, 15º, 16º, 17º, 25º, 26º e 28º da base instrutória pertence à parte que os invocou, no caso à autora/reconvinte. Nos termos do nº 1 do art. 342º do Código Civil quem invoca um direito tem que provar os factos constitutivos do direito invocado. Portanto, à autora cabe fazer a prova dos factos alegados, carreando para o processo os elementos que disponha e que entenda serem necessários e suficientes a esse fim. O tribunal não se substitui à parte nessa matéria, nem neste nem em nenhum caso. Isto em princípio ( e claro que não estou a pensar no processo crime, que obviamente tem regras distintas ). A não ser assim, ninguém teria a cuidar de juntar a prova a fazer, ficando, afinal, o tribunal com tal ónus. Só em determinadas situações pontuais - a analisar caso a caso - é que poderá o tribunal solicitar determinadas informações e/ou elementos, caso entenda serem os mesmos fundamentais e estando devidamente alegado e demonstrado que a parte os tentou obter e não conseguiu. Nada disto se passa no caso. Portanto indefere-se o requerido.
Mas quanto ao pedido formulado na alínea B ..., aquilo que a autora/reconvinda pretende, afinal, é saber coisas que vão muito para além da matéria que está em discussão ... Além de tudo o que referi acima nunca uma tal pretensão poderia ser acolhida por ser manifestamente invasora da privacidade do réu/reconvinte e, quiçá, de todos quantos com ele privam, contactam, comunicam. E além do mais não se vê que utilidade poderia retirar-se das informações que eventualmente viessem a ser prestadas ... É evidente que mesmo que a autora viesse alegar e demonstrar a impossibilidade real de obter tais informações, nunca o tribunal as pediria
Quer isto dizer que a Mª Juíza entendeu indeferir o requerimento em causa por entender que, em relação aos factos a indagar, competia à parte efectuar a prova respectiva, pelo que não deveria o tribunal substituir-se ao interessado na recolha da prova. Só em casos pontuais e após se demonstrar que a parte tentou obter os elementos ( necessários ) probatórios e não o conseguiu, é que o tribunal se poderá substituir-se à parte, solicitando determinadas informações e/ou elementos probatórios. Como isto não sucedeu no caso vertente, indeferiu o requerimento. Além disso e no que respeita ao pedido formulado na alínea B), a respectivas indagações vão para além da matéria que está em discussão, sendo que se trata de matéria, manifestamente, invasora da privacidade do réu/reconvinte e, de todos quantos com ele privam, contactam, comunicam, não se vendo utilidade nas informações que eventualmente viessem a ser prestadas, o que conduz ao impedimento de o tribunal obter tais informações.
No recurso, a agravante sustenta que contrariamente ao alegado pela Mº Juíza, não se encontra ao alcance da A. a obtenção, por si própria, dos elementos/informações em causa, já que as entidades nunca facultariam tais informações à recorrente, porquanto se trata de informações potencialmente invasoras da privacidade do R. e das pessoas que com ele privam e porque se encontram vinculadas por uma obrigação de confidencialidade para com as pessoas que consigo contratam. Após a notificação do despacho recorrido, diligenciou pela obtenção das informações em causa, não tendo logrado obter qualquer resposta.
Parece-nos que a razão cabe à Mª Juíza. Com efeito, pelo facto de existir hoje o poder-dever de o tribunal diligenciar pela obtenção de informações necessárias para o esclarecimento da verdade, nos termos dos arts. 265º nº 3 e 535º nº 1 do C.P.Civil, menos verdade também não é que compete à parte fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito, como resulta do disposto no art. 342º nº 1 do C.Civil. Daqui decorre, a nosso ver, que a iniciativa da demonstração da realidade dos factos, compete à parte. Só quando a parte demonstre que fez todas as diligências ao seu alcance para conseguir as informações e não as logrou obter por recusa de uma entidade, é que o tribunal deverá intervir no sentido dessa obtenção, de harmonia com aquelas disposições legais. Se assim não fosse, estaria aberta a porta para que a parte interessada se escusasse de diligenciar a realização das provas que lhe incumbiam. Bastaria requerer que o tribunal as efectuasse e o tribunal trataria de as obter.
A propósito da aplicação do disposto no dito art. 535º nº 1, sublinharemos o que se decidiu no Acórdão do STJ de 6-6-2002 in Rev. nº 1489/02, 2ª Sumários 6/2002 ): “os poderes de requisição a organismos oficiais, plasmados no nº 2 do art. 535º do CPC, não servem, em princípio, para suprir a inércia do dever de iniciativa instrutória das partes, mas apenas para propiciar uma boa e justa decisão da causa, continuando porém a ser, se não sugerida a requisição pelas partes, de natureza essencialmente discricionária”.
