Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1046/06.0TBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARDOSO DE ALBUQUERQUE
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
Data do Acordão: 02/06/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 174º A 183º DA OTM; E 1905º, Nº 2, DO C. CIV.
Sumário: I – No âmbito do processo de regulação do exercício do poder paternal, a que aludem os artºs 174º a 183º da OTM e tendo em conta as determinações dos artºs 1905º, 1906º e 1909º, estes do C. Civ., são três as questões que importa decidir: o destino do menor, o regime de visitas e a fixação de alimentos (bem como a forma de os prestar).

II – O interesse do menor em função do qual o tribunal regula o exercício do poder paternal (artº 1905º, nº 2, do C. Civ.), é um conceito indeterminado a preencher no caso concreto e em face da factualidade apurada, e tem a sua pedra de toque na escolha do progenitor a quem caberá a respectiva guarda, com todo o peso das inerentes responsabilidades.

III – Como critério tido por mais adequado para a escolha do progenitor que melhor possa satisfazer o interesse da criança em situações de ruptura da vida em comum dos pais, sempre desagradável e incompreensível para os filhos de tenra idade, aponta-se o do “progenitor que melhor sirva de ponto de referência”.

IV – Nada há de pior que ao trauma que a criança ainda sente com a brusca separação dos pais seguir-se um ensaio, num curto espaço de tempo, de experiências na recomposição do seu ambiente familiar e doméstico que ela não esteja preparada para aceitar nem possa compreender.

Decisão Texto Integral: Acordam na Relação de Coimbra:

I – A..., casada e residente actualmente na Av dos Combatentes, nº23, 2º Dto em Alcobaça intentou no respectivo tribunal e em 7/04/2006 acção de regulação do exercício do poder paternal referente à menor, sua filha B... contra o pai dela e seu marido C..., residente em Vale Roseiras, Pedra Redonda, Benedita, alegando, em síntese que está separada de facto do requerido e que ambos não estão de acordo sobre a forma de regularem tal poder paternal, pedindo que a menor fique aos seus cuidados, com fixação do regime de visitas e de uma justa pensão mensal de alimentos a pagar pelo requerido.
Realizada a conferência, nela não foi possível o acordo da requerente e requerido, tendo o processo seguido termos com alegações escritas das partes, inquérito à respectiva situação moral, social e económica e produção de prova, sendo a testemunhal em sede de audiência.
No final, decidiu a Senhora Juíza, por douta sentença de fls 239 e ss, com a data de 31 de Julho do ano findo, regular o exercício do poder paternal, atribuindo a guarda da menor ao pai, fixando um regime de visitas à mãe, ainda condenando esta a pagar a quantia mensal de € 200,00 a titulo de alimentos e por depósito em conta bancária a indicar pelo requerido e até ao dia 8 de cada mês, montante esse a actualizar anualmente de harmonia com a taxa de inflação e ainda, a depositar adicionalmente € 100,00, até perfazer a quantia de €600,00.
Outrossim determinou que o requerido assegurasse acompanhamento psicológico â filha e que ambos os pais tivessem acompanhamento psicoterapêutico.
No âmbito do regime de visitas, consignou-se na parte dispositiva da sentença o seguinte :
“ (…) 1 . A mãe poderá estar com a menor e tê-la consigo, de 15 em 15 dias entre as 17h de sexta-feira até às 9 h de segunda-feira indo buscá–la e trazê-la à escola
2 -A mãe ainda poderá estar com a menor e tê-la consigo às quartas –feiras, indo para tanto buscá-la à escola e aí a entregando na quinta–feira no início das aulas.
3 - A mãe passará com a menor a primeira semana das férias escolares do Natal e da Páscoa, indo para tanto, buscá-las a casa do pai às 17 h. de sexta –feira e aí a entregará no Sábado da semana seguinte até âs 21 h.
4 -Independentemente do estabelecido no ponto 3, a menor passará alternadamente com o pai ou com a mãe a véspera e o dia de Natal e a véspera e o dia de Ano Novo, iniciando-se o ciclo em 2006 com a mãe que com ela passará a véspera do Natal e o pai o dia de Natal e assim sucessivamente.
5 – A mãe passará com a menor um mês nas férias escolares de Verão, em dois períodos quinzenais para o que avisará o pai até ao final do mês de Maio, acerca dos períodos que pretenda.
6 – A menor almoçará e jantará, alternadamente com cada um dos progenitores, no dia do seu aniversário, iniciando-se o ciclo em 2007, v com a mãe com quem almoçará.
7 – A menor jantará com os pais nos dias de aniversário destes (…).”
