Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
449/08.0TATNV-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: DESPACHO DE PRONÚNCIA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 11/09/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: INADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 310º E 400 Nº 1 AL. A) E G) CPP
Sumário: 1.- Não é admissível recurso do despacho de pronúncia não só na parte em que tenha acolhido os factos da acusação, mas também naquela em que tenha conhecido de questões prévias ou incidentais.
2.- Assim tendo sido apreciadas em sede de instrução as questões da suspensão do procedimento penal nos termos do artigo 47 do R.G.I.T. e da não aplicação ao caso concreto da condição objectiva de punibilidade prevista pelo artigo 105, nº 4, aI. b) do RGIT - por estar em causa um crime de fraude fiscal e não de abuso de confiança fiscal - não poderá de novo submeter tais questões à apreciação do julgador, na previsão, errónea, de que se tal despacho fosse desfavorável já poderia apresentar recurso.
3.- É que sendo tais questões decididas no despacho de pronúncia, o qual transitou, há caso julgado formal e, por isso é inadmissível o recurso sobre tal matéria.
Decisão Texto Integral: 16

Efectuado exame preliminar dos autos afigura-se-nos que o recurso não é admissível, por a decisão ser irrecorrível –arts. 310, 400 nº 1 al. a) e 414 nº 2, pelo que é de rejeitar, art. 420 nº 1 al. b), todos do CPP.
Assim, que se profere decisão sumária nos termos do art. 417 nº 6 als. a) e b) do mesmo diploma.
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Decide-se no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferido despacho a designar data para a audiência de julgamento.
No seguimento processual, vieram os arguidos apresentar contestação, na qual suscitam questões, as quais foram objecto de despacho do seguinte teor.
Fls. 913 a 921: Na contestação que apresentaram vieram os arguidos A... e B... solicitar a suspensão dos presentes autos nos termos do artigo 47, nº 1, do RGIT. Alegam para o efeito que deduziram oposição a uma execução que foi instaurada pelo Serviço de Finanças de Torres Novas. Que a referida oposição encontra-se pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, à espera de ser proferida decisão. Pretendem os arguidos que o presente processo criminal seja suspenso enquanto não for proferida essa decisão.
Determina o artigo 47, nº 1, do RGIT, que: Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças.
Contudo, compulsados os autos constata-se que os arguidos formularam este mesmo pedido de suspensão do presente processo criminal durante a fase de instrução utilizando para o efeito os mesmos argumentos. Verifica-se ainda que foi proferida decisão sobre tal pedido de suspensão a fls. 818 e 819, indeferindo o mesmo. Decisão essa que transitou entretanto em julgado.
Concorda-se na íntegra com os termos da referida decisão. Na verdade, conforme se fez constar aí: "no processo nº 466/10.0BELRA, que corre termos no TAF de Leiria os arguidos visam a anulação do despacho de reversão da devedora original, ou seja a arguida XX..., proferido pelo chefe do Serviço de Finanças de Torres ovas. Neste contexto os arguidos B... e A... foram executados por reversão nos termos do disposto no artigo 160, do CPPT, para, na qualidade de responsáveis subsidiários garantirem o pagamento da quantia exequenda determinada. Portanto, neste último processo discute-se a responsabilidade subsidiária dos arguidos A... e B... pelo pagamento de uma prestação tributária determinada, ao passo que nos presentes autos se discute a responsabilidade penal dos mesmos emergente da celebração do mencionado contrato simulado. Ora, o apuramento da responsabilidade penal dos mesmos neste caso não depende da definição da sua responsabilidade subsidiária da satisfação daquela quantia exequenda ... a verificação do crime imputado nos presentes autos e subsequentemente, eventual, condenação pela prática do mesmo não depende do efectivo pagamento prestação tributária". Conforme ainda é referido nessa decisão, o artigo 47, nº 1 apenas determina a suspensão do processo criminal, quando da situação tributária a definir na oposição à execução dependa a qualificação criminal dos factos imputados neste processo criminal. O que manifestamente não ocorre no caso concreto, na medida em que a qualificação criminal dos factos nos presentes autos não está dependente da conclusão a que se chegue naquela oposição à execução quando à responsabilidade tributária dos arguidos A... e B... devido à reversão realizada pelo serviço de Finanças. Dito por outras palavras, a definição da obrigação tributária dos arguidos não constitui um dos elementos do tipo de ilícito criminal em causa.
