Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
372/06.3TBVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: ACÇÃO DE APRECIAÇÃO NEGATIVA
ÓNUS DA PROVA
INADMISSIBILIDADE
RECONVENÇÃO
Data do Acordão: 06/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU – 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 4º, Nº 2, AL. A), CPC; 343º, Nº 1, C. CIV.
Sumário: I – Constitui elemento característico das acções de simples apreciação negativa – artº 4º, nº 2, al. a), CPC -, a sua sujeição, no que tange ao ónus da prova, ao regime do artº 343º, nº 1, do C. Civ., competindo nelas a quem ocupe a posição de Réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.

II – A improcedência de uma acção de simples apreciação negativa envolve o reconhecimento da existência do direito que o R. se arroga, o qual fica definitivamente estabelecido em face da parte contrária.

III – Face ao que tem de se considerar como desadequado um qualquer pedido reconvencional em tal tipo de acções, por prejudicialidade do mesmo –artº 660º, nº 2, CPC.

Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra


I – A Causa


1. A... (A./Reconvinda e neste recurso Apelada), intentou no 1º Juízo Cível de Viseu, contra B... (R./Reconvinte e neste recurso Apelante), através do articulado inicial certificado a fls. 26/30, uma “acção de simples apreciação negativa”, formulando nesta o seguinte pedido:

“[…]
[S]er proferida sentença declarando que a R. não é proprietária do trato de terreno correspondente à quelha acima descrita [1] , por ela se não integrar no prédio identificado no art. 7º do presente articulado
[2]
[…]”
[transcrição de fls. 29]


A R. contestou, através do articulado certificado a fls. 31/38, formulando neste, além do pedido de improcedência da acção, o seguinte pedido reconvencional:

“[…]
[D]eve a matéria da reconvenção ser julgada provada e procedente, declarando-se que a A. não é proprietária do trato de terreno correspondente à quelha descrita, por ela não integrar qualquer prédio de que seja proprietária, nomeadamente os descritos no artigo 1º da douta p. i..
[…]”
[transcrição de fls. 38]


1.1. Concluída a fase dos articulados, proferiu o Mm. Juiz, em sede de audiência preliminar, o Despacho Saneador certificado a fls. 39/42, no qual – e esta constitui a parte deste contendo a decisão aqui apelada – não foi admitido o referido pedido reconvencional. Fundamentando essa não admissão, consignou-se aí:

“[…]
No caso dos autos o pedido reconvencional não tem a mesma causa de pedir que serve de suporte à acção. De efeito a causa de pedir da acção que consiste na existência da quelha, seu não uso pela ré e seu uso pela autora que da mesma cuida que constitui parte integrante do seu prédio. Por seu turno a causa de pedir do pedido reconvencional, consiste na existência da quelha, seu não uso pela autora, seu uso pela ré que da mesma cuida que é parte integrante do seu prédio. São portanto causas de pedir distintas.
Por sua vez, para que o pedido reconvencional brote do facto jurídico que serve de fundamento à defesa não basta que o réu invoque, como meio de defesa, qualquer acto ou facto jurídico, para que logo dele possa extrair-se um outro efeito jurídico que se pretenda fazer reconhecer em pedido reconvencional. É antes, necessário que o facto invocado a verificar-se, produza efeito útil defensivo, isto é, que tenha virtualidade para reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor (neste sentido Jacinto Rodrigues Bastos em Notas ao CPC Vol II).
[…].
Ora, no caso em apreço, parece claro que o pedido formulado pela autora não seria atingido pela procedência do pedido da ré, pedido este que não visa atacar o pedido da autora, antes é pedido a apreciação de direito[s] diferentes.
[…]”
[transcrição de fls. 41]


Inconformada, interpôs a R./Reconvinte o presente recurso de Apelação (requerimento certificado a fls. 51), admitido pelo Despacho certificado a fls. 52, que determinou, seguindo o requerido pela Apelante, a subida imediata e em separado do recurso [3] Apresentou, então, a Apelante as alegações de fls. 11/16, rematando-as com as seguintes conclusões:

“[…]
1ª/ A Autora alegou que é proprietária de dois prédios (um urbano e outro rústico) e que de um dele faz parte integrante uma parcela de terreno, por onde faz o acesso, que denomina de quelha, e, ao invés de pedir se declarasse que a Ré não é proprietária de tal trato de terreno.
2ª/ A Ré alegou, por seu turno, que tal trato de terreno lhe pertence, fazendo parte do seu prédio e, em reconvenção, ao invés de pedir que se declare isso mesmo, optou, tal como a A. fez, se declarasse que a A. não é proprietária de tal trato de terreno.
3ª/ A Ré com a reconvenção pretendeu obter seu benefício, o mesmo efeito jurídico que a autora se propôs obter.
4ª/ O pedido da Ré emerge dos mesmos factos da A.: a existência da “quelha” a sua utilização.
5ª/ A presente acção é só aparentemente uma acção de simples apreciação negativa: mesmo que a Ré não prove que a “quelha” não lhe pertence, não decorre daí que a mesma pertença à Autora.
6ª/ O que está em causa na presente acção são os limites de cada um dos prédios, da A. e da Ré e em qual deles se integra a quelha.
7ª/ Pode acontecer até que não se prove que não pertence a nenhum deles, pois pode pertencer a prédio de terceiro e também pode fazer parte integrante de vários prédios confinantes, incluindo de proprietários que não são partes na acção.
8ª/ Daí que o pedido formulado não seja, salvo o devido respeito, aquele que mais está em conformidade com os pressupostos alegados.
9ª/ Admitindo-se tal pedido, tem a Ré o mesmo direito de formular um idêntico contra a A. com vista a obter a seu favor o mesmo efeito que aquela prossegue, tal como teria que ser admitido, se tivesse sido formulado, o do reconhecimento a favor da Ré da propriedade da quelha, sob pena de haver um tratamento desigual.
10º/ Foi violado o disposto na alínea c) do nº 2 do art. 274º do C.P. Civil, ao não ser admitida a reconvenção, na medida em que a mesma é expressamente admitida e o tribunal recorrido não entendeu assim.
11º/ Deve, pois, o despacho ser revogado em conformidade.
[…]”
[transcrição de fls. 14/15]


II – Fundamentação

2. Importa consignar desde já, com interesse para toda a subsequente exposição, que as conclusões acabadas de transcrever operaram a delimitação temática do objecto do presente recurso (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do CPC)
[4] .
. Consiste este, portanto, na determinação da admissibilidade do pedido reconvencional da Apelante, no contexto específico da presente acção.

2.1. Decorre este pedido reconvencional, na lógica interna da contestação da R./Reconvinte e aqui Apelante, de uma defesa factualmente simétrica da subjacente à formulação da pretensão da A.. Enquanto esta alega que “[n]em a R., nem os respectivos antepossuidores, alguma vez praticaram quaisquer actos possessórios sobre o leito da quelha, ou dela extraíram qualquer utilidade” (artigo 12 da petição inicial), a R./Reconvinte contrapõe que “[…] por tal quelha não passava nem a A. nem os antepossuidores dos prédios […] identificados no art. 1º da […] petição inicial” (artigo 30º da contestação), formulando, em função disto, um pedido (reconvencional) inverso do da A.: a declaração de não ser esta proprietária da quelha, por não se integrar este espaço em qualquer prédio a ela pertencente.

Constitui elemento relevante na dilucidação da questão colocada no recurso, a caracterização da acção proposta pela Apelada. Trata-se esta, com efeito, como se intui da própria formulação do pedido, de uma acção de simples apreciação negativa, ou seja, de uma acção que a alínea a) do nº 2 do artigo 4º do CPC diz ter por fim “[…] obter unicamente a declaração da […] inexistência de um direito ou de um facto”. Expressa este tipo de acção, enquanto adjectivação de um direito real – isto é, enquanto acção real –, a chamada “acção negatória”, nos termos em que a caracteriza Menezes Cordeiro:

“[…]
[o] titular de um direito real que seja, por qualquer forma, posto em dúvida, quer quanto à sua existência e natureza, quer quanto aos seus limites, pode sempre dirigir-se ao tribunal e conseguir uma sentença que esclareça a existência do seu direito ou a inexistência de direitos adversos. Podemos inserir aqui a acção negatória, que não mereceu expressa referência no nosso ordenamento legislado e pela qual o titular de um direito sobre determinada coisa consegue que seja judicialmente declarada a inexistência de outro direito concorrencial sobre a mesma coisa.
[…]” [5]