Inconformada, a requerente interpôs recurso de apelação que tramitou na 1ª instância, com a apresentação das alegações e contra alegações, tendo a apelante adiantado as seguintes conclusões:
1 – Não sendo viável por falta de acordo, a atribuição de um regime de guarda conjunto da menor, deverá a mesma ser confiada ao progenitor que dê mais garantias de valorizar o desenvolvimento da sua personalidade e lhe possa prestar maior assistência e carinho.
2 – Tendo a decisão judicial de ser sempre norteada pelo interesse do menor e pelo princípio de igualdade de ambos os progenitores, como o proclama o Anexo à Recomendação nº R(83) 4 sobre as responsabilidades parentais aprovada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa de 28 de Setembro de 1984 (…)
3 – Devendo o tribunal optar pelo progenitor que garanta a protecção, tranquilidade, atenção e afecto indispensáveis ao normal desenvolvimento do menor e de molde a que o seu interesse se concretize de acordo com as orientações legais sobre o conteúdo do poder paternal.
4 – No caso vertente e se porventura se chegou a atingir o fundamento da decisão recorrida radica aquela –tão só - no critério de continuidade que no entendimento da dita decisão aquele que tem de prevalecer “ já que apesar de tudo, o pai tem conseguido manter o equilíbrio da criança porque é com ele que ela se sente mais segura “(fls 253)
5 – Entende a recorrente que se trata de um argumento falacioso, sendo certo que se dos factos provados deriva que a figura paterna é predominante na vida diária da menor, isso não significa que ela nutra uma maior afeição ou que com o pai mantenha uma relação afectiva mais consistente e por via do qual torne aquele mais apto para o exercício do poder paternal.
6 – A proximidade entre um e outra só após a separação do casal se tornou mais consistente, sendo certo que esta ocorreu em circunstâncias anormais, em que de um dia para o outro a menor se vê privada da presença da mãe.
7 –Mais, essa maior aproximação recente resulta directa e necessariamente da tentativa deliberada do progenitor em desaproximar a mãe da filha, no período que se seguiu à separação do casal, pois foi o pai da B... que ao invés de para bem da filha a colocar à margem das tensões entre o casal, m bem pelo contrário o deixou no epicentro do conflito.
8 – Progenitor que assim procede não acautela os interesse do filho e na verdade e não se concedendo ao carinho que o pai tenha pela B... esse sentimento não é pleno pois só o carinho pleno consegue pôr de lado o egoísmo próprio do ser humano e pensar no melhor para quem se ama .
9 – Ao ter privado uma menor da idade da B... do contacto com a mãe, colocou o requerido os seus interesses à frente dos da filha , dando já a ideia que no futuro e caso se lhe proporcione, nada favorecerá as relações e contactos dela com a mãe.
10 – A sentença recorrida também alude a um descontrole emocional da recorrente, mas salvo melhor opinião em caso algum isso poderia fazer pender a entrega da B... ao pai e desde logo por se tratar DE UMA ILAÇÃO DO TRIBUNAL, SEM QUALQUER SUPORTE CLÍNICO
11 – Acresce que em caso algum se pode fazer relacionar esse pretenso descontrole emocional com uma possível incapacidade para as funções parentais da mãe , sendo inquestionável que da matéria assente não resulta que essa situação seja um exclusivo da mãe, antes afectando actualmente ambos os progenitores (104º dos factos provados) .
12 – Em suma, não podia nem devia o tribunal valorar negativamente a circunstância em apreço só contra a recorrente, até porque a mesma só assenta no sofrimento e angustia resultantes de alguma reacção da menor na interacção mãe-filha após a separação . Mas em todo o caso deveria ela ser ponderada tanto para a mãe , como para o pai, o que não se verificou.
13 – Não concedendo, dá e bem a sentença fulcral importância ao facto da B... precisar “ “ … agora é sobretudo de paz, de continuar com as suas rotinas , em contacto com todas as pessoas alheias ao conflito , como seja m a sua educadora de infância, as suas amiguinhas de escola, por forma a se sentir segura (…)” Ora em momento algum obstou a mãe a que assim não fosse e precisamente por entender é que apesar de trabalhar em Alcobaça , onde arrendou casa, na presente data já se mudou para a Benedita para estar mais junta da filha (doc. ora junto ao processo)
14 – Entende a mãe que para o bem e no interesse da filha será com ela que deve ficar. Trata-se sem réstia de dúvida de criança que não sendo de colo é de tenra idade e neste exacto conformismo e não ser que existam razões ponderosas, não devem os menores ser privados dos cuidados e do contacto íntimo e continuado das mães, pois estas por natureza estão normalmente mais próximas das necessidades físicas e afectivas dos filhos do que o pai.