Em conformidade, decide-se manter nos seus precisos termos a decisão que foi tomada durante a fase de instrução, que indeferiu o pedido formulado pelos arguidos A... e B... de suspensão do presente processo criminal enquanto não for proferida decisão na oposição à execução a que eles fazem menção, e que vêm agora reiterar. Deste modo, indefere-se, de novo, tal pedido, e a aplicação aos autos do disposto no artigo 47, do RGIT.
Notifique.
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Na sua contestação vieram os arguidos B... e A... igualmente alegar que o crime de fraude fiscal que lhe é imputado na acusação não teria sido por eles cometido, na medida em que faltaria uma condição objectiva de punibilidade que se encontra prevista na alínea b), do nº 4, artigo 105, do RGIT, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 53-A/2006, de 29-12, na medida em que não teria sido efectuada a notificação ao agente para, no prazo de 30 dias, proceder ao pagamento da prestação comunicada à administração fiscal, acrescida de juros e o valor da coima aplicável.
Ora, compulsados os autos verifica-se que os arguidos A... e B... haviam igualmente suscitado esta questão no seu requerimento de abertura de instrução.
Por outro lado, verifica-se que o Tribunal já se pronunciou igualmente sobre esta questão, proferindo decisão durante a fase de instrução, que se encontra junta a fls. 863, em que se indeferiu também a pretensão dos arguidos. Mais uma vez se concorda e se reproduz aqui o teor dessa decisão.
Na verdade, compulsados os autos constata-se que os arguidos se encontram pronunciados pela prática de um crime de fraude fiscal, p.p. pelos artigos 6 e 103, nº1, alínea c), do RGIT.
Por outro lado, a referida condição objectiva de punibilidade prevista na alínea b), do n°4, do artigo 105, do RGIT, encontra-se prevista e reservada apenas para o crime de abuso de confiança fiscal. Não será assim aplicável aos outros crimes fiscais, designadamente ao que está em causa nos autos, ou seja o de fraude fiscal.
Deste modo, para se concluir que foi praticado nos presentes autos o crime de fraude fiscal não será necessário que esteja preenchida a referida condição objectiva de punibilidade.
Em conformidade, mais uma vez se mantém a decisão proferida durante a fase de instrução, que também já transitou em julgado. Deste modo, mantém a conclusão de que a condição objectiva de punibilidade prevista na alínea b), do nº 4, do artigo 105, do RGIT, não será aplicável aos presentes autos, e que a falta de preenchimento da mesma não constitui fundamento para se concluir que não foi praticado aqui o crime de fraude fiscal.
Consequentemente, tendo em conta que já havia sido proferida decisão durante a fase de instrução, transitada em julgado, sobre as questões suscitadas de novo pelos arguidos A... e B... na sua contestação, ter-se-á concluir que os mesmos vieram deduzir tais incidentes de forma manifestamente dilatória.
Em conformidade, nos termos do artigo 84, do Código das Custas Judiciais, condenam-se os arguidos A... e B... nas custas do incidente. Fixa-se o valor da taxa de justiça para efeito do incidente em 4 UCs.
Notifique.
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Quanto ao demais, por ser tempestivo e legalmente admissível, admito o requerimento com a contestação à acusação, e ainda o rol de testemunhas junto pelos arguidos A... e B....
Notifique as testemunhas arroladas pelos arguidos das datas e horas marcadas para realização da audiência de julgamento.
Inconformados, deste despacho, os arguidos A... e B... apresentam recurso para esta Relação.
Na sua motivação, apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o objecto do recurso.
