Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1157/05.0TACTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: RECUSA
TRIBUNAL COMPETENTE
Data do Acordão: 04/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO45º CPP
Sumário: 1-A recusa deve ser requerida e a escusa deve ser pedida perante o tribunal imediatamente superior ou a secção criminal do STJ, tratando-se de juiz a ele pertencente, mas o requerimento é sempre apresentado no próprio processo.
2- O juiz visado apenas tem de se pronunciar, por escrito, fazer juntar os elementos comprovativos e remeter a petição, a resposta e outros elementos ao tribunal competente para a decisão.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado o ora recorrente deduziu o incidente de recusa do juiz.
Sobre este requerimento incidiu despacho a julgar inúteis os fundamentos invocados para a recusa, por o juiz recusado já não ter intervenção no processo.
O requerente do incidente veio dizer que mantém pleno interesse na continuação e decisão do mesmo.
Foi proferido despacho do seguinte teor:
I – Incidente de recusa de juiz

Nos termos do disposto no artigo 43º, n.º 1 do CPP, «a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade».

No caso concreto, o arguido J... veio requerer a recusa de Juiz de Instrução do Exmo. Colega titular do 1º Juízo deste Tribunal, nos termos e com os fundamentos de fls. 2 e seguintes que aqui se dão por integralmente reproduzidos, no pressuposto de que a competência para a prática dos actos a realizar em sede de instrução havia sido atribuída ao referido magistrado.

Acontece que, como se alcança da análise dos autos os mesmos apenas foram distribuídos ao 1º Juízo deste Tribunal em sede de inquérito e exclusivamente para a prática de actos jurisdicionais a levar a efeito no âmbito da referida fase processual.

Posteriormente, na sequência da apresentação do requerimento de abertura de instrução apresentado pelos arguidos, vieram os autos a ser distribuídos ao 3º Juízo deste Tribunal com vista à abertura da fase de instrução.

Em função disso, é incontroverso que a competência jurisdicional para a fase de instrução foi atribuída à titular do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco.

E que o Exmo. Juiz titular do 1º Juízo deste Tribunal – Juiz visado – não tem qualquer intervenção nesta fase processual.

Posto que, por ora, se impõe concluir que não se verificam os pressupostos legais de que depende a apreciação do incidente de recusa de Juiz de Instrução suscitado pelo arguido J....

De resto, tal conclusão resulta expressamente suportada no procedimento legal previsto para a apreciação e decisão do incidente em causa para o qual se remete (cfr. artigo 43º a 46º do CPP).

Finalmente, sempre se dirá que as razões invocadas pelo sobredito arguido no requerimento de fls. 11 e 12, que lhe permitem pugnar pela manutenção do interesse manifestado na apreciação do requerimento apresentado, se mostram dependentes de duas realidades futuras e incertas: a prolação de despacho de pronúncia dos arguidos e a distribuição dos autos em sede de julgamento ao 1º Juízo deste Tribunal.

Em síntese, por ora, é manifesto que não verificam os pressupostos legais de que depende a apreciação do incidente de recusa de Juiz.

Resta, pois, na presente fase, concluir pela inadmissibilidade legal do incidente suscitado, por falta de verificação dos respectivos pressupostos.

Sem prejuízo de, no futuro, em sede própria, caso se venham a verificar os pressupostos legais previstos para o efeito, o arguido poder vir a suscitar o competente incidente.


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II – Decisão

Pelo exposto, atentas as considerações expendidas e o quadro legal citado, decide-se não admitir o incidente de recusa Juiz de Instrução suscitado pelo arguido J....


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Notificado veio o requerente arguir a nulidade de tal despacho, por violação das regras de competência do Tribunal e que o incidente deveria ser remetido ao tribunal competente para o decidir.

Sobre este requerimento de arguição de nulidade incidiu o seguinte despacho:
I - Requerimento de fls. 19 e 20
Como resulta da análise dos autos, a prolação do despacho de fls. 14 a 16, pelas razões no mesmo aduzidas, que aqui se dão por reproduzidas, que se mantêm integralmente, impunha-se e não encerra da invocada nulidade.
Não existe qualquer violação das regras de competência do tribunal na medida em que não se conheceu do mérito do pedido de escusa formulado.
Com efeito, limitou-se o tribunal a constatar a falta de verificação dos pressupostos legais de que depende a sua apreciação, que, por motivos lineares, impediu a sua tramitação e apresentação ao tribunal superior.
Pelo exposto, por falta de fundamento legal, decide-se indeferir a arguida nulidade e manter integralmente o despacho de fls. 14 a 16, com as legais consequências.
Notifique.