15 – Na fase inicial da infância, a vinculação afectiva da flha à mãe derivada até de uma ligação BIOLÓGICA mais intensa é um factor essencial ao seu desenvolvimento e faz ressonância desta realidade a própria Declaração dos Direitos da Criança adoptada nas Nações Unidas no seu artº 6º (…)
16 – Acresce estar firmada corrente jurisprudencial nesse sentido ou seja a da entrega preferencial de crianças de tenra idade ás mães, a não ser que circunstâncias especiais se sobreponham aos benefícios normalmente resultantes da assistência materna em termos regulares .
17 – Nos autos inexistem tais circunstâncias. Com efeito, a recorrente foi, é e sempre será uma mãe atenta, dedicada e extremosa da vida da B... e sempre com ela manteve relacionamento harmonioso, ostentando qualidades e capacidades parentais efectivas para educar a menor e para a ter à sua guarda .
18 – Se por um único segundo pensasse que a B... estaria melhor com o pai não teria pedido para si o exercício do poder paternal, muito mais se conformaria com a decisão judicial
19 – Crendo a recorrente que no superior interesse da filha lhe deve ser atribuído o poder paternal, pugna pois pela revogação da sentença recorrida , a qual violou o disposto no artº 1905, nº 2 do CCivil.
O Mº Público contrariou a pretensão da A, o mesmo fazendo o recorrido.

II – Nesta instância foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, agora, decidir.

III – Os factos dados por provados na 1ª instância são os seguintes:
1 - A B... (de apelido D....) nascida em 18/06/2002 é filha da requerente e requerido.
2 – Os pais iniciaram uma união de facto em 1996 e contraíram casamento em 1998.
3 – Estabeleceram residência no meio de origem do requerido, onde a sua família é conhecida por estar relacionada com a actividade industrial ali implantada.
4 – Aquando do nascimento da menor a requerente teve uma depressão post parto.
5 – A experiência traumática vivida pelo casal durante uma primeira gravidez que não chegou ao final devido a malformações do feto exerceu alguns condicionalismos no desempenho das funções parentais e por isso ambos os progenitores começaram a ter um papel preferencial nos cuidados à filhas , sendo que houve cooperação e espontaneidade por parte do progenitor na prestação dos cuidados em que a mãe se apresentava receosa , nomeadamente nos banhos .
6 – Durante os primeiros seis meses da vida da B..., foi o pai que lhe deu banho, uma vez que a requerente tinha receio de o fazer, sendo esta quem normalmente lhe mudava a fralda .
7 – Desde cedo os pais cooperavam na prestação de cuidados de higiene, alimentação, saúde, manutenção das rotinas e estimulação da criança , sendo que algumas dessas tarefas eram lideradas pelo pai e outras pela mãe.
8 – Antes da separação, ambos os progenitores eram pais competentes e completos nas interacções com a filha, na medida em que cada um desempenhava as tarefas que o outro se mostrava maia receoso.
9 – A requerente amamentou a B... até aos doze meses.
10 – A requerente até à separação vestia a menor para ir para a creche, sendo depois , normalmente o pai que a levava para o infantário.
11 – A requerente adormecia a filha.
12 – Era o requerido quem, normalmente, preparava as refeições para a família e para a menor.
13- Após o nascimento da menor, a mãe pediu o horário de jornada contínua e depois , horário flexível para estar com a filha.
14 – Quando a menor adoecia, antes da separação, a requerente ficava em casa a cuidar dela .
15 – Antes da separação, ambos os progenitores levavam a filha ao médico.
16 – A B... quando ia ter com a mãe ao emprego desta , saltava-lhe para o colo assim que chegava .
17 – No Verão de 2005, quando se encontravam de férias e a requerida estava sozinha no Algarve com a menor, levava-a a comer ao restaurante.
18 – A interacção que cada um dos progenitores estabelecia com a criança antes da separação era sentida como securizante
19 – Após o nascimento da filha, a pouco e pouco foi-se instalando um esvaziamento no relacionamento do casal e um investimento na filha por parte de cada um dos progenitores.
20 – Pelo menos, numa ocasião, a menor assistiu a uma longa briga entre o casal tendo ficado bastante impressionada com o facto da requerente ter dado um pontapé ao requerido.
21 – Nos últimos dias de Março de 2006 perante o descontrolo emocional em que o casal se encontrava devido aos seus problemas conjugais, requerente e requerida foram a uma consulta de psiquiatria de onde vieram ambos medicados com o mesmo princípio activo, mas em doses diferentes.
22 – A requerente tomou a medicação e esteve cerca de dois dias a dormir.
23 – O requerido não tomou a medicação e durante os dois dias em que a mulher esteve a dormir, tomou conta da menor.