1) Conforme consta dos autos, o Ministério Público deduziu acusação contra os Recorrentes, imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos artigos 6 e 103 nº 1 alínea c) do Regime Geral das Infracções Tributárias;
2) Inconformados com o teor do despacho de acusação, os Recorrentes requereram a abertura da instrução, alegando o que acima se transcreveu e aqui se requer a sua apreciação;
3) Por decisão de fls., decidiu o Meritíssimo Juiz: "... Pelo exposto, e ao abrigo dos termos conjugados dos artigos 308 nºs 1 e 2 e 283 nº 2 ambos do Código de Processo Penal, decide-se pronunciar, para serem julgados em processo comum por tribunal singular, os arguidos: ...";
4) Notificados da data da Audiência de Julgamento, os Arguidos apresentaram Contestação, onde alegaram o que acima se transcreveu e aqui se requer a sua apreciação;
5) Por Despacho de fls. 942 e 943, decidiu o Meritíssimo Juiz das questões suscitadas na Contestação, terminando da forma que acima se transcreveu e aqui se requer a sua apreciação;
6) Durante todo o Despacho recorrido em que foram apreciadas as questões prévias, o Meritíssimo Juiz referiu que tais questões já foram apreciadas em sede de instrução por decisão já transitada em julgado;
7) Tendo, inclusivamente, o Meritíssimo Juiz condenado os Recorrentes em multa, por tal facto;
8) Os Recorrente não entendem tal decisão, pois, não é pelo facto dos Arguidos terem suscitado tais questões em sede de instrução, que ficam impossibilitados de o fazer em sede de julgamento;
9) Até porque, o "apreciador" é diferente;
10) A fase de instrução constitui um sucedâneo inquérito e não um julgamento;
11) A Instrução, como fase processual autónoma e com os fundamentos estabelecidos no CPP surge, essencialmente, como função garantistica, tanto pelo lado do requerente arguido como por via do requerente assistente;
12) Fundamentalmente, no que respeita ao arguido, garante-se que perante uma autoridade autónoma que detém o poder de acusar ou arquivar, obedecendo naturalmente a critérios de legalidade, dá-se ao arguido o direito pleno de exercer os seu direitos de defesa enfrentando uma acusação com que se viu confrontado perante uma entidade verdadeiramente independente e imparcial (o juiz de instrução), que detém actividade jurisdicional vinculativa, no sentido de comprovar ou infirmar algo sobre o qual já foi proferida decisão;
13) A instrução, não é um novo inquérito, mas tão-só um momento processual de comprovação;
14) Trata-se de uma fase dotada de uma audiência rápida e informal, mas oral e contraditória, destinada a comprovar judicialmente a decisão do Ministério Público de acusar ou de não acusar, e que portanto termina por um despacho de pronúncia ou de não pronúncia;
15) É óbvio, por outro lado, que, tratando-se já de uma fase judicial, a sua estrutura eminentemente acusatória deverá apresentar-se integrada pelo princípio da investigação; não terá por isso o Juiz de Instrução Criminal de limitar-se, em vista da pronúncia, ao material probatório que lhe seja apresentado pela acusação e pela defesa, mas deve antes - se para tanto achar razão - instruir autonomamente o facto em apreciação com a colaboração dos órgãos de polícia criminal;
16) Tem como finalidade, comprovar judicialmente a decisão de deduzir a acusação ou de arquivar o inquérito com o fim último de submeter ou não o arguido a julgamento sendo a sua natureza facultativa (art. 286°/2 CPP);
17) Como tal, e já na fase de julgamento, os Recorrentes podem alegar todos os factos já alegados em instrução, pois, estamos numa fase de certezas e não já de indícios;
18) Estavam os Arguidos de contrariar a decisão instrutória, nomeadamente, quanto às questões prévias, ai apreciadas, pois, tal decisão não é passível de recurso;
19) Nos termos do disposto no artigo 310 do CPP: "... A decisão que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283 ou do nº 4 do artigo 285 é irrecorrível..." (sublinhado nosso);
20) Tem o Despacho recorrido ser revogado, com todas as consequências legais daí resultantes;
21) O Meritíssimo Juiz indeferiu a requerida suspensão do processo criminal enquanto não fosse decidida a oposição à execução que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria;
