Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1543/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: NÃO JUNÇÃO DE DOCUMENTO
REQUERIMENTO DA PARTE CONTRÁRIA
JUSTIFICAÇÃO
COMINAÇÃO LEGAL
Data do Acordão: 09/22/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 519º, Nº 2; 528º; 529º E 530º, DO CPC; 344º, Nº 2, DO C. CIV. .
Sumário: I – Tendo o notificado reconhecido ter possuído o documento, cuja junção foi requerida pela parte contrária, e não o juntando, ou alega e prova que posteriormente ao reconhecimento de que o possuiu o documento desapareceu ou foi destruído, em consequência de facto que não lhe é imputável, ou fica obrigado a juntá-lo, sob a cominação ditada no começo do artigo 344º, nº 2, do C. Civ. .
II – Do artº 344º, nº 2, do C. Civ. resulta que há inversão do ónus da prova quando a parte tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, não operando automaticamente a regra da inversão do ónus da prova .
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1 – A..., casado, com os demais sinais dos Autos, demandou no Tribunal do Trabalho de Leiria a R. «B...», pedindo, a final, a sua condenação no pagamento das importâncias discriminadas no petitório, a fls. 9 e 10, com juros à taxa legal.
Alegou para o efeito, em síntese útil, que trabalhou sob as ordens, direcção e fiscalização da R. desde 3.4.2001 até 9.5.2003, data esta em que lhe comunicou a rescisão do contrato em carta registada.
Exerceu a profissão de motorista de pesados entre Portugal e diversos países da Europa.
Tinha direito à retribuição mensal de 573.62€, prémio TIR de € 119,010 e retribuição específica (Cl.ª 74.º/7) de 321,60 €, esta a considerar no cálculo das remunerações de férias e subsídios de férias e de Natal.
A R. apenas lhe pagou parte dessas componentes da retribuição, nunca lhe tendo pago férias e subsídios de férias e de Natal durante todo o tempo por que perdurou a relação de trabalho.
Prestou além disso trabalho suplementar que também não lhe foi pago.

2 – Tentada, sem êxito, a conciliação das partes, a R. veio então contestar, alegando que todas as remunerações reclamadas e devidas foram pagas, considerando que em muitas das situações o A. realizou apenas serviço nacional, com alguns serviços a Espanha.
Conferidas as quantias que lhe foram pagas, nada lhe é devido, pois, sendo até que isso mesmo o A. reconheceu conforme documento que se junta, em cujos termos o demandante renunciou a quaisquer direitos vencidos, na hipótese de eventualmente as contas não terem sido de todo bem feitas.

3 – Com reacção do A. à junção do documento de fls., e tramitadas as demais diligências documentadas, procedeu-se à discussão da causa e proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, com condenação da R. a pagar ao A. a quantia de € 12.421,80, com juros moratórios, tudo conforme consta do dispositivo, a fls. 205 -206.