24 – Passados os dois dias e quando a requerente ainda se encontrava fortemente sob o efeito da medicação, o requerido levou-a para casa de familiares desta em Salvaterra de Magos , para que dela tomassem conta .
25 – A situação da requerente convalescer em casa de um irmão em Salvaterra de Magos acabou por consumar a separação de facto do casal, a qual já estava latente .
26 – Tal situação também não facilitou ao casal comunicar à filha, previamente e em conjunto a cisão familiar.
27 – O conflito à volta da separação do casal terá sido empolgada por parte do progenitor, no meio da residência , sem ter existido a preocupação de preservar a filha e este contexto terá exercido alguma influência na B... ao nível da interacção mãe –filha.
28 – Desde então o conflito entre os progenitores tem-se expressado à volta das questões da B... quer em termos de projecto de vida futura, quer no imediato com os convívios mãe-filha.
29 – Durante o tempo em que a requerente esteve em Salvaterra de Magos, esta telefonou ao requerido a perguntar pela filha e a solicitar-lhe que a levasse até lá, ao que este geralmente respondia que tinha outros programas para a B... como seja andar de avião, ir ao jardim zoológico etc.
30 – Em data não concretamente determinada, mas próxima da data em que o casal se separou, a requerente foi visitar a filha ao infantário, sendo que quando foi dito à menor que a mãe estava ali e para a ver, ela gritava dizendo que não queria e fechava os olhos e tapava os ouvidos quando a tentavam convencer.
31 -. A requerente perante o comportamento da filha , c acabou por se ir embora a chorar.
32 – Quando a educadora da menor lhe disse que a mãe tinha ficado triste e abriu a janela do edifício, a menor disse adeus à mãe e falou com ela já sorridente.
33 – Um dia , logo após a separação , no infantário, a menor levantou-se e com um ar angustiado disse à educadora que um dia a me levava-a para Salvaterra de Magos e que depois já nunca mais a ia ver, nem aos outros meninos .
34 – No dia 1 de Maio de 2006, a requerente pretendendo ver a filha solicitou ao irmão que a trouxesse a Benedita , com tal finalidade e telefonou ao requerido para saber onde estava, tendo este dito que ia à lagoa da serra de Aires e que a requerente fosse lá ter o que ela fez.
35 – Aí chegada ficou à espera que o requerido chegasse…
36 – Quando este chegou disse a requerente que a B... estava a dormir e pediu-lhe para a não acordar, tendo esta respondido que queria ver a filha .
37 – Quando chegou junto do carro, constatou que a menor estava a dormir e que as portas do veículo estavam trancadas e o vidro um pouco aberto, tendo o requerido inicialmente recusado abri-las, só o tendo feito quando a menor acordou com o barulho.
38 – Foi então que a requerente pegou na filha ao colo e não obstante esta estar bem e feliz ao colo da mãe, repetia insistentemente que não a levasse.
39 – Foram depois todos para casa do requerido, onde a requerente esteve com a menor sendo que quando perguntou à filha se queria ir ao parque , a menor virou-se para o pai e perguntou se era boa ideia.
40 – Numa ocasião, a requerente foi buscar a menor à creche e telefonou ao requerido dizendo-lhe que ia levá-la consigo.
41 – O requerido deixou imediatamente o que estava a fazer em Caldas da Rainha e foi ter à creche sita na Benedita, onde, após conversa entre ambos, a requerente acabou por levar a menor.
42 –Um dia em que o requerido precisou de ir ao supermercado e em que um primo se encontrava em sua casa , antes de a sair o requerido disse-lhe na presença da filha que se a requerente aparecesse , não a deixasse entrar em casa na sua ausência.
43 –Quando o requerido se encontrava no supermercado e a requerente apareceu em casa, ouvindo do primo do marido o recado que este deixara , a menor gritava, dizendo à mãe que não podia entrar e que se fosse embora chegando , inclusive, a puxar os cabelos da requerente quando esta se baixou para falar com ela e pedir-lhe um beijo, com muita paciência .
44 –A requerente perante a ansiedade da filha, acabou por se ir embora
45 – Numa ocasião, há cerca de um mês, a requerente telefonou ao requerido para ver a menor e este disse-lhe que se encontrava em casa de um amigo e para a requerente lá ir ter.
46 – Quando a requerente ali chegou, a menor que se encontrava a brincar com outras criança, gritou-lhe dizendo que ser fosse embora e escondeu-se.
47 – No dia da conferência dos pais, a requerente disse ao marido que ia buscar a menor ao que este respondeu : “ Vais buscar a B... se ela quiser”.
48 – Quando a menina está com a mãe, tapa os ouvidos quando o pai telefona.
