Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2029/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: GERENTE SOCIEDADE
CONTRATO DE TRABALHO SUBORDINADO
Data do Acordão: 10/20/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 5º E 398º DO C. SOCIEDADES COMECIAIS .
Sumário: I – As sociedades, como pessoas colectivas que são, podem definir-se como organizações constituídas por um agrupamento de pessoas ou por um complexo patrimonial tendo em vista a prossecução de um interesse comum determinado, às quais a ordem jurídica atribui a qualidade de sujeitos de direito .
II – Os gerentes, constituindo os órgãos directivos e representativos da sociedade, participam na formação da vontade social, agindo no âmbito de um contrato de mandato (ou de administração) e não no âmbito de um contrato subordinado .

III – Embora não impossível, é difícil a configuração de uma situação em que o sócio-gerente esteja vinculado à sociedade por um contrato de trabalho, já que este exige a existência de subordinação jurídica, afigurando-se que o desempenho da gerência social é incompatível com a subsistência de um contrato de trabalho .

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra
A..., propôs acção declarativa de condenação com processo comum laboral contra B...,
alegando, em resumo, que:
- foi admitido ao serviço da ré em Maio de 1984 e, tratando-se de uma sociedade familiar então dominada pelo seu pai, este propôs-se nomeá-lo como gerente;
- no entanto, as funções do autor eram verdadeiramente as de trabalhador da ré, sempre recebendo ordens e instruções da gerência, desempenhando as tarefas enumeradas no artigo 12º da p.i., para além de representar a demandada nas feiras do sector realizadas em Portugal e no estrangeiro, por dominar línguas estrangeiras;
- a nível societário, a sua formal qualidade de gerente minoritário nunca lhe permitiu ter voz activa nos destinos sociais, quer no tempo de preponderância do seu pai, quer mais recentemente quando a liderança passou para cunhados seus;
- por deliberação social (que impugnou judicialmente) foi o autor destituído da gerência e impedido de entrar nas instalações da ré a partir de 30 de Setembro de 2002;
- apesar deste impedimento de facto, a ré não moveu ao autor qualquer processo disciplinar, pelo que se está face a um despedimento ilícito;
- o autor auferia ultimamente um vencimento mensal de 1.534,00 euros, encontrando-se em dívida, à data da cessação, a quantia global de 23.010,00 euros, a título de salários e subsídios já vencidos;
- a título de subsídios de refeição, deve a ré ao autor a quantia de 1.166,00 euros;
- com a cessação do vínculo laboral, adquiriu o autor direito à fracção proporcional (ao trabalho prestado no ano da cessação) respeitante à remuneração das férias e aos subsídios de férias e de Natal, no valor de 2.301,00 euros;
- da prestação de trabalho suplementar de 1 hora por dia e de 40 dias de trabalho no dia de descanso semanal, resulta para o autor um crédito de 97.846,90 euros ( 91.778,50 + 6.068,40);
- atendendo a que trabalhou para a ré 19 anos, tem o autor direito, nos termos do artigo 13º nº3 do Decreto- Lei 64-A/89, de 27/2, a uma indemnização de 29.146,00 euros.
Finalizou o seu articulado inicial, entendendo dever:
a) Ser o autor considerado trabalhador subordinado e, em consequência, sujeito ao regime do contrato individual de trabalho;
b) Ser o despedimento considerado ilícito, por não ter sido precedido de processo disciplinar;
c) Ser a ré condenada a pagar ao autor:
1. a quantia de 25.311,00 euros, por salários e subsídios de férias e de Natal em dívida dos anos de 2001 e 2002;
2. a quantia de 1.166,00 euros, a título de subsídio de refeição;
3. a quantia de 97.846,90 euros, pelo trabalho suplementar prestado nos últimos 5 anos;
4. a quantia de 29.146,00 euros, a título de indemnização, se o autor não optar pela sua reintegração ao serviço da mesma ré;
5. os juros vincendos sobre o montante global em dívida, a contar da citação da ré.