4 – Inconformado, o A. veio interpor recurso, oportunamente admitido como apelação, alegando e concluindo:
1. – O A. peticionou a quantia de €. 9.333,13, devida pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, complementar e feriados, conforme art. 27 da Petição Inicial;
2. – Tendo o Mm.º Juiz considerado não dar razão ao A. por entender que este não logrou provar que tenha realizado trabalho nos supra referidos dias;
3. – Sem razão, porquanto, no caso dos Autos, estamos perante uma situação de inversão do ónus da prova a que alude o n.º2 do art. 344º do Cód. Civil;
4. – Já que ao longo de todo o processo a R. tudo fez para inviabilizar e impossibilitar ao A. a apresentação dos meios de prova dos factos por si alegados;
5. – O A. requereu, na Petição Inicial, a notificação da R. para juntar aos Autos os discos dos tacógrafos e relatórios de viagem relativos a todo o tempo em que prestou serviço para a R.;
6. – A R. não procedeu à sua junção;
7. – Na resposta à contestação, o A. renovou o seu requerimento, em consequência do qual o Mm.º Juiz ordenou à R. para efectuar a requerida junção;
8. – A R. apresentou queixa-crime contra o A. por alegado furto e abuso de confiança, a qual foi objecto de arquivamento;
9. – Em audiência de julgamento, o A. de novo requereu que o Tribunal ordenasse à R. a junção dos discos de tacógrafos e mapas de viagem relativos ao trabalho por si prestado enquanto se manteve ao seu serviço, o que o Tribunal deferiu;
10. – A R. não procedeu à junção dos elementos solicitados pelo A., em clara violação do dever de cooperação a que se encontrava adstrita;
11. – O Mm.º Juiz da 1.ª Instância, ao proferir o despacho a ordenar à R. a junção dos elementos pretendidos, só o fez por considerar a importância do valor probatório dos mesmos;
12. – A recusa da R. teve em vista frustrar ao A. a possibilidade deste poder provar os factos a que se propôs e assim inviabilizar a procedência de parte da acção;
13. – Tudo à revelia do dever de colaboração e de descoberta da verdade;
14. – A recusa da R. visou apenas e tão-só dificultar a posição do A. na produção da prova sobre o facto essencial para a satisfação da sua pretensão;
15. – Cabia à R. a obrigatoriedade de manter os discos dos tacógrafos e mapas de viagem que semanalmente lhe eram entregues pelo A.;
16. – Ao apresentar queixa-crime contra o A., a postura da R. demonstra de forma inequívoca a vontade de impossibilitar ao A. os meios de prova que este necessitava para provar o trabalho por si prestado;
17. – O art. 344º/2 do Cód. Civil preceitua que há inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sendo que o art. 519º/2 do C.P.C. se aplica àquelas situações em que uma das partes, por meio de uma recusa ilegítima, inviabilize e impossibilite à outra a apresentação e a produção de um meio de prova legalmente admissível entre outros existentes, de tal forma que a recusa visa dificultar a posição da outra parte na produção das provas sobre o facto essencial para a satisfação da sua pretensão;
18. – O que se aplica no caso em apreço;
19. – A R. violou o dever de cooperação a que se encontra adstrita, donde deveria o Mm.º Juiz 'a quo' ter avaliado o valor da recusa da R. para efeitos probatórios, determinando assim a inversão do respectivo ónus;
20. – E nesse sentido, cabia à R. provar que o A. não prestou trabalho nos dias indicados por este no seu art. 27º da Petição Inicial para se eximir do dever de lhe pagar a quantia de €. 9.333,13, peticionada no item 29º da Petição Inicial;
21. – Não tendo a R. procedido à junção aos Autos dos elementos solicitados pelo A. e cuja junção foi ordenada pelo Tribunal, deveria ter sido condenada a pagar ao A. a quantia de €. 9.333,13, como decorrência da inversão do ónus da prova;
22. – A sentença recorrida violou assim o disposto no art. 41º do CCTV aplicável e os arts. 344º/2 do Cód. Civil e 519º/2 do C.P.C.

5 - Respondeu a recorrida, concluindo, por sua vez, que o recurso, limitado à matéria de facto, teria necessariamente de passar pela reavaliação da prova através da disponibilidade de todos os elementos probatórios considerados essenciais para invalidar a apreciação do Mm.º Juiz 'a quo';
A referência ao Direito que aquelas conclusões contêm fica assim desprovida de qualquer sentido útil, além de que não se mostra ter sido violada qualquer das disposições legais ou regulamentares aí mencionadas.

