Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
61/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO PIÇARRA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
PEDIDO
NÃO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO PARA O TRIBUNAL DA RELAÇÃO
Data do Acordão: 05/24/2006
Tribunal Recurso: COMARCA DE IDANHA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTºS 26º N º 2, 27º, 28º E 29º DA LEI Nº 34/2004, DE 29/07.
Sumário: I – As decisões judiciais são impugnáveis por meio de recurso – artº 676º, nº 1, do CPC - , cuja admissibilidade está condicionada através de limites objectivos, fixados na lei, nomeadamente face à natureza dos interesses envolvidos, à menor relevância das causas ou à repercussão económica para a parte vencida (artº 678º, nº 1, do CPC) .
II – No regime de apoio judiciário instituído pela Lei nº 34/2004, de 29/07, como sucedia, aliás, também na vigência da lei que a precedeu – Lei nº 30-E/2000, de 20/12 -, o legislador entendeu atribuir competência para a sua concessão ao dirigente máximo dos serviços de segurança social (artºs 20º, nº 1, da Lei nº 34/2004, e 21º, nº 1, da Lei nº 30-E/2000), mas submeteu a sua decisão a impugnação judicial – artº 26º, nº 2, da Lei nº 34/2004 .

III – A tramitação desta impugnação, a processar nos termos dos artºs 27º e 28º da Lei nº 34/2004, contempla apenas a intervenção do tribunal da comarca, isto é, da decisão deste tribunal não cabe já novo recurso para o Tribunal da Relação .

IV – A referência a «decisão final» constante do artº 29º da Lei nº 34/2004, reforça o ideia de que o tribunal de comarca tem a última palavra em matéria de apoio judiciário, a menos que se suscite alguma inconstitucionalidade .

Decisão Texto Integral:

Reclamação n.º 61/05.TBIDN-B.C1
Tribunal da Comarca de Idanha-a-Nova
*
I – Já na vigência da Lei 34/04, de 29 de Julho, A..., residente em Valadares, Vila Nova de Gaia, apresentou, nos Serviços da Segurança Social, requerimento a solicitar apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos inerentes à acção de divórcio contra ele proposta no Tribunal da Comarca de Idanha-a-Nova.
O Centro Distrital de Segurança Social do Porto concedeu-lhe apenas o apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos e o requerente impugnou judicialmente a decisão administrativa da Segurança Social.
O processo foi remetido a juízo e nele foi proferida decisão a recusar provimento à impugnação e a manter a decisão da entidade administrativa.
Interpôs, então, o requerente recurso de agravo, visando a revogação da decisão proferida pela Mm.ª Juíza do Tribunal da Comarca de Idanha-a-Nova, que não admitiu o recurso.
Irresignado apresentou a presente reclamação, visando obter o recebimento daquele recurso.
Não foi oferecida resposta à reclamação e a Mm.ª Juíza a quo manteve o despacho reclamado.
II - Perante estes elementos há, agora, que apreciar da bondade da decisão de não admitir o recurso.
As decisões judiciais são impugnáveis por meio de recurso (art.º 676º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil), cuja admissibilidade está condicionada, através de limites objectivos fixados na lei, nomeadamente da natureza dos interesses envolvidos, da menor relevância das causas ou da repercussão económica para a parte vencida (art.º 678º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil)( Cfr. Carlos Lopes do Rego, Acesso ao direito e aos tribunais, in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, 1993, pág. 83.).
Na verdade, a garantia decorrente do acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no art.º 20º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, não implica a generalização do duplo grau de jurisdição, dispondo o legislador ordinário de ampla liberdade de conformação no estabelecimento de requisitos de admissibilidade dos recursos( Cfr. Ac. Do Tribunal Constitucional n.º 496/96, in DR, II Série, de 17/7/96, págs. 9761 e ss.). Quer dizer o legislador não pode é abolir in toto o sistema de recursos, mas pode impor limites razoáveis à sua admissibilidade.
No regime de apoio judiciário instituído pela Lei 34/04, de 29 de Julho, como sucedia, aliás, também na vigência do que imediatamente o precedeu (Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro), o legislador entendeu atribuir competência para a sua concessão ao dirigente máximo dos serviços de segurança social (art.ºs 20º, n.º 1 da Lei 34/04, de 29 de Julho, e 21º, n.º 1 da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro), mas submeteu a sua decisão a impugnação judicial (art.º 26º, n.º 2 da Lei 34/04, de 29 de Julho).
A tramitação desta impugnação, a processar nos termos dos art.ºs 27º e 28º da Lei 34/04, de 29 de Julho, contempla apenas a intervenção do tribunal da comarca. Significa isto que da decisão desse tribunal não cabe já recurso. O legislador parece ter considerado que, nesta matéria, bastaria um único grau jurisdicional para garantir o acesso ao direito e aos tribunais dos diversos interessados. Dispensou, por isso, como em muitos outros casos, o duplo grau de jurisdição, o que se afigura razoável.
Os argumentos em que o reclamante se estriba, para obter a admissibilidade do recurso que interpôs, resumem-se ao valor da causa, superior à alçada do tribunal que proferiu a decisão, e à eliminação da referência a última instância no art.º 28º, n.º 1 da Lei 34/04, de 29 de Julho, referência essa que constava expressamente do correspondente preceito da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro.
Tais argumentos não convencem.
Desde logo, o procedimento do apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeita, como decorre do art.º 25º, n.º 1 da Lei 34/04, de 29 de Julho, pelo que o valor desta não releva, como é óbvio, para efeito de impugnação do decidido quanto ao apoio judiciário. Por outro lado, a pura eliminação da citada referência a última instância não conduz necessariamente à conclusão de que o legislador quis permitir o recurso nos termos gerais.
Certo que o art.º 29º, n.º 1 da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, era bem cristalino na limitação do grau de jurisdição ao estabelecer que «é competente para conhecer e decidir do recurso em última instância o tribunal da comarca…». E não é menos verdade que a referência a última instância não consta do correspondente preceito da Lei 34/04, de 29 de Julho (art.º 28º, n.º 1).
No entanto, importa considerar que a tramitação actual da impugnação judicial da decisão proferida no procedimento relativo ao apoio judiciário apenas prevê a intervenção do tribunal da comarca (art.º 28º, n.º 1 da Lei 34/04, de 29 de Julho), não se afastando, nesse ponto, do regime consagrado na Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro. Mais, a referência a «decisão final» constante do art.º 29º da Lei 34/04, de 29 de Julho, reforça a ideia de que o tribunal da comarca continua a ter a última palavra em matéria de apoio judiciário, a menos que se suscite alguma inconstitucionalidade. Creio até que a eliminação da aludida referência a «última instância» visou aperfeiçoar o actual diploma legislativo, exprimindo, dessa forma, que continua ainda de pé o recurso de inconstitucionalidade, o que erroneamente a anterior redacção parecia fazer supor estar já afastado.
Por outro lado, ao definir o regime de impugnação judicial a que a decisão da Segurança Social fica sujeita (art.º 26º, n.º 2 da Lei 34/04, de 29 de Julho), o legislador optou claramente por tramitação em que exclui o recurso nos termos gerais, pelo qual se bate o reclamante. Com efeito, os termos da impugnação são, tão só, os indicados nos art.ºs 27º e 28º da Lei 34/04, de 29 de Julho, que prevêem apenas a intervenção do tribunal da comarca e, se outro fosse o propósito legislativo, designadamente o retomar do anterior modelo impugnativo, com recurso para o Tribunal da Relação, não deixaria de o dizer. Conjugando e confrontando os preâmbulos e os correspondentes preceitos de cada um dos diplomas legislativos em equação (Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e Lei 34/04, de 29 de Julho), afigura-se-me que o modelo de impugnação judicial da decisão da Segurança Social, quanto a apoio judiciário, permaneceu intocável e, não obstante a eliminação da referência a «última instância», continua a ser inadmissível o recurso para o Tribunal da Relação.
Não colhe, assim, a argumentação do reclamante tendente a ver ampliado o grau de recurso. Este continua a ser de apenas um grau, o que vale por dizer que a decisão proferida pelo tribunal da comarca de Idanha-a-Nova é irrecorrível, como bem se ajuizou no despacho reclamado.
Não assiste, pois, razão ao reclamante em se insurgir contra a decisão da Mm.ª Juíza a quo, que terá feito a melhor interpretação e aplicação do disposto no art.º 28º, n.º 1 da Lei 34/04, de 29 de Julho, o que implica o naufrágio da reclamação.
III – Decisão
Nos termos expostos, decido indeferir a reclamação e condeno o reclamante nas custas, fixando em 5 unidades de conta a respectiva taxa de justiça.
Notifique.
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Coimbra, 24 de Maio de 2006