22) Em primeiro lugar é indiscutível, em nosso modesto entendimento, que as questões suscitadas na Oposição à Execução Fiscal interpostas pelos Recorrentes junto dos tribunais administrativos competentes são de natureza inquestionavelmente fundamentais (e, portanto, prejudiciais) para se aferir da existência, ou não, do ilícito que é imputado ao mesmo nos presentes autos;
23) Na verdade, para além das questões suscitadas junto dos tribunais administrativos e fiscais serem relevantes (rectius, essenciais) para urna justa decisão da causa em apreço nos autos são, ainda, o próprio suporte/pressuposto da existência do procedimento criminal do caso;
24) Dadas as questões colocadas aos tribunais administrativos competentes, incumbe a estes não só a eventual determinação do valor de qualquer prestação devida a título de um qualquer imposto mas, fundamentalmente, e em última análise, a aferição da existência, in casu, da prática de um qualquer ilícito penal por parte do ora recorrente;
25) O artigo 47, n.º 1, do RGIT, é, quanto a nós, bastante claro (atendendo à sua literalidade) ao estabelecer a suspensão obrigatória do processo penal tributário no caso da existência de impugnação judicial ou de oposição à execução até ao trânsito em julgado das respectivas sentenças;
26) A suspensão do processo criminal é obrigatória, resultando da própria lei, sendo que a sua letra não permite interpretação diferente;
27) Só essa razão justifica, por um lado, a prioridade que é dada aos processos que originam tal suspensão (cfr. art. 47, n.º 2, do RGIT) e, por outro, ao disposto no art. 21, n.º 4, do mesmo diploma, norma relativa à interrupção e, particularmente, ao caso concreto da suspensão da prescrição, para os casos de aplicação do referido art. 47 do RGIT;
28) Já no âmbito do art. 50 do RJIFNA, em tudo idêntico ao citado art. 47 do RGIT ora em vigor, A. José de Sousa, in Infracções Fiscais, em anotação àquele primeiro normativo, defende que «a suspensão de processo penal fiscal em virtude de pendência de processo de impugnação judicial ou oposição à execução afigura-se obrigatória e não apenas facultativa como no processo penal comum»;
29) No mesmo sentido vai o acórdão para fixação de jurisprudência do STJ, de 12/1012006, publicado no D. R., I Série, n." 37, de 21/02/2007, pág. 1294, que, embora recaindo sobre outra matéria, a qual, todavia, se encontra umbilicalmente conexa com a ora em apreciação, sustenta a obrigatoriedade de suspensão do processo penal fiscal, em virtude da pendência de processo de impugnação judicial ou oposição à execução;
30) Já em comentário ao actual art. 47 do RGIT, Lopes de Sousa e Simas Santos (in Regime Geral das Infracções Tributárias - Anotado, 2003, p. 360) sustentam que «trata este preceito da suspensão do processo penal tributário quando estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Nestes casos, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as sentenças ali referidas»;
31) Esta mesma tese, também já referente ao art. 47 do RGIT, é claramente sufragada pelo Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 321/2006, de 17/0512006, proferido no processo n.° 1043/05, 1ª Secção, onde se sustenta e se explana a razão da existência da obrigatoriedade da suspensão do processo penal tributário;
32) Urge, ainda, considerar o sistema jurídico no seu todo, nomeadamente, o sistema jurídico-penal em sentido amplo, num claro e necessário propósito de conjugação, naquilo em que seja possível, entre o RGIT e o regime penal e processual penal comum;
33) Face ao disposto no RGIT, cremos poder afirmar, com toda a segurança, face à natureza das disposições em causa, que estamos perante um regime penal especial;
34) Tal especificidade justifica e implica que às infracções fiscais sejam primeiramente aplicáveis as normas constantes do RGIT e, subsidiariamente, as normas do regime penal e processual penal comum;
35) Isto significa que as normas do regime penal e processual penal comum serão, e só o serão, aplicáveis às infracções fiscais sempre que o RGIT seja omisso na matéria e desde que tal aplicação não contrarie as normas e os princípios daquele regime;
36) Toma-se evidente a aplicabilidade do princípio da prevalência da lei especial sobre a lei geral, princípio basilar do nosso ordenamento jurídico;
37) Tal significa que, em última análise, o regime previsto no art. 7 do C. P. P. terá de decair perante a disposição especial do art. 47 do RGIT, que, para além do mais, é uma lei posterior ao art. 7 do C. P. Penal e que, ao estabelecer um regime de suspensão diverso do estatuído neste último preceito, indubitavelmente quis estabelecer um regime diverso do geral constante da lei geral (do citado art. 7 do C. P. Penal);