Recebido e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a emitir douto e proficiente Parecer no sentido da improcedência do recurso – cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
1 – DE FACTO
Vem assente a seguinte factualidade:
a) – A R. explora uma empresa de transportes rodoviários de mercadorias, nacional e internacional;
b) – O A. trabalhou nessa empresa, sob as ordens, direcção e fiscalização da R.;
c) – Iniciou esse trabalho em 3.4.2001;
d) – O A. tinha a categoria profissional de motorista de pesados;
e) – O A. encontra-se filiado no Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos do Centro (STTRUC), o qual por sua vez se encontra filiado na Federação dos Sindicatos dos Transportes Rodoviários e Urbanos (FESTRU);
f) – Ao serviço da R. o A. auferiu a remuneração mensal base de €. 548,68 até Agosto de 2002, inclusive, e a partir daí €. 573,62;
g) – Em 9.5.2003 o A. enviou à R., sob registo, uma carta, na qual lhe comunicou que punha termo ao contrato de trabalho existente entre ambos, com efeitos a partir de 10.7.03, data a partir da qual deixou de trabalhar para a R.;
h) – Durante todo o tempo que esteve ao serviço da R., o A., no exercício das suas funções realizou transportes de mercadorias entre Portugal e diversos países da Europa, nos quais permanecia vários dias;
i) – Por ter ido à Ucrânia, o A. não trabalhou para a R. entre meados de Outubro de 2002 e o final de Dezembro do mesmo ano;
j) – A R. pagou ao A. as seguintes quantias líquidas, enquanto este esteve ao seu serviço:
- Com referência ao mês de Maio de 2001, €. 1067,43, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 40, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
- Com referência ao mês de Junho de 2001, €. 1296,88, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 41, cujo teor se dá aqui por vertido;
- Com referência ao mês de Julho de 2001, €. 1.296,87, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 42, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
- Com referência ao mês de Agosto de 2001, €. 984,63, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 43, cujo teor se tem por reproduzido;
- Com referência ao mês de Setembro de 2001, €. 1.341,77, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 44, que se tem aqui por vertido;
- Com referência ao mês de Outubro de 2001, €. 1341,77, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 45, aqui dado por reproduzido;
- Com referência ao mês de Novembro de 2001, €. 1.336,78, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 46, aqui dado por reproduzido;
- Com referência ao mês de Dezembro de 2001, €. 1.187,74, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 47, aqui dado como reproduzido;
- Com referência ao mês de Janeiro de 2002, €. 555,63, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 49, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
- Com referência ao mês de Fevereiro de 2002, €. 547,07, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 50, aqui dado como reproduzido;
- Com referência ao mês de Março de 2002, €. 1.391,95, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 51, cujo teor se tem aqui por reproduzido;
- Com referência ao mês de Abril de 2002, €. 1.305,08, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 52, aqui dado como reproduzido;
- Com referência ao mês de Maio de 2002, €. 1.468,46, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 53, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
- Com referência ao mês de Junho de 2002, €. 1.849,71, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 54, aqui dado como reproduzido;
- Com referência ao mês de Julho de 2002, €. 1.573,19, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 55, aqui dado como reproduzido;
- Com referência ao mês de Agosto de 2002, €. 1.169,84, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 56, aqui dado como reproduzido;
- Com referência ao mês de Setembro de 2002, €. 1.340,80, obtido pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 57, aqui dado como reproduzido;
- Com referência ao mês de Outubro de 2002, €. 989,22, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 58, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
- Com referência ao mês de Novembro de 2002, €. 1.029,15, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 59, cujo teor se tem aqui por reproduzido;
- Com referência ao mês de Dezembro de 2002, €. 1.703,65, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 60 e 61, com o teor respectivo aqui reproduzido;
- Com referência ao mês de Janeiro de 2003, €. 1.681,00, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 62, aqui dado por reproduzido;
- Com referência ao mês de Fevereiro de 2003, €. 1.387,91, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 63, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
- Com referência ao mês de Março de 2003, €. 1.263,15, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 64, aqui dado por vertido;
- Com referência ao mês de Abril de 2003, €. 1.437,01, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 65, que aqui se tem por reproduzido;
- Com referência ao mês de Maio de 2003, €. 1.352,24, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 66, aqui dado por vertido;
- Com referência ao mês de Junho de 2003, €. 1.419,07, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 67, que aqui se tem por reproduzido;
- No mês de Julho de 2003, €. 1.399, 35, obtidos pela forma descrita no recibo de vencimentos de fls. 68, cujo teor se tem aqui por reproduzido.
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2 – O DIREITO
Conferido o elenco conclusivo – por onde se afere e delimita, como se sabe, o objecto e âmbito da impugnação – é basicamente uma a questão que nos vem proposta: a de saber se, ante os elementos disponíveis, foi feito uso incorrecto da regra da inversão do ónus da prova, previsto no n.º2 do art. 344º do Cód. Civil, ao não se ter considerado provada a alegada prestação de trabalho em feriados e dias de descanso semanal e complementar por banda do A., e julgado improcedente o correspondente pedido.