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Inconformado interpôs recurso, o arguido/requerente do incidente.
São do seguinte teor as conclusões formuladas na motivação do recurso, e que delimitam o objecto do mesmo:
1 - Vem o presente recurso interposto do despacho de fls. 24 que indeferiu a nulidade dos presentes autos e do despacho de fls. 14-16, arguida a fls. 19-20.
2 - Não se conforma o ora recorrente com o mesmo porquanto entende que todo o processado do "incidente por apenso" de recusa de juiz padece de nulidade insanável por incompetência, nos termos dos artigos 32°, n° 1, 45°, n° 1, alínea a) e 119°, alínea e), todos do Código de Processo Penal. Com efeito,
3 - O requerimento de recusa de juiz constitui um incidente em sede de processo penal, o qual é sempre admissível, desde que deduzido nos prazos previstos no artigo 41° do C.P.P. e só pode ser rejeitado pelo Tribunal competente quando seja manifestamente infundado, nos termos do artigo 45°, n° 4 do C.P.P..
4 - O Tribunal competente para conhecer do incidente de recusa de juiz deduzido é o tribunal imediatamente superior, ou seja, in casu, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, perante o qual deveria ter sido directamente deduzido, nos termos do artigo 45°, n° 1, alínea a) do C.P.P..
5- Tendo, porém, sido apresentado pelo ora recorrente junto dos Serviços do Ministério Público da Comarca de Castelo Branco, o mesmo não devia ter sido recebido, mas tendo-o sido, como foi a 22-7-2008, devia o mesmo ter sido remetido ao Tribunal competente, o que, porém, não aconteceu.
6 - O Meritíssimo juiz de Instrução carece de absoluto fundamento legal, seja para admitir ou rejeitar o requerimento de recusa de juiz, seja para se pronunciar sobre o mesmo, uma vez que o mesmo sempre deveria ser apresentado directamente junto do Tribunal competente, pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, mal andou o mesmo ao indeferir a nulidade por incompetência arguida a fls. 19/20.
7 - Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito expostos, deve reconhecer-se que todo o processado, designadamente, o despacho de fls. 14-16, padece de nulidade insanável por incompetência.
8 - E, consequentemente, ser revogado o despacho de fls. 24, proferindo-se decisão que declare a nulidade de todo o processado, com fundamento nos artigos 32º nº 1, 45º nº 1, alínea a) e 119º alínea e), com os efeitos previstos no artigo 122º todos do Código de Processo Penal, e conhecer-se directamente do incidente de recusa de juiz apresentado a 22/7/2008 pelo ora recorrente.
Foi apresentada resposta, pelo magistrado do Mº Pº, que conclui:
1 - A pretensão do recorrente é fazer com que se declare recusado como juiz de instrução o juiz junto do 1º Juízo.
2 - Consideramos extemporâneo o incidente de recusa de juiz de instrução, por o juiz alvo da recusa não mais poder praticar actos de instrução no referido processo.
3 - Na verdade o "juiz recusado" praticou um acto jurisdicional em momento em que os autos se encontravam na fase de inquérito e posteriormente com a abertura de instrução os autos foram distribuídos a outro juiz.
4 - Pelo que mesmo que a pretensão fosse a recusa de juiz para a hipótese de, não como juiz de instrução mas como juiz de julgamento poder ficar impedido de ser titular do processo no caso do mesmo lhe vier a ser distribuído no futuro.
5 - Não tem qualquer cabimento.
6 - É que o processo encontra-se em fase de instrução podendo o arguido vir a ser pronunciado ou não e neste caso o processo não segue para julgamento.
7 - Ora, este não é o momento, o qual só se colocará se o arguido for pronunciado e o processo for distribuído ao juiz alvo da recusa.
8 - Daí que neste caso, seja um acto inútil e os tribunais não praticam actos inúteis nem tomam decisões sobre hipóteses que podem ou não vir a acontecer.
9 - Face a tudo o exposto, é insustentável a pretensão do arguido ora recorrente, pelo que não nos merece, qualquer reparo o douto despacho recorrido.
Foi apresentada resposta, por M... e L..., em representação de seu filho menor D…, que concluem que o recurso deve ser rejeitado por manifestamente e confirmada a decisão recorrida, ou então indeferido o requerimento de recusa, por manifestamente infundado.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, em parecer emitido, sustenta a procedência parcial do recurso porque, a avaliação do requerimento de recusa é da competência do tribunal superior àquele onde se encontra em funções o juiz recusado. Não deve ser decidido o incidente, porque previamente deverá ser instruído.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.

Não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.