38) Ao não decretar a suspensão do processo penal tributário sem ter em conta as decisões a proferir no âmbito das Oposições às Execuções formuladas perante os tribunais administrativos e fiscais competentes, o Meritíssimo Juiz a quo violou o disposto no art. 47 do RGIT, bem como o estatuído no art. 212, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, constituindo, tal, uma inconstitucionalidade que expressamente se invoca;
39) Mas mesmo que não se entendesse que o regime estatuído no art. 47 do RGIT estabelece uma suspensão provisória do processo penal tributário (e que tal regime assume natureza especial, com prevalência sobre o geral), parece-nos incontestável que as questões suscitadas nas Oposições às Execuções deduzidas junto dos tribunais administrativos e fiscais competentes, cujas cópias se encontram juntas aos autos, revelam-se como indubitavelmente prejudiciais próprias, essenciais/fundamentais para uma qualquer decisão justa e conscienciosa a proferir neste processo e que, portanto, teriam de conduzir, inquestionavelmente, à requerida suspensão dos presentes autos;
40) Questões prejudiciais são aquelas de natureza jurídico-concretas que, sendo embora independentes no seu objecto relativamente à questão principal do processo em que despontam e, por isso, passíveis de constituírem objecto próprio de outro processo, se vêm a patentear como questões cujo conhecimento é condicionante do conhecimento e decisão sobre a questão principal;
41) Assim sendo, este tipo de questões têm uma natureza distinta das questões prévias, pois estas têm uma natureza processual (entendendo-se que condicionam o mérito, porquanto respeitam à válida constituição ou desenvolvimento do processo, como sejam, por exemplo, as relativas à competência do tribunal, legitimidade da acusação, prescrição do procedimento criminal, etc.), enquanto as questões prejudiciais são de natureza substantiva, isto é, condicionam de forma indelével o conhecimento de mérito da causa, dado fazerem parte do próprio juízo lógico da decisão da questão prejudicada;
42) O Meritíssimo Juiz a quo, ao decidir a questão prejudicial como questão prévia não atentou na natureza substancialmente diversa das mesmas, não podendo, a primeira, ser tratada como uma questão de natureza meramente processual;
43) Em consonância com o estatuído pelo legislador, a questão é prejudicial quando, tendo natureza não penal, a sua resolução seja necessária para o conhecimento da existência do facto criminoso (ou seja, que dela surja a dúvida sobre a existência, ou não, de uma infracção criminal) e que só possa ser convenientemente resolvida noutro foro e processo próprios;
44) E quando seja necessário reenviar ao foro próprio a resolução da questão prejudicial há que suster o andamento do processo penal onde a mesma fora suscitada, suspendendo-se o processo criminal;
45) O problema processual da prejudicialidade é um problema de competência. Trata-se, in fine, de determinar qual o tribunal competente que deverá considerar-se competente para decidir as questões prejudiciais. Ora, entre as diversas soluções encontra-se aquela partilhada pelo nosso sistema jurídico e que assume uma natureza mista, considerando, apenas, algumas questões prejudiciais de devolução obrigatória ou considerando a devolução dependente de uma ponderação caso a caso pelo tribunal competente para decidir a questão prejudicada;
46) A inconveniência do julgamento da questão prejudicial no processo penal há-de ser apreciada em concreto, tendo em conta a índole da questão, a sua complexidade, a adequação, ou não, da estrutura do processo penal para a sua válida solução, a maior ou menor probabilidade de futura contradição de decisões, etc;
47) O Meritíssimo Juiz a quo, ao não decretar a suspensão dos presentes autos, não atendeu àquele critério de conveniência (como sejam: quer a complexidade das questões em causa, quer as implicações que a resolução das mesmas poderiam e podem vir a ter sobre o resultado final do processo penal tributário), violando, assim, e em primeira linha, o estatuído no art. 47 do RGIT, bem como o próprio estabelecido no art. 7, n.º 2, do C. P. Penal, caso se venha a entender que será de aplicar ao caso concreto, o disposto neste último preceito, o que não se concede;