49 – Quando a empregada doméstica diz à M ariana que tem de ir passar o fim-de-semana com a mãe, esta umas vezes, muda de conversa, dizendo por exemplo “posso limpar a cama ?” e outras diz “está bem , a mãe gosta de surpresas” e depois conta-lhe que fez a surpresa à mãe e que dormiu com ela .
50 – Numa ocasião, a B... disse a uma amiga do pai que no dia seguinte ia com a mãe.
51 – Nesse dia de manhã, o requerido disse a uma amiga que a B... lhe disse que afinal não queria ir.
52 – Na escola, a menor disse que não ia com a mãe porque o pai não deixava.
53 – Quando a menor disse a mãe que não ia, esta ficou muito nervosa e disse-lhe que se não fosse nunca mais via a mãe.
54 – No infantário, a menor disse com um ar angustiado que a mãe lhe disse que quem ia decidir se ela ficava com a mãe ou como pai era uma senhora doutora juíza de Alcobaça e que a mãe lhe mostrou a casa dela .
55 – A menor disse no infantário que quer viver com o pai mas que quer que a mãe também lá esteja.
56 – A menor evita falar da mãe e normalmente quando alguém lhe coloca a questão, muda de assunto ou não responde.
57 – Contudo quando se fala da mãe com um discurso agradável é visível um brilhozinho nos olhos .
58 – Desde a data da separação, a menor esteve com a mãe três fins de semana em Salvaterra de Magos e uma semana na Páscoa também aí após muita insistência e com intervenção do irmão da requerente junto do requerido.
59 – Após a conferência dos pais, a requerente tem estado diariamente com a filha em casa do requerido, onde, por vezes, lhe dá de comer, banho e adormece.
60 – Por vezes, a menor pede ao pai para que seja a mãe a dar-lhe banho e este telefona à requerente para o ir fazer.
61 – Geralmente e após a separação, a menor só vai com a mãe quando o pai a convence a isso, sendo certo que depois anda feliz e sem problemas.
62 – Quando está em casa do requerido e este aí se encontra, a B... reage normalmente com a mãe.
63 – No fim de Junho a B... já se apresentava mais calma e o seu relacionamento com a mãe está a normalizar-se.
64 – Actualmente a requerente reside em Alcobaça , mas chega a ir três vezes a Benedita para ver a filha.
65 – Desde a separação e devido às circunstâncias que a menor reside com o pai que dela tem cuidado, preparando-lhe as refeições, vestindo-a e le- vando-a ao infantário, dando-lhe banho, apresentando-se sempre bem cuidada.
66 – O requerido vive em função dos horários da menor.
67 – O requerido preocupa-se em preparar uma alimentação especial para a menor com sopa e fruta sendo que imperetrivelmente o prato principal varia entre carne e peixe ao almoço e ao jantar.
68 – O requerido entrega a menor pontualmente na escola.
69 – Tem um horário definido para a mesma tomar banho e para se deitar e é muito paciente para ela .
70 – Na apresentação da menina, o requerido mantém os hábitos da progenitora .
71 – E satisfaz todos os pedidos da filha .
72 – E diz à pessoas que o rodeiam que já tem o poder paternal da menor por decisão judicial.
73 – A requerente sempre foi uma mãe extremosa para a menor e continua a sê-lo , preocupando-se em lhe pôr creme para o sol, em vestir-lhe o casaco para andar um metro e em arrefecer o carro antes da menina entrar em dias de calor.
74- Mesmo actualmente, a requerente pergunta o que a filha comeu ao almoço ou jantar.
75 – O requerido é um pai extremoso para a filha e quando esta nasceu chegava a zangar-se com a requerente porque achava que a amamentava em demasia.
76 – Nos fins-de-semana que esteve com a mãe em Salvaterra de Magos , a B... mostrou ter boa relação com ela.
77 – E tem igualmente uma excelente relação com o pai , estando mais unidos desde a separação.
78 – O requerido não concebe mais a suas vida sem a menor à sua guarda , gerindo o seu dia-a-dia em função das rotinas e das necessidades da menor.
79 –Ambos os progenitores nutrem grande carinho e amor pela filha mas ainda não pararam de a colocar em situações embaraçosas, susceptíveis de comprometer o seu desenvolvimento emocional.
80 – A menor identifica a actual casa onde reside com o pai como sendo a sua , onde tem os brinquedos e o seu quarto.
81 – E é um espaço que domina e onde se sente segura.
82 – A menos frequenta dois jardins-de-infância da arada residência , até às 15h 3 0 m, frequenta a pré-primária e após esse horário a Escolinha da Bel , estando n bem integrada em ambos.
83 – A menor integrou-se facilmente no infantário mas após a separação quando o pai a ia lá deixar, chorava e dizia que não queria ficar.