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Conhecendo:
As questões suscitadas são:
- Declaração de nulidade do processado, por se verificar a nulidade insanável por incompetência;
- Conhecer-se directamente do incidente de recusa.
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Quanto à primeira questão temo-la como procedente, uma vez que o requerimento de recusa é e deve ser dirigido ao tribunal superior àquele onde presta serviço o juiz recusado –art. 45 nº 1 al. a) do CPP, pelo que só esse tribunal superior pode apreciar os fundamentos do pedido.
Também o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. I, pág. 220, refere que “a recusa deve ser requerida e a escusa deve ser pedida perante o tribunal imediatamente superior ou a secção criminal do STJ, tratando-se de juiz a ele pertencente, mas o requerimento é sempre apresentado no próprio processo”.
O juiz visado apenas tem de se pronunciar, por escrito, fazer juntar os elementos comprovativos e remeter a petição, a resposta e outros elementos ao tribunal competente para a decisão.
A situação é idêntica à que se verifica nos recursos, pois que sendo manifesta a improcedência do recurso e objecto de rejeição, o juiz recorrido deve fazer subir o recurso e o tribunal ad quem se pronunciará.
É certo que a situação dos autos é sui generis, pois está-se a recusar o juiz que já não é juiz do processo.
Assim, que o despacho de fls. 9 do juiz recusado (que o requerimento de recusa não identifica nem pelo nome nem pelo juízo onde presta serviço) ao “alertar” o requerente da inutilidade do incidente por o processo haver sido distribuído como instrução a um juízo diferente do seu, mostra-se correcto.
Mas, perante a intenção do requerente em manter o incidente, deveria o mesmo subir ao tribunal competente.
E, contrariamente ao entendimento do despacho de fls. 24 de que não houve pronuncia no despacho recorrido sobre o mérito do pedido de recusa formulado, tal despacho impediu esse reconhecimento pelo tribunal competente, sendo que a apreciação da verificação dos pressupostos legais já é conhecimento de mérito, podendo levar à manifesta improcedência caso não se verifiquem.
Apesar de se ter em conta a desnecessidade do incidente (não se pode requerer decisão para situações hipotéticas de o recusado poder vir a intervir), o ponderar-se a celeridade processual e demais interesses invocados, o certo é que a lei manda que seja o tribunal superior a decidir (dura lex, sed lex).
Por outro lado, a lei, art. 119 nº 1 al. e) do CPP fulmina a violação das regras de competência do tribunal, com nulidade insanável.
Assim que se deva declarar a nulidade de todo o processado posterior ao requerimento de fls. 11 a 13 (interesse na manutenção e decisão do requerimento de recusa).
Resta pois, concluir como o Ex.mº PGA que refere no seu parecer: “Pelo que, apresentado o requerimento, e na medida em que, como se disse, nos termos do art. 45 n.º 1 a) é ao tribunal superior que cabe decidir sobre o pedido (art. 45 n.ºs 4 a 7), só restaria à 1ª instância cumprir com o demais previsto, designadamente o juiz visado pronunciar-se nos termos do n.º 3 do mesmo normativo, ainda que tão só informando que não tem já a seu cargo o processo para o qual se pede a recusa, e também por isso nem sequer estando também em causa a prática por parte do juiz recusado tão só dos permitidos actos urgentes ou necessários a coberto do n.º 2”.
E, nestes termos, e nesta parte, se julga procedente o recurso.
No entanto, não pode este tribunal pronunciar-se sobre a matéria do incidente.
Decidir o recurso do despacho que incidiu sobre o requerimento de escusa, é decisão em 2ª instância.
Decidir o incidente de recusa é decisão em 1ª instância.
Além de que o incidente não foi instruído. Como já se referiu, salienta o Prof. Germano Marques da Silav em ob. e loc. citado, “o juiz pronuncia-se sobre o requerimento, por escrito, em cinco dias, e junta os elementos comprovativos, remetendo depois a petição, resposta e outros elementos ao tribunal competente para a decisão”.
Só após a instrução do incidente, este deve subir para apreciação.
Decisão:
Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra e Secção Criminal, em:
1- Julgar o recurso parcialmente procedente e, anular o processado após o requerimento de fls. 12v.
2- Devendo instruir-se o incidente, nos termos do art. 45 do CPP e remetê-lo para decisão, ao tribunal competente (art. 45 nº 1 al. a) do CPP.
Custas pelo recorrente com 2 Ucs de taxa de justiça (respeitante à parte em que decaiu- art. 513 nº 1 do CPP).
Custas pelos assistentes, com 2 Ucs de taxa de justiça –art. 515 nº 1 al. b) do CPP.
Coimbra,
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