48) Outra questão que se suscita, ainda, é a que se prende com os efeitos que a decisão sobre a questão prejudicial tem, reciprocamente, sobre ambos os processos (processo penal tributário versus impugnações judiciais tributárias);
49) É que, se, por um lado, a decisão sobre a questão prejudicial suscitada pelos Recorrentes na Oposição à Execução acima referida, tomada pelo Tribunal a quo, não produz qualquer caso julgado junto do Tribunal Administrativo e Fiscal onde a mesma foi suscitada (isto mesmo se pode extrair, por analogia, do art. 97, n.º 2, in fine, do C. P. Civil; cfr., no mesmo sentido, Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, Coimbra, 1968, pág. 118), já a decisão deste último faz caso julgado material sobre a matéria por ele decidida, perante o primeiro (cfr. art. 48 do RGIT);
50) O Meritíssimo Juiz a quo, ao tomar a decisão de não suspender os presentes autos, corre o risco de ver a sua decisão afectada e, porventura, contraditada e esvaziada de conteúdo, por via de decisões contrárias (total ou parcialmente) sobre a existência ou qualificação jurídico-tributária (e consequente qualificação criminal) da conduta do recorrente a proferir na Oposição à Execução;
51) Como consequência do acima explanado e ora peticionado, deve o Despacho de fls. ser revogado e, em sua substituição, ser proferido despacho ordenando a suspensão do presente processo penal tributário;
52) Os Recorrentes nunca poderão ser condenados pelo crime de fraude fiscal porque não se encontra observada a condição objectiva de punibilidade, exigida para tal condenação;
53) Por outro lado, os Recorrentes, à data dos impostos e respectivas entregas não eram gerentes da sociedade e como tal não podem ser condenados por factos que não praticaram;
54) Daí ser necessária a suspensão dos presentes autos, até decisão final da Oposição à Execução, a fim de se aferir de tal factualidade;
55) Tem o Despacho recorrido de ser revogado, com todas as consequências legais daí resultantes;
56) Lendo atentamente a decisão recorrida verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo da pronúncia dos Arguidos;
57) O Meritíssimo Juiz com a decisão recorrida não assegurou a defesa dos direitos dos Recorrentes.
58) O Meritíssimo Juiz, limitou-se apenas e tão só, a emitir uma decisão "economicista" .
59) Na decisão recorrida não se apreciou devidamente o Requerido, tendo em conta a prova produzida em inquérito e instrução conforme já vimos;
60) Estamos plenamente convictos que este Venerando Tribunal alterará a decisão proferida em primeira instância;
61) O Meritíssimo Juiz violou o disposto nos artigos:
a. 13; 27; 28; 32; 202 n° 2; 204; 205 da C. R. P.;
b. 307 e 308 do C.P.P ..
Requer a REVOGAÇÃO da decisão recorrida.
Foi apresentada resposta pelo Magistrado do Mº Pº, que conclui:
1-O recurso dos arguidos por versar sobre questões em relação às quais já recaiu despacho transitado em julgado, não é admissível, devendo ser rejeitado.
2- Nos termos do artigo 310, n.º 1 do Código de Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29.08, o despacho de pronuncia que pronunciou os arguidos pelos factos e crimes que lhes eram imputados na acusação pública e que conheceu das questões da verificação da condição objectiva de punibilidade prevista no artigo 105, n.º 4, al.. b) do RGIT (e da prescrição do procedimento criminal) não admite recurso e tal despacho fez caso julgado sobre as questões previas nele apreciadas.
3- Tendo sido proferido despacho em 22/11/2010, no decurso da fase instrução, mediante o qual se indeferiu a suspensão do processo penal tributário ao abrigo do artigo 47 do RGIT, requerida pelos arguidos, por na oposição à execução apresentada não se discutir situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados» e não tendo os arguidos interposto recurso de tal decisão no prazo legal, tal questão deve considerar-se definitivamente resolvida, por decisão transitada em julgado.
4- Contrariamente ao pugnado pelos arguidos, tendo sido apreciadas em sede de instrução as questões da suspensão do procedimento penal nos termos do artigo 47 do R.G.I.T. e da não aplicação ao caso concreto da condição objectiva de punibilidade prevista pelo artigo 105, nº 4, aI. b) do RGIT - por estar em causa um crime de fraude fiscal e não de abuso de confiança fiscal - não poderá de novo submeter tais questões à apreciação do julgador.