Constitui elemento característico destas acções, a sua sujeição, no que tange ao ónus da prova, ao regime do artigo 343º, nº 1 do Código Civil (CC), competindo nelas a quem ocupe a posição de R. “a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga” [6]. Exemplificando acções desta natureza, indicam Pires de Lima e Antunes Varela, a “acção negatória de servidão”, sendo que nesta, acrescentam os mesmos Autores, “[…] é ao R. que cabe provar a existência da servidão […]” [7]. Trata-se este, aliás, de um elemento já presente no antecedente histórico no Direito Romano da acção negatória, a actio negatoria, enquanto faculdade do proprietário alternativa à rei vindicatio. Na caracterização de Paul Jörs e Wolfgang Kunkel, “[a] acção negatória, […] tinha [no Direito Romano] por objecto a declaração da inexistência de gravames sobre a coisa [, sendo dirigida] contra a pessoa que se arrogava uma servidão ou um direito de usufruto, sobre a coisa pertencente ao proprietário, prejudicando-o no seu desfrute. No processo a que esta acção dava lugar, o proprietário ocupava uma situação privilegiada quanto à prova: bastava-lhe demonstrar a existência da sua propriedade, deixando a cargo do seu adversário o ónus de provar o seu pretendido direito” [8] .

Este elemento tem sido invariavelmente reconhecido pela nossa jurisprudência, precisamente em situações, manifestamente paralelas da aqui em causa, de acções negatórias de servidão [9] Com efeito, focando arestos mais recentes, disse-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/01/2003, relatado pelo Conselheiro Oliveira Barros:

“[…]
[N]ão poderá negar-se que, na perspectiva da relação material controvertida, o R. passa, nas acções de simples apreciação negativa, a ocupar posição equivalente à de A. noutra qualquer acção.
Nunca, por outro lado, uma acção de simples apreciação negativa pode improceder, e o nela demandado ser absolvido do pedido, por falta de prova.
Nessa espécie de acções, um non liquet probatório terá sempre, consoante o artigo 516º do CPC, que resolver-se em desfavor do R. (cfr. também artigo 346º do CC).
Bem, por último, se não vê como negar que a improcedência de acção de simples apreciação negativa envolve – sem margem para tergiversação – o reconhecimento da existência do direito que o R. se arroga, que fica definitivamente estabelecido em face, ou vis a vis, da parte contrária.
[…]” [10]
[sublinhado acrescentado]


2.2. Apresentam as considerações antecedentes especial relevância, relativamente à questão da admissibilidade da formulação de um pedido reconvencional na situação configurada na acção da qual emerge este recurso. É que, como sublinhou Antunes Varela, a propósito do número de articulados nas acções ordinárias, no quadro do chamado “Anteprojecto de Novo Código de Processo Civil” [11] (no qual a réplica, como veio a resultar do artigo 502º, nº 1 do CPC decorrente desse Anteprojecto, pressupõe a dedução de excepções ou de reconvenção):

“[…]
No caso das acções de simples apreciação negativa, o prejuízo causado ao A. pela mera supressão do quinto articulado também não seria grande, porque a narração dialéctica dos factos que podem interessar à decisão da causa só teoricamente principia na contestação. Na grande maioria dos casos […], a apresentação da matéria de facto, naturalmente filtrada pelo prisma selectivo do A., começa logo com a petição inicial.
[…].
A ideia de que só há lugar à réplica quando na contestação for invocada alguma excepção ou quando for deduzida reconvenção, expressa na nova redacção do nº 1 do artigo 502º do CPC, não bastava obviamente para consagrar a admissibilidade normal da réplica nas acções de mera apreciação negativa, visto na contestação dessas acções não haver, em princípio, nem alegação de qualquer excepção, nem dedução de reconvenção, mas apenas a alegação dos factos constitutivos do direito que o R. se arroga ou dos sinais demonstrativos da existência do facto que o R. afirma.
[…]” [12] .


Daí que, como se observou no Acórdão do STJ de 24/10/2006, já anteriormente mencionado (cfr. nota 10), neste tipo de acções, “[…] fi[que] prejudicada a proposição pelo R. de ulterior acção de simples apreciação positiva (artigos 494º, alínea i), 497º, nºs 1 e 2 e 498º do CPC) e se revel[e] redundante a dedução de reconvenção, a que não pode atribuir-se mais valia alguma em relação à simples procedência da defesa deduzida em acção de simples apreciação negativa, não passando, nesse caso, de puro reverso da pretensão do A., que se limita a pedir a declaração da inexistência do direito que o R. invoca.”