Quer dizer e em síntese, só quando a parte demonstre a impossibilidade prática de obter os elementos probatórios, é que o tribunal deve diligenciar, junto das respectivas entidades, pela respectiva obtenção.
Claro que antes de proceder à requisição de elementos, deve o tribunal fazer um juízo prévio sobre a pertinência e conveniência dos dados a solicitar. Neste juízo deve ponderar, não só o interesse dos elementos para efectuar a demonstração da realidade de factos essenciais para a decisão da causa, como também se a junção dos mesmos aos autos não contende com a intimidade da vida privada dos cidadãos, constitucionalmente protegida, através do art. 26º nº 1 da Lei Fundamental. Vem isto a propósito do facto de, no requerimento, se solicitar se oficiasse ao dito Hotel, às operadoras de telemóvel, ao Banco e à Via Verde. Para além de não se ver que tais diligências pudessem provar algo de relevante em relação ao objecto da acção (poderiam, quanto muito, demonstrar factos instrumentais( Mesmo que o Hotel desse informação positiva no sentido de que o R. aí havia pernoitado, não se poderia, sem mais, ligar tais dormidas com o facto indagado no quesito 2º e nos outros quesitos. O mesmo se diga em relação às suas comunicações telefónicas, às transacções efectuadas com o cartão de crédito e às passagens, do seu veículo, na via verde.) ), poderiam as mesmas violar a reserva da vida privada de terceiros( A própria A., nas suas alegações de recurso, aceita que tais informações poderão invadir a privacidade do réu e das pessoas que com ele privam.), razões por que o tribunal deveria optar por não dar seguimento ao requerimento, o que aliás, fez.
O indeferimento do requerimento justificou-se, pois.
Sustenta a recorrente que as entidades nunca lhe facultariam tais informações e que após a notificação do despacho recorrido, diligenciou pela obtenção das informações em causa, não tendo logrado obter qualquer resposta.
Para além do que já dissemos em relação ao interesse das diligências e da possível violação, com a respectiva requisição, da vida privada de cidadãos, acrescentaremos que as diligências feitas posteriormente ao indeferimento do requerido, são irrelevantes para esta decisão. Isto porque deveria ser antes de efectuar o requerimento, solicitando a intervenção do tribunal, que essa actividade deveria ter sido realizada, demonstrando ao juiz, a impossibilidade prática da obtenção dos elementos probatórios em causa. O despacho recorrido, porque feitas posteriormente, não pôde ter em conta tais diligências. Não poderemos, pois, denegar ou revogar tal despacho, considerando uma circunstância inexistente na altura da sua prolação. Por outro lado, não consideramos um facto notório, como a recorrente parece fazer crer, que as entidades em causa lhe recusassem as informações que pretendia. Por isso, deveria ter demonstrado nos autos, previamente, a impossibilidade na obtenção, junto das ditas entidades, dos elementos considerados ( por si ) necessários.
Quer isto tudo dizer que o agravo será julgado não provido.
B) 2º Agravo:
2-5- No decurso da audiência de discussão e julgamento, a A. requereu a admissão de um articulado superveniente, requerimento que foi indeferido pelo despacho de fls. 367.
Neste despacho referiu-se:
Na nossa lei a dissolução do casamento por divórcio pode ocorrer por duas ordens de razões, ou por violação culposa dos deveres conjugais, situação prevista no art. 1779 do C.Civil ou por rotura de vida em comum, prevista no art. 1781º do C.Civil. A autora-reconvinda pede na presente acção que seja dissolvido o casamento que mantém com o réu-reconvinte por violação os seus deveres por parte deste e com culpa única e exclusiva do demandado. Assim e em conformidade com as boas regras legais ao longo da petição, a autora reconvinda elenca uma série de factos dos quais retira a violação desses deveres conjugais que imputa ao réu-reconvinte. O elenco desses factos constitui, precisamente, a causa de pedir. Pede agora a autora reconvinda a admissão de articulado superveniente e nesse invoca, em resumo, a separação de facto por mais um ano e pede, do mesmo modo, que o divórcio seja decretado ao remeter para os termos do art. 1781 do C.Civil. Isto é, tal como o réu-reconvinte refere, verifica-se uma alteração da causa de pedir porquanto os factos agora alegados visam demonstrar que desde há um ano os cônjuges não mais tiveram qualquer contacto inerente ao estado de casados. Nos termos do art. 272º do C.P.C. a causa de pedir pode ser alterada em qualquer altura, havendo acordo. No seu requerimento, ao pronunciar-se sobre a pretensão manifestada pela autora-reconvinda, o réu-reconvinte disse opor-se à alteração da causa de pedir. Na falta de acordo das partes a causa de pedir só pode ser alterada na réplica ou mais tarde quando ela resultar feita pelo réu e aceite pelo autor, que não foi o caso. Assim, não admito a junção do articulado pretendido juntar neste momento”.