5- Donde, não existe qualquer vício a apontar ao despacho recorrido, nem tendo sido violada qualquer norma legal coma sua prolação
6- Termos em que se conclui que a decisão recorrida deverá ser mantida, por não conter nenhum agravo à Lei, devendo outrossim o recurso ser rejeitado por ser legalmente inadmissível ou caso assim não se entenda ser julgado manifestamente improcedente.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, em parecer emitido, igualmente sustenta que o recurso deve ser rejeitado, ou se assim se não entender, deve ser julgado improcedente.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Foi apresentada resposta, alegando os recorrentes inexistir motivo para rejeição.
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Cumpre decidir:
Analisados os autos verifica-se a existência de questão prévia que obsta ao conhecimento de mérito.
Questão prévia:
Inadmissibilidade do recurso.
É manifesto que os recorrentes querem meter pela janela o que legalmente lhes é vedado meter pela porta, como se refere no despacho de 30-06-2011.
Os recorrentes reconhecem que as questões suscitadas foram analisadas no despacho de pronúncia.
Reconhecem que lhes estava vedado recorrerem do despacho de pronúncia, por força do estatuído no art. 310 do CPP, redacção actual (o que não é absolutamente certo).
É manifesto face ao teor das conclusões 56 a 59 do recurso, acima transcritas.
Aí se refere que a decisão recorrida não revela, informa ou fundamenta o “verdadeiro sentido da pronúncia dos arguidos” e que “não se apreciou devidamente o requerido, tendo em conta a prova produzida em inquérito e instrução conforme já vimos”.
Ou seja, o que verdadeiramente os recorrentes pretendiam era que o despacho recorrido tivesse “revogado” a pronúncia.
Como entenderam que a lei não lhes permitia o recurso do despacho de pronuncia – art. 310 do CPP- os arguidos tentaram por outro meio, o da insistência somente, que o juiz da 1ª Instância alterasse o decidido no despacho de pronúncia, na previsão, errónea, de que se tal despacho lhes fosse desfavorável já poderiam apresentar recurso.
Havendo distinção entre o juiz da pronúncia e o juiz do julgamento, ambos são juízes com competência para decidir na fase processual em que intervêm e não se pode pretender que este revogue as decisões daquele.
Sendo que a contestação é o meio apropriado para contrariar os argumentos da acusação ou pronuncia, mas a ser decidido em audiência e não no momento da apresentação da contestação.
Assim que se concorde com os argumentos expendidos no despacho datado de 30-06-2011, onde se colocam dúvidas quanto à admissão do recurso e que o despacho recorrido apenas se “limitou a dizer que os arguidos vinham indevidamente suscitar as mesmas questões sobre as quais já tinha sido tomada decisão anterior” e, tanto assim foi que se considerou o requerimento como incidente processual e devidamente tributado.
E, aí e bem, se considerou que nada de novo se decidiu e se considerou despacho de mero expediente e como tal irrecorrível, nos termos do art. 400 nº 1 al. a) do CPP.
É que sendo tais questões decididas no despacho de pronúncia, o qual transitou, verifica-se provocar caso julgado formal e, por isso inadmissível o recurso sobre tal matéria.
Nos termos do art. 420 do CPP, o recurso deve ser rejeitado se se verificar causa que devia determinar a sua não admissão nos termos do art. 414 nº 2 do mesmo Código.
E o art. 414 nº 2 diz que o recurso não é admitido quando interposto for inadmissível.
E, o facto de o recurso haver sido admitido em 1ª Instância, não vincula este Tribunal, conforme art. 414 nº 3 do CPP.
Assim, atento o exposto e o disposto nos art. 310 e 400 nº 1 al. a) e g) (a lei prevê a inadmissibilidade de recurso que incida sobre questões com transito em julgado), do CPP, rejeita-se o recurso.
Decisão:
Face ao exposto decide-se em, rejeitar o recurso dos arguidos B... e A...\.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça de 6 Ucs, na qual já se inclui a prevista no art. 420 nº 3 do CPP
Coimbra, 09-11-2011
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