Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
668-F/2002.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GREGÓRIO JESUS
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
ALTERAÇÃO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
CRIANÇA PORTUGUESA A RESIDIR COM A MÃE EM INGLATERRA
Data do Acordão: 05/27/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ÁGUEDA - 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Legislação Nacional: ARTºS 155º, NºS 1 E 5, E 182º,Nº 4, DA OTM; 65º DO CPC; 8º, Nº2, DA CONSTITUIÇÃO REPÚBLICA PORTUGUESA; 1º DA CONVENÇÃO DE HAIA DE 5/10/1961,RELATIVA À COMPETÊNCIA DAS AUTORIDADES E À LEI APLICÁVEL EM MATÉRIA DE PROTECÇÃO DE MENORES; E REGULAMENTO (CE) Nº 2201/2003, DO CONSELHO, DE 27/11/03.
Legislação Comunitária: REGULAMENTO (CE) Nº 2201/2003, DO CONSELHO, DE 27/11/03.
Legislação Estrangeira: 1º DA CONVENÇÃO DE HAIA DE 5/10/1961,RELATIVA À COMPETÊNCIA DAS AUTORIDADES E À LEI APLICÁVEL EM MATÉRIA DE PROTECÇÃO DE MENORES;
Sumário: I – Sendo a alteração da regulação do exercício do poder paternal uma acção autónoma em relação à acção onde anteriormente essa regulação foi estabelecida, não se pode considerar como fixada para ela a competência territorial definida na acção anterior.

II – O princípio da “perpetuatio jurisdicionis” só vale enquanto não for pedida nova providência que imponha a modificação ou a substituição da anterior.

III – A competência internacional atribuída aos tribunais portugueses por normas de fonte interna deverá ceder perante o que a esse título se ache estabelecido em normas de fonte supraestadual, como tratados, convenções e regulamentos comunitários.

IV – São competentes os Tribunais do Estado membro (da C.E.) da residência habitual da criança para decretar medidas visando a protecção da sua pessoa ou dos seus bens ou tomar decisões em matéria de responsabilidade parental.

V – Residindo uma menor em Inglaterra, na companhia da mãe, no momento da instauração da acção de alteração da regulação do exercício do poder paternal, e permanecendo o pai em Portugal, a competência para esta acção é dos Tribunais ingleses.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I— RELATÓRIO


           

No Processo de Alteração da Regulação do Poder Paternal nº 668-C/2002 que corre termos pelo Tribunal Judicial de Águeda, em que é requerente A... e requerido B..., agravou a requerente da decisão proferida pelo Ex.mo Juiz que julgou verificada a excepção dilatória de incompetência em razão da nacionalidade e absolveu o requerido da instância.

 Termina a sua alegação com as seguintes conclusões:

1- A competência internacional dos Tribunais portugueses encontra fundamento na previsão da alínea a) do n° 1 do artigo 65° do C.P.C., nos termos do artigo 155°, n°3 da OTM e no artigo 31° do CC.

2- O artigo 65° n° 1 al. a) do CPC reconhece ao Tribunal a quo competência internacional para julgar do pedido de alteração da regulação do poder paternal das menores pois o legislador teve o propósito de alargar o mais possível o âmbito da competência internacional dos tribunais portugueses, o que não é compatível com uma interpretação restritiva da lei.

3- A competência internacional dos tribunais portugueses para a regulação do poder paternal das menores a residir com a Agravante em Inglaterra, resulta da circunstância mencionada na alínea a ) do n° 1 do artigo 65° do CPC, consagrando o principio da coincidência.

4- E o tribunal territorialmente competente é o da residência do Agravado, isto é o Tribunal a quo, por força do artigo 155°, n°3 da OTM.

5- Quer o primeiro acordo quer a alteração da regulação do poder paternal em que foi atribuída a guarda das menores ao Agravado, correram termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda, sob o processo n°668/2002 e o apenso 668-C/2002.

6- As menores residiam em Portugal no momento em que foi regulado o exercício do poder paternal e atribuída a sua guarda ao Agravado, sendo que ainda não houve decisão transitada em julgado a alterar tal situação e é nesse momento que a competência se fixa, sendo irrelevante as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, em obediência ao principio da perpetuatio jurisdicionis.

7- Por isso no caso em apreço, não é aplicável o artigo 1° da Convenção de Haia.