Quer dizer, segundo o despacho recorrido, a Mº Juíza entendeu não admitir o articulado superveniente, porque tal articulado implicava uma alteração da causa de pedir, alteração formalmente inadmissível.
No recurso, a agravante sustenta que se verifica, no caso, uma situação de superveniência objectiva, não ocorrendo nenhum fundamento de rejeição previstos taxativamente no nº 4 do art. 506º do C.P.Civil. A Mª Juíza rejeitou o articulado com um fundamento diferente daqueles que se encontram taxativamente previstos na lei, ou seja de que a dedução do articulado implicaria a alteração da causa de pedir. Através de um articulado superveniente pode ser invocada uma nova causa de pedir, sob pena de ficar prejudicado o sentido da norma contido no art. 506º nº 1. Um entendimento diferente violaria o princípio da economia processual, nomeadamente os arts. 506º e 663º do C.P.Civil. Na ressalva contida na parte inicial do art. 663º nº 1, inserem-se não só as disposições dos arts. 272º e 273º nº 1 do C.P.Civil, mas também a norma especial plasmada no art. 506º, a qual admite invocação, depois dos articulados e sem acordo ou a confissão do R., dos factos constitutivos, modificativos e extintivos do direito produzidos ou conhecidos supervenientemente, mesmo que tal implique uma alteração da causa de pedir. Se não fosse essa a intenção do legislador, mal se compreenderia que tal ressalva não constasse também expressamente no art. 506º do C.P.C., que trata do articulado superveniente, tal como sucede na disposição paralela do art. 508º nº 5.
Vejamos:
Como se vê, a A. propôs a presente acção de divórcio com o fundamento de violação, pelo R. seu marido, dos deveres conjugais de fidelidade e respeito e, por isso e de harmonia com o disposto no art. 1779º nº 1 do C.Civil, veio pedir o divórcio.
Como a própria A. admite, com o articulado superveniente, veio pedir o divórcio invocando a separação de facto dos cônjuges por um ano ( entretanto verificada), isto é, pediu o divórcio através de outro fundamento. Significa isto que, através do articulado superveniente, a A. alterou a causa de pedir, mantendo, porém, o pedido de divórcio.
A questão que se coloca é a se saber se, modificando o articulado superveniente a causa de pedir ( e não se verificando nenhum caso de rejeição previstos no nº 4 do art. 506º do C.P.Civil ) o articulado será de admitir, ou se, pelo contrário, existindo uma alteração de causa de pedir, formalmente inadmissível, o mesmo será de rejeitar por este motivo.
No despacho recorrido, decidiu-se a rejeição, entendendo a A/recorrente que o mesmo deve ser admitido.
Nos termos do art. 506º nº 1 do C.P.Civil “os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão”. Acrescenta o nº 2 da disposição que “dizem-se superveniente tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência”.
O articulado superveniente serve, assim, para alegar factos posteriores, que não puderam ser invocados nos articulados normais. A superveniência será objectiva, quando os factos ocorrerem posteriormente à apresentação dos articulados e será subjectiva, quando a parte só teve conhecimento deles depois da apresentação dos articulados. Neste caso deve produzir-se a prova da superveniência.
Pela enunciação por banda da A., no caso vertente, a superveniência é objectiva, visto que os factos só ocorrerem depois dos articulados, dizendo mesmo a A. no seu requerimento, que esses factos só se haviam consumado nesse próprio dia ( fls. 366 v.).
Nos termos do nº 4 do mesmo artigo, “o juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em dez dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior”.
Portanto, para o que aqui interessa, o articulado deve ser rejeitado liminarmente quando for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos alegados não interessam à boa decisão da causa.
No caso dos autos, o articulado superveniente não foi indeferido por estes fundamentos, mas sim por alteração indevida da causa de pedir.
Diga-se desde já que, em relação àquelas causas de rejeição ( nº 4 do art. 506º ), nem uma nem outra se verifica, visto o articulado foi apresentado, claramente, em tempo e os factos alegados interessam à ( boa ) decisão da causa, visto que encerram um fundamento de divórcio ( art. 1781º al. a) do C.Civil ).
Observemos então a questão da alteração da causa de pedir.
Como se sabe, em processo civil subsiste o princípio da estabilidade da instância, segundo o qual “citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei” ( art. 268º do C.P.Civil ). Dentre estas alterações ao princípio geral da estabilidade da instância, sublinharemos a possibilidade de modificações do pedido e causa de pedir a que aludem os arts. 272º e 273º do mesmo Código. Assim, havendo acordo das partes, a causa de pedir ( e o pedido ) poderão ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1ª ou 2ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconveniente a instrução, discussão e julgamento da causa ( art. 272º ). Não havendo acordo das partes, a causa de pedir só poderá ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência da confissão feita pelo réu e aceita pelo autor ( art. 273º nº 1 ).
