Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
976/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARRETO DO CARMO
Descritores: ESCUSA
Data do Acordão: 04/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE AVEIRO - 3º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: ESCUSA
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTIGO 43º, DO CPP
Sumário: I - O pedido de escusa do juiz só deve ser deferido perante motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
II – O facto de o cônjuge do juiz ser amigo do arguido e seu padrinho de casamento, cerimónia a que o juiz também esteve presente, não justifica a escusa.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Criminal da Relação de Coimbra:

______ INCIDENTE

No processo nº. 955/05.9TBAVR, contraordenação que corre termos no Tribunal Judicial de Aveiro, 3º Juízo Criminal, a Meritíssima Juiza A... , veio suscitar a sua escusa para deixar de intervir no processo, que lhe foi distribuído, ao abrigo do artigo 43º/4 do Código de Processo Penal,
apresentando os seguintes fundamentos:

- o impugnante da decisão administrativa é B...;
- é pessoa com relações pessoais e de amizade com a Sr.ª Juíza requerente;
- é amigo de seu marido desde os tempos em que frequentaram a Faculdade de Direito, em Coimbra;
- o marido da Meritíssima Juiza foi padrinho do primeiro casamento do impugnante;
- ambos, a Meritíssima Juiza e seu marido, foram ás celebrações do segundo casamento do impugnante;
- uma das testemunhas no processo é o mecânico de automóveis que habitualmente trata da manutenção dos carros da família;

Cumpre apreciar e decidir

Os arts. 39º e 40º do Código Processo Penal enumeram os factos determinativos do impedimento do juiz, enquanto no art. 43º (recusas e escusas) se optou por uma fórmula mais abrangente de molde a abarcar todos os motivos, sérios e graves, que sejam adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz. Assim, servem os casos dos arts. 126º/1 e 127º do Código Processo Civil de meros exemplos.
Nestes termos, a primeira condição para escusa será o motivo, que se exige sério, grave e adequado a gerar desconfiança – art. 43º/1/4 do Código Processo Penal.
A primeira reflexão será pois sobre o motivo.
Na densificação normativa do conceito motivo incluir-se-á tanto o que explica a acção (motivo propriamente dito, o que faz mover), como o móbil (a expressão da acção).
Com efeito,
o motivo implica um conjunto da factores conscientes e inconscientes (pressupondo elementos pessoais e sociais) que determinam a conduta numa situação, que levam a empreender uma acção deliberada:; o motivo pressupõe o motu, a capacidade de determinação do agente; o móbil por seu turno, refere-se á capacidade de resposta a uma situação que se apresenta ao agente.
Cavaleiro Ferreira ( Curso ..., 1981, I, 236 e ss) realça que se quer significar haver a possibilidade de estabelecer uma ligação entre um interesse pessoal do juiz e o processo, ou as pessoas que nele intervêm.
Os motivos da imparcialidade geradora de escusa encontrar-se-ão em razões de ordem subjectiva, por um lado, na medida em que estes obnubilem as capacidades de raciocínio, discernimento e lucidez, mas também em razões objectivas, que se revelam quer numa impossibilidade para tomar decisão quer na existência de um preconceito limitativo da liberdade de querer.
Os mobiles são também geradores de imparcialidade quando os factos colocados perante o julgador o lançam em situações pré - vividas que debelam a sua capacidade de dar resposta intelectualmente livre.

Mas o motivo tem de ser sério e grave; sério no sentido de que é ponderoso, cuja verificação não se coaduna com a leviandade de um juízo; grave porque tem peso apreciável na formulação do juízo.

Exige ainda a lei que se estabeleça um nexo de adequação entre o motivo e a desconfiança sobre a imparcialidade. Significa que o motivo tem de ser apto para gerar a desconfiança, não valendo a verificação de um motivo para que releve para fundamentar a escusa.
O motivo tem de ser adequado a gerar desconfiança sobre a liberdade intelectual do juiz, servindo de critério para se aferir dessa adequação, a representação de que um cidadão médio, representativo da comunidade, pode, pelos factos invocados, suspeitar que o juiz deixe de ser imparcial, e o prejudique ou favoreça qualquer dos intervenientes.

Os fundamentos da escusa encontram-se, de jure condendo (cfr. Cavaleiro Ferreira, Curso..., 1983, I, 237 e ss), na confiança pública na imparcialidade do juiz, confiança esta que, no limite, pode abranger a própria aparência de parcialidade, no sentido de que, muitas vezes, não importa que o juiz permaneça imparcial, mas alcança sobretudo as situações em que possa ser reputado de parcial.

É sempre louvável que o juiz faça transparecer para o processo todas as situações que possam desenhar uma invocação de parcialidade, pois, desde logo, revela o desprendido do julgador, a liberdade para que a sua conduta possa ser claramente avaliada. Não se trata de confessar uma fraqueza ou impossibilidade de vencer ou recalcar questões pessoais ... mas de admitir ou não admitir o risco do não reconhecimento público da sua imparcialidade ... (Cavaleiro Ferreira, ob. cit. 237.

No presente caso a Meritíssima Juiza denuncia, ela mesma, a possibilidade de poder ser entendido haver vulnerabilidade na apreciação do caso, por razões de amizade com o indicado impugnante. A liberdade para colocar a situação é denunciadora de isenção da Meritíssima Juiza, já que torna público factos da sua intimidade familiar, evitando assim que se possa especular sobre a sua imparcialidade.
Cremos que é quanto basta.
Os cidadãos ficam a saber, pelo próprio juiz das invocadas ligações de amizade, estando por tal em condições de apreciar a sua conduta.

Os motivos invocados não são de molde a determinar o afastamento da Meritíssima Juiza, que demonstra total liberdade de querer e de poder fazer ao colocar directamente a questão.

***
Nestes termos, acorda-se em indeferir o pedido de escusa.
Sem custas