Na decisão sob protesto considerou-se efectivamente que, quanto à remuneração pelo trabalho prestado em dias feriados e de descanso semanal ou complementar nada se provou, ou seja, não se provou que o A. tivesse realizado trabalho nestes dias, pelo que a esse título nada lhe é devido.
Pretexta o recorrente que se está perante uma situação de inversão do ónus da prova e que, por isso, caberia à R. fazer a prova de que o A. não realizou trabalho nos dias em causa, referidos no item 27º da Petição Inicial, já que ao longo de todo o processo tudo fez para inviabilizar e impossibilitar ao A. a apresentação dos meios de prova dos factos por si alegados para tal efeito.

Será, linearmente, assim?

Nos termos da regra geral do art. 342º/1 do Cód. Civil, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requererá que ela seja notificada para apresentar o documento dentro de prazo que for designado, notificação que será ordenada se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa – art. 528º do C.P.C.
O A./recorrente desde cedo manifestou essa disposição, como se constata pelo articulado inicial.
A R. juntou espontaneamente os documentos de fls. 40 e seguintes e o de fls. 76.

Foi depois expressamente notificada – despacho de fls. 101 – para juntar os documentos requeridos pelo A. na resposta à contestação (os discos de tacógrafo e os relatórios de viagem utilizados e referentes ao período em que se manteve ao seu serviço).
A R. veio informar, na sequência, o que consta de fls. 107, ou seja, que apesar de todas as diligências para localizar os discos em causa, tal não foi possível; admitindo que pudessem ter sido furtados, apresentou participação criminal, conforme cópia que anexou.
Quanto aos relatórios de viagem, os mesmos não são feitos – declarou.
Foi junta cópia do despacho de arquivamento da queixa-crime proferido pelo EMMPº.

Na Acta referente à sessão da Audiência de discussão e Julgamento (fls. 156-7) e não obstante o acima consignado, o A., invocando a extrema importância para a prova do adrede alegado, requereu de novo a notificação da R. para vir aos Autos efectuar a sua junção, ‘sem prejuízo da inversão do ónus da prova a que alude o art. 344º/2 do Cód. Civil’.

Foi a R. notificada para proceder à pretendida junção dos aludidos registos, em 15 dias.

Veio então expor o que consta de fls. 165-6, ou seja, em resumo, que os relatórios de viagem não eram então elaborados e que, relativamente aos discos de tacógrafo, os mesmos terão desaparecido do seu escritório, como já dera conhecimento ao Tribunal, tendo participado criminalmente por suspeitas de que o próprio A. tivesse cometido o furto…
Do resultado da investigação do MºPº já deu também conhecimento, …’donde se retira a conclusão da reiterada impossibilidade de juntar tais discos, pela simples razão de que os não possui’ (sic).

Ora bem:
Tudo visto e ponderado – e pese embora o compreensível desapontamento do impetrante… – cremos que não lhe assiste razão.

Com efeito:
Como se constata, o A. pretendia fazer a sua prova usando documentos em poder da parte contrária.
Na sequência da notificação feita, nos termos previstos no n.º2 do art. 528º do C.P.C., a R. não apresentou realmente os pretendidos documentos, mas veio justificar, à sua maneira, por que o não fez…
Não é por isso caso de aplicação imediata da cominação a que alude o n.º 2 do art. 519.º, ‘ex vi’ do art. 529.º (sempre do C.P.C.), por não poder concluir-se que se tenha recusado, sem mais, a prestar a sua colaboração.

Cremos que no art. 519º /2 estão prevenidas duas situações: a) a recusa de colaboração de terceiros, para a qual se prevê a imediata condenação em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; b) ser o recusante parte na causa, caso em que o Tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, como regra geral, sem prejuízo da inversão do ónus da prova preceituado no n.º2 do art. 344º do Cód. Civil.