No caso dos autos, como se disse no despacho recorrido, não existiu acordo das partes na alteração da causa de pedir. Daí que a causa de pedir só pudesse ser alterada na réplica ( sendo também certo que não ocorre qualquer situação de confissão feita pelo R. e aceite pelo A.). Não poderia, por conseguinte, ser alterada na audiência de discussão e julgamento.
Será que este entendimento se deve impor ao articulado superveniente ? Por outras palavras, será que as restrições atinentes à alteração da causa de pedir, serão de colocar em relação ao articulado superveniente ?
Ultimamente têm alguns autores ( designadamente Lebre de Freitas(In Introdução ao Processo Civil, pág. 170, ed. de 1996, Coimbra Editora e C.P.Civil Anotado, 2001, pág. 342.) e Teixeira de Sousa(In Estudos Sobre o Novo Processo Civil, págs. 299-300, 2ª edição Lex ) ) vindo a entender que, através do articulado superveniente, pode ser invocada uma nova causa de pedir e, assim, a rejeição de tal articulado só deve ter lugar quando se verificar qualquer dos pressupostos de indeferimento a que alude o nº 4 do art. 506º. Neste entendimento, as restrições à alteração da causa de pedir a que nos referimos, não tem aplicação no caso de um articulado superveniente. Estes autores defendem este entendimento, baseando-se, essencialmente, em razões de economia processual.
Não aceitamos este modo de ver as coisas.
Com efeito, o princípio de economia processual de que, na realidade, está eivado o processo civil ( v.g. art. 137º e 138º do C.P.Civil ), não pode sobrepor-se e às regras gerais quanto aos actos e formalidades indispensáveis e úteis aos regulares trâmites processuais. Assim, a nosso ver, a admissão de articulado superveniente não pode derrogar as regras ( gerais ) sobre a alteração da causa de pedir.
A instância, como se viu, citado o réu, deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei ( - princípio da estabilidade da instância - art. 268º do C.P.Civil ). Qualquer modificação, quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, tem o carácter excepcional e só se poderá efectuar nos apertados casos permitidos pela lei. É nesta índole anormal que se deverá ver a alteração da causa de pedir ( e do pedido ). Nesta conformidade a causa de pedir, só poderá ser modificada nos termos acima expostos e de harmonia com o disposto nos arts. 272º e 273º nº 1 já referenciados. Decorre daqui que um articulado superveniente, não poderá alterar a causa de pedir. A não se entender assim, constituiria isso mais uma modificação da instância, que a lei, explicitamente, não permite. Deste modo, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito a que se refere o art. 506º nº 1, devem referir-se à mesma causa de pedir, ou seja à causa de pedir configurada na petição inicial.
A nosso ver, o art. 663º nº 1 do C.P.Civil ( que diz respeito aos factos jurídicos supervenientes que devem ser atendidos na sentença ) inculca este mesmo entendimento. Na verdade, esta disposição ao dizer que “ sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir...” ( sublinhado nosso ), baliza os contornos de atendibilidade dos factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito, que se produzam posteriormente à proposição da acção. Dos factos supervenientes entendeu o legislador deixar de fora, os que contendam com as condições em que pode ser modificada a causa de pedir. Por outras palavras, o legislador salvou do regime do art. 663º nº 1, os factos supervenientes que importem a alteração da causa de pedir. O acórdão do S.T.J. de 11-3-1999 ( in dgsi.pt ) em caso idêntico ao dos presentes autos, entendeu que “os articulados superveniente destinam-se, em certa medida, a dar efectivação ao princípio do art. 663º nº do CPC, segundo o qual a decisão deverá corresponder ao estado de coisas existentes no momento do julgamento. Em relação ao autor, só são admissíveis novos factos que não envolvam alteração de causa de pedir que, para este efeito deverá ser atendida em sentido abstracto” ( sublinhado nosso ). Neste mesmo sentido vai a jurisprudência que, segundo cremos, é maioritária ( vide designadamente Acs. da Rel. do Porto de 25-2-1997 e da Rel. de Lisboa de 1-7-93 (ambos no mesmo sítio da internet ).
Significa isto tudo que a decisão recorrida, ao indeferir o articulado superveniente, com os ditos fundamentos, o fez correctamente. O agravo não merece, portanto, provimento.