8- Atendendo que quer a Agravante quer o Agravado e as menores D... e C... têm nacionalidade portuguesa, aplicam-se em matéria tutelar cível as normas do direito português por força dos artigos 31° do Código Civil.

9- Ainda se diga que o Estado Português não pode denegar o exercício do direito de cidadania, previsto no artigo 4° da Constituição da República Portuguesa aos seus cidadãos mesmo residentes no estrangeiro, em matéria de regulação do poder paternal, como o caso dos autos.

10- Uma questão reside em os nossos nacionais, residentes no estrangeiro, poderem usar a jurisdição estrangeira, a da residência, outra coisa, como pretende o douto despacho recorrido, é apenas poderem usar a jurisdição estrangeira o que é manifestamente inconstitucional, por violar o princípio da igualdade prevista no artigo 13º da C.R.P.

11- O douto despacho recorrido violou as disposições dos artigos 65° nº 1 al. a) do Código de Processo Civil, do artigo 155 n°3 da OTM, do artigo 31° do Código Civil e as normas constitucionais portuguesas nomeadamente os artigos 4º e 13° da Constituição da República Portuguesa.

Não foram apresentadas contra-alegações

Foi proferido despacho de sustentação.

Estão colhidos os vistos. Cumpre conhecer e decidir.



O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 684º, nºs 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil.

É apenas uma a questão suscitada pela agravante e que se prende com a competência do Tribunal Judicial da Comarca de Águeda para alterar a regulação do exercício do poder paternal de duas menores residentes a Inglaterra.



                                             II-FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

Com interesse para a decisão a proferir importa alinhar o seguinte quadro factual:

A) A requerente e requerido são os pais das menores C... e D..., nascidas, respectivamente, a 1/11/93 e 2/4/96;

B) Em 28/10/05 foi proferida sentença, transitada em julgado, homologatória do acordo de alteração da regulação do exercício do poder paternal relativo àquelas menores;

C) Foi estipulado que as menores ficariam à guarda e cuidados do requerido, competindo-lhe o exercício do poder paternal;

D) Mais ficou acordado que a requerente sempre que se encontrasse em Portugal poderia estar com as menores, que passariam um mês de férias de verão com a mãe;

E) Assistindo à requerente A... o poder de vigiar a educação e as condições de vida das menores;

F) A requerente encontra-se emigrada em Inglaterra desde o final de 2005;

G) As menores encontram-se a residir com a requerente em Inglaterra desde Junho de 2006 para onde foram na companhia daquela;

H) A requerente conseguiu matriculá-las na escola tendo-lhes sido dada equivalência escolar;

I) Na decisão agravada entendeu-se que nos termos do art. 1º da Convenção de Haia relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores, concluída em 5/10/61 e aprovada pelo Dec. Lei 48 494 de 22/07/1968, a competência para decretar medidas visando a protecção da pessoa ou dos bens do menor cabe ao Estado da residência habitual do menor;

J) Mais se entendeu que não se vislumbravam especiais exigências quanto ao interesse das crianças no sentido de ser o Tribunal de Águeda a decretar quaisquer providências no âmbito dos presentes autos, sendo por conseguinte, atenta a proximidade geográfica, mais fácil às autoridades judiciais britânicas tomar medidas necessárias para acautelar os interesses das crianças.

DE DIREITO

Sustenta a agravante que a competência internacional dos tribunais portugueses para a regulação do poder paternal das menores, a residirem consigo em Inglaterra, resulta da circunstância mencionada na alínea a) do n° 1 do artigo 65° do CPC, consagrando o principio da coincidência.

E o tribunal territorialmente competente é o da residência do agravado, isto é, o Tribunal a quo, por força do artigo 155°, n°5[1] da OTM.

Apreciemos, então.

Os tribunais portugueses têm competência internacional quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas no art. 65º (art.61º do CPC).

E o artigo 65º dispõe, com utilidade para o caso, que:

1.Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de algumas das seguintes circunstâncias:

a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro;

b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;

Esta alínea a) estabelece o critério atributivo de competência do domicílio do réu e a alínea b), e não a a) como invoca a recorrente, consagra o princípio da coincidência, segundo o qual quando os tribunais portugueses são territorialmente competentes para a propositura de determinada acção também são internacionalmente competentes, ou seja, os factos determinantes da competência interna em razão do território determinam também a competência internacional.

Os diferentes factos referidos nas diversas alíneas deste art. 65º são alternativos e não cumulativos, assim como nenhum dos princípios nelas contidos exige que a relação jurídica substancial ou material pleiteada esteja sob o domínio de aplicação da lei portuguesa, segundo as regras de conflitos do direito internacional privado[2].