Ora, se isto é assim para a hipótese de se pretender, por via reconvencional, a declaração positiva da situação negada pelo A., também não deixará de o ser para a hipótese, aqui pretendida configurar pela Apelante – algo arrevesadamente, diga-se –, de obtenção de uma mesma declaração negativa em sentido inverso, ou seja, dirigida contra a afirmação positiva subjacente à pretensão negatória da A.. Tenha-se presente que, na improcedência da pretensão da A. – na improcedência da pretensão de que se declare não ser a R. dona –, vai envolvida, ficando, aliás, coberta pelo caso julgado formado entre estas partes, a afirmação de corresponder à realidade o direito afirmado pela R., enfim o direito negado pela A.. É que, reivindicando A. e R. a integração da quelha nos respectivos prédios, não deixando a argumentação de qualquer um deles espaço para qualquer titularidade alternativa à própria [13] , não existe espaço lógico que subsista para uma contra-pretensão negatória que já não esteja abrangida, em termos de utilidade prática, pelo que vai envolvido na procedência ou na improcedência da acção proposta pela A.. Com efeito, como sublinhou, a propósito dos limites objectivos do caso julgado, João de Castro Mendes: “[a] sentença que acolhe um pedido de simples apreciação negativa deixa indiscutível a subsistência da negação; e por extensão a insubsistência da afirmação contrária. A sentença que rejeita um pedido de simples apreciação negativa deixa indiscutível a insubsistência da negação, e por extensão a subsistência da afirmação contrária” [14]..

2.3. Tanto basta para que se afirme a desadequação do pedido reconvencional formulado, e para que nos dispensemos, por prejudicialidade (artigo 660º, nº 2 do CPC), de referir os chamados “requisitos substanciais” da reconvenção [15] , nas situações indicadas pela Apelante – alíneas a) e c) do nº 2 do artigo 274º do CPC. Qualquer uma destas pressupõe, por acréscimo à verificação formal da situação respectiva, a existência de um espaço lógico de utilidade da pretensão reconvencional. É este espaço que aqui, por referência às consequências necessárias da procedência ou da improcedência da acção, entendemos não existir, para uma pretensão negatória como a visada pela Apelante. A improcedência, repete-se, envolve o reconhecimento da existência do direito [16] que o R. se arroga – que aqui é o direito de propriedade sobre a quelha –, ficando este definitivamente estabelecido em face do oponente.

Sendo certo que, embora fundada numa linha argumentativa não exactamente coincidente com esta, foi este o sentido da Decisão recorrida, resta-nos confirmá-la nesse entendimento.

III – Decisão


3. Assim, tudo visto, na total improcedência da apelação, decide-se confirmar integralmente a Decisão recorrida.

Custas pela Apelante.
-------------------------
[1] Consta da petição inicial o seguinte:
8.
Como emerge da própria identificação […] o prédio da R. é delimitado a Poente por uma quelha ou caminho, a qual
9.
Se situa a um nível superior, sendo o respectivo leito suportado por um muro de pedra contínuo, disposto sensivelmente de Norte para Sul, desde a rua pública que demora a Norte.
10.
A referida quelha tem uma largura de cerca de três metros e o comprimento de trinta e seis metros.
11.
O leito da quelha é também delimitado, pelo Poente, por um muro de pedra contínuo, que a separa do prédio pertencente a José Pereira Ferreira […].
[transcrição de fls. 27/28]

[2] 7.
A R. é dona do prédio rústico situado a Nascente do da A., constituído por,
“Uma terra de regadio com videiras, oliveiras e nogueira, sito ao quintal de Cima, lugar e freguesia ditos, a confrontar do Norte com a rua, Sul com Felisberta C. Lourenço e Outros, Nascente com Emídio Lopes Rodrigues e Outro, e do Poente com a Quelha e outros, inscrito na matriz rústica sob o art. 856º […].
[transcrição de fls. 27].