***
Na audiência de partes, estas não se conciliaram, mantendo o autor a posição assumida na petição inicial e fazendo opção pela reintegração na ré (em vez da indemnização), enquanto pelo gerente da ré foi dito que não reconhecia ao autor a qualidade de trabalhador por conta de outrem, por ter sempre sido considerado como gerente.
***
A Ré contestou , alegando, em síntese, que:
- o autor sempre foi gerente da ré ( sendo até seu sócio fundador), como tal tendo sido remunerado, não se concebendo que possa ter sido subordinado de si mesmo;
- o que existia entre a ré e o autor era, outrossim, um contrato de mandato, pelo que este Tribunal é incompetente em razão da matéria, tanto mais que o autor, assumindo o estatuto de gerente, propôs acção ordinária cível no T.J. de Águeda para anulação da deliberação social que o destituiu da gerência.
Terminou a ré a sua contestação, pedindo a procedência da excepção dilatória da
incompetência absoluta, com as devidas consequências legais.
Respondeu o autor à excepção invocada, propugnando a sua improcedência.
preliminar entretanto marcada, por falta do mandatário da ré.
Por despacho de fl. 117, entretanto transitado, foi julgada improcedente a excepção de incompetência material
Prosseguindo o processo seus regulares termos veio a final a ser proferida decisão que, julgando a acção improcedente absolveu a Ré do contra ela peticionado.
Inconformado apelou o A, alegando e concluindo, em síntese:
1-Discutiu-se nos autos a possibilidade de um gerente de uma sociedade por quotas, poder ser em simultâneo, também trabalhador dessa sociedade, ao contrário do que dispõe o artº 398 do CSC para os administradores das sociedades anónimas. E, em caso concreto e nos mesmos autos que culminaram com a sentença de que ora se recorre, do A poder ter a qualidade de sócio- gerente e, em simultâneo, a de trabalhador da Ré
2-Foi assim pacífico que o A podia ter a qualidade de gerente da sociedade Ré e ter em simultâneo o estatuto de seu trabalhador
3-Ficou claro que o A foi sócio- gerente da Ré, sendo destituído nessa qualidade de gerente, qualidade que o A nunca negou. E também como sempre afirmou era um sócio minoritário e que as funções que desempenhava na sociedade estavam subordinadas ao órgão gestão e aos sócios maioritários
4-Neste sentido a douta sentença deu como provado:
5- Na fase em que seu pai era o gerente mais proeminente, o autor sempre dava a sua opinião, continuando depois a fazê-lo, mas sempre limitado e condicionado à observância do decidido pelos sócios e gerentes maioritários, cujas ordens e decisões se lhe impunham.
6- As funções de gerente do autor, depois da saída do seu pai, estavam condicionadas pelas posições maioritárias da assembleia dos sócios e da gerência
7- O autor exerceu funções de gerência na empresa ré, embora com a limitação que lhe era imposta pela circunstância de sempre ter sido um sócio- gerente minoritário
8- Quanto à sua qualidade de trabalhador também da sentença ficou provado
9- O autor entrou para o serviço da sociedade ré no mês de Maio de 1984
10- O autor, ... executava diversas tarefas e funções que abaixo se especificarão, sendo certo que era também técnico oficial de contas;
11- Quando não se ausentava em serviço da ré, o autor costumava encontrar-se nas instalações da mesma ré durante as horas de expediente e de normal funcionamento da empresa.
12- Nos primeiros tempos, estava inscrito na Caixa de Previdência como trabalhador subordinado...
13-Devido a ter estudos de base e a aperfeiçoar-se em línguas, era ele autor que fazia as feiras no país e no estrangeiro, levando o material produzido pela empresa para as mesmas, no sentido de o promover e comercializar
14- Nas feiras, o autor nunca teve ajudantes para o transporte do material, sendo ele que o carregava e descarregava no local de promoção e venda
15- De maneira mais ou menos acentuada, consoante, designadamente, o número de feiras a que se deslocava, o autor desempenhou, desde a sua entrada na empresa ré, as seguintes funções:
- a espaços, as inerentes a técnico oficial de contas;
- classificação de documentos, em especial de facturação;
- execução de orçamentos;
- ocasionalmente, na falta da funcionária do escritório, executava facturação;
- ocasionalmente, na falta de funcionários para o efeito, manuseava as máquinas de carga e descarga de material, carregando e descarregando material acabado e matéria prima;
- fazia depósitos e levantamentos
- executava todas as demais tarefas que eram determinadas pelas deliberações maioritárias dos sócios e dos gerentes.