C) Apelação:
2-6- Neste recurso, a A. começa por colocar em dúvida a forma como tribunal recorrido respondeu a alguns dos factos da base instrutória. Concretamente, no seu entender, deve-se alterar a decisão de 1ª instância quanto à matéria de facto, no tocante às respostas aos quesitos 2º, 12º, 13º, 14º, 15º e 16º, nos termos do art. 712º nº 1 a), com base na apreciação dos elementos probatórios que constam dos autos, designadamente da fundamentação expendida pela Mª Juíza a quo no despacho em que respondeu às matéria de facto. Deve, assim, dar-se como provado que o R. afirmou que andava com uma sua doente, com ela copulava, com ela dormia, que era boa na cama, que passava com ela noitadas. Estas respostas não consubstanciam “confissão” de adultério pelo R., consubstanciam declarações e afirmações que relevam como ofensas aos deveres de respeito do R. para com a A.. Deve alterar-se a resposta aos ditos quesitos de forma que ao quesito 2º fique a constar que “o R. afirmou para os filhos, amigos e uma funcionária sua que andava com uma pessoa, que tinha uma relação com uma doente, que tinha uma relação extraconjugal, que tinha dormido com uma doente, que fora uma noitada e que ela era boa na cama”, e se remeta para a resposta a este quesito, as respostas aos outros ditos quesitos.
A recorrente baseia o seu pedido de alteração da matéria de facto, no disposto no art. 712º nº 1 al. a) do C.P.Civil. Estabelece esta disposição que a matéria de facto poderá ser alterada pela Relação “se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados ...
Como não ocorreu a gravação magnética dos depoimentos prestados, este tribunal só poderá alterar a matéria de facto dada como assente na 1ª instância se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão.
Tendo existido depoimentos verbais na audiência de discussão e julgamento, é evidente que não constam dos autos a totalidade dos elementos de prova de que o tribunal de 1ª instância se serviu para responder à base instrutória. Por isso e logo numa 1ª análise à questão, as alterações à matéria de facto dada como assente no tribunal recorrido, não serão possíveis.
A recorrente pretende que se proceda às modificações, atendendo fundamentação expendida pela Mª Juíza a quo no despacho em que respondeu à matéria de facto. Mais concretamente, em virtude do R., segundo tal fundamentação, ter dito aos filhos e a outras pessoas, ter tido uma relação extraconjugal, deverá tal circunstância ser dada como provada. Isto é, deverá ser dado como provado que o R. afirmou aos filhos, amigos e uma sua funcionária que andava com uma pessoa, que tinha uma relação com uma doente, que tinha uma relação extraconjugal.
Evidentemente que a recorrente carece de razão, pelo simples motivo de que tal fundamentação não constitui, como é bom de ver, um elemento de prova, sendo antes uma explicação ou justificação da convicção da Mª Juíza, em relação à factualidade a que respondeu. Tal fundamentação, como é evidente, não reflecte ou espelha o conteúdo dos depoimentos prestados.
Não constituindo a fundamentação um elemento de prova, nem reflectindo o conteúdo dos depoimentos prestados, é claro que com base nela não se poderá proceder a qualquer alteração dos factos dados como assentes na 1ª instância.
Mas mesmo que assim não fosse, como a recorrente deve aceitar, a matéria factual que queria ver exarada na resposta ao quesito 2º ( e acima mencionada ) não foi por si alegada, não incidiu sobre ela o contraditório, não tendo sido, por isso, levada à base instrutória. Como se verifica compulsando a petição inicial, o adultério do R. foi invocado pela A., como violador do dever de fidelidade e não com justificante da violação do dever de respeito ( por propalar junto de familiares e amigos que teria relações sexuais com outra pessoa ).
Não tendo, pois, tal factualidade sido alegada pela A., nunca o tribunal se poderia servir dela para daí retirar qualquer consequência jurídica ( art. 664º do C.P.Civil).
De resto, tal factualidade seria proveniente de confissão do R., o que não é legalmente admissível por recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis ( -dever conjugal de respeito - art. 354º al. b) do C.Civil ), não podendo, pois, fazer prova contra o confitente. O próprio parecer junto pela apelante reconhece a ilicitude da confissão sobre direitos indisponíveis.