[3] Não o dizendo expressamente, funda-se o Despacho em causa, na fixação do regime de subida, no disposto no artigo 695º, nº 2 do Código de Processo Civil, ou seja, na consideração da questão da reconvenção como cindível relativamente à subsistente matéria atinente ao pedido formulado pela A...
[4] V. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V (reimp.), Coimbra, 1981, pp. 362/363; cfr., entre muitos outros possíveis, os Acórdãos do STJ de 6/05/1987 e de 14/04/1999, respectivamente na Tribuna da Justiça, nºs 32/33, Agosto/Setembro de 1987, p. 30, e no BMJ, 486,279
[5] Direitos Reais, reprint, 1979, Lisboa, 1993, p. 594; vide Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 4ª ed., Lisboa, 2006, pp. 263/264 e A. Santos Justo, Direitos Reais, Coimbra, 2007, p. 280.
[6] Expondo, na sua formulação clássica, a “teoria das normas”, relativamente a este tipo de acções, diz Pedro Ferreira Múrias: “[…] numa acção de apreciação negativa, incumbe ao R. a prova dos factos constitutivos do seu direito, tal como lhe caberia idêntica prova se fosse A. na simétrica acção de simples apreciação positiva ou na acção de condenação correspondente” (Por Uma Distribuição Fundamentada do Ónus da Prova, Lisboa, 2000, p. 48). Assenta a chamada “teoria das normas”, cuja origem remonta aos trabalhos do processualista alemão Rosenberg, no início do Século XX, na consideração “[…] de que nenhuma norma pode ser aplicada sem que o juiz se convença da verificação de todos os seus pressupostos [, extraindo-se] daí que a recusa de aplicação sucederá tanto quando o juiz se convença da não verificação de um ou mais dos elementos da facti species (Tatbestand) da norma a aplicar, quanto quando o juiz não se convença quanto à sua não verificação. Quer isso dizer, então, que «a parte cuja pretensão processual não pode ter sucesso sem a aplicação de determinada norma jurídica suporta o ónus da alegação e da prova de que os elementos da facti species dessa norma se verificaram de facto na situação» […]” (ob. cit. pp. 43/44).
[7] Código Civil anotado, vol. I, 4ª ed. revista e actualizada com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra, 1987, p. 307.
[8] Derecho Privado Romano, tradução espanhola da 2ª ed. alemã, Barcelona, 1937, p. 202. Sobre a actio negatoria no Direito Romano, cfr., também, Aldo Pezzana, “Azione confessória e negatoria (Diritto Romano)”, in Enciclopedia Del Diritto, Vol. IV, Milão, 1959, pp. 838/842.
[9] É evidente o paralelismo – para este efeito, a verificação de um argumento de identidade de razão – entre uma acção negatória de servidão e uma acção negatória de propriedade, como parece ser o caso da acção aqui intentada pela A./Apelada..
[10] Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Tomo I/2003, pp. 68/71 (69). No mesmo sentido, cfr. o Acórdão do STJ de 24/10/2006 (Paulo Sá), disponível, sob o nº de processo 06A1980, em www.dgsi.pt/jstj.nsf e o Acórdão da Relação de Coimbra de 27/02/2007 (Ferreira de Barros), disponível, sob o nº de processo 1881/05.7TBVIS.C1, em www.dgsi.pt/jrtc.nsf.
[11] Que se corporizou no diploma intercalar de 1985 (o Decreto-Lei nº 242/85, de 9 de Julho). V., quanto à situação no tempo do “Anteprojecto”, no quadro das sucessivas reformas do CPC, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1996, pp. 11/12.
[12] “Linhas Fundamentais do Anteprojecto do novo Código de Processo Civil”, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 121º, p. 14
[13] Sem prejuízo de uma mais aprofundada dilucidação, já que se trata de hipótese distinta da aqui configurada, coisa diferente sucederia se a R. atribuísse a um terceiro, com exclusão da A., a quelha. Não se exclui, à partida, que nessa hipótese – que, repete-se, aqui se não configura –, por referência ao artigo 274º, nº 2, alínea c) do CPC, fosse admissível um pedido reconvencional de tipo semelhante a este.
[14] Limites Objectivos do Caso Julgado Em Processo Civil, Lisboa s. d., mas publicado em 1967, p. 303. Mais adiante, acrescenta o mesmo Autor, citando Blomeyer: “«[a] sentença de condenação, no caso de acção de simples apreciação positiva, acerta a existência da relação jurídica; no caso de acção de simples apreciação negativa a sua inexistência. A absolvição na acção de simples apreciação alcança sempre o resultado inverso. A absolvição do pedido de declaração de nulidade dum contrato acerta a sua validade» (dentro dos limites, restringimos, da causa petendi). Assim por exemplo, o não acolhimento duma actio negatoria servitutis deixa indiscutível a existência da servidão” (ibidem, nota 112)
[15] É como Anselmo de Castro qualifica as situações enunciadas nas alíneas do nº 2 do artigo 274º do CPC (Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, Coimbra, 1981, p. 173).
[16] Reconhecimento que, como é óbvio, se esgota em si próprio enquanto finalidade, não envolvendo eficácia executiva, como sucede com todas as acções de simples apreciação (v. José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol. I, Coimbra, 1999, p. 90).