16- O autor recebia 5,30 euros de subsídio de alimentação por dia.
17- A declaração de rendimentos para efeitos de IRS nos anos de 1994, 1995, 1999, 2000 e 2002, foram passadas pela Ré ao A, como seu trabalhador
18- As suas saídas da empresa eram determinadas por tarefas no exterior, em feiras e eventos promocionais.
19-As suas saídas para o exterior determinavam a sua substituição nas tarefas administrativas e financeiras dentro da empresa, sendo executadas pela D. Alda e por um gabinete exterior contratado pelo sócio gerente Olívio Caixa
20- O autor não tinha horário nas feiras e visitas promocionais;
21- O A foi trabalhador subordinado da ré antes de assumir a qualidade também de sócio gerente;
22- O A entrou para o serviço da sociedade antes do mês de Maio de 1984
23- O A só entrou para a sociedade Ré pela cessão de quotas e aumento de capital, conforme escritura lavrada em 14/4/86
24- Logo esteve quase dois anos apenas como trabalhador da Ré, sem ter a qualidade de sócio ou gerente;
25- Pelo que o quesito 22, considerando o A como sócio fundador da sociedade ré, não pode ser dado como provado
26- As declarações de rendimentos para efeitos das declarações de IRS, nos anos de 1994, 1995, 1999, 2000 e 2002, foram passadas pela ré ao A como seu trabalhador
27- Porém entre 1994 e 2002 o A foi remunerado na qualidade de gerente.
28- A douta sentença considera o A jogando em dois tabuleiros
29- No processo cível o A apenas pede a declaração de nulidade ou a anulação da deliberação que o destituiu da gerência
30- Não pede quaisquer quantias, por considerar que a sua remuneração da empresa é como trabalhador subordinado;
31- Da prova produzida nos autos resulta inequívoco- quer pelas funções que sempre e desde a entrada na empresa ré sempre desempenhou, quer pelas mesmas serem orientadas e decididas pela gerência ou mesmo pelos gerente maioritários- que o recorrente tinha o estatuto de trabalhador subordinado
32- Mas se assim não fosse liminarmente entendido, haveria o julgador de socorrer-se, como socorreu, do chamado método indiciário, como
-a anterioridade, ou não, do contrato de trabalho face à aquisição da qualidade de sócio- gerente;
-a retribuição auferida, procurando surpreender-se alterações significativas ou dualidade de retribuições;
natureza das funções concretamente exercidas antes e depois da ascensão à gerência, com vista a apurar se existe exercício de funções tipicamente de gerência e se há separação de actividades;
- a composição da gerência quanto ao número de sócios gerentes e às respectivas quotas;
- a existência de sócios maioritários com autoridade e domínio sobre os restantes;
a dependência, hierárquica e funcional dos sócios- gerentes que desempenham tarefas não tipicamente de gerência, quanto ao exercício das mesmas
33- E todos estes aspectos que se apuram e medem no terreno concreto da vida, com vista ao apuramento da existência de eventual subordinação jurídica, se verificaram na relação entre A e Ré, como resulta da prova produzida
34- O CSC veio regular a matéria da suspensão do contrato de trabalho para as sociedades anónimas, em relação ao trabalhador que passasse a desempenhar funções de administrador;
35- Esta solução já era defendida antes da entrada em vigor do referido código, para todas as sociedades, tendo ficada intocada a suspensão dos contratos de trabalho com duração superior a um ano
36- O A, ora recorrente, foi trabalhador da Ré durante 23 meses, ou seja desde a sua entrada( Maio de 1984) e a tomada de uma quota e nomeação de gerente( escritura de Abril de 1986)
37- Pelo que destituído bem ou mal de gerente, o seu contrato de trabalho retomaria a plena vigência
38- Mas o A foi proibido de entrar nas instalações como gerente e também por isso, de prestar os seus serviços- os que sempre prestara desde que entrou na ré- deixando de lhe ser paga a respectiva remuneração
39- Não lhe foi instaurado procedimento disciplinar
40- Pelo que a situação vertida nos números anteriores torna o despedimento nulo
41- A douta sentença não fez o enquadramento dos factos, subsumindo-os aos preceitos legais
42- Nem considerou- como devia- a qualidade de trabalhador e só, do A durante quase dois anos, para que considerasse a retomada da vigência do contrato após a destituição do A, como gerente
43- Pelo que fez manifestamente uma interpretação errada, quer quanto à existência do contrato de mandato, que se esbate e apaga sob o contrato de trabalho, quer porque deixou de apreciar este aspecto de especial relevância que é o retomar da vigência do contrato de trabalho após a destituição de gente do A, tendo em atenção o seu tempo de serviço apenas e só como trabalhador da Ré.