Verificada, como no caso, a situação de escusa do notificado, prevê a Lei Adjectiva – art. 530.º – duas hipóteses:
- O notificado declara que não possui (nunca possuiu) o documento. Pode então o requerente vir provar, por qualquer meio, que a declaração não corresponde à verdade – n.º1 da norma;
- O notificado assume que possuiu o documento.
Então, não o apresentando, a única possibilidade que tem para eximir-se ao efeito previsto no n.º2 do art. 344º do Cód. Civil, é a de vir demonstrar que, sem culpa sua, ele desapareceu ou foi destruído – n.º2 da norma.
E percebe-se perfeitamente o que pretendeu o legislador: se a parte possuiu o documento e não o apresenta, há-de demonstrar por que não o faz.
Como, por que via?
Provando que, sem culpa sua, ele desapareceu ou foi destruído.
Sem esta, ou outra exigência coercitiva semelhante, fácil seria frustrar o escopo da Lei e o alcance postulado pelo dever de cooperação para a descoberta da verdade, proclamado no art. 519.º/1 do CPC.

Veja-se a anterior redacção desta previsão, que já apontava no mesmo sentido: ‘O notificado que haja possuído o documento não fica inibido de provar que, sem intuito doloso, ele desapareceu ou foi destruído’.

Recuando ao C.P.C. Anotado, Vol. IV, pg. 37 e seguintes, vejamos a reflexão do Prof. Alberto dos Reis sobre a previsão normativa homóloga, com assento no art. 553º do C.P.C então vigente.
Aí se dispunha (sob a epígrafe ‘Cominação imposta à parte que não junta o documento’) que se o notificado não juntar o documento nem fizer declaração alguma, ter-se-ão por exactos os factos que por meio do documento se pretendiam provar…
As três atitudes possíveis do notificado passavam, na tese deste Insigne Mestre, 1) pela junção do documento; 2) não o juntava, mas fazia declarações ou 3) nem juntava o documento nem fazia declaração alguma.
Na segunda hipótese, (a que nos interessa), se já tivesse admitido, expressa ou tacitamente, ter a posse do documento, obviamente não podia aceitar-se a declaração de que o não tem.
Esta era a regra, compreensível – então como agora – por evidentes razões decorrentes dos princípios da lógica, da natureza das coisas, e da experiência e senso comuns.
Então como agora, tendo o notificado reconhecido ter possuído o documento e não o juntando, ou alega e prova – como impressivamente ensinava A. dos Reis – que, posteriormente ao reconhecimento de que o possuiu, o documento desapareceu ou foi destruído, em consequência de facto que não lhe é imputável, ou fica obrigado a juntá-lo, sob a cominação ditada no começo do artigo (citámos, sublinhando).

Resta saber – e reconhece-se que a resposta envolve o seu melindre e sempre terá de ser casuística – como pode (e até onde pode) demonstrar-se eficazmente que, sem culpa da parte, o documento desapareceu ou foi destruído.
Bastará para o efeito – e ‘a posteriori, como fez a notificada/R… – apresentar uma participação-crime contra um suspeito (ou até contra desconhecidos), e juntar depois o despacho de arquivamento do MºPº, para cumprir a falada exigência legal?
Reconhecendo que, em tese, até possa ser verosímil a pressuposição da R. (participou a suspeita do putativo furto contra o próprio A. …que desde a primeira hora reclama/va daquela a junção dos falados documentos), e que, num cenário de total boa-fé, nem seja possível fazer muito mais do que isso, entendemos resultar da Lei interpretanda – desde logo da letra e, como cremos, também do seu espírito – que a prática daquela formalidade/participação ao MºPº não satisfaz a exigência normativa.
O notificado que tenha possuído o documento, e que pretenda eficazmente eximir-se ao efeito/cominação previsto no n.º2 do art. 344.º do Cód. Civil tem que demonstrar (= alegar e provar) que, sem culpa sua, o documento desapareceu ou foi destruído.

Podemos então concluir que:
No contexto e circunstâncias constantes dos Autos, a simples participação do pretenso furto dos documentos em causa, com o resultado inconclusivo da subsequente investigação desenvolvida pelo MºPº, não cumpre a condição a que alude o n.º2 do art. 530.º do C.P.C.