Sustenta depois a apelante que os factos fundamento da culpa imputada à A. ( resposta aos quesitos 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 45º, 46º, 47º e 48º ) não consubstanciam comportamento, por parte da mesma, que levam à sua declaração como culpada no divórcio. Só a matéria de facto dada como provada ao quesito 35º é imputada à A., sendo que a restante matéria factual, não é imputável à A., nem sequer em termos sequenciais, ou seja, que tal divulgação tenha tido origem nos comentários da A.. Se a A. comentou com familiares e amigos a impotência do R. e se referiu à sua falta de virilidade, não teve intuito de ofender a honorabilidade do R., que não ofendeu. A A. ao requerer uma providência cautelar de arrolamento de bens comuns do casal como preliminar da acção de divórcio, fê-lo no exercício de um direito que lhe assiste, sem violar as regras de direito aplicáveis, pelo que as consequências desses factos não são de molde a integrar a culpa da A. como causa de divórcio. O que consta do art. 31º (entre Dezembro de 2003 e Janeiro de 2004 a A. disse ao R. que para ele ter uma mulher era à custa de status e do cartão de crédito ) deve ser apreciado segundo o seu conteúdo, o número de vezes que a A. proferiu a expressão e, em especial, se a A. emitiu tal expressão em público ou só perante o cônjuge. Do próprio facto resulta que a A. terá proferido a afirmação uma única vez, não resultando que tenha proferido tal expressão em público, não se sabendo em que contexto a proferiu, pelo que não existe a reiteração no comportamento da A. nem uma tal gravidade que comprometa a possibilidade de vida em comum. O comprometimento da possibilidade da vida em comum não é um facto ( e por isso, não deve ser quesitado ), mas um juízo ou conclusão a extrair dos factos constantes dos factos provados, razão por que a resposta dada ao quesito 38º ter-se-á que considerar como não provada.
Aqui defende a apelante que os factos dados como provados não serão suficientes para a procedência do pedido reconvencional.
Vejamos:
Na douta sentença recorrida, considerou-se, em relação à questão, que a A. reconvinda violou, culposamente, o dever de respeito a que estava adstrita pelo casamento. Os factos que integram essa violação, segundo o aresto, deverão ser enquadrados em três grupos. O primeiro respeitante à impotência do R./reconvinte, o segundo respeitante à infidelidade que lhe era imputada e o terceiro relativo ao pedido de arrolamento e ao modo como o R/reconvinte teve conhecimento da providência cautelar. Quanto ao primeiro entendeu-se, em jeito de síntese, que “face ao clima que se instalou entre o casal, cujas causas ficaram por apurar, pôr em causa a virilidade do réu/reconvinte, divulgar a sua impotência ( verdadeira ou falsa, é indiferente, porque mesmo sendo falsa passou a ser verdadeira para os ouvidos que a ouviram) de forma tão pública visou a suprema humilhação de um homem. O clima era de conflito e então começou a espalhar-se a notícia da impotência do réu/reconvinte e começou a falar-se deste assunto. Portanto, e qualquer que seja o meio onde se vive – elevado ou nem tanto - pode-se concluir-se que o funcionamento do ser humano é semelhante”. Acrescentou-se que “com um tal comportamento o réu/reconvinte ficou ferido e sentiu mágoa e revolta e tudo isto comprometeu irremediavelmente a vida em comum”. Quer dizer, segundo a sentença, pelo o facto da a A. ter propagado a falta de virilidade do marido, violou o dito dever de respeito.
Quanto ao segundo considerou-se que “imputar uma infidelidade da forma como a autora/reconvinda a imputou é, parece-me, igualmente injurioso”. Ou seja, aqui, na douta sentença, entendeu-se que a imputação de uma infidelidade não provada, é também injuriosa e, como tal, susceptível da violação do mesmo dever de respeito.
Quanto ao terceiro considerou-se que, como sucedeu em relação à vida intima do casal, também o divórcio e o arrolamento das contas bancárias foram do conhecimento de todas as pessoas próximas do casal, sendo esse arrolamento sido comentado no hospital, numa altura em que o R. estava no estrangeiro. Aqui, segundo cremos, o facto de se fazerem comentários sobre o assunto, foi motivo de constrangimento para o R. e, como tal, a causadora deste embaraço, a A., violou o dever de respeito a que estava vinculada pelo casamento.
O R./reconvinte baseou o seu pedido de divórcio, na violação, pela A./reconvinda sua esposa, do dever de respeito. Este constitui um dos deveres a que os cônjuges estão, reciprocamente, vinculados pelo casamento ( art. 1672º do C.Civil ). Consiste este dever, na obrigação de um cônjuge não lesar a integridade física e moral do outro. Deve pois um cônjuge abster-se de infligir ofensas corporais ao outro e abster-se de cometer actos ofensivos da integridade moral do outro. Como diz Abel Pereira Delgado, em relação a este aspecto “são ofensivos da integridade moral quaisquer palavras ou factos de um dos cônjuges, que ofendam a honra do outro - a honra em geral e aquela honra especial ligada ao casamento - ou ainda a sua reputação e consideração pessoal” ( in Divórcio, pág. 51 ).
Segundo cremos, sobre estes conceitos não existe qualquer dúvida.
Por outro lado, a violação do dever de respeito, desde que seja culposa, grave ou reiterada de forma a que comprometa a possibilidade de vida em comum, leva a que o outro cônjuge, nos termos do art. 1779º nº 1 do mesmo diploma, possa pedir o divórcio. Na apreciação da gravidade dos factos, deve-se tomar em conta a culpa que possa ser imputada ao requerente e o grau de educação sensibilidade moral dos cônjuges, como resulta do nº 2 do mesmo artigo.