Não houve contra alegações.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir
Dos Factos
Foi a seguinte a factualidade dada como assente na 1º instância:
1-O autor entrou para o serviço da sociedade ré no mês de Maio de 1984.
2-Nessa altura, tratava-se de uma sociedade familiar, pois dela fazia parte apenas o pai do autor e seus filhos.
3-Daí que por uma questão de “estatuto” e porque o autor era o filho mais novo, seu pai propôs-se nomeá-lo gerente.
4-O autor, além de figurar como gerente, executava diversas tarefas e funções que abaixo se especificarão, sendo certo que era também técnico oficial de contas.
5- Quando não se ausentava em serviço da ré, o autor costumava encontrar-se nas instalações da mesma ré durante as horas de expediente e de normal funcionamento da empresa.
6-Nos primeiros tempos, estava inscrito na Caixa de Previdência como trabalhador subordinado, passando depois a descontar como “ gerente”.
7-Devido a ter estudos de base e a aperfeiçoar-se em línguas, era ele autor que fazia as feiras no país e no estrangeiro, levando o material produzido pela empresa para as mesmas, no sentido de o promover e comercializar.
8- Nas feiras, o autor nunca teve ajudantes para o transporte do material, sendo ele que o carregava e descarregava no local de promoção e venda.
9-Na fase em que seu pai era o gerente mais proeminente, o autor sempre dava a sua opinião, continuando depois a fazê-lo, mas sempre limitado e condicionado à observância do decidido pelos sócios e gerentes maioritários, cujas ordens e decisões se lhe impunham.
10-De maneira mais ou menos acentuada, consoante, designadamente, o número de feiras a que se deslocava, o autor desempenhou, desde a sua entrada na empresa ré, as seguintes funções:
- a espaços, as inerentes a técnico oficial de contas;
- classificação de documentos, em especial de facturação;
- raramente, a passagem de cheques;
- execução de orçamentos;
- ocasionalmente, na falta de funcionários para o efeito, manuseava as máquinas de carga e descarga de material, carregando e descarregando material acabado e matéria prima;
- ocasionalmente, na falta da funcionária do escritório, executava facturação;
- fazia depósitos e levantamentos, sobretudo na ausência do gerente Olívio Caixa, que geralmente os fazia;
- executava todas as demais tarefas que eram determinadas pelas deliberações maioritárias dos sócios e dos gerentes.
11-As funções de gerente do autor, depois da saída do seu pai, estavam condicionadas pelas posições maioritárias da assembleia dos sócios e da gerência.
12-Nas feiras a que se deslocava, no país e especialmente no estrangeiro, o autor procedia à venda dos produtos fabricados na empresa de acordo com as directivas que levava da gerência.
13-O autor recebia 5,30 euros de subsídio de alimentação por dia.
14-A declaração de rendimentos do autor para efeitos fiscais foi feita na qualidade de trabalhador dependente da ré nos anos de 1994, 1995, 1999, 2000 e 2002.
15-Durante os seus últimos anos de permanência na gerência da ré, entre 1994 e 2002, o autor era remunerado na qualidade de gerente, auferindo, à data da sua saída, uma remuneração de 1.208,11 euros ( líquida).