84 – A menor tem um bom relacionamento com as crianças e os adultos .
85 – É uma criança sociável, de fácil contacto, alegre, extrovertida, meiga e muito inteligente a quem são atribuídas capacidades acima da média.
86 – Enquanto viveu em família, o seu âmbito relacional era basicamente os pais e o grupo de iguais e ultimamente por força das circunstâncias o relacionamento com a mãe é mais reduzido e passou a ser mais intenso com o pai e passou a ter um convívio mais regular com a família paterna .
87 – A requerente tem 42 anos (em 2006) e é licenciada em Sociologia.
88 – Desde a separação que vive sozinha em Alcobaça numa casa arrendada (,,,) e pela qual paga uma renda mensal de € 300,00.
89 – Exerce funções de conselheira de orientação profissional no Instituto de Emprego e Formação Profissional de Alcobaça, onde se encontra desde 1991.
90 – Aufere um vencimento mensal de cerca de € 1300.00 líquidos.
91 – Tem um horário flexível entre as 9 e as 17 horas.
92 - Adquiriu um veículo automóvel Peugeot 206, pelo qual paga uma prestação mensal de € 238,87.
93 –Declarou um rendimento bruto de €22.572,60 em sede de IRS no ano de 2005.
94 – O requerido tem 46 anos (em 2006) e o antigo 5º ano do liceu.
95 – Encontra-se desempregado e vive actualmente dos rendimentos provenientes dos lucros de uma empresa de família de que é accionista .a ICEL- e de economias.
96 – No ano de 2005 recebeu de lucros como accionista a quantia de €4320,00.
97 – Tem um apartamento no Algarve que se encontra à venda .
98 – E antes da separação tinha uma loja de artigos de pesca, como comerciante em nome individual, o qual fechou aquando da separação.
99 – No ano de 2005, declarou em sede de IRS, os rendimentos provenientes de lucros da fábrica e de vendas da loja , no montante de €9797,13
100 – Tem um Mercedes 220 CDI de 2003 e tem registado em seu nome a propriedade de uma viatura Isuzu Troop
101 – Habita na antiga casa de morada do casal, na Benedita, vivenda geminada tipo T3, com todas as condições de habitabilidade.
102 – Após o período de férias pretende ingressar nos quadros da ICEL, empresa da família na qual já trabalhou10 anos, com promessa de um tio.
103 – Afectivamente e ao nível social, o progenitor é notado como uma pessoa expressiva e menos convencional, enquanto que a progenitora se apresenta contida e exigente .
104 – É notório o descontrole emocional em quer ambos os progenitores se encontram actualmente .
105 – A requerente desde 23 de Junho de 2006 frequenta consultas de psicoterapia e o requerido tem tido o apoio de um primo seu que é psicoterapeuta ocupacional.
106 – Requerente e requerido apenas falam da menor .
107 –A menor tem vaga no Jardim-Escola João de Deus em Alcobaça no próximo ano lectivo.
108 – A mensalidade do jardim-de-infância da menor importa em €125,00
Resulta por sua vez de um documento junto às alegações, como facto superveniente eventualmente atendível que:
- A requerente arrendou posteriormente ao encerramento da discussão da causa um andar na própria localidade de Benedita.
Outrossim não considerou a sentença como provados, entre outros factos alegados pela requerente, que :
- O requerente diz à menor para enganar a mãe para esta não a roubar e se escolher c viver com a mãe, o pai vai para uma terra muito longe;
- O requerido insulta a requerente com palavrões, na presença da menor que reage com choro;
- Exigia também nos momentos em que a requerente esteve com a menor após a separação que aquela assinasse um documento em como a traria na hora por ele imposta.

IV - Como resulta do atrás exposto, a presente acção foi instaurada pela ora apelante contra o apelado, seu marido com vista a regular o exercício do poder paternal da sua filha menor B..., nascida em 2002, com o fundamento de estarem separados de facto e inexistir acordo para essa regulação.
No âmbito do respectivo processo, a que aludem os artºs 174º a 183ºda OTM e tendo em conta as determinações dos artºs 1905º, 1906º e 1909º do CCivil, são três as questões que importa decidir : o destino do menor, regime de visitas e fixação de alimentos, bem como a forma de os prestar.
No caso em apreço, o recurso prende-se com a questão do destino da menor, não objectando a requerente, mãe da menor quaisquer outros aspectos da decisão recorrida, ou seja , pretende sobretudo que dada a falta de condições para a atribuição de uma guarda conjunta que a menor lhe seja entregue, em lugar do pai com quem coabita na residência que foi do casal, conforme o decidido e desde que dela saiu incompatibilizada com o mesmo na sequência de um processo gradual de degradação da sua relação conjugal.