Será então competente o Tribunal da Comarca de Águeda?

Está em causa a alteração da regulação do exercício do poder paternal relativamente às menores D... e C..., de nacionalidade portuguesa, a residirem actualmente com a mãe em Inglaterra, permanecendo o pai em Portugal.

Perante esta disparidade de residências e a sua conexão com diferentes ordens jurídicas, sublinhou-se na decisão agravada a necessidade de ter presente a Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961, aprovada pelo Dec.Lei nº 48.494, de 22/7/68.

Sustenta, porém, a agravante que o tribunal territorialmente competente é o da residência do agravado, isto é, o Tribunal a quo, por força do artigo 155°, n°5 da OTM, não sendo aplicável o art. 1º da Convenção de Haia.

Estatui o nº 5, no que ao caso importa: “ Se, no momento da instauração do processo, o menor não residir no País, é competente o tribunal da residência do requerente ou do requerido;…”

Uma vez que as menores estão a residir em Inglaterra, na sua companhia, pretende a agravante que se leve em conta o comando contido neste normativo na parte em que manda atender à residência do requerido, a única em Portugal.

Por outro lado, argumenta ainda, as menores residiam em Portugal no momento em que foi regulado o exercício do poder paternal e atribuída a sua guarda ao agravado, no processo n°668/2002 e apenso 668-C/2002 que correram termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda, e é nesse momento que a competência se fixa, sendo irrelevante as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, em obediência ao principio da perpetuatio jurisdicionis.

Vejamos o que a este propósito se nos oferece dizer.

Está a recorrente a esgrimir com o que se dispõe nos nºs 1 e 6 do art. 155º:

“1-Para decretar as providências é competente o tribunal da residência do menor[3] no momento em que o processo foi instaurado.

(………….).

6- São irrelevantes as modificações de facto que ocorrerem posteriormente ao momento da instauração do processo”.

A acção para alteração de regulação do exercício do poder paternal constitui uma acção independente e autónoma em relação à acção onde inicialmente havia sido estabelecida essa regulação.

            Do art. 182º da O.T.M. resulta expressamente que se trata de uma “nova acção”, de uma “nova regulação do poder paternal”[4]. O seu nº4 trata-a como uma acção autónoma relativamente ao pleito anterior, mandando observar, na parte aplicável, as normas estabelecidas para a regulação.

            Este preceito reproduz (com algumas alterações formais) a doutrina da legislação anterior (Dec.Lei nº 44.287, de 20/04/62). No domínio dessa legislação já se entendia que a alteração da regulação do exercício do poder paternal, anteriormente estabelecido, constituía uma nova acção, pois que o efeito pretendido é o de regular, por outra forma, o exercício do poder paternal[5].

            Sendo a alteração da regulação do exercício do poder paternal uma acção autónoma em relação à acção onde anteriormente essa regulação foi estabelecida, não se pode considerar como fixada para ela a competência territorial definida na anterior acção.

            Como tal, quando no artº 155º, no nº 1, se fala da fixação da competência “no momento em que o processo foi instaurado”, está-se a referir, reportando-nos ao caso sub judice, ao processo em que foi requerida a alteração da regulação do poder paternal, o processo a que respeita a decisão recorrida.

            O princípio consagrado no nº 6 do mesmo artigo, da perpetuatio jurisdicionis, só vale, pois, enquanto não for pedida nova providência que imponha a modificação ou a substituição da anterior.

            E assim sendo, estando as menores à data da instauração deste pedido de alteração a viver em Inglaterra com a requerente, vale o determinado no nº 5 do mesmo normativo na parte em que dispõe ser competente o tribunal da residência do requerido. Parece, assim, haver de se reconhecer competência internacional ao tribunal a quo face aos factores de atribuição do nº 1, alíneas a) e b), do art. 65º do CPC tal como reclama a recorrente.

No entanto, não se pode descurar o facto de na ordem jurídica interna portuguesa poderem vigorar prevalecentemente normas convencionais conflituantes com os aludidos preceitos legais, pois que o artº 8º, nº2, da Constituição da República. Portuguesa é claro ao prescrever que “As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”.