16-O autor exerceu funções de gerência na empresa ré, embora com a limitação que lhe era imposta pela circunstância de sempre ter sido um sócio-g erente minoritário.
17-O autor foi proibido de entrar nas instalações da Sociedade com a invocação de justa causa, mas na qualidade de sócio- gerente.
18-E também, por isso, proibido de entrar nas instalações e ali prestar os seus serviços, deixando de lhe ser paga a respectiva remuneração.
19-Não lhe foi instaurado procedimento disciplinar.
20-O autor foi destituído da gerência da ré por deliberação da assembleia geral de 26/9/2002 (doc. de fls.59-64).
21-Encontra-se pendente no 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Águeda, sob o nº 805/2002, acção ordinária proposta pelo ora autor contra a ré, na qual aquele, assumindo o estatuto de gerente, formula, entre outros, o pedido de anulação da deliberação social que o destituiu da gerência, acima referida (facto 20).
22-O autor foi sócio fundador da sociedade ré, tendo sido nomeado gerente na escritura de constituição da sociedade.
23-O autor esteve ausente no Brasil entre os dos 12 e 29 de Abril de 2002.
24-Fê-lo, porém, com pleno conhecimento dos sócios gerentes Olívio Caixa e Mário Henriques.
25-As suas saídas da empresa eram determinadas por tarefas no exterior, em feiras e eventos promocionais.
26-As suas saídas para o exterior determinavam a sua substituição nas tarefas administrativas e financeiras dentro da empresa, sendo executadas pela D. Alda e por um gabinete exterior contratado pelo sócio gerente Olívio Caixa.
27-Tratando-se mesmo (a contratação do gabinete) de uma acção no sentido de ocultar ao autor certos procedimentos por parte do sócio maioritário.
28-O autor não tinha horário nas feiras e visitas promocionais, tendo executado tais tarefas em 40 domingos, não descansando nos três dias seguintes.
29-O autor foi titular de uma quota social de 2.500.000$00 (12.469,95 euros) no capital social da ré até 4/9/2002, passando a deter, a partir dessa data, uma quota de 18.704,92 euros, sendo o capital social, nessa data, de 187.049,21 euros, distribuído por mais 4 sócios: Olívio Caixa, com 74.819,68 euros; Arnaldo Henriques Alves, com 31.174,87 euros; Mário Augusto Simões Henriques Alves com € 31. 174, 87 e Nuno Miguel Alves Abrantes com € 12. 469, 95
Do Direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.
Pelo que no caso concreto cumpre dilucidar se apesar da sua qualidade de sócio gerente a A estava vinculado á sociedade por um contrato de trabalho, tendo sido por isso alvo de um despedimento ilícito.
Vejamos então:
Como se sabe, as sociedades como pessoas colectivas que são, podem definir-se como organizações constituídas por um agrupamento de pessoas ou por um complexo de patrimonial( massa de bens) tendo em vista a prossecução de um interesse comum determinado e às quais a ordem jurídica atribui a qualidade de sujeitos de direito, isto é reconhece como centros autónomos de relações jurídicas.
E indubitável é por outro lado, que nos termos do artº 5º do CSC, gozam de personalidade jurídica e existem por via de regra, a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem.
Não se questiona portanto que a sociedade é um ente diferente de cada um dos seus sócios e da totalidade destes.
A sua vontade por outro lado, expressa-se através das deliberações das assembleias gerais de sócios, nos casos previstos no artº 246º do CSC( para além evidentemente de outros que a lei ou o contrato indicarem) e também naturalmente pelos actos dos respectivos gerentes a quem compete a sua representação e administração- cfr. artº 252º n.º 1 do CSC-, sendo que nas sociedade por quotas são apenas dois os órgãos necessários- os sócios e a gerência- cfr.- Raul Ventura, in “ Sociedade por Quotas” ed. 19991, Vol. III, pág.8-.
Os sócios gerentes, constituindo os órgãos directivos e representativos da sociedade participam na formação da vontade social, agindo no âmbito de um contrato de mandato ( ou de administração) e não de um contrato subordinado- cfr. Ac. STJ, IN CJ/STJ, VII; III, 248.