Importa, todavia – e decisivamente – considerar o seguinte:
Como resulta do previsto no n.º2 do art. 528º do C.P.C., sempre que se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária e se conclua que os factos que a parte pretende provar têm interesse para a decisão da causa, será ordenada a notificação.
Ante a não apresentação do documento, (a atitude mais gravosa, recusa), somos imediatamente remetidos para a aplicação do disposto no art. 519.º/2…sem esquecer a solução prevista no art. 530.º (escusa e não recusa do notificado).

Afigura-se-nos que, face à regra reservada para as situações em que o recusante é parte, devem ainda assim ponderar-se dois momentos, naturalmente em função da gravidade e relevância da recusa: a aplicação da regra geral, ou seja, a da apreciação do valor da recusa para efeitos probatórios, ou então, sendo caso disso, (…’sem prejuízo de’…diz a Lei), fazer operar a regra da inversão do ónus da prova prevista no n.º2 do art. 344º do Cód. Civil.

E – se bem pensamos – parece-nos que num ou noutro caso (arts. 519º/2 e 530º/2) sempre haverá que considerar, como atrás se disse, que a regra da inversão do ónus da prova não opera automaticamente.
Dito de outro modo, não terá sido prevista para ‘sancionar’ qualquer falta de cooperação (recusa o escusa) da parte contrária.
Diz expressamente o n.º2 do art. 344.º do Cód. Civil que há inversão do ónus da prova, quando a parte tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado (sublinhámos).
Ora – tanto quanto nos é dado verificar pela compulsação do processo –, em parte alguma o A./requerente/recorrente alegou ser o uso de tais documentos a única prova possível para demonstração do direito peticionado.
Pretextou apenas serem de extrema importância para a prova da matéria alegada – Acta a fls. 157.
Não obstante, foi por si oferecida outra prova (v.g. testemunhal) sobre a referida matéria, como se constata do consignado nas Actas da produção antecipada de prova e de Audiência de discussão e julgamento – fls. 135, 168 e 181 – e resulta aliás também referido na fundamentação/motivação da decisão de facto, a fls. 189.

E não deixa de ser, no mínimo, pouco normal que o A. jamais mencione em que elementos se apoiou para inventariar todos os dias de descanso suplementar, complementar e feriados em que pretensamente teria prestado trabalho …por determinação prévia e expressa da R. (sic, no item 27º da P.I.).
De algum registo ou suporte documental/agenda pessoal se teria valido certamente…como é suposto, em termos de normalidade, atento o tão dilatado lapso de tempo a que se reporta!
Todavia, reagindo às referências a esse propósito feitas na contestação (items 29º a 31 da defesa), limita-se laconicamente a dizer ‘que entregava à R., como lhe competia, os discos de tacógrafo que utilizava, os quais nunca foram por aquela postos em causa’ (artigos 14º e 15º da resposta, a que se alude, não obstante o despacho de fls. 100, por serem de algum modo elucidativos…), quando então poderia ter significado a inexistência de outros meios de prova para além dos documentos de que pretendia fazer uso e da sua imprescindibilidade para o pretendido efeito, explicando, por exemplo, com base em que elementos alcançara a liquidação do pedido estampada no item 29º da Petição Inicial…

Assim, por tudo isto, não pode concluir-se que a actuação da R. tenha tornado impossível a prova ao onerado, embora se aceite logicamente que a não tenha facilitado…

Não obstante o Mm.º Juiz 'a quo' não ter expressado o seu pensamento sobre tal ponto do itinerário cognitivo/valorativo/crítico da prova, não pode deixar de concluir-se, ao menos por imperativo lógico, que, ante a solução alcançada na decisão de facto, se teve por implicitada a consideração de que não havia por que accionar o comando constante da falada norma do n.º2 do art. 344.º do Cód. Civil.

Cremos que bem.
Sem reparo ou censura, por isso.

III –
Nos termos expostos, deliberam os Juízes desta Secção negar provimento à apelação.
Custas pelo Recorrente.
***

Coimbra,