O artigo 8º da Constituição, em conjugação com outras normas, nomeadamente as constantes dos nºs 5 e 6 do art. 7º, acolhe o princípio do primado do Direito Comunitário, e no seu nº 2 consagrou a doutrina da recepção automática das normas do direito internacional particular, isto é, o direito convencional constante de tratados e acordos em que participe o Estado português, as quais são directamente aplicáveis pelos tribunais, apenas condicionando a sua eficácia interna à publicação oficial no seguimento de ratificação ou aprovação.

Grande parte da doutrina constitucionalista admite a preferência do direito convencional sobre o direito ordinário para o que se socorre da parte final daquele nº 2 (cfr. Marcelo Rebelo de Sousa e José de Melo Alexandrino, na Constituição da República Portuguesa, Comentada, pag. 81)[6].

O princípio do primado do Direito Comunitário sobre os Direitos internos dos Estados – membros constitui princípio fundamental estruturante daquele Direito e da própria realidade comunitária europeia, e é acolhido, sem reservas, no Direito Português, colocando as normas comunitárias originárias, bem como as derivadas dotadas de aplicabilidade directa acima da lei, ainda que abaixo da Constituição, e implicando a inaplicabilidade pela Administração Pública e pelos tribunais nacionais de lei contrária anterior e a proibição de lei contrária posterior (e ainda o dever de revogação ou modificação da lei anterior oposta ao Direito Comunitário)”, frisa o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa em Parecer que pode ser lido na Colectânea de Jurisprudência do ano 1999, tomo IV, pags 5 a 17.

No mesmo local, mais adiante, pronunciando-se acerca da relevância jurídica dos Regulamentos de base do Conselho acentua dever ser “ excluída qualquer aplicação parcial ou selectiva, modificação ou aditamento ou qualquer emissão de actos ou normas nacionais susceptíveis de afectar o seu conteúdo ou os seus efeitos (ou de compreender discricionariedade na sua execução), para concluir que “ O primado dos regulamentos analisados coloca-os em posição de supremacia sobre o Direito interno infraconstitucional, isto é acima das leis e de todos os actos de administração (além de acima dos actos jurisdicionais, também)”.

Reconhecendo este primado, o art. 1º do Dec.Lei nº 38/2003 de 8/3 veio a dar nova redacção ao art. 65º do CPC, ressalvando quanto aos factores de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses o que se ache “estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais”.

Portanto, a competência internacional atribuída aos tribunais portugueses por normas de fonte interna não poderá postergar, deverá ceder perante o que a esse título se ache estabelecido em normas de fonte supraestadual como tratados, convenções, e regulamentos comunitários, ou, dito de outra forma, o regime interno é aplicável fora da esfera de aplicação das fontes supraestaduais a não ser que estas para ele remetam[7]

Havendo que respeitar esta prevalência temos que a Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961, Relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores, aprovada pelo Dec.Lei nº 48.494, de 22/7/68, ratificada e promulgada pelo Estado Português, dispõe no seu art. 1º que: “ As autoridades, quer judiciais, quer administrativas, do Estado da residência habitual do menor, sob reserva das disposições dos artigos 3º, 4º e 5º, alínea III, da presente Convenção, são competentes para decretar medidas visando a protecção da sua pessoa ou dos seus bens”.

Mas tal não inviabiliza que se as autoridades do Estado de onde o menor é nacional, considerarem que o interesse do mesmo assim o exige, possam decretar medidas visando a protecção da sua pessoa ou dos seus bens, depois de informarem aquele outro Estado (art. 4º).

Por seu turno, conforme estipula o seu art. 13º aplica-se a todos os menores que têm a sua residência habitual num dos Estados contratantes.

Posteriormente, o Regulamento (CE) Nº 2201/2003 do Conselho de 27/11/03, que revoga o Regulamento (CE) nº 1347/2000, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, nos seus artigos 8º, nº 1, 9º, nº 1[8] e 10º[9] estabelece como competentes os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança para tomarem decisões em matéria de responsabilidade parental.

Não subsistem, assim, dúvidas de que a competência internacional deverá ser aferida, face a estes diplomas, pelo local onde se fixou a residência habitual das menores, à data da instauração da acção.

E compreende-se que assim seja, uma vez que as questões relacionadas com menores devem ser preferencialmente decididas pelos tribunais do Estado-Membro onde se encontram domiciliadas, independentemente da sua nacionalidade, dado que estarão em melhores condições para avaliar e tutelar eficazmente os seus interesses, atento o princípio da proximidade.[10]

Posto isto, vejamos a matéria de facto relevante para a decisão.