Daí que embora que não impossível, é de difícil a configuração uma situação em que o sócio- gerente, esteja vinculado à sociedade por um contrato de trabalho, já que este exige como pedra de toque fundamental, muito mais do que a subordinação económica, a existência de subordinação jurídica, que se traduz, no dizer de Monteiro Fernandes, citado por A Neto, in Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 15ª ed., pág. 53, “ numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem”.
Como se sabe, sobre este ponto, a jurisprudência mostra-se dividida, sendo disso exemplo as diversas decisões dos Tribunais Superiores, indicadas no douto aresto supra citado.
Seja como for porém a verdade é que, por norma, na pessoa do sócio gerente se congregam os poderes patronais derivados do vínculo laboral( poder determinativo da função, poder disciplinar, poder conformativo da prestação e poder regulamentar).
E daí que também por princípio inexiste para ele a tal subordinação jurídica, podendo quasi afirmar-se que o desempenho da gerência social é incompatível com a subsistência de um contrato de trabalho( cfr. o Ac desta Secção proferido no Rec. de Apelação 3940/02).
Talvez seja esta a posição mais consentânea com o estatuto- direitos, deveres e atribuições- da posição de sócio gerente dentro da empresa.
Contudo e como se disse não é pacífico o entendimento jurisprudencial a este propósito.
E ainda que não isento de algumas dúvidas, tem que se admitir que na panóplia imensa de situações que a vida prática nos apresenta( e só em situações muito específicas) que possam coexistir na mesma pessoa, as qualidades de sócio gerente e de trabalhador subordinado.
Ora para que se possa eventualmente concluir pela existência de um vínculo de subordinação jurídica( elemento essencial para a caracterização de um contrato, como de trabalho), podem apontar- se e seguindo o douto aresto do STJ já citado, os seguintes itens:
a anterioridade, ou não, do contrato de trabalho face à aquisição da qualidade de sócio- gerente;
a retribuição auferida, procurando surpreender-se alterações significativas ou dualidade de retribuições;
natureza das funções concretamente exercidas antes e depois da ascensão à gerência, com vista a apurar se existe exercício de funções tipicamente de gerência e se há separação de actividades;
a composição da gerência quanto ao número de sócios gerentes e às respectivas quotas;
a existência de sócios maioritários com autoridade e domínio sobre os restantes;
a dependência, hierárquica e funcional dos sócios- gerentes que desempenham tarefas não tipicamente de gerência, quanto ao exercício das mesmas.
Ora bem.
No caso concreto- e se de acordo com a escritura pública de fls. o A não foi desde a fundação da sociedade seu sócio e gerente, como se alcança pela escritura de fls. 267 e segs., não é menos verdade que segundo o que consta do registo da aludida sociedade, desde logo que o A foi sócio gerente dela( cfr. fls. 59 e segs.)
Contradição que não deixa de ser algo estranha atendendo às características de documento autêntico de ambos os documentos.
Seja como for porém- e admitindo mesmo que o A não foi desde início sócio de tal sociedade, sendo que começou a prestar para ela serviço, em 1984- dúvidas não há que pelo menos a partir de 1986, passou a ter a dita qualidade de sócio gerente( cfr. .fls. 267
e segs.).
E estando provado que em 1984, se tratava de uma sociedade familiar, pois dela apenas fazia parte o pai do A e seus filhos, temos ainda que foi dado como assente, que - e exactamente por essa ligação familiar- seu pai, propôs- se nomeá-lo como sócio gerente, figurando o A , pelo menos “ de facto” como tendo essa qualidade.
Por isso e pese embora ter ficado assente que nos primeiros tempos, o A esteve inscrito na Segurança Social como trabalhador subordinado, a verdade é que, a matéria fáctica apurada é claramente insuficiente, para se concluir sem tibiezas, pela existência de um verdadeiro contrato de trabalho no período que mediou entre 1984 e 1986, apontando antes em sentido inverso.
