Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | DR. JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAT DE ARRESTO EXCEPÇÃO DO NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO | ||
Data do Acordão: | 01/27/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO DE AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Legislação Nacional: | ART.º 384º E 406.º DO C.P.C. E ART.º 428º DO C.C. | ||
Sumário: | No procedimento cautelar de arresto em que o requerente baseia a probabilidade séria do seu crédito na falta de pagamento do preço de um contrato de subempreitada por parte do requerido, pode este opor-se com a excepção do não cumprimento do contrato (art.º 428º C. C.), caso se comprovem indiciariamente os respectivos pressupostos. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de COIMBRA I – RELATÓRIO O requerente – A – instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, procedimento cautelar especificado de arresto, contra B Alegando, em síntese, a existência de um crédito, proveniente do contrato de subempreitada, para a execução de determinadas obras, que celebrou com a requerida ( empreiteira ), bem como o receio de não vir a ser pago, já que esta tem vindo a desfazer-se dos seus bens, pediu o arresto dos bens descritos na petição inicial ( fls.38 e 39 ). Por decisão de 6/2/2003, foi decretado o arresto, nos termos peticionados, sem audição prévia da requerida.
A requerida B deduziu oposição ao arresto, e, para além de impugnar os pressuposto da providência, alegou o incumprimento do contrato por parte do requerente ( subempreiteiro ). Por sentença de 28/04/2003, decidiu-se: a) - Julgar totalmente procedente a oposição deduzida, e determinar a revogação da providência cautelar, ordenando-se o levantamento do arresto decretado a fls. 61 a 63 e concretizado a fls. 76 e 80; b) - Condenar, como litigante de má fé, o requerente, A Raposo, em multa no montante de 399,05 euros ( trezentos e noventa e nove euros e cinco cêntimos), bem como nas custas.
Inconformado com a sentença, o requerente MANUEL RAPOSO interpôs recurso de agravo, concluindo, em síntese: 1º) - Provado que o requerente na execução de determinado contrato de subempreitada efectuou trabalhos, elaborou a respectiva factura, que a requerida não pagou, apesar de haver recebido o dinheiro do dono da obra, levantando da mesma todos os seus bens e equipamentos, não tendo pago também a outros subempreiteiros que nela trabalharam, está justificado o receio do requerente. 2º) - O facto da requerida invocar o cumprimento defeituoso do contrato, não é por si só suficiente para afastar o justificado receio, sendo questão a decidir na acção principal e não em sede de acção cautelar. 3º) - A condenação em litigância de má fé só pode ser proferida na acção principal, com a produção da prova final e respeito do princípio do contraditório. 4º) - A sentença recorrida violou o disposto nos arts.384 nº1, 406 e 456 do CPC.
Contra-alegou a B Lda, sustentado que o requerente omitiu na petição do arresto factos essenciais sobre o contrato, designadamente quanto aos prazos e execução, e a prova produzida na oposição afastam os requisitos da acção cautelar.
II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. - O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes ( arts.684 nº3 e 690 nº1 do CPC ), impondo-se decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras ( art.660 nº2 do CPC ). Como resulta das conclusões do recurso, são essencialmente duas as questões que importa decidir: a) - A relevância do incumprimento do contrato de subempreitada por parte do Requerente para os requisitos do procedimento cautelar de arresto; b) - A condenação do Requerente por litigante de má fé. Não tendo sido impugnada a matéria de facto, nem havendo lugar à sua alteração, dá-se aqui a mesma por reproduzida, nos termos do art.713 nº6, por remissão do art.749 do CPC.
b) – Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 386º e 387º ( nº1 alínea b/ ). Optando pela oposição, o requerido tem a faculdade de alegar tudo aquilo que poderia sustentar a sua defesa se tivesse sido previamente ouvido, reabrindo-se, assim, toda a discussão sobre as matérias que tenham sido alegadas no requerimento inicial. Nesta medida, pode ser alterada a primeira decisão sobre a matéria de facto, sem que ocorra a excepção do caso julgado, competindo ao juiz, de acordo com a prova produzida na oposição, decidir da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, que constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida ( nº2 do art.388 do CPC ). Ao contrário dos anteriores embargos, a oposição é apenas uma fase do próprio procedimento cautelar, inscrita na mesma instância e a respectiva decisão faz parte integrante da primeira, até porque colimada ao pedido e fundamentos inicialmente formulados pelo requerente, agora contraditados por novos factos, ficando ambas as decisões aglutinadas numa só, ou seja, uma “ decisão unitária “. Trata-se, assim, de uma excepção ao princípio da imodificabilidade das decisões, plasmado no art.666 do CPC, pelo que a decisão inicial não faz caso julgado ( Cf. Ac STJ de 15/6/2000, C.J. ano VIII, tomo II, pág.110, Ac RC de 28/11/98, C.J. ano XXIII, tomo V, pág.30 ).