Também sobre este aspecto teórico, nos parece que se não levanta qualquer dúvida.
A questão que divide as partes, R. e A., e esta em relação à sentença recorrida, diz respeito apenas ao facto de se saber se os factos provados integram, ou não, a violação do dever de respeito e se, em caso afirmativo, essa violação é culposa, grave ou reiterada de forma a que comprometa a possibilidade de vida em comum.
Para se proferir decisão em relação a este aspecto, há que sublinhar os seguintes factos provados:
A A./reconvinda começou a comentar com os irmãos e outras pessoas, em especial no ano de 2003, que o R. estava a sofrer de impotência sexual e de falta de virilidade.
No último semestre de 2003 a falta de relações sexuais, a putativa impotência e falta de virilidade do réu/reconvinte foram objecto de conversas no serviço de neurologia e em outros sectores dos HUC.
Tudo isto feriu o R./reconvinte na sua honorabilidade e no respeito pessoal e profissional que lhe são devidos e causou-lhe sentimentos de mágoa e revolta.
E teve repercussões na vida familiar, comprometendo irremediavelmente a vida em comum.
Entre Dezembro de 2003 e Janeiro de 2004 a A/reconvinda disse ao R./reconvinte que para ele ter uma mulher era à custa do “status” ou do cartão de crédito.
Em 2004/02/11, na sequência da providência requerida pela A./reconvinda, foram arrolados todos e quaisquer saldos/depósitos a prazo e de poupança, todas as carteiras de títulos e fundos de investimentos e todos os títulos à excepção do saldo da conta à ordem nº 058.10.001700-1 existentes no Montepio Geral, em nome do R./reconvinte.
O R./reconvinte sofreu verdadeiro abalo quando em Fevereiro de 2004 chegou da Argentina e encontrou as contas arroladas e a sua vida exposta na praça pública.
Devido ao arrolamento, o R./reconvinte viu recusado um pagamento com o cartão Multibanco, sendo que por tal facto o R./reconvinte passou vergonha.
Isto logo lhe provocou séria deterioração das análises de controlo da diabetes e levaram o seu médico assistente a prescrever-lhe urgentes medidas rectificativas e a impor imediatas restrições ao ritmo de vida.
Perante estes factos, desde logo, a nosso ver, haverá que deixar cair a argumentação da sentença em relação à violação do dever de respeito por parte da A., por imputação ao R., da infidelidade conjugal. Com efeito, os factos assentes não denunciam que a A. tivesse dito e, muito menos, propagado uma infidelidade falsa por banda de seu marido. É certo que invocou, no processo, o adultério do R. como causa de divórcio, sendo certo que não logrou provar tal infidelidade. Porém, para além de não se provar que essa invocação é falsa ( como se sabe, processualmente, de um facto não provado não se pode deduzir que ele não é verdadeiro ), a alegação em si mesma nos autos, é irrelevante para fundamentar uma causa de divórcio, nesse mesmo processo.
Já no que toca à divulgação que a A./reconvinda fez em relação à falta de virilidade do seu marido e a que se referem os factos salientados, a mesma viola, patentemente, o dever de respeito. Na verdade, divulgar uma circunstância íntima, relacionada com o sexo, para além de comprometer a relação de convivência estreita e companheirismo entre os cônjuges, atinge o visado na sua reputação e consideração social, causando-lhe vergonha e consequentemente, abalo psicológico, por ver a sua vida íntima do domínio público. Numa sociedade em que é dada tanta relevância ao sexo, dizer-se que um homem é impotente e tem falta de virilidade, equivale a dizer-se que essa pessoa é diminuído ou apoucado. Como bem se referencia na sentença recorrida, numa sociedade machista ( como ainda é a nossa ), a disfunção sexual do homem continua a ser um enorme tabu e continua a ter um grande peso, pelo que a divulgação desse problema ( mesmo que seja verdadeiro ) ofende a reputação e consideração pessoal do visado. Evidentemente que pelo lado do ofendido um tal dizer tornado público, envergonha-o perante os conhecidos, ferindo-o na sua sensibilidade.
Dado a repercussão que teve ( comentada por amigos e familiares e sobretudo, nos serviços hospitalares onde o R. presta serviço como médico ), as consequências que causou no visado, e porque a ofensa, em si, é grosseira e sórdida, a mesma reveste, a nosso ver, a natureza de grave.