No que concerne ás retribuições , sabendo apenas a que o A auferia à data da sua saída, não é possível fazer um cotejo com a dos outros sócios gerentes, nem entre o que ele(A) auferia quando começou a exercer a sua actividade na Ré e após a escritura pública de 1986.
Também da facticidade em causa parece resultar que as funções que ele exerceu foram sempre as mesmas..
Claro que tratando-se de uma sociedade por quotas e existindo sócios maioritários e minoritáros é lógico que aqueles façam prevalecer a sua vontade, impondo-a a estes, sendo que por outro lado qualquer sócio está naturalmente sujeito ás deliberações societárias.
Mas daqui não se pode de forma alguma concluir pela existência de um vínculo de subordinação jurídica, definidor de um contrato de trabalho.
Nem se vê que de forma clara, existisse uma dependência funcional e hierárquica dele para com os restantes sócios maioritários, no exercício de funções que não eram típicas da gerência.
Por outro lado não se pode olvidar que o A apenas executava algumas tarefas não referentes á gerência e várias dessas de forma esporádica/ ocasional, nomeadamente quando ocorria a falta de funcionários para o efeito.
Mas como é do conhecimento geral, em sociedades de pequena dimensão, como tudo indica ser o caso da Ré, é vulgar os sócios gerentes, trabalharem “ ao lado” dos seus funcionários e mesmo exercerem actividades, não inerentes á gerência, mas para as quais têm específicas habilitações.
Era aliás o caso do A que sendo técnico oficial de contas, laborava com certo grau de habitualidade nessa área ou em domínios afins.
Mas tal não significa que ao fazê-lo estivesse colocado numa posição de subordinação jurídica.
Claro que , como já se mencionou tinha que se submeter quer às deliberações societárias, quer às posições que maioritariamente alguns dos outros sócios determinavam.
Mas este facto é válido para todo e qualquer sócio gerente e compagina-se perfeitamente com a p estrutura e modo de funcionamento de uma sociedade por quotas, não demonstrando assim necessária e indubitavelmente que efectivamente exista “trabalho subordinado
Além disso representava a Ré nas feiras e exposições no País e no estrangeiro, dando sempre a sua opinião sobre os assuntos da firma, o que assume uma natureza mais apropriada à condição de sócio gerente, que é a quem incumbe a representação social.
É verdade que auferia subsídio de alimentação, o que é por via de regra típico de um contrato de trabalho.
E também que em alguns anos e para efeitos fiscais, a sua declaração de rendimentos foi feito na qualidade de trabalhador dependente.
Contudo não deixa de se algo contraditória e inexplicável com este último facto, a circunstância de nesse anos ser remunerado na sua qualidade de sócio gerente.
Em síntese:
Em nosso modesto entender, o quadro fáctico que se nos depara ( embora não deixe de conter alguns indicativos susceptíveis de admitir a existência de um vínculo laboral, como correctamente se nota na sentença em crise) é muito pouco clarificador para que se possa considerar com a mínima certeza humana, que entre A e Ré alguma vez existiu um contrato de trabalho, ou pelo menos que este vigorasse aquando da proibição do A entrar nas instalações da Ré e portanto de exercer as suas funções.
Se aliarmos a este facto, a já mencionada extrema dificuldade que existe em conciliar a posição de sócio gerente com a de trabalhador subordinado( e que leva como já se afirmou , vária jurisprudência a rejeitar liminarmente tal possibilidade), não será ousado conclui-se que “ in casu”, o A não logrou provar como era seu ónus( artº 342º nº1 do CCv) que se encontrava vinculado à Ré, por um contrato de trabalho.
E, assim sendo, não pode configurar-se uma situação de despedimento.
Pelo que e sendo a existência deste e a sua ilegalidade o fundamento( causa de pedir) em que o A baseava a sua pretensão, a solução do litígio( e salvo o devido respeito) não pode senão passar , pelo não acolhimento da posição do recorrente.
Termos em que e finalizando, confirmando-se a sentença em crise, se julga improcedente a apelação.
Custas pelo A, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.
Fixam-se os honorários devidos ao seu Ex. mo Patrono Oficioso, em 8 Urs, a pagar pelo C.G. T.