2.4. – 1ª QUESTÃO: Em contrapartida, sustenta o agravante que os factos provados na oposição não infirmam os pressupostos legais do arresto, designadamente, o justificado receio de perda de garantia patrimonial, já que a excepção do não cumprimento do contrato só pode ser discutida na acção principal. Convencionaram, Requerente e Requerida, que o prazo da execução da obra, atenta a reconhecida urgência da execução da empreitada ( construção de uma unidade hoteleira) e do apertado prazo de entrega da obra ao proprietário, era de 60 dias, incluindo sábados, domingos e feriados, com início em 8 de Maio de 2002, sendo o pagamento efectuado 30 dias após a recepção das facturas. Estamos, assim, perante um contrato de subempreitada ( art.1213 nº1 do CC ), como empreitada de “segunda mão”, em que o subempreiteiro se apresenta como “ empreiteiro do empreiteiro “. Mantendo-se distintos ambos os contratos, o empreiteiro assume a qualidade de dono da obra no contrato de subempreitada, vinculando-se o subempreiteiro a realizar a obra, em conformidade com o que foi acordado e sem vícios ( art.1208 do CC ). Sucede que, para além de não cumprir o contrato no prazo estipulado, a obra apresentou defeitos, que o Requerente não eliminou, apesar de interpelado várias vezes, para o efeito. A Requerida, em 15/7/02, denunciou, por escrito, os defeitos exigindo-lhe simultaneamente a sua eliminação e a execução integral dos trabalhos, mas o Requerente, não obstante se haver comprometido a fazê-lo, acabou por expressamente se recusar. O instituto da chamada “ exceptio non adimpleti contratus “ ( art.428 do CC ) tem o seu âmbito de aplicação nas obrigações sinalagmáticas, impondo que se tome em conta o princípio da boa fé e o apelo à ideia de abuso de direito ( arts.762 nº2 e 334 CC ). Por outro lado, constituindo o arresto uma garantia geral das obrigações, sendo um instrumento de defesa dos direitos de natureza creditícia, afigura-se que a utilização deste meio por parte de quem não cumpriu essa mesma obrigação, que agora se visa acautelar, consubstancia até manifesto abuso de direito ( art.334 do CC ). De resto, mesmo que assim se não entendesse, os factos provados não são suficientes para caracterizar o justo receio da perda de garantia patrimonial. Com efeito, o receio, para ser justificado, há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação ( Ac do STJ de 3/3/98, C.J. ano VI, tomo I, pág.116 ). No mesmo sentido, escreve António Geraldes ( Temas da Reforma do Processo Civil, Volume IV, 2ª ed., pág. 186 ) “ O justo receio da perda de garantia patrimonial está previsto no art. 406 nº1 do CPC, e no art. 619 do Código Civil pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito. Este receio é o que no arresto preenche o "periculum in mora" que serve de fundamento à generalidade das providências cautelares. Se a probabilidade quanto à existência do direito é comum a todas as providências, o justo receio referente à perda de garantia patrimonial é o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia (…)". “ Como é natural, o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva”. Deste modo, para o preenchimento da cláusula geral do “ justificado receio de perda de garantia patrimonial”, relevam, designadamente, a forma da actividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o montante do crédito, a própria relação negocial estabelecida entre as partes. Pois bem, em termos factuais, apenas se demonstrou que a Requerida tem andado a vender e a tentar vender o equipamento e material que tinha e tem na referida obra e não lhe são conhecidos quaisquer bens imóveis ou móveis além dos existentes em Santa Maria para a realização da obra. Ora, a circunstância da Requerida vender e tentar vender o equipamento que tinha na obra, não significa objectivamente uma dissipação de bens, com vista à frustração do crédito, tanto mais que empreitada foi executada em Vila de Lobo, Santa Maria, nos Açores, e a sua sede localiza-se em Leiria e o facto de não lhe serem conhecidos outros bens, não quer dizer que não os tenha.
2.5. - 2ª QUESTÃO: O recorrente, sem por em causa a fundamentação da litigância de má fé constante da sentença recorrida, que, diga-se em abono da verdade, não merece qualquer reparo, alega, no entanto, não poder haver lugar à condenação nos procedimentos cautelares, mas só na acção principal, com a produção da prova final e respeito do princípio do contraditório Esta posição carece de qualquer consistência jurídica, face ao disposto no art.456 do CPC que, desde logo, não ressalva a condenação por litigância de má fé nos procedimentos cautelares, nem se coaduna com a finalidade precípua do instituto. Como se refere no Ac do STJ de 6/6/2000 ( BMJ 498, pág.179 ), para a condenação por litigância de má fé nas providências cautelares basta que o requerente não tenha agido com a prudência normal, pois, neste caso, se a providência for considerada injustificada, o requerente responde pelos danos culposamente causados ao requerido ( art.390 nº1 do CPC ). Segundo orientação jurisprudencial, actualmente uniforme, o art.456 do CPC deve ser interpretado de acordo com os arts.18 e 20 da CRP, pressupondo a prévia audição do interessado, com vista à garantia do contraditório e evitar uma “ decisão surpresa “ ( art.3º do CPC ) ( cf. Acórdãos nº440/94 ( DR II Série de 1/9/94 ), nº103/95 ( DR II Série de 17/7/95 ), Ac STJ de 28/2/2002 ( C.J. ano X, tomo I, pág.111 ). Muito embora das certidões que instruíram o agravo não conste que o recorrente tivesse sido previamente ouvido, a verdade é que, tanto na motivação, como nas conclusões, não refere a existência dessa omissão e, por outro lado, não atacou a decisão com este fundamento. Neste contexto, porque a sentença recorrida não violou as normas jurídicas indicadas, improcede o agravo. III – DECISÃO Pelo exposto, decidem 1) Julgar improcedente o recurso e confirmar a douta sentença recorrida. 2) Condenar o recorrente nas custas. +++ COIMBRA, 27 de Janeiro de 2004 ( processado por computador e revisto ). |