Em relação a este aspecto, sublinharemos que, como já dissemos, na apreciação da gravidade, deve-se atender à culpa que possa ser imputada ao requerente e o grau de educação sensibilidade moral dos cônjuges, como resulta do nº 2 do art. 1779º. No caso vertente, como os autos demonstram, para além de não se demonstrar que ao ofendido se deva imputar qualquer juízo de culpa, deve avaliar-se que se trata de uma pessoa com grau académico superior, professor catedrático, pelo que consideramos adequado considerá-lo como alguém com uma alta sensibilidade moral. Daí que se deva considerar que as ofensas o compungiram de forma acentuada. Foram, pois, as ofensas de ampla gravidade.
Pela própria natureza das coisas, ao divulgar tais impropérios, a A. agiu, com culpa, já que actuou, necessariamente, voluntariamente, sabendo ( não podia ignorar) que ofendia a integridade moral do seu marido. No recurso, este aspecto não é colocado em dúvida, pelo que consideramos despiciendo fazer mais considerações sobre o assunto.
Os factos provados denunciam, igualmente, que a ofensa foi reiterada, porque continuada no tempo, se bem que por a mesma ser grave, não necessitaria de ser reiterada.
Atendendo ao grau de sensibilidade dos cônjuges ( igualmente a A. mulher tem um grau académico superior ), à gravidade das ofensas, às repercussões que tiveram no marido ( que os factos acima evidenciados demonstram ), também consideramos que a possibilidade da vida em comum está comprometida. Aproveitamos aqui para responder à objecção, aliás correcta, da apelante, segundo a qual o comprometimento da possibilidade da vida em comum, não é um facto ( e por isso, não deveria ter quesitado ), sublinhando, porém, que fizemos o correspondente juízo, dos factos provados e não dessa circunstância. Por não dever ter sido quesitado, entendemos retirar aos factos provados tal elemento, ou seja, subtrair ao facto nº 30 acima referenciado a expressão “comprometendo irremediavelmente a possibilidade da vida em comum”.
Em virtude de tudo o exposto, consideramos acertada a decisão que considerou o dito comportamento da A., como violador do dever de respeito e que essa violação foi culposa, grave, reiterada e compromete a possibilidade da vida em comum. Em consequência o divórcio, com culpa da A., foi correctamente decretado.
Também se considerou que o facto de a A. dizer ao R./reconvinte que, para ele ter uma mulher, era à custa do “status” ou do cartão de crédito, violou aquela o mesmo dever de respeito.
Tal dito quer dizer que o visado só consegue relacionar-se com uma mulher, por ser quem é e por ter dinheiro. Claro que neste contexto é um dito que diminui o A., pondo em causa a sua masculinidade e a sua honorabilidade como pessoa. Simultaneamente, a pessoa que o profere ( a A. ), desrespeita o ofendido sob o ponto de vista pessoal.
Pelas mesmas razões, existe patente culpa da A., ao proferir, dirigindo-se ao A. tal dizer.
Porque contende, tal expressão, com a dignidade do A. enquanto homem, parece-nos igualmente que reveste o carácter de gravidade.
Considerando tal dizer inserido no contexto dos demais factos violadores do dever de respeito já salientados, o mesmo levará ao reforço da violação desse dever por parte da A. e consequentemente à conclusão de que a possibilidade de vida em comum se encontra definitivamente comprometida. É mais uma ofensa que leva a um avolumar de mágoas e, eventualmente de revolta, do R., em relação à A.. Isto tudo nos leva a deduzir que este casamento estará irrevogavelmente terminado.
No que respeita ao arrolamento das contas do R., por banda da A., temos dúvidas que também isso constitua uma violação do dever de respeito de que vimos falando. É certo que se provou que, em consequência desse arrolamento, o R./reconvinte viu recusado um pagamento com o cartão Multibanco, sendo que por tal facto lhe causou vergonha. Todavia sublinharemos que o arrolamento é consequência (preliminar ou incidente ) da acção de divórcio que a A. instaurou, sendo que, no caso desta acção, nem sequer será necessário provar o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, como resulta dos arts. 427º nºs 1 e 3 e 421º nº1 do C.P.Civil. É que a lei presume que, nessas condições, a existência de tal receio. Se a própria lei faz esta presunção, entendemos não ser adequado ( pelo menos será controverso ), considerar o acto da mulher como violador do dito dever.
De qualquer forma, sem qualquer dúvida, que o pedido de arrolamento de bens por parte da A., contribuiu para adensar o ambiente do casal, criar mais amarguras no R. pelas desconfianças que o acto reflecte, o que servirá também para concluir que o casamento, com a inerente vivência em comum, está inexoravelmente terminado.
O recurso é, pois, improcedente.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se provimento aos agravos, confirmando as doutas decisões recorridas.
Retira-se à matéria dada como provada, a expressão “comprometendo irremediavelmente a possibilidade da vida em comum” referenciada no nº 30 dos factos provados.
No mais confirma-se a douta sentença recorrida.
Custas nos recursos pela recorrente.