As menores encontram-se a residir com a requerente em Inglaterra desde Junho de 2006 para onde foram na companhia daquela.

A requerente conseguiu matriculá-las na escola tendo-lhes sido dada equivalência escolar.

Os documentos escolares juntos no processo a fls 7 e 8 indicam estarem bem integradas e com excelentes progressos.

A presente acção deu entrada no Tribunal Judicial de Águeda em 26/10/06.

Como já vimos, o que releva é a residência habitual do menor no momento da instauração do processo, residindo as menores em Inglaterra no momento da instauração da acção, a competência é dos tribunais ingleses ainda que os menores sempre tenham residido em Portugal com os pais, e posteriormente só com o pai no quadro da ruptura da vida em comum após divórcio.[11]

Até porque, como se acentuou na decisão agravada, não evidenciam os factos alegados nos autos especiais exigências quanto ao interesse das menores que justifiquem ao Tribunal de Águeda assumir a competência, reconhecida no art. 4º da Convenção, para decretar especiais ou urgentes providências.

Esta solução legal em nada viola os artigos 4º e 13º da Constituição porque não só não legitima qualquer discriminação de tratamento com base na cidadania, restringindo os direitos dos interessados no pleito, como é sabido que o princípio da igualdade não proíbe que a lei estabeleça distinções. Proíbe é o arbítrio e a discriminação, ou seja, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, irrazoáveis, ou assentes em categorias meramente subjectivas.[12]

Sintetizando:

I-Sendo a alteração da regulação do exercício do poder paternal uma acção autónoma em relação à acção onde anteriormente essa regulação foi estabelecida, não se pode considerar como fixada para ela a competência territorial definida na anterior acção;

II-O princípio da perpetuatio jurisdicionis, só vale, pois, enquanto não for pedida nova providência que imponha a modificação ou a substituição da anterior;

III-A competência internacional atribuída aos tribunais portugueses por normas de fonte interna deverá ceder perante o que a esse título se ache estabelecido em normas de fonte supraestadual como tratados, convenções, e regulamentos comunitários;

IV-São competentes os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança para decretar medidas visando a protecção da sua pessoa ou dos seus bens ou tomar decisões em matéria de responsabilidade parental;

V-Residindo as menores em Inglaterra no momento da instauração da acção, a competência é dos tribunais ingleses.


III-DECISÃO

Donde, concluindo, acorda-se em negar provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela agravante.

Coimbra,


[1] Refere sempre o nº3 ,erradamente, por não atender à alteração introduzida na redacção desse preceito pela Lei nº133/99 de 28/8.
[2] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, ed. 1976, pags. 92 e 93; Baptista Machado, Obra Dispersa, vol. I, pag.713.
[3] Também aqui a lei elege o tribunal da localidade onde o menor se encontrar com maior permanência e continuidade, que não o do lugar em que no concreto momento ocasionalmente se encontre, mesmo que não coincida com o seu domicílio legal plasmado no art. 85º do Cod.Civil ou de em outra área residir a pessoa à guarda da qual se encontra.
[4] Neste sentido se pronunciaram os acórdãos desta Relação de 16/03/82 e da Relação do Porto de 12/02/94, respectivamente, na CJ de 1982-II-84 e 1994-V-232.
[5] Campos Costa, Notas à Organização Tutelar de Menores, pag.274; Parecer da PGR 53/62 no BMJ 120-196.
[6] Ver também Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, vol. III, pag.70 e 71.
[7] Lima Pinheiro, ob. cit., pag. 188.
[8] Quando uma criança se desloca legalmente de um Estado-Membro para outro e passa a ter a sua residência habitual neste último, os tribunais do Estado-Membro da anterior residência da criança mantêm a sua competência durante um período de três meses após a deslocação, para alterarem uma decisão, sobre o direito de visita proferida nesse Estado-Membro antes da deslocação da criança.
[9] Em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado-Membro, e, para além de outros circunstancialismos, se a criança tiver estado a residir nesse outro Estado-Membro durante, pelo menos, um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo, titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança
[10] Um dos princípios específicos do direito da competência internacional relevante no que concerne aos interesses das partes e das provas.
[11] No mesmo sentido pode ver-se o sumário do Ac. da Rel. de Lisboa, de 13.04.2000, in www.dgsi.pt.
[12] Acs. do TC de 29-06-88 28/01/93 e 21/02/95 in www.dgsi.pt