Como fundamento para essa discordância invoca a sua condição de mãe com uma ligação afectiva forte com a filha, a tenra idade idade desta e dispor ela de condições de vida e plena capacidade para arcar com esse encargo que entende ser a solução que melhor salvaguarda o interesse desta.
Refere também ser essa a orientação da jurisprudência, ou seja a de em caso de poderem ambos os pais tomar conta do filho por terem plena idoneidade e condições económicas e sociais similares, ter sempre preferência a mãe, na primeira fase da infância, face à especial vinculação biológica da criança à sua progenitora.
As coisas não podem porém ser vistas com esta linearidade, pois tudo depende das circunstâncias do caso, sendo muito complexa a teia de factores a ter em conta e que ao tribunal cumpre ordenar e apreciar com inteira liberdade, sensibilidade aos valores familiares e sentido das actuais realidades da vida procurando a melhor solução que não tem que se reconduzir necessariamente a paradigmas convencionais.
Com efeito o interesse do menor em função do qual o tribunal regula o exercício do poder paternal conforme o disposto no artº 1905ºnº2 citado e que tem a sua pedra de toque, falhada a viabilidade de acordo nos termos previstos no artº1906~º,nº1 na escolha do progenitor a quem caberá a respectiva guarda, com todo o peso das inerentes responsabilidades é um conceito indeterminado a preencher no caso concreto em face da factualidade apurada, constituindo o único critério legal a observar na decisão judicial, estando de resto tal normativo em inteira sintonia com as proclamações internacionais e europeias dos direitos da criança e que nos vinculam com valor supra legal todas pondo a ênfase nesse interesse, “ o superior interesse da criança “ como prevalecendo sobre qualquer outro na “ratio decidendi” das sentenças judiciais ou das medidas adoptadas por órgãos administrativos ou instituições públicas e privadas de protecção social, com competência para o efeito
E será que no caso a opção tomada de manter a menor ainda que com 4 anos de idade na companhia e confiada ao pai se mostra desajustada e não salvaguarda suficientemente o interesse da B...?
Julgamos que não, sem quebra do devido respeito.
No caso dos autos, ambos os progenitores manifestaram nas suas alegações a sua disposição de cuidar da sua única filha e tê-la a seu cargo, pugnando cada um por decisão nesse sentido.
E dos factos apurados relativamente à sua situação pessoal, profissional e económica, pese embora a situação de desemprego do requerido, o qual não obstante dispõe de rendimentos próprios decorrentes da sua ligação familiar a uma conhecida empresa da zona da Benedita - onde já trabalhou e em que tem promessa de colocação - resulta que tanto com o outro reúnem condições para poder assumir sem inconvenientes a guarda da B... .
Esta continua a viver na vivenda que foi do casal até à sua separação, em princípios de 2006 frequentando um jardim –de – infância na Benedita onde o pai a vai levar e trazer e dela cuidando com o máximo empenho após a saída definitiva da mãe, convalescente de um período de tratamento psiquiátrico e que se abrigou em casa de familiares em Salvaterra de Magos, sendo a principio difíceis, por via do estigma da separação, mas depois gradualmente normalizados os seus contactos com a filha, logo que regressou ao seu emprego em Alcobaça, onde residia à data da audiência de julgamento.
Não se ignora, por certo, ser largamente aplicada no nosso direito jurisprudencial a regra da preferência maternal na atribuição da guarda de crianças de tenra idade e que de algum modo traduz como que uma presunção ímplícita que decorre da tradicional distribuição de papeis no seio da maioria dos casais, distribuição que implica uma maior aproximação afectiva da progenitora com o filha ou a filha, valorando-se ainda a especial sensibilidade na lida com crianças inerente a uma maternidade livre e conscientemente assumida.
Mas como adverte Maria Clara Sotto Mayor ( in Regulação do Poder Paternal nos Casos de Divórcio. Almedina 1997, 99 e ss) também nesse campo , as coisas estão a mudar, como reflexo das mudanças na sociedade designadamente no plano da igualdade dos cônjuges, com uma maior assunção do pai, sobretudo em estratos culturalmente evoluídos nas tarefas próprias da criação de filhos mesmo de tenra idade ( o que justamente acontece no caso sub judice) havendo por outro lado que ter em atenção que o homem só por ser homem não pode ser discriminado no que respeita ao exercício dos seus deveres e poderes parentais.
Assim e como critério tido por mais adequado para a escolha do progenitor que melhor possa satisfazer o interesse da criança em situações de ruptura da vida em comum dos pais, sempre desagradável e incompreensível para os filhos de tenra idade, aponta ela justamente o do progenitor que melhor sirva de ponto de referência, sendo esse o caminho trilhado pela douta decisão ( como já o tem sido em casos similares pela mais recente jurisprudência, v., entre outros o Ac da RLxa de 9/12/2004 ,CJ 2004,TºV, 108)
Segundo a ponderação feita pela Senhora Juíza a confiança da menor ao pai que dela vem cuidando desde a saída de casa da requerente, noite e dia com grande desvelo e imenso carinho é a que permite promover a continuidade da sua educação, a manutenção da estabilidade do ambiente familiar que a casa onde vivia com a mãe lhe proporciona e o reforço dos laços de camaradagem com crianças do infantário e escola que frequenta.
Como se salienta na douta sentença, a dita continuidade da consistente relação de amizade e cumplicidade criada com o pai torna-se no fim de contas essencial ao seu bem estar e não é pois um factor arbitrariamente escolhido para penalizar ou discriminar a requerente de que se não duvida nutrir um não menor afecto pela filha e reunir condições para lhe proporcionar todos os cuidados de que carece e, bem assim, o trem de vida a que se habituou no ora desfeito lar comum.
Antes uma mudança perante todo o lastro de hábitos e rotinas já adquiridos pela menor ao longo dos meses em que por força das circunstâncias ficou envolvida pela solicitude paterna e a ponto de perante propostas ou convites da mãe não prescindir nunca do seu conselho e assentimento é que não vemos nós também que possa ser para ela benéfica ou proveitosa, particularmente do ponto de vista emocional.
E não pretenda a recorrente que a situação de maior afastamento entre ela e filha se ficou devendo a qualquer “manipulação” da menor pelo recorrido, pois facto algum que disso pudesse ser indiciante ficou provado, antes ao invés por várias vezes este desbloqueou situações de impasse, nunca criando dificuldades a justa aspiração da requerente de fruir, com a latitude possível, em casa ou fora dela, a companhia da filha.
Acresce e a requerente não o pode ignorar que a menor sentiria por certo um sentimento de grande insegurança e receio se se visse, agora, privada da companhia do pai, sendo isso mesmo o que decorre da factualidade apurada.
Essa eventualidade claramente e por algumas das suas reacções fá-la sofrer, logo sendo um elemento perturbador do seu equilíbrio, devidamente valorado na douta decisão.
De resto, nada pior que ao trauma que a criança ainda sente com a brusca separação dos pais, ensaiar num curto espaço de tempo experiências na recomposição do seu ambiente familiar e doméstico que ela tudo indica não está preparada para aceitar, nem compreenderia muito bem.
Veja-se para não irmos mais longe, o teor dos pontos 54 e 55, a angústia da menor ao saber pela mãe quem iria decidir a sua guarda era “uma senhora juíza de Alcobaça”, ar té lhe indicando a morada, reveladora além de mais de alguma falta de tacto da requerente e o dizer no infantário que queria viver com o pai, mas que quer que a mãe também lá esteja.
A requerente tem, pois. que ter paciência pese a sua boa vontade e aproveitar o larguíssimo espaço de visitas que lhe foi judiciosamente concedido para consolidar os seus laços afectivos, não deixando tanto ela como o requerido que o descontrole emocional que precedeu e acompanhou a sua separação, à mistura com as reacções negativas à medicação que lhes foi prescrita ( ambos fazem tratamento psicoterapeutico e a requerente esteve dois dias a dormir antes da separação deixando a menor ao exclusivo cuidado do marido) possa reflectir-se negativamente no ambiente de tranquilidade e de paz de que a filha tem jus, tanto que até ficou provado patentear ela qualidades e capacidades intelectuais acima da média e ser por natureza alegre, sociável e extrovertida.
Dir-se–á em conclusão que em salvaguarda da estabilidade emocional e do equilíbrio psíquico da menor que vê indiscutívelmente no pai o sua figura primária de referência e na casa onde com ele coabita, o seu mundo ( veja-se o que se diz nos pontos 80 e 81” a menor identifica a casa onde vive como sendo a sua , onde tem os seus brinquedos, sendo um espaço em que se sente segura”) a douta sentença bem andou, dadas as particularidades do caso, em atribuir ao mesmo a sua guarda e confiança.
E não se veja nisto qualquer censura ou menor consideração pela requerente, do que se trata apenas é de resolver no melhor interesse da menor e mesmo tomando em conta a sua idade e o seu sexo, a áspera disputa entre os progenitores sobre o exercício do poder paternal, privilegiando-se a estabilidade dos seus vínculos afectivos e das suas rotinas de vida que sofreriam, por certo, forte abalo se, de momento, outra solução fosse encarada.

V – Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso de apelação interposto pela requerente da regulação e, em